quarta-feira, 4 de março de 2009

Suave brisa

Respigo, de um artigo recente de Helena Matos no jornal Público, a citação extraída de um relatório da Ordem dos Engenheiros:”Passámos a discutir direito e não as ciências do urbanismo e do ordenamento do território, sendo por isso cada vez menos importante a intervenção de técnicos especializados nestas matérias, acentuando-se a intervenção dos juristas preocupados com interpretações da lei e dos tribunais para decisão sobre os conflitos”.Se no lugar onde estão “ciências do urbanismo e do ordenamento do território colocarmos “ciências do desporto e politicas de desenvolvimento”é a citação aplicável à realidade desportiva nacional?
O sistema desportivo não pode viver sem normas. Normas públicas e normas associativas. As públicas que devem traduzir uma intencionalidade politica. As associativas conformarem-se ao direito em geral e à especificidade das realidades a que se aplicam. Umas e outras antes de serem “trabalhadas” como um produto normativo são enformadas por uma determinada concepção da realidade que se pretende normativizar.O direito e as ciências jurídicas são um domínio de conhecimento especializado que as ciências do desporto têm obrigatoriamente que acolher. A complexidade crescente do fenómeno desportivo mais justifica essa presença.
O efeito deletério de uma jurisdicização, eventualmente excessiva, inicia-se quando o discurso político emigra. Ou acha que não é necessário dizer ao que vem e para que serve. Que basta viver à sombra de frases de “efeitos rápidos”.Exemplo que podemos encontrar no caso da novo modelo que o Estado pretende que as federações desportivas adoptem se pretendem receber delegação de competências públicas ou nos novos centros de alto rendimento. No primeiro caso sem debater e centrar o papel do Estado no domínio das politicas públicas. No segundo uma espécie de serviço “à la carte”que satisfaz as diferentes corporações desportivas contempladas mas que está longe de constituir uma peça de desenvolvimento do alto rendimento se não articulável com uma estratégia para o sector o que envolve outros factores críticos. Exceptuando a proposta de museu do desporto, não há, no final da legislatura, um texto de intervenção política que consubstancie doutrina e permita perceber o papel do Estado nas políticas de desenvolvimento desportivo. O desporto não tem, por isso, intervenção jurídica a mais; tem intervenção política e debate ideológico a menos.
É esta ausência a par de uma clara desideologização das políticas públicas desportivas que enfraquece naturalmente o debate e o confronto político numa corrente em que seria injusto incluir apenas o governo tal é a incapacidade e impotência demonstrados pelos partidos que são oposição ou por aquilo a que à falta de melhor designação se costuma chamar de “sociedade civil”.
Esta suave brisa que se sente, mas não se traduz em qualquer posicionamento alternativo, permite que quem governa procure demonstrar que o que faz é tornar “perfeito” o que, os que lhe atencederam, deixaram “imperfeito” numa evidência histórica que escolhe a “modernização legislativa”como o elogio da provada competência política. O resto é gestão de tesouraria.E uma boa agenda de contactos das pesssoas do "meio".
Onde está preenchido o campo do pensamento, da doutrina e da pesquisa necessário à exacta compreensão da função social do desporto,aos modelos organizacionais, ás políticas públicas e ao papel que devem desempenhar nas sociedades modernas?
Responsabilizar o governo por tal ausência é excessivo. Ele pode sempre argumentar que não carece de tão nobres propósitos para cumprir a sua missão. E que há outros bem mais vocacionados para esse objectivo. E que o não fazem. O que, em parte, é verdade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Professor José Manuel Constantino,
No passado dia 6 de Março, o Reitor da ULHT pediu-me para apresentar o Museu Nacional do Desporto aos alunos de doutoramento, alguns provenientes de países estrangeiros.
O que releva desse debate e dessa apresentação  para além da discussão das questões técnicas e científicas, que para aqui não vêm a propósito  foi, terem-me perguntado se não achava que tinha introduzido uma definição de desporto, nova, que não está escrita em lado nenhum.
Ao que respondi (fugindo estrategicamente á questão), que a interactividade deste Museu não está nos plasmas nem nas sucessivas inovações tecnológicas que hão-de inevitavelmente ocorrer, mas, outrossim, no facto de a resposta à pergunta “o que é o Desporto?” ser sempre inconclusiva. E ter sido este aspecto «inenarrável e inumerável» que foi a base da definição e do conceito museológico que me permitiu fazer o projecto, o programa, o caderno de encargos e o programa preliminar do concurso.
É curioso este «poder» do Património. Como se, aliás, o já não soubéssemos. Minemósine era, na metáfora ateniense, a excelsa esposa de Zeus, tendo as “nove meninas” o trabalho de colar o poder á memória e à Identidade. Isto há quase 3 mil anos atrás.
Permita-me, por causa disto, enviar para a Colectividade Desportiva a mensagem que enviei ontem para a Comunidade dos Profissionais e Investigadores em Museologia e Património.
Assim reza o texto:
 [De Pedro Manuel Cardoso para Universidade de Coimbra (12/03/2009): Política de Museologia e Património em Portugal: Uma parceria para beneficiar e servir os cidadãos]:
Gostaria que se sentissem Convidados para a Exposição “Colecção de Emblemas Desportivos de Frederico da Costa Santos”. Que ocorrerá hoje, dia 12 de Março de 2009, pelas 12 horas, na Torre do Tombo em Lisboa. E que assinala a doação da colecção ao Museu Nacional do Desporto.
A credibilidade do projecto e do programa do Museu - que foram apresentados publicamente no passado dia 23 de Dezembro de 2008, conforme mensagem enviada para a Lista Museum - sai reforçada. A doação desta colecção marca um novo ciclo na gestão, e na responsabilidade, pelo património do desporto em Portugal.
Estamos perante uma das melhores colecções de emblemas a nível internacional, avaliada em muitas centenas de milhares de euros.
Os emblemas desportivos que se apresentam na Exposição são uma pequena parte dos 70 mil que constituem a colecção.
Esta colecção é um documento de extrema relevância para a memória e para a identidade cultural do País: - Permite retratar o percurso da sociedade portuguesa através das instituições desportivas. Permite investigar a iconografia e a heráldica. Permite ter consciência do desporto como uma realidade global. Permite perceber o fenómeno desportivo como uma instituição humana, social e cultural.
Possui um valor didáctico e educativo que transcende o senso comum, e as ideias preconcebidas sobre o desporto. Christian Bromberger, do Laboratoire d’ethnologie méditerranéenne et comparative em Aix-en-Provence, escrevia em Setembro de 1995, no n.º 25 da TERRAIN – Carnets du Patrimoine Ethnologique, “De quoi parlent les sports?“. E, citando Nobert Elias, em “Sport et Civilisation” editado pela Fayard em 1994 (p. 25) punha em epígrafe … «Nous avion conscience que la connaissance du sport est la clé de la connaissance de la société».
São quase seis décadas de trabalho meticuloso, de viagens pelo mundo, e de contactos com inúmeros coleccionadores.
Realço a cooperação entre a Secretaria de Estado da Cultura, a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, a Direcção Geral de Arquivos – Torre do Tombo e o Instituto do Desporto de Portugal.
Foi esta parceria que permitirá às sucessivas gerações usufruírem a colecção como um bem público, a que todos terão acesso.
Este foi o exemplo de um trabalho coordenado em prol da dignificação do património nacional.
Repito. Realço esta cooperação.
Porque, para o benefício dos cidadãos e dos jovens em idade escolar, quer as quezílias estéreis quer as petições mediáticas, aliás, cheias de protagonismo, nada contribuem para acrescentar valor aos portugueses. E são uma maneira de não se discutir os desafios que a política do património e da museologia necessita de equacionar e resolver.
Sejam Bem-vindos à Exposição.

Pedro Manuel Cardoso
12/03/2009