domingo, 20 de janeiro de 2013

O árbitro errou: a Liga é responsável?


Texto publicado no Público de 20 de Janeiro de 2013.


1. Contávamos dedicar mais umas linhas ao Tribunal Arbitral do Desporto como meio alternativo – aos tribunais estatais – de resolução dos litígios desportivos. Operamos, porém, um hiato, certos de que, o que relataremos também serve de elemento a ponderar para capacidade ou não dos tribunais para dirimir tais conflitos, tendo presente os argumentos que se avançam para uma “quase verdade” que muitos têm por inatacável: a imprescindibilidade da via arbitral. Será mesmo assim?
2. Num dado jogo da segunda liga francesa, o guarda-redes de uma das equipas, após um choque violento, sofreu lesões de significado.
O atleta, por esse facto, veio a interpor uma acção contra a Liga, visando ser indemnizado pelos dânios sofridos. Para tal, invocou em tribunal, que o árbitro da partida cometeu um erro, pois chovia fortemente e, deveria ter declarado o tereno de jogo com o impraticável. Por o não ter feito é que sucedeu o acidente e os consequentes danos.
3. No passado dia 22 de Novembro o tribunal de Nantes veio a decidir.
Deve-se ter presente, desde logo, que o legislador francês, no seu afã normativo e publicizante do desporto federado, dedica uma real atenção ao agente de arbitragem: eles exercem funções com total independência e imparcialidade, no respeito dos regulamentos editados pelas federações desportivas. Por outro lado, o árbitro é encarado co o alguém que exerce uma missão de serviço público, sem que exista um vínculo laboral com a federação desportiva.
4. Para o tribunal administrativo francês revelou-se como essencial para a sentença, precisar a qualificação da decisão de um árbitro que declara o terreno de jogo como aceitável para iniciar ou não interromper uma partida.
E, assim limitada a questão, o tribunal entendeu que essa decisão do árbitro se alicerça na aplicação de regras técnicas próprias à disciplina do jogo e, por essa razão, não pode ser objecto de conhecimento pelos tribunais administrativos e consequentemente servir de fundamento a uma acção de responsabilidade.
Ou seja, “traduzindo para português”, estamos prante uma «questão estritamente desportiva”, reservada, pela lei portuguesa, ao foro interno dos órgãos federativos. Em França, a decisão do tribunal de Nantes incorpora-se numa linha jurisprudencial constante.
5. Não se deixe de referir, todavia, que existe já uma decisão de um tribunal superior português que, não obstante ter qualificado uma dada questão – precise-se que não envolvia uma decisão de árbitro – como estritamente desportiva, não se sentiu incapacitado, antes pelo contrário, de analisar eventual responsabilidade civil derivada da mesma.
6. E ainda dizem – muitos defensores do Tribunal Arbitral do Desporto – que é pela via arbitral que vamos alcançar decisões especializadas em matéria desportiva, para as quais os tribunais do Estado não estão preparados.

11 comentários:

Fernando Tenreiro disse...

Há duas questões que podem ser claras:
1 - O Tribunal Arbitral agiliza a aplicação do normativo desportivo e economicamente é custo-eficiente em áreas que o Estado decidirá com menor 'conhecimento'/'qualidade'.
2 - O Tribunal Arbitral pode errar e a sua actuação deverá ser sujeita a um escrutínio público igualmente ágil/custo-efectivo.

Duas perguntas:
1 - Estas questões são aceitáveis?
2 - Não podiam estar em vigor há 'décadas'?
Um abraço

Fernando Tenreiro disse...

Esta não é a minha área a arbitragem desportiva mas ela surge como promissora para a eficiência do mercado do desporto e do comportamento dos seus agentes económicos.

Não é para aqui ser respondido, pareceria útil ter uma ideia das ineficiências da decisão arbitral no desporto e do outro lado de que se queixam os agentes privados da sua aplicação e quais as reivindicações do decisor público para a melhoria do bem público.

Enfim, são só ideias que ajudariam a estabelecer as causas para decidir consequências.
Vamos conversando,

Luís Leite disse...

Na minha opinião não se justifica a existência de um Tribunal Arbitral para o Desporto.
As Federações já têm as instâncias técnicas e disciplinares suficientes.
E de qualquer modo há sempre lugar a recurso para os Tribunais adequados, nos termos da Lei.
Para quê mais um?

José Manuel Meirim disse...

Voltarei - em breve - ao tema do TAD nacional. A minha posição encontra-se plasmada em parecer que a Assembleia da República entendeu solicitar-me e disponível, na íntegra, na respectiva página web.Aí há uma opinião jurídica sobre as iniciativas em presença, mais do que uma pronúncia sobre a utilidade da criação do TAD. Essa, parece-me claro, já está politicamente assumida.
Nestes textos de opinião, procuro discutir as premissas dessa valoração política quase generalizadamente aceite.
Na segunda parte direi algo sobre os axiomas da celeridade e da especialização do TAD.Obrigado.
José Manuel Meirim

joão boaventura disse...

A propósito da criação ou indesejável nascimento do Tribunal Arbitral do Desporto lusitano, lanço o convite à leitura do post A PROPÓSITO DO TRIBUNAL ARBITRAL DESPORTIVO.

Luís Leite disse...

Por que razão os Tribunais do Estado estarão preparados para julgar sobre tudo e mais alguma coisa e não estão preparados para decidir e julgar sobre o Desporto?
Então teríam que existir Tribunais especializados para todas as actividades...

joão boaventura disse...

Em virtude de o link que lancei no anterior comentário ter aparecido como tinta invisível, de que peço descculpa, reenvio o mesmo convite para a leitura do A propósito da criação do Tribunal Arbitral Desportivo, na esperança de que a tinta tenha passado a visível.

Cordialmente

Fernando Tenreiro disse...

Boa pergunta e directa a merecer igual resposta.

Vou tentar.

Aqui vão algumas dicas.

Há um custo económico para saber tudo.

O custo é proibitivo para saber tudo, subentendendo que é possível saber de desporto como um especialista ou uma pessoa que viveu uma parte significativa da sua vida no desporto.

Nomear um juiz para julgar um caso de desporto, caso nunca tenha julgado nenhum, tem um custo elevado para o mesmo e para o sistema de justiça, havendo uma probabilidade da justiça não se fazer.

Os tribunais arbitrais são um meio caminho em que pessoas que passaram a vida no desporto desde que se comprometam a respeitar as leis gerais possam julgar com justiça um caso desportivo qualquer.

Não faço a mínima ideia como é alcançado estre comprometimento.

Do ponto de vista económico há benefícios vários que serão intuitivos pela descrição que fiz ou talvez não.

Obviamente esta explicação é uma conversa de café.

Comprimentos, larguras e alturas

joão boaventura disse...

A TEIA DA ARANHA DO tribunal arbitral do desporto

Sobre esta matéria que ora anda nos corredores do mundo lusitano será oportuno dar a conhecer como é que o Estado constroi uma teia de aranha, a contento do Governo porque é mais um pusilânime instrumento de fazer a justiça que todo o mundo lusitano, e extra-fronteiras conhece, critica e repugna.

Portanto, vejam como a aranha irá aparecer vestida, a preceito com as cores do arco-íris para enganar os tolos.

Mas talvez fosse mais oportuno ir à nave espacial Actividade Parlamentar e Projecto Legislativo, para verificar como os operários suam e se esgotam na trabalheira de uma construção fora do tempo e do contexto, havendo problemas mais prementes em termos sociais e económicos agudizando-se em cada dia que passa.

Mas a fobia legislativa faz esquecer aos dignos deputados os problemas graves da Nação, e enquanto a Troika vai e vem folgam as costas. Nada para esquecer esses problemas como inventar mais uma lei que se sabe desnecessária para entretenimento e ocupação do tempo em jogos de puzzle e encaixe de artigos, parágrafos e alíneas, não esquecendo os longos Motivos (inexistentes mas que poderão ocorrer daqui a 50 anos), e as revogações que legitimam a produção legífera.

Cordialmente

Luís Leite disse...

Fernando Tenreiro:

Os Juízes de Direito só têm que saber de Leis e de Códigos legais para aplicar a Justiça.
Não têm que saber de nenhuma área de actividade em concreto.
Ao julgarem, podem recorrer a especialistas sobre as diversas matérias especializadas que naturalmente desconhecem ou não dominam.
Os seus argumentos para o Desporto seriam os mesmos para qualquer outra actividade.
Além disso, não há ninguém que saiba o suficiente de todos os desportos para se dar ao luxo de dispensar especialistas em cada modalidade.
Quem saberá muito, em simultâneo, de Xadrez, Futebol Americano, Cricket, Bridge, Boxe, Luta Greco-romana, Atletismo, Tiro com Arco, Canoagem, Voleibol, Pesca Desportiva, etc.?

Fernando Tenreiro disse...

Boa pergunta Luís Leite
Não podemos cair em particularismos absolutos.

Há limites para a abordagem da realidade.

A maior parte dos particularismos das actividades desportivas que apresentou são comuns.

Há uma especialização para essa ossatura comum e esses particularismos são o suficiente para constituir uma distinção entre quem as conhece minimamente e quem tem de começar do zero.

Haverá dúvidas e questões para quem começa, que quem conhece a produção de desporto assume conclusões mais rapidamente e com maior economia de meios.

Isto não evita a necessária análise da realidade e do alcance do caso em apreço.

Digo-lhe também que não estou a ser exaustivo.

Esta matéria merece muito mais análise e a médio prazo talvez levante questões que ajudarão a transformar o nosso desporto.

Vamos a ver se conseguimos chegar lá.

Melhores cumprimentos,