segunda-feira, 25 de junho de 2012

Como estimular o desporto escolar? A versão da chancela


Entre colocar os valores do desporto na sua vida e colocar toda a sua vida ao serviço dos valores do desporto vai a mesma distância daqueles que tentam pôr Cristo nas suas vidas em relação aos que entregam as suas vidas a Cristo.
Se na vida religiosa a Igreja tem como missão colocar Cristo nas nossas vidas, na vida civil a Escola tem semelhante missão no que respeita à Educação Física e ao Desporto. Duvidas houvesse basta consultar o cânon. A começar pela Lei Fundamental.
Cumpre pois, em primeira instância, ao Estado criar as condições para tal empreendimento através da sua política desportiva e educativa. Dito de outro modo, é pela articulação do conjunto de instrumentos e recursos ao dispor dos poderes públicos que se propicia ao cidadão o acesso à prática desportiva em ambiente escolar e à educação física, de modo a incorporar, desde cedo, esta actividade ao longo de toda a sua vida, enraizando também o vasto reportório cultural que transmite para a sua formação cívica.
Seria inimaginável assinalar aqui todo o manancial de textos científicos, recomendações ou orientações das mais diversas instâncias, nacionais e internacionais, sobre a importância acrescida da Educação Física e da prática desportiva para combater um dos principais problemas de saúde pública mundial, as doenças relacionadas com a obesidade e o sedentarismo, as quais consomem um assinalável montante de recursos públicos.
Se considerarmos os indicadores disponíveis sobre a prevalência de obesidade e excesso de peso em crianças e jovens, que colocam Portugal com as taxas mais elevadas da Europa, conjugados com os 55% de portugueses que referem nunca praticar exercício ou actividade desportiva, bem como a tendência global para estilos de vida cada vez menos exigentes do ponto de vista físico e motor, diria estarmos perante um cenário propicio para o reforço da actividade física e desportiva da população escolar, seguindo as recomendações acima mencionadas.
Semelhante análise parece ser feita pela Assembleia da República quando recentemente “Recomenda ao Governo a adoção de medidas tendentes ao combate da obesidade infanto-juvenil em Portugal”, entre as quais:
8. A criação de um programa nacional de desporto escolar, organizado por regiões e elaborado em conjunto com os professores de educação física”.
O Governo, no seu programa, a páginas 100, “…entende o Desporto como uma componente essencial do desenvolvimento integral dos cidadãos – Desporto com todos e para todos - e pretende criar condições para estimular o desporto escolar…” e estabelece como primeira medida neste âmbito “Realizar um programa que fomente a prática desportiva contínua ao longo da vida, contemplando inicialmente a introdução à prática desportiva e à competição através da dinamização do desporto escolar…” Relembrando nas Grande Opções do Plano 2012-2015 que “O Governo pretende, também, o estabelecimento de uma política de desporto com todos e para todos, recordando, designadamente, que tudo começa na fase infanto -juvenil…
Vejamos pois como se tem vindo a implementar este desígnio prioritário, mirando os seguintes documentos de orientação programática:
Daqui se conclui:
1.     Inclusão, no 3.º ciclo, da Educação Física, em conjunto com disciplinas como Educação Visual (EV), Oferta de Escola e Tecnologias da Informação e Comunicação, na área de Expressões e Tecnologias, à qual se atribui um crédito de minutos a ser gerido pelos órgãos de administração dos estabelecimentos de ensino, tendo apenas a EV um mínimo de 90 minutos dos 300 semanais afectos a esta área;
2.      Redução de 30 minutos semanais da carga horária de Educação Física para o Ensino Secundário (num total de 150, face às 180 previstas no programa da disciplina);
3.   Redução de 3 horas (135 minutos) para 2 horas (100 minutos) da componente lectiva dos docentes destinada à dinamização de grupo/turma de modalidades de desporto escolar (no ano anterior havia-se já reduzido de 4 para 3 horas)
Acrescem ainda as notícias dando conta que a disciplina de Educação Física deixará de contar para a média final dos alunos do ensino secundário, sem entrar em consideração para a nota de candidatura ao ensino superior, com excepção dos alunos que “pretendam prosseguir estudos nesta área” segundo esclarecimentos do Ministério.
Vem de longe a desvalorização da educação física, do desporto escolar e, num sentido mais amplo, da educação para o desporto em meio escolar. Não esquecendo “que tudo começa na fase infanto-juvenil” e se “pretende criar condições para estimular o desporto escolar” o atestado de óbito está por assinar porque ainda moram nas escolas profissionais que colocaram a sua vida ao serviço dos valores do desporto...
Ao contrário de outras obras de cariz edificado, pena não ser aqui possível datar este tipo de medidas com a típica chancela, autista e autoritária, do “Governo de Portugal”, um hábito incorrectamente seguido e até regulamentado ao nível local com a menção “com o apoio da Câmara Municipal”. Como se o Governo não fosse um órgão do Estado e a câmara um órgão do Município. Como se as políticas não fossem cada vez mais transversais e cada vez menos sectoriais, menos dirigistas e mais participativas, dependentes do compromisso e do envolvimento de parceiros externos.


6 comentários:

Anónimo disse...

Estranho mesmo é não haver por aqui neste Blog quaquer comentário e/ou artigo sobre o "artigo do Jornal i" sobre a actuação do Inspector Superior das Finanças, agora o vice-presidente do IPDJ. Será que as "escutas" já chegaram tão longe ????? que nem de dentro nem de fora existe qualquer comentário ??????? Afinal, sempre se trata de um Dirigente do Desporto Público Nacional.

joão boaventura disse...

Caro João Almeida

A chancela já vem de longe, desde os idos da criação da instituição para a formação de professores.

Sempre se afigurou às chancelarias um gasto supérfluo desbaratar dinheiros com coisas mínimas, mágicas e um tanto circenses, como as educações físicas e as desportos, os clubes e os olímpicos, mais pavilhões, estádios, tudo ao desbarato, ao Deus dará, não porque fizessem falta, mas para calar as bocas, as queixas e reclamações.

Veja bem como as chancelarias viveriam felizes, sem educações físicas e desportos. Só trabalhos e canseiras. Os meninos engordam ? têm problemas de saúde ? Os pais que se desunhem.

A primeira prova residiu, no século passado, em a chancelaria querer embaratecer a mão de obra, inventando e instituindo a criação de cursos de instrutores, gerando atritos entre as duas classes, quando a primeira estava ainda mal definida.

Acabou por morrer a classe de instrutores, por mal pensada.

Depois assistimos à descoberta da liberdade no 25 de Abril, onde a palavra liberdade significou fazer asneiras à vontade, com o pretexto de inovar, mas inovou-se à pressa e mal, mas vivíamos felizes, até chegar à hecatombe, ao despertar dos mágicos troikanos.

No período revolucionário, de 1974 a 1976, houve oito chanceleiros da educação. Para que o máximo deles pudesse vestir a pele de chanceler, o processo foi assim: em 1974 houve 6, e em 1975, dois. Todos eles tomaram o gosto ao cargo, nos tempos que se seguem:
em 1974 - 3 duraram, cada um, 2 meses; 2 duraram 5 dias; 1 durou 3 meses;
em 1975 - 1 durou 5 meses; 1 durou 10 meses.

Desde 1940 até ao X Governo Constitucional o Desporto esteve dependente do Ministério da Educação, e a partir do XI passou, pelos princípios de Peter, a estar dependente da Presidência do Conselho de Ministros que, por muito ocupada, endossou para o Ministro Adjunto, e este, que tem mais que fazer, para o Secretário de Estado, que os programas dos governos têm o cuidado de registar que não têm poder nenhum - serão os criados de serviço dos Ministros Adjuntos? -, e o Sec. de Est. para os directores-gerais ou presidentes de Institutos, mas aqui, afinal já mandam alguma coisa.

É uma linha de comandos militares ou similares.

Pelo panorama, tudo a sacudir água do capote. Tal como me informou o dentista sobre a carestia da prótese dentária: sai cara porque é muita gente a ganhar, ou seja, tem intermediários a mais.

Assim o desporto.

joão boaventura disse...

(conclusão)

Felizmente ou infelizmente, o compagnon de route, essa inócua designação de "educação física", conseguiu manter-se na chancelaria educacional. Felizmente porque a palavra "educacional" tem um peso simbólico e seria supor que o olhar do Ministro seria "cara a cara" para a ed. fís., mas só a designação é de tão longa duração, desde os médicos higienistas que a designava como sendo a puericultura, que acabou por os chanceleres terem uma certa repulsa pelo abstracto.

Mas o tempo limpou-lhe essas impurezas e os professores de educação física passaram a puericultores desde o 1.º até o 3.º ciclo.

As chancelarias educacionais não entendem essa coisa de cambalhotas, saltos de plinto, corridas, pontapés na bola. Acham que são coisas esquisitas, quando esquecem que as coisas esquisitas são os chanceleres que as fazem porque não têm pejo em mostrar a sua ignorância.

Conclusão:
Meu Caro João Almeida, vivemos no reino da fantasia, do mágico, do virtual, do irreal, da mistificação, da irresponsabilidade assumida que, quanto parece, é uma espécie ainda não classificada de ditadura.

Dou-lhe um mero exemplo:
Diário da República, 2.ª série, n.º 14, de 19.01.2012
Ministério da Educação e Ciência
O Despacho n.º 774/2012
Nomeação de uma funcionária para apoio à Rede Informática do Governo, onde no ponto 3 se lê, o inverosímil:
"Nos meses de junho e novembro, para além da mensalidade referida... será paga a mesma, a título de abono suplementar".

Como se vê, a magia está em transformar os subsídios de ferias e de Natal em abono suplementar, o que tem lógica porque os subsídios iam para muita gente, e os abonos vão para alguma gente.

Um abraço

João Almeida disse...

Caro João Boaventura,

Oportuna e subtil a sua análise, levantando o véu sobre a cada vez maior irrelevância da educação pelo desporto junto dos responsáveis pela política educativa deste país.

Afinal uma relação de subalternidade que já vem de longe, e para a qual, é bom lembrar, não são alheias responsabilidades da classe docente de educação física.

Abraço

Luís Leite disse...

Já por diversas vezes chamei a atenção para a causa das causas sobre estas questões:
As elites (refiro-me à esmagadora maioria dos portugueses e portuguesas licenciados do antigamente ou mestres do atualmente), não tiveram formação significativa na área da Educação Física e do Desporto quando passaram pelos Liceus e Escolas Básicas e Secundárias.
Quanto à cultura burguesa e/ou popular, lembro-me, em miúdo, nos anos 60, da célebre frase proferida por pais, mães, avós e tias: " Não corras que te cansas e ficas a suar!".
Com a democracia, a situação não mudou nada.
As elites (burguesas ou neo-burguesas) ligadas ao poder através da carreira partidária, sobretudo juristas e economistas mas não só, continuam a não ter a mínima noção da importância da Educação Física.
Há uma vaga ideia de que o exercício em ginásios e o andar a pé "faz bem ao coração" e sobretudo "é bom para manter a linha".
E quanto ao Desporto, tem sido cada vez mais Futebol, sendo as outras modalidades praticamente desconhecidas e vistas como meras curiosidades pontuais, quando uns estranhos concidadãos que muito poucos conhecem de nome, se dão ao luxo de ganhar umas medalhas em Jogos Olímpicos ou Campeonatos do Mundo.
Restam os comentadores profissionais de Futebol de bancada ou de sofá, ignorantes de Desporto), que ganharam notoriedade e fama a promover a clubite doentia nos nossos televisores.
As nossas elites masculinas adoram esses programas televisivos.
Somos um país de elites culturalmente pobres.

joão boaventura disse...

Caro João Almeida

Num Estado há sempre dominantes e dominados. Se o Governo é dominante, os professores de educação física são dominados, e não se afigura, nestas circunstâncias que os pratos da balança se equilibram.

È muito provável que algumas culpas caibam aos professores de educação física, mas elas resultam desse desequilíbrio imposto que os obriga a lobrigar novos horizontes para estancar o derrame que os governos sucessiva, teimosa e agressivamente decretam, promulgam e acentuam.

É provável que a conquista obtida, em 2004, pela classe para se equiparar a disciplina aos das cadeiras intelectuais e científicas, com as classificações, e pontos escritos, apresentava-se como um recurso demonstrativo de que todas as cadeiras seriam iguais em importância e valia, mas depararam com um imprevisto e inesperado impasse que obliterou o que parecia ter alguma lógica.

Chegados ao final do ano lectivo as expectativas dos alunos para ingressarem na Universidade saíram goradas, porque as classificações (médias, altas ou baixas, mas insuficierntes) vinham coarctar-lhes a escolha da carreira, transformando a educação física numa cadeira destinada a obstruir o futuro, independentemente de alguma animosidade já prevalecente.

A celeuma gerada parece não ter tido qualquer reacção positiva, no sentido de encontrar uma saída para um problema gerado pela mesma classe. Colocada mentalmente entre duas situações – ou aumentar a nota, ou mantê-la – optou eticamente pela segunda, tomando uma posição de força que o Estado não lhe reconhecia, tanto mais que nas reuniões em que as notas definitivas eram atribuídas, alguns docentes das restantes disciplinas, e face ao currículo de alguns alunos, não tinham qualquer objecção em levantarem a nota, para facilitar a entrada nos cursos superiores.

Perante este quadro, o Ministério tomou a única decisão possível que foi a de decidir que a disciplina de educação física não entrará no apuramento da média final para acesso à universidade, no próximo ano lectivo, mantendo-se o sistema para os que pretenderem ingressar nas universidades de âmbito desportivo, onde aí a classificação já tem um peso valorativo específico.

O sonho realizado da igualização da educação física com as outras disciplinas desfez-se em espuma. E, se a animosidade do Governo para com a educação física escolar, no caso vertente, e para com o desporto, em geral, se vem patenteando com manifesto desassombro, ao longo de todas as legislaturas, a classe acabou por fornecer ao Governo mais uma oportunidade para ir agonizando a disciplina.

Mal comparado o panorama afigura-se - di-lo Noam Chomsky -, face ao quadro clínico do país, como a guerra unilateral de classes, dos políticos contra “a classe trabalhadora, os desempregados, os pobres, as minorias, os jovens e os velhos, inclusive as classes médias”, que saíram derrotados da luta desigual, e por isso deixaram de lutar.

A classe dos profissionais de educação física não escapa à regra. As forças políticas estão totalmente desfocadas na foto, porque já demonstraram como se constrói uma guerra unilateral e um abismo, e cujo filme está a passar à nossa frente, hora a hora, dia a dia, ano a ano.

Um abraço