Com o voto favorável no referendo irlandês e a ratificação presidencial polaca restam poucas etapas para cumprir o objectivo de entrada em vigor do Tratado de Lisboa (Tratado) no início do próximo ano.
Neste cenário, vários agentes desportivos têm-me colocado, nos últimos tempos, um conjunto de dúvidas sobre as possíveis consequências de uma nova competência da União Europeia (UE) em matéria de desporto.
Convém, desde logo, esclarecer que o artigo 149.º (art.165.º na versão consolidada) do Tratado atribui à União competências complementares – de coordenação, incentivo e apoio – no domínio do desporto, excluindo a possibilidade de harmonização legislativa dos Estados-membros. Isso significa que as competências relacionadas com o desporto se mantêm essencialmente no âmbito da soberania dos Estados e das organizações desportivas. Não faz sentido falar-se de uma supranacionalização da política desportiva, quando o desporto é um fenómeno com laços vincados de identidade local e a subsidiariedade é um principio elementar da construção europeia.
Aliás, é esse o entendimento do Livro Branco sobre o Desporto quando assume a co-regulação, num quadro de autonomia condicionada ao respeito pelo direito comunitário, assente em dois vectores:
- A responsabilidade de governação do desporto é essencialmente das organizações desportivas e, em certa medida, dos Estados-membros e seus parceiros sociais;
- A maioria dos problemas do desporto podem ser resolvidos através de auto-regulação, desde que no respeito de princípios de boa gestão e da legislação comunitária. Estando, neste domínio, a Comissão preparada a assumir um papel mediador de interesses, ou tomar medidas, se tal for necessário.
No seguimento da agenda permanente para o desporto (rolling agenda) implementada no inicio de 2004, a coordenação da acção dos Estados-membros, nomeadamente na continuidade do labor das diversas presidências em temas prioritários numa agenda comum e na criação de diversos grupos de trabalho, trouxe um novo ímpeto à acção política da União, até então errática, dissonante e inconsequente. O Livro Branco assume-se como o principal instrumento desta nova ordem ao definir, de acordo com as referências que comandam a produção reguladora comunitária, uma orientação estratégica sobre o desporto na Europa, preparando a acção da União após a implementação do Tratado.
Tomando, em traço gerais, este trajecto e este quadro regulador como a referência de acção da União, e considerando, também, as características do sistema aberto de governação multi-nível em rede que compõe o tecido institucional da União, marcado por impasses e uma lógica de acção política consossiativa, bem diferente do registo adversatorial da política nacional, uma análise prospectiva sobre o futuro da acção política da União no desporto é um exercício arriscado, uma vez que os objectivos políticos da regulação são muito mais condicionados pelas regras de funcionamento do sistema político-desportivo europeu e pela configuração dos interesses e convicções dos seus actores, do que pelas metas e ideias expressas nos instrumentos reguladores.
No entanto, uma competência futura para o desporto, é, desde logo, uma oportunidade para acertar concepções distintas das várias instituições comunitárias sobre a sua governação, garantindo coerência e estabilidade à política da União, possibilitando que a UE fale a uma só voz sobre política desportiva em contextos internacionais e junto de países terceiros.
O envolvimento da União no desporto - marcado por um trajecto, instável e dissonante - através da acção dos reguladores comunitários (TJCE e Comissão), quando estão em causa dimensões económicas relevantes para o Mercado Único, e, por outro lado, pelos instrumentos atípicos, sem carácter vinculativo (declarações, manifestos, resoluções), resultado da abordagem política manifestada pelos Estados-membros, tende a reconfigurar-se, revelando maior coerência de acção, através da competência complementar da União para o desporto. Não só porque poderá fornecer um guia de orientação mais claro às instâncias reguladoras da UE, tendo em atenção os elementos que distinguem o desporto de um mercado convencional, mas também pelo estatuto formal que o desporto irá assumir: quer nos encontros formais dos ministros do desporto dos Estados-membros, quer na sua representatividade junto do Conselho através de um grupo de trabalho para o desporto.
Desta forma, os temas da agenda política do desporto dos chefes de Estado estão ao mesmo nível de outras áreas de competência com profunda ligação ao desporto, como sejam as políticas de concorrência, de educação e formação, de saúde pública, de emprego e livre circulação, ou as políticas culturais, o que significa que estas áreas políticas terão em maior linha de conta os problemas do desporto do que tiveram até hoje. Neste cenário, por exemplo, a desregulação do mercado do desporto profissional que se assistiu após Bosman, fruto de uma regulação normativa marcadamente económica por parte União, teria tido uma abordagem política diferente.
Com a aprovação do Tratado cessam os constrangimentos ao financiamento do desporto, o qual, ainda hoje, apenas pode ser financiado indirectamente através de acções inseridas em programas de áreas nas quais a União tem competências expressas, devido à proibição de dotação orçamental para acções comunitárias sem base legal inscrita nos tratados e dando seguimento a decisões do TJCE. O desporto passa a ter um orçamento próprio para suportar um programa da UE para o desporto a iniciar em 2012.
Este espaço não permite um maior desenvolvimento; para tal, nada melhor do que a visão da própria Comissão, através da apresentação que Susanne Hollmann, da Unidade de Desporto da DG de Educação e Cultura, gentilmente nos disponibilizou.
2 comentários:
para fazer o download desta intervenção de Susanne Hollmann, no fim do texto,
pode-se usar o google sem ter de pagar a ligação que o poste tem
Caro anónimo
O download é gratuito como "free user". Basta aguardar a contagem decrescente do tempo.
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