sábado, 6 de março de 2010

De novo, os municípios e o desporto profissional

Esperarmos que os municípios adoptem regras de conduta comuns de forma a responderem uniformemente à questão do financiamento público ao desporto profissional, será o mesmo que esperarmos um contacto marciano em noite de lua cheia.
Pensar-se que “a autonomia e independência do poder autárquico nas opções políticas, no actual enquadramento jurídico, prevalece sempre” no que respeita ao financiamento dos clubes profissionais, é desconhecer a realidade normativa que interdita o apoio financeiro das autarquias locais aos clubes desportivos participantes em competições desportivas de natureza profissional (n.º 2 do art.º 46.º da LBAFD e princípio consagrado igualmente no diploma dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo).
Pressupormos que a problemática da legalidade ou ilegalidade do apoio público é exclusivo do desporto profissional pátrio é voltar as costas a diversas realidades internacionais.

A diferença é que em vários países esta é uma questão reflectida e debatida por muitos e há muitos anos. Quem não sabe dos vários recenseamentos em cidades americanas a propósito do suporte financeiro a instalações desportivas de privados ou dos inúmeros debates e estudos acerca do apoio financeiro das autarquias territoriais francesas ao desporto profissional (nos últimos anos mais acentuado em modalidades como o rugby, o andebol, o voleibol ou o basquetebol e menos no futebol)?
O Estado português poderia, precisamente, atender à realidade regulativa francesa que sumariamente se caracteriza por permitir a celebração de convenções entre as autarquias territoriais e as associações ou sociedades que elas constituam, no que respeita a subvenções públicas ao desporto profissional. Estas estão fixadas com montantes máximos devidamente regulamentados e são admitidas em duas vertentes: missões de interesse geral (formação, o aperfeiçoamento e a inserção escolar ou profissional dos jovens desportistas integrados em centros de formação certificados pela tutela do desporto, assim como a participação da associação ou sociedade em acções de educação, de integração e coesão social) e prestações de serviços (entre outros, compra de lugares, compra de espaços publicitários).

O nosso sistema jurídico-desportivo mantém, há quase 20 anos, o princípio da interdição do apoio financeiro das autarquias locais ao desporto profissional, sem que, efectivamente, a realidade demonstre a aceitação e o respeito por tal princípio. Como tal, urge a criação de um quadro jurídico renovado que permita maior clarificação e transparência deste patrocínio público auxiliando a tomada de decisão dos políticos e a acção dos dirigentes que solicitem tais apoios.
A realidade, nua e crua, tem demonstrado que não é possível a existência de desporto profissional sem o apoio do poder público, e que o poder público o encara com benefícios e externalidades que justificam tal apoio. Frequentemente são invocados alguns deles que passam pela promoção da imagem local, pelo reforço da coesão e integração social, pelas contrapartidas económicas geradas no comércio local, pela perspectiva de carreira profissional que pode desencadear nos jovens atletas enquadrados em centros de formação qualificados, ou simplesmente pelo reflexo e influência que pode gerar no desenvolvimento do restante desporto nacional.

Contudo, existe pouca doutrina acerca desta matéria entre nós, a reflexão e discussão públicas são nulas, e a intervenção política tem-se pautado como um pau de dois bicos: por um lado interdita legalmente o financiamento público ao desporto profissional, mas por um lado vive numa cumplicidade permanente e íntima com os seus agentes e as suas organizações.
Vejamos se o relatório sobre “Competições Profissionais no Sistema Desportivo Português” a ser apreciado no próximo dia 16 em reunião do Conselho Nacional do Desporto comporta algum acrescento, não só para o esclarecimento do que são competições profissionais e de qual é a sua verdadeira realidade, mas também para a elucidação das suas fontes de financiamento.

9 comentários:

Anónimo disse...

Professora, trabalho numa autarquia e por isso sei bem do que fala. Concordo consigo, vivemos numa hipocrisia que é necessário denunciar. Basta ver os politicos quando mudam de cargos, se estão no governo proibem os apoios financeiros mas depois vão para presidentes da liga e já os reclamam. Poderá me dizer onde posso consultar o relatório que indica?


Rui Pedro

Maria José Carvalho disse...

Caro Rui Pedro, apenas sei que está agendada para a próxima reunião do CND a apreciação deste relatório, conforme informação disponibilizada no sitio da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto.
Dúvido que mesmo após a reunião se torne público tal relatório, pois os hábitos portugueses na divulgação de informação são péssimos, tudo fica no segredo dos deuses e de poucos mais.
Presumo que o relatório em causa seja a sequência do trabalho desenvolvido a partir de um documento, esse sim disponível no sitio já citado na parte respeitante ao CND, intitulado "Competições Desportivas Profissionais no Sistema Desportivo Português" datado de 17 de Setembro de 2007.

Luís Leite disse...

Cara Maria José Carvalho,

Quando escrevi que "a autonomia e inependência do poder autárquico nas opções políticas, no actual enquadramento jurídico prevalece sempre" não desconhecia a legislação a que alude no post.
O que efectivamente se passa é que a legislação portuguesa é muitas vezes contraditória e presta-se a interpretações diversas.
Na minha modesta opinião, nada disso é inocente.
Quando a Administração Pública Local pretende ajudar financeiramente os clubes profissionais, há sempre maneira de contornar o disposto nos diplomas em vigor. Como a própria Maria José reconhece no texto, mais abaixo.
São inúmeros os casos conhecidos em que isso aconteceu e continua a acontecer, sem quaisquer consequências sancionatórias.
O problema não se resolve com mais legislação.
Na minha opinião, os municípios devem fazer o que muito bem entendem, no âmbito do seu programa eleitoral e da sua autonomia política e financeira, discriminando positiva ou negativamente as diferentes modalidades, sendo depois sufragados pelos eleitores em eleições. É o que acontece em toda a parte do Mundo civilizado.
Aos Governos compete atribuir finaciamentos adicionais, exclusivamente a iniciativas de interesse nacional, desde que estejam contempladas no Programa de Governo. Também essas medidas estão depois sujeitas ao escrutínio eleitoral.
O que não é de forma alguma aceitável é estas coisas serem feitas sob a forma de "golpadas ou esquemas" de oportunidade, contornando a legislação em vigor e favorecendo "determinados interesses" com eventual corrupção à mistura.
Por mais que se queira fazer nova e melhor legislação, esta é sempre contornável, desde que quem manda assim o entenda.
Menos aceitável ainda, é serem tomadas medidas de investimento altamente ruinosas para as Finanças Públicas, como aconteceu com a construção dos estádios do Euro 2004. Quando os orçamentos acabam por ter derrapagens superiores a 50% e ninguém é responsável. Para isso serve (devia servir) o Tribunal de Contas.
Quando não se mandam fazer estudos de viabilidade económica porque podem levantar problemas à vontade política e aos "interesses" instalados.
Quanto ao Conselho Superior de Desporto, dali não se esperou nem se espera nada de substancialmente importante, dada a sua inacreditável (em parte) constituição e a prevalência clara e maioritária dos interesses do Futebol e da falta de interesse e conhecimento sobre Desporto em geral.
O mesmo direi da Assembleia da República, onde o Desporto pura e simplesmente não mora.
Finalmente, há que ter em conta que hoje em dia, em qualquer modalidade individual, os desportistas de classe mundial, são profissionais. Muitos ganham tanto ou mais dinheiro que a média dos das modalidades colectivas profissionais e a organização das competições nacionais nas respectivas modalidades é por vezes mais complexa e dispendiosa.

Maria José Carvalho disse...

Caro Luís Leite,

Obrigada pelo seu esclarecimento.

Não discordando consigo em algumas questões, no essencial temos posições contrárias.

De facto, entendo que é necessário renovar a legislação respeitante ao apoio financeiro ao desporto profissional, pois perdura há cerca de 20 anos revelando-se perfeitamente ineficaz. Não promove, não melhora nem o desporto profissional nem o restante desporto.

Contudo, atente, o que me parece que seria necessário não passaria por uma actividade de pura técnica legislativa decorrente da acção isolada um dado político e seus assessores. Devia sim passar por uma alteração de concepção e perspectiva do desporto profissional (no qual deveria também ser equacionada a situação das modalidades individuais como invoca), fruto de trabalhos e reflexões alargados. O que me parece muito interessante da experiência francesa é a obrigatoriedade das eventuais contratualizações passarem pela existência de centros de formação nos clubes, devidamente certificados pelas respectivas federações, e assim o apoio público não se restringiria apenas à subsistência da equipa profissional, mas destinar-ser-ia ao clube como um todo, com repercussões positivas para outros sectores desportivos.

A nova legislação atinente a esta matéria, não seria mais legislação, mas sim resultante de uma verdadeira política para o desporto profissional, obviamente não exclusiva para o futebol (no qual não se justifica por ex. 2 ligas profissionais), que envolvesse os profissionais de variados sectores desportivos e que perspectivasse influências positivas para o desporto nacional.

Quanto aos estádios do euro 2004, ao CND e à AR estamos conversados.

Melhores cumprimentos, estes, pelo menos, sempre renovados!

Anónimo disse...

Escreve Maria José Carvalho

Não discordando consigo em algumas questões, no essencial temos posições contrárias.

Diz-se, no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Efe(c)tivamente, o uso da preposição com com o verbo discordar não está corre(c)to e contraria, de algum modo, o sentido do verbo. Com efeito, duas pessoas que discordam uma da outra deslocam-se em sentidos, se não opostos, pelo menos diferentes. Ora, a preposição com encerra em si uma ide[é]ia de companhia, de caminho comum, de concordância, se quisermos. Assim, a frase corre(c)ta é, como a consulente assinala, «na reunião, discordaram da maneira como ela foi orientada»

in http://ciberduvidas.sapo.pt/pergunta.php?id=14331

joão boaventura disse...

Talvez haja alguma resposta, relativamente à pergunta do Rui Pedro, consultando este blog.

Luís Leite disse...

Repararam na composição do CND?
Dá vontade de rir...
Estão à espera de alguma coisa de jeito com um alinhamento destes?
Tanta gente!
E que percebam alguma coisa de Desporto (não só de tricas futebolísticas) só meia dúzia...
Valham ao menos, para todos, as senhas de presença...
Dali não se esperará mais do que uma mão cheia de nada!

joão boaventura disse...

Caro Luís Leite

Não é tanto a quantidade de gente que compõe o CND, mas a presença das pessoas que presidem, o que o conota como um órgão do Estado.

No antigo CSD, a presidência incidia em pessoas estranhas ao Estado.

A presença variada e diferenciada convidada a participar nas reuniões tem como objectivo transmitir a ideia de que as decisões tomadas pelo Estado tiveram o aval de todos os presentes.

Sociologicamente, o CND, é um escudo do Estado, a todos os títulos desaconselhável.

Cordialmente

Luís Leite disse...

Na minha opinião, o Conselho Nacional do Desporto, com esta ou qualquer outra composição, não serve rigorosamente para nada.
Ao Governo compete governar, é fiscalizado pela Assembleia da República e no fim do mandato é sufragado pelos eleitores.
Para quê encenações ridículas?