Dificilmente seria possível encontrar uma só decisão que violasse em tão larga medida o arsenal de recomendações, orientações, resoluções, livros de cor, códigos e regulamentos - de autoridades politicas e desportivas, nacionais e europeias -, como aquela que foi tomada pela Assembleia Geral Extraordinária da LPFP a propósito do alargamento de clubes nas competições profissionais de futebol.
De uma assentada fez-se o pleno e pôs-se em causa elementos basilares da dimensão europeia do desporto como sejam o princípio da promoção/despromoção, as competições abertas, a estabilidade das competições e a salvaguarda da sua integridade.
Curioso seria se, tal como outras deliberações tomadas naquele dia, também desta se desse conhecimento à Comissão Europeia e, já agora, à UEFA, antes sequer de outras instâncias nacionais se pronunciarem…
Não se pretende aqui navegar na espuma dos dias em torno das virtudes do dirigismo desportivo indígena, nem dos encantos de Medeia sobre promessas eleitorais. O espaço mediático estará, por certo, exaurido das mais doutas opiniões e a motivação deste escriba para novelista é escassa.
Se na situação concreta do alargamento Mário Figueiredo poderá alegar que a sua proposta – a qual através de uma liguilha atenuava vários dos problemas acima mencionados - foi chumbada e por isso a sua estratégia ficou condicionada, o mesmo não poderá fazer em relação à queixa que pretende apresentar contra o Estado Português junto da Comissão Europeia por ausência de notificação prévia da regulamentação de exploração dos jogos sociais do Estado em plataforma multicanal, dado que aqui os clubes se limitaram a ratificar um processo que conduziu na integra, o qual enferma de gritantes lacunas, no que respeita a uma orientação estratégica sobre a regulação do mercado de apostas desportivas online que satisfaça os propósitos dos clubes e também no que concerne ao conhecimento sobre a abordagem das instituições da UE neste mercado.
Vejamos:
1. O facto do Estado Português não ter informado a Comissão das eventuais regras técnicas constantes no Decreto-Lei n.º 282/2003, na acepção conferida pela Directiva 98/34/CE, em nada implica que a publicidade e patrocínios de casas de apostas continue a ser uma prática ilegal punível com sanções penais. Isto vários tribunais já o sublinharam, entre eles, bem recentemente, o Tribunal Cível do Porto que declarou nulo o contrato de patrocínio entre uma casa de apostas e a LPFP. Convido, pois, a uma leitura atenta da pág. 77 do respectivo processo.
2. A Comissão Europeia, nunca – nem após o mediático acórdão Santa Casa – moveu qualquer processo contra o Estado Português neste âmbito;
3. Desde que o comissário Michel Barnier assumiu a tutela deste sector os processos de infracção instaurados por eventual violação do direito da UE em matéria de jogo e apostas online na legislação de diversos Estado Membros foram suspensos, uma vez que a litigância e abordagem regulatória da Comissão e do TJUE não têm produzido resultados. Para disciplinar as mudanças num sector em rápido crescimento são necessárias medidas de cariz político, conforme se reconhece em diversos documentos da UE, e até mesmo na jurisprudência do Tribunal. Nesta medida foi lançado um Livro Verde e recolhidos contributos (o futebol português e o Estado português primaram pela ausência) para delinear uma politica baseada no conhecimento profundo do mercado e pondera-se a hipótese de uma directiva onde se estabeleçam bases gerais de convergência em relação a um mercado em plataforma digital e com uma regulação bastante fragmentada;
4. Reiterar publicamente que o “o jogo online não é mais do que o totobola em suporte digital" vem aduzir argumentos favoráveis - precisamente de quem menos se esperava e pretende contestar uma eventual violação ao direito comunitário - a que o regime legal de exploração de jogos sociais por via electrónica não configura uma regra técnica, tratando-se apenas da especificação do direito exclusivo concedido à Santa Casa quando oferece os seus jogos por esta via, mantendo-se o funcionamento do mercado com as mesmas regras pré-existentes.
Por ultimo, e ligando as duas deliberações, imagine-se o que seria um mercado de apostas desportivas online liberalizado num país onde não existissem despromoções na principal competição profissional de futebol, com as carências financeiras que alguns clubes atravessam? O Éden para a criminalidade associada à viciação de resultados através de apostas ilegais...
Alguém que explique a diferença entre uma aposta mútua e uma aposta fixa. Alguém que explique a diferença no risco à integridade das competições e à “verdade desportiva” entre um boletim com 13 jogos onde se aposta na vitória, empate ou derrota de cada e uma aposta durante um jogo que está a decorrer em algo aparentemente tão trivial – e tão susceptível de ser combinado, dado que não compromete o resultado final do jogo - como o jogador que irá marcar o primeiro pontapé de canto.
Opta-se, no entanto, por explicar aqui que várias vezes nem sequer está em causa a combinação de resultados, mas um ambiente privilegiado para implementar esquemas de criminalidade organizada de branqueamento de capitais. O exemplo esquemático foi bem real e encontra-se disponível a quem queira aprofundar o tema:
Este é um assunto demasiado sério - prioridade estratégica do COI, da FIFA e da UEFA, e de várias federações desportivas internacionais - para abordagens experimentalistas no mero propósito de assegurar mais um canal de receitas para o futebol profissional.
Num período onde a ética desportiva anda por aí, oxalá haja nisto alguém que saiba ir além dos cifrões, recolher as experiências de jurisdições mais avançadas neste domínio e ponderar as suas obrigações em matéria de protecção dos consumidores, da ordem pública e da credibilidade das competições desportivas .
De uma assentada fez-se o pleno e pôs-se em causa elementos basilares da dimensão europeia do desporto como sejam o princípio da promoção/despromoção, as competições abertas, a estabilidade das competições e a salvaguarda da sua integridade.
Curioso seria se, tal como outras deliberações tomadas naquele dia, também desta se desse conhecimento à Comissão Europeia e, já agora, à UEFA, antes sequer de outras instâncias nacionais se pronunciarem…
Não se pretende aqui navegar na espuma dos dias em torno das virtudes do dirigismo desportivo indígena, nem dos encantos de Medeia sobre promessas eleitorais. O espaço mediático estará, por certo, exaurido das mais doutas opiniões e a motivação deste escriba para novelista é escassa.
Se na situação concreta do alargamento Mário Figueiredo poderá alegar que a sua proposta – a qual através de uma liguilha atenuava vários dos problemas acima mencionados - foi chumbada e por isso a sua estratégia ficou condicionada, o mesmo não poderá fazer em relação à queixa que pretende apresentar contra o Estado Português junto da Comissão Europeia por ausência de notificação prévia da regulamentação de exploração dos jogos sociais do Estado em plataforma multicanal, dado que aqui os clubes se limitaram a ratificar um processo que conduziu na integra, o qual enferma de gritantes lacunas, no que respeita a uma orientação estratégica sobre a regulação do mercado de apostas desportivas online que satisfaça os propósitos dos clubes e também no que concerne ao conhecimento sobre a abordagem das instituições da UE neste mercado.
Vejamos:
1. O facto do Estado Português não ter informado a Comissão das eventuais regras técnicas constantes no Decreto-Lei n.º 282/2003, na acepção conferida pela Directiva 98/34/CE, em nada implica que a publicidade e patrocínios de casas de apostas continue a ser uma prática ilegal punível com sanções penais. Isto vários tribunais já o sublinharam, entre eles, bem recentemente, o Tribunal Cível do Porto que declarou nulo o contrato de patrocínio entre uma casa de apostas e a LPFP. Convido, pois, a uma leitura atenta da pág. 77 do respectivo processo.
2. A Comissão Europeia, nunca – nem após o mediático acórdão Santa Casa – moveu qualquer processo contra o Estado Português neste âmbito;
3. Desde que o comissário Michel Barnier assumiu a tutela deste sector os processos de infracção instaurados por eventual violação do direito da UE em matéria de jogo e apostas online na legislação de diversos Estado Membros foram suspensos, uma vez que a litigância e abordagem regulatória da Comissão e do TJUE não têm produzido resultados. Para disciplinar as mudanças num sector em rápido crescimento são necessárias medidas de cariz político, conforme se reconhece em diversos documentos da UE, e até mesmo na jurisprudência do Tribunal. Nesta medida foi lançado um Livro Verde e recolhidos contributos (o futebol português e o Estado português primaram pela ausência) para delinear uma politica baseada no conhecimento profundo do mercado e pondera-se a hipótese de uma directiva onde se estabeleçam bases gerais de convergência em relação a um mercado em plataforma digital e com uma regulação bastante fragmentada;
4. Reiterar publicamente que o “o jogo online não é mais do que o totobola em suporte digital" vem aduzir argumentos favoráveis - precisamente de quem menos se esperava e pretende contestar uma eventual violação ao direito comunitário - a que o regime legal de exploração de jogos sociais por via electrónica não configura uma regra técnica, tratando-se apenas da especificação do direito exclusivo concedido à Santa Casa quando oferece os seus jogos por esta via, mantendo-se o funcionamento do mercado com as mesmas regras pré-existentes.
Por ultimo, e ligando as duas deliberações, imagine-se o que seria um mercado de apostas desportivas online liberalizado num país onde não existissem despromoções na principal competição profissional de futebol, com as carências financeiras que alguns clubes atravessam? O Éden para a criminalidade associada à viciação de resultados através de apostas ilegais...
Alguém que explique a diferença entre uma aposta mútua e uma aposta fixa. Alguém que explique a diferença no risco à integridade das competições e à “verdade desportiva” entre um boletim com 13 jogos onde se aposta na vitória, empate ou derrota de cada e uma aposta durante um jogo que está a decorrer em algo aparentemente tão trivial – e tão susceptível de ser combinado, dado que não compromete o resultado final do jogo - como o jogador que irá marcar o primeiro pontapé de canto.
Opta-se, no entanto, por explicar aqui que várias vezes nem sequer está em causa a combinação de resultados, mas um ambiente privilegiado para implementar esquemas de criminalidade organizada de branqueamento de capitais. O exemplo esquemático foi bem real e encontra-se disponível a quem queira aprofundar o tema:
Este é um assunto demasiado sério - prioridade estratégica do COI, da FIFA e da UEFA, e de várias federações desportivas internacionais - para abordagens experimentalistas no mero propósito de assegurar mais um canal de receitas para o futebol profissional.
Num período onde a ética desportiva anda por aí, oxalá haja nisto alguém que saiba ir além dos cifrões, recolher as experiências de jurisdições mais avançadas neste domínio e ponderar as suas obrigações em matéria de protecção dos consumidores, da ordem pública e da credibilidade das competições desportivas .
2 comentários:
Caro João Almeida
Quando se ficou a saber que Henrique Gomes “perdeu o braço de ferro com uma grande empresa”, como esclarece José Gomes Ferreira, pelas razões éticas expostas, a ética nasce e morre todos os dias, nos corredores do Estado.
O que o Caro João Almeida consegue provar através das suas esclarecidas notas é que, quanto mais fala da aplicabilidade da ética aos assuntos decorrentes que nos preocupam, mais o Estado a decalca, recicla, pisa ostensivamente, e faz gato sapato.
A Nação já não é o povo, é o rebanho. E o Estado é o logradouro dos 40 ladrões, que dispõe dos mais poderosos instrumentos de usurpação chamados diplomas jurídicos, cobertos de muita ética mas escondendo muito veneno.
Quando verifico os cuidados extremados do Estado em falar de Ética, em formar grupos éticos para tratarem da Ética, verifico igualmente, e na mesma proporção, que os ricos aumentam a sua riqueza e os pobres descem até à miséria.
E enquanto vivemos debaixo deste cenário dantesco, o Estado, escondido atrás de uma cortina, adora ver-nos entretidos com os problemas do desporto.
Mas tenho sempre prazer em lê-lo.
Cordialmente
Obrigado caro João Boaventura
Recorda Pedro Lomba no Público de hoje Millor Fernandes que no principio não era o verbo, mas a verba.
Acrescento eu... No principio, no meio e no fim.
Abraço
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