sexta-feira, 13 de março de 2009

Pedir ao peru para votar a favor do Natal

O mercado é o mecanismo mais eficiente para controlar a produção de bens e serviços, desde que a distribuição do bem-estar por ele gerado seja suportada num quadro regulador que garanta a sua sustentabilidade e o bem comum.

Ora, se o sistema regulador varia em função das características de cada sector de actividade, existe, a montante, um conjunto de princípios que suportam o funcionamento do mercado. O dinamismo na circulação de recursos como meio de valorização da cadeia de valor talvez seja um dos mais importantes.

As limitações a este princípio de funcionamento do mercado só por motivos de excepção se devem implementar.

O modelo piramidal do desporto europeu, fundado em competições abertas de promoção - despromoção, funcionou durante anos como processo de homeostasia competitiva , uma vez que – em tese – apenas as equipas do meio da tabela classificativa poderiam ficar arredadas de um factor motivacional e de incerteza até ao final da competição.

No entanto o desporto globalizou-se, e diversos foram os fenómenos que puseram em crise este modelo autopoietico. Existe hoje um trade off importante entre a protecção e valorização da formação de praticantes, e a necessidade de regulação na circulação de activos no desporto profissional como mecanismo vital para o financiamento de toda a pirâmide desportiva. Algo que se acentua em contextos de recessão económica.

Desta tendência se aperceberam, mais cedo ou mais tarde, os principais dirigentes das autoridades desportivas internacionais. Variam, no entanto, as suas abordagens para agir sobre o problema.

Tentemos passar a discussão para um plano exploratório, à margem da compatibilidade com o direito comunitário, onde esta se tem esgotado.

No post anterior deu-se conta da abordagem da FIFA, a qual pretende rebuscar as quotas de nacionalidade, considerando a identidade nacional das equipas como o factor decisivo para preservar o equilíbrio competitivo e a matriz solidária que enforma o modelo acima aludido. Blatter balcaniza e arregimenta as federações desportivas nacionais em torno deste objectivo, marginalizando os demais actores desportivos, e procura pressionar, e impor o 6+5 às instituições comunitárias como uma regulação meramente desportiva, no âmbito restrito da autonomia e independência que a UE deve reconhecer às autoridades desportivas.

Platini, que por diversas vezes se distanciou do 6+5, centra a sua agenda no reforço dos mecanismo de transparência, controlo e gestão financeira dos clubes (tectos salariais e intensificação dos requisitos de licenciamento) e, por outro lado, no condicionamento do mercado às transferências internacionais de futebolistas menores de 18 anos.

Os condicionalismos deste espaço não permitem uma análise detalhada sobre estas propostas, a qual, espera-se que se efectue em outros fóruns. Não deixo, contudo, de salientar - à margem das prioridades de agenda - algo que marca a diferença na forma como é conduzida a estratégia da UEFA.

Platini, e outros, perceberam, desde cedo, que a autonomia das autoridades desportivas é tanto mais valorizada, quanto maior for a sua capacidade politica de se envolver no diálogo multi-lateral com as instituições comunitárias a fim de viabilizar medidas que possam conflituar com as normas comunitárias (como será a sua proposta de proibição de transferência a menores de 18 anos).

O sucesso das suas propostas, nomeadamente aquelas que impliquem uma mudança nos padrões de gestão financeira dos clubes - por esse motivo tão estruturantes, quanto controversas -, não mais será atingido com uma abordagem verticalizada; pelo que, como previmos anteriormente, as decisões terão de ser tomadas em coordenação, aberta e estreita, com os demais agentes desportivos (federações, clubes, ligas e jogadores).

Mais do que os instrumentos propostos, talvez a maior diferença e as melhores respostas residam na forma como estes se apresentam e negoceiam.

11 comentários:

Anónimo disse...

Caro João Almeida
1 – No plano teórico, o quadro regulador que refere já é um elemento estranho ao mercado eficiente, cuja mão invisível é a suficiente para gerar o óptimo social.
O quadro regulador só surge com a falha do mercado ineficiente.
Ou seja, na hipótese mais simples o preço dos bens define-se pelo encontro da procura e da oferta livre de regulação.
2 – A liberdade de circulação é fundamental num mercado eficiente. Ora o que acontece é que o mercado europeu não é eficiente, falha, e nesse caso deve haver um quadro regulador, nas suas palavras.
3 – O modelo de desporto europeu deixou de se auto-regular e o futebol mundial tem problemas semelhantes.
A circulação de jogadores melhores e mais baratos ao intensificar-se faliu o desporto amador europeu e mundial. Por isso, a preocupação de Blatter é contra a proliferação de brasileiros por todo o mundo, matando os clubes amadores de todo o mundo e dando uma pior performance aos campeonatos e selecções nacionais.
4 – As propostas de Platini não colidem com a de Blatter e são complementares.
5 – A regra 6+5 de Blatter é distinta da contratação dos jovens talentos de menos de 18 anos de Platini e das questões da ética e dos princípios do desporto europeu.
6 – O título usado, obtido no artigo do The Guardian, refere-se ao futebol inglês que é tão bom com jogadores internacionais que o pedido para aumentar os jogadores nacionais pela parte de Blatter é como pedir ao “peru para votar pelo Natal”.
Ou seja, esta é uma outra consequência da regra 6+5 que é a de permitir que outros países venham a obter uma maior quota-parte de jogadores de qualidade que neste momento são contratados pelos ricos clubes ingleses e podendo vir a disputar-lhes a actual carreira.
Alguns clubes portugueses que contam com a venda de brasileiros para sobreviverem irão ter maior dificuldade em competir no mercado após a regra 6+5. Estes clubes portugueses serão o peru que o seu título refere, creio.
Ver hoje a imagem do Público que mostra a presença maciça dos clubes ingleses nas finais das competições europeias.
7 – Com isto, concordo com a sua última frase.

João Almeida disse...

Caro Fernando Tenreiro

Penso ter captado bem o sentido do meu post.
O titulo é do artigo do Times e esse é mais um obstáculo que Blatter tem de vencer para conseguir implementar o 6+5, para além da UE.
Convencer a liga com maior impacto económico (o peru) dos méritos da sua proposta.
E não me parece que esteja a implementar a melhor estratégia para vir a ter sucesso, ao contrário da UEFA, cujas propostas, também controversas, estão a ser melhor negociadas e preparadas.

Anónimo disse...

Caro João Almeida
tem razão é o times online.

não foi minha ideia dar-lhe razão mas ainda bem que chega a essa conclusão

a razão é sua e você posiciona-se na linha de fogo, o que é uma vantagem para si

o que me pareceu é que a actuação de regulação deve pautar-se pela resolução das falhas do mercado e não pelo que um regulador abstracto pensa ou age.
o processo regulador de todas as leis de bases do desporto portuguesas seguem a segunda e são o desastre eminente que se conhece

depois quando o Platini e o Blatter falam, já testaram com N especialistas as questões que avançam e, por isso, é razoável parar e analisar com cuidado, porque estamos no fim da linha

Pode acontecer que possa vir a alterar a minha posição mas os elementos económicos que tenho coligido parecem dar razão ao Blatter

João Almeida disse...

Admitindo que Blatter possa ter razão em termos económicos (e nessa área você está mais à vontade do que eu para se pronunciar). E se suporte, por exemplo, no estudo que encomendou e que anexei no post anterior.
Numa perspectiva jurídica, sociológica e política o seu pacote é, no minimo, controverso.
A estratégia que tem usado nos ultimos tempos para "vender" as suas medidas não acompanha as boas práticas de gestão de uma agenda política com os reguladores comunitários.
Tomando em atenção os documentos que anexei no post apercebe-se que Platini está a anos luz na foma como dialaga e negoceia com as instâncias da UE e os demais parceiros no mundo do futebol.
E isso faz toda a diferença. Independentemente do mérito das medidas em causa.

Anónimo disse...

Então Bom Dia

O puzzle do desporto europeu é complexo e entusiasmante e você acompanha-o bem

O elemento central que o Relatório Independente abriu foi a multilateralidade e o combate à jurisdicionalização, enquanto resposta do direito para tudo, e ao economicismo, das propostas do tipo do G-18 com a champions independente da UEFA

A partir daí as outras federações, para além do futebol, exigiram um estudo diferente/igual

Platini faz a ponte entre o futebol e as restantes



nós temos um problema muito grave no nosso desporto

há organizações que actuam contra tudo, razuram e plageiam as propostas alheias e baseadas no poder de mercado que possuem fazem de acordo com o que pensam, sem atentar em relação a soluções eficientes e equitativas

mais uma vez o desporto perdeu uma legislatura e o produto desportivo, económico e social do sector regrediu

Depois do que se passou em Pequim eis que o COP, sem ter tomado uma posição consequente, vai ser compensado com novo contrato-programa e novos patrocinios

é fantástico não é?

há que centrar o debate sobre o que fazer na próxima legislatura e aligeirar o autismo e os maus hábitos tradicionais e actuais

Para sobreviverem os portugueses precisam de consumir desporto

fazer como os outros fazem não é instantaneo, não está estudado e são precisos princípios de comportamento que não temos, não sabemos e nem sempre compreendemos porquê

Anónimo disse...

Voltamos portanto ao nacionalismo e à fórmula do mágico "6+5", que já vem detrás, do post <6+5 - Baralhar e voltar a dar num velho jogo>, e que terminou com o comentário de Tenreiro.

No mundo do futebol há 5 mil jogadores brasileiros actuando em diversos países europeus (Portugal, Espanha, França, Bélgica, Holanda, Mónaco), Japão, Canadá, Rússia e Arábia Saudita, fora os que desconheço, o que os converte em cidadãos do mundo. E o mais curioso é que não costumam entrar na figuração das imigrações.

O que acontece por vezes é serem confrontados com aquilo a que Michael Billig chama o “nacionalismo banal”, que é o título da sua obra, onde retrata a sensibilidade de países que, apesar de apegados à sua origem, e sem problemas identitários, constantemente apelam ao seu nacionalismo.

É provável que Blatter tenha recebido alguns ecos sobre a matéria, e queira ultrapassar a querela silenciosa, e não os problemas económicos ou formativos, a menos que estes sejam o pretexto para escapar ao acusatório xenofobismo.

A maior parte dos jogadores brasileiros são jovens das camadas mais desfavorecidas, que aprenderam a jogar nas favelas,nas ruas e nos descampados, e não em escolas de futebol.

Quando chegaram à Europa encontraram alguma dificuldade na circulação e resolveram o problema tornando-se cidadãos europeus, ou portugueses, ou espanhóis, como o Ronaldinho Gaúcho, ou franceses, belgas, holandeses, e os que desconheço.

Por isso a proposta da fórmula “6+5” vai transformar-se na fórmula “(6+3n.)+2”=”9+2”, entre nós, e se, a nacionalização prossegue vamos ter a fórmula “11” de nacionalistas nacionalizados.

Daqui se pode concluir que o problema, mais do que económico, é sociológico.

Não direi que o efeito do “6+5” é perverso, porque já vem detrás e proporcionado pela própria União Europeia que, de tanto se auto-euronacionalizar, acaba por levantar novos problemas.

E Blatter não lhe quer ficar atrás.

Anónimo disse...

a leitura económica é uma possibilidade

outras leituras são úteis para lidar com o problema como a sociologia

o problema neste caso é o da viabilidade do futebol moderno

quando o anónimo desenvolve a teoria da transformação do 6+5 em 11, passa as propostas de blatter para as de platini sobre a ética e a contratação dos jovens de menos de 18 anos

propostas estas que vão atrasar a expatriação de brasileiros para a europa, aumentando a idade de contratação internacional e as hipóteses de descoberta e afirmação em clubes nacionais

as duas propostas dão espaço de actuação aos clubes amadores, remunerando o seu investimento em jogadores de qualidade

sob esta perspectiva, mais uma vez, parece que as propostas dos dirigentes do futebol são no sentido da melhoria da oferta dos países europeus

em termos globais o que ganha o futebol português com esta tendência?

havendo uma diminuição da oferta de contratos europeus, os melhores jogadores continuarão a conseguir contratos, enquanto os jogadores de menor valia posívelmente ficarão barrados de emigrar com a facilidade de hoje

estes jogadores medianos ficarão nos clubes em Portugal ou mudarão de vida

a essência destas propostas é a sobrevivência do futebol como o conhecemos na actualidade

Anónimo disse...

Então o Platini vai ter que fechar a escola de futebol do Barça que "pesca" os jovens dotados de todo o país, dá-lhes educação, instrução, cama, mesa e roupa lavada.

E como escola, onde as disciplinas legais estão contempladas, não falta a de desporto: futebol.

Por detrás desta solidariedade (que é, porque muitos são carenciados), sabe-se que os génios e os talentosos, à maioridade, não vão ser ingratos para quem lhes ministrou todos os instrumentos para crescerem.

Platini é um bem intencionado e a figuração pretende apenas transmitir a ideia de que vai estar atento aos distraídos.

Porque ele sabe, com a vivência que tem no mundo aquoso do futebol, que há muitas maneiras de saltar a vedação proibida.

E o Blatter também, porque o futebol continua a ser, segundo o livro de BROMBERGER, "Football, la bagatelle la plus sérieuse du monde", Paris: Bayard, 1998.

Anónimo disse...

Só mais uma atenção.

Apesar do Barça ter uma escola de futebol bem apetrechada, e uma boa selecção de talentos de todo a Espanha, não se coíbe de recrutar talentos estrangeiros.

Sem ser extremista, considero que as escola se futebol não resolvem o problema do nacionalismo, no sentido de constituir um muro à solicitação de jogadores estrangeiros.

Os países europeus debatem-se com o problema identitário colocado entre o nacionalismo e o europeísmo, e a Europa, entre o europeísmo e o globalismo.

Donde resulta que os nacionais europeus acabam por receber por reflexo o difícil entendimento de como adaptar-se, ou integrar-se, a ou nos três ismos: nacionalismo, europeísmo e globalismo.

Sem dúvida que entrámos na era globalizante, e nela nos estamos a adaptar.

Com todas as consequências que o futebol tem vindo a deparar-se.

Anónimo disse...

O barcelona é a excepção de um grande clube como o manchester também é à sua maneira

ambos produzem futebol de qualidade para oferecerem um bom produto aos seus adeptos e valorizarem o seu produto

o barça fugiu à fúria bolsista que converteu os grandes clubes da europa em paraísos para os magnatas globais captarem valias extraordinárias

o barça pertence aos seus adeptos e não a magnatas ou dirigentes e empresários iluminados pela aura do clube, como existem em portugal

se todos os clubes se comportassem como o barça certamente que as propostas do blatter e do platini seriam adequadas às diferentes circunstâncias que então vigorariam

as propostas da estrutura do futebol não tem haver com nacionalismo mas com a sobrevivência do mercado de desporto que na sua definição é nacional

o nacional tem de ser criado e ser o melhor para confrontar-se ao mais alto nível

a matéria-prima tem de ser nacional e a sobreoferta da internacional impede a nacional de sobreviver

como iremos ter jogadores portugueses na selecção nacional se os clubes de passagem e formação dos jogadores portugueses, benfica, sporting e porto, estiverem cheios das negociatas conseguidas com os jogadores já formados e baratos do brasil e de áfrica

tem de haver limites aos estrangeiros para conseguir selecções nacionais portuguesas

Anónimo disse...

A maior parte dos países europeus têm aplicado a fórmula "7+4", e um ou outro passado para o "6+5", o que deve ter sido um isco sugestivo para o Blatter.

Na Inglaterra, o Chelsea e o Arsenal já jogaram com 11 estrangeiros, e ninguém reclamou, porque qualquer empresa pode recrutar o pessoal melhor qualificado para que a empresa futebol possa proporcionar futebol de alto nível.

Alguns economistas referem que os jogadores de futebol se podem comparar com o dinheiro: ambos circulam.

Se Blatter levantar barreiras a esta dinâmica, a falência do espectáculo futebol estará a aguardá-lo.

Como é possível, havendo tantas escolas de jogadores na Inglaterra, os clubes Chelsea e Arsenal, terem apostado em jogar com 11 estrangeiros?

Porque, os génios e os talentos, não se fazem nas escolas de jogadores.

Como dizia Miguel Torga, "o universal é o sítio onde não há muros". Ora a linguagem do futebol é a única, universal, que todos entendem, sem muros e sem limites.

Criar muros, limites ou condições, é desconhecer os efeitos perversos em que o futebol vai cair.

Espero que Blatter saiba merecer a honra de presidir aos destinos do futebol profissional internacional, e manter a sua universalidade.

Já chegam as fronteiras das pátrias, e das europas.