segunda-feira, 12 de março de 2012

O desporto (sempre) nos Tribunais

Artigo publicado no Público de 11 de Março de 2012.

1. Ainda há quem pense, mesmo muitos juristas, que o desporto se mantém ou se deve manter fora da orla dos tribunais. Porém, a realidade, o quotidiano da vivência desportiva acaba por impor a intervenção desses órgãos de soberania. E, no caso português, assiste-se a um claro crescendo da demanda de justiça.
2. Para fundamentar este exercício de um direito fundamental – quase estamos tentados a afirmar “um mero” direito fundamental, tal a lógica que impera no desporto e, em geral, neste infeliz país –, alguns adiantam a faceta económica da actividade desportiva ou de alguns dos seus segmentos. O recurso aos tribunais, dizem, passou a ser algo de comum, porque o desporto se transmutou em negócio, indústria e, onde navega dinheiro, surgem conflitos.
Não negamos esta evidência. Todavia, temos como seguro, pela leitura de inúmeras decisões dos nossos tribunais superiores, que as organizações e os agentes desportivos – particularmente estes -, buscam nos tribunais a defesa dos seus direitos, muitos deles fundamentais, da sua própria dignidade como pessoa. E, neste âmbito, é o exercício do poder disciplinar pelas federações desportivas que ganha «notoriedade».
3. Em Janeiro e Fevereiro passados, o Centro de Estudos Judiciários e a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, organizaram um Curso de Direito do Desporto, inserido no programa de formação de magistrados. O mote foi uma viagem organizada – como se contasse com um guia – pelas mais recentes decisões dos tribunais portugueses sobre matéria desportiva.
E, para além da extensão dos temas abordados – comprovando a existência de matéria prima em todas as áreas –, a presença, para além de outros juristas, de 80 magistrados (dos tribunais judiciais, dos administrativos e fiscais e do Ministério Público), é prova cabal de que o desporto “anda por aí” nos corredores e nas salas de audiências dos tribunais.
4. Apenas para rematar, um simples exemplo retirado de duas dezenas das mais recentes decisões.
Assim decidiu, recentemente, o Supremo tribunal de Justiça:
I - Os empresários desportivos que pretendem exercer a actividade de intermediários desportivos na contratação de praticantes desportivos, devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade e, nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional, igualmente junto da respectiva liga.
II - Essa obrigação legal impende sobre os empresários desportivos, seja quando os seus serviços são requisitados pelos jogadores, seja quando são requisitados pelos clubes/sociedades desportivas.
III - O contrato celebrado entre um empresário desportivo, não inscrito no registo, e uma sociedade desportiva, nos termos do qual, o primeiro se obriga, simplesmente, a prestar à segunda os seus serviços na negociação da contratação de um determinado jogador de futebol, mediante uma remuneração a pagar pela mesma sociedade desportiva, por celebrado contra disposição legal de carácter imperativo, deve considerar-se nulo.
5. Pois é, eles, os tribunais, andam aí.

5 comentários:

Anónimo disse...

Curiosamente, existem mais "casos" que tem por objecto o RJFD.
Coincidentemente, alguns desses processos estarão instruidos por doutos pareceres de Alexandre Mestre e José Manuel Meirim.
Seria interessante discutir neste forum esses "casos", a bem do Desporto. Ficaríamos todos mais esclarecidos.
As Federações/Associações, os seus Estatutos, o RJFD também estão na Ordem do dia.
Tudo alimentado por uma coluna de juristas que parecem ter criado uma nova modalidade denominada "Direito Desportivo"!
Eles andam por ai e, cada vez são mais ....

Marina Albino disse...

A transversalidade das matérias, leva a que os tribunais se debrucem cada vez mais sobre o desporto.
Os conflitos que decorrem da actividade desportiva, deveriam ser matéria de competência especializada, cujos juizes deveriam ser eleitos por concurso e não sob proposta do movimento desportivo, federações ou entidades afins....

Marina Albino disse...

As questões do desporto, ou relacionadas com ele, devem ser matéria de competência especializada.
O acesso à carreira, em caso de opção pela arbitragem, deve ser por concurso e não por proposta das federações, COP, ou outras entidades similares, sob pena de termos desde o início uma justiça coxa, parcial e de dúvidosa qualidade.

Armando Inocentes disse...

Totalmente de acordo com Marina Albina, embora o concurso devesse ter provas públicas...

Talvez assim quem tem de recorrer aos tribunais recorresse mais vezes para ver os seus direitos salvaguardados e apreciados por quem percebe do assunto!

Cumprimentos!

joão boaventura disse...

Caro Anónimo de 12 de Março de 2012 12:05

Relativamente à criação da nova modalidade denominada "Direito Desportivo", veja que não é tão nova assim:


1930
Les Sports et le Droit
Jean Loup

1946
O Direito e os Desportos. Breve estudo do Direito Desportivo
Constantino Fernandes

1948
Naturaleza Jurídica del Contrato Deportivo
Arturo Majada Planelles
[ O capítulo V é dedicado ao El Derecho Deportivo]

1949
Rivista di Diritto Sportivo

1952
Introdução ao Direito Desportivo
João Lyra Filho--

1956
“Confunde-se o especial e novo direito desportivo, quase nascido com a publicação dos Decretos números 32.241, de 05.09.1942 [criação da DGEFDSE], e 32.946, de 01,09.1943 [Regulamento da DGEFDSE], com o direito geral ou comum”
A propósito de um Despacho ínsito n’A Bola, de 07.01.1956

1962
Revista de Derecho Deportivo
Revista trimestral argentina

1968
Primer Congreso Internacional de Derecho del Deporte
Realizado durante os Jogos Olímpicos do México, de 26 a 30 de Junho de 1968.
As comunicações foram publicadas em dois volumes, respectivamente com 434 pp e 864 pp.

Posterior a 2006
Direito Desportivo.

2012
Artigos sobre Direito Desportivo.

Cordialmente