Com a publicação do Decreto-Lei n.º 273/2009, de 1 de Outubro, fez-se luz para o novo regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo.
Mais controlo e ao mesmo tempo mais liberdade porquê? Este decreto atira para as costas do movimento associativo mais controlo e mais burocracia. Simultaneamente coloca no Estado plena liberdade de actuação e maior poder discricionário para utilizar como mais lhe convier os meios que tem à disposição. Aumentaram-se os direitos e liberdades do Estado, em oposição, do lado do movimento associativo, aumentaram-se as obrigações e sujeições a controlo.
Contudo, o conteúdo do texto legal tem normas e elementos adequados, justos e pertinentes que apoiarão o fim último das políticas do sector. Desenvolver o desporto em Portugal.
Pretendemos dar nota de elementos novos e relevantes. Muito do conteúdo do decreto-lei não é novo. O decreto agora revogado já previa certas obrigações e assegurava direitos às entidades envolvidas. Este novo decreto tem pois uma boa injecção de operação cosmética. Para parecer novo, diz o mesmo de modo diferente.
1 – O novo regime introduz de facto um novo conceito. No âmbito dos apoios públicos ao sector associativo aparece o conceito de patrocínio (público) desportivo, que deve ser realizado por meio de um contrato-programa. Destina-se a apoiar agentes desportivos (estamos mesmo a ver quem são) que projectem o nome de Portugal no estrangeiro. Parece que este artigo foi feito à imagem e à medida de novos “Tiago Monteiro”. Vem dar cobertura legal ao acto que o TC, há 6 meses, considerou como ilegal. Os dois milhões destinados a Tiago Monteiro. O Estado e o legislador abriram a auto-estrada para que o membro do Governo responsável pela área do desporto, sem qualquer controlo, possa atribuir a quem quiser (agentes desportivos / pessoas singulares e colectivas) o montante de dinheiro público que muito bem pretender. Ou seja, desde que projectem o nome do país no estrangeiro (novel atribuição do IDP vs desenvolver o desporto em Portugal) estão em condições de poder receber os dinheiros públicos;
2 – Outro elemento relevante tem a ver com o controlo dos apoios públicos que directamente são atribuídos pelo Estado ao COP e às federações desportivas. De acordo com os termos do artigo 7.º, a partir de agora a concessão desses apoios pelas federações desportivas às associações regionais e aos clubes filiados está obrigada a ser feita mediante a figura do contrato-programa. Coisa simples, de acordo com o artigo 15.º deverá ter no mínimo 10 cláusulas com os respectivos números. Ora aí está. Mais um fardo administrativo-burocrático para as federações desportivas darem execução. Em vez de centrarem a sua acção na promoção da prática e na obtenção de resultados desportivos nas modalidades que dirigem vão dedicar recursos à elaboração de contratos-programa. Neste caso, mais lei, corresponde a menos eficiência. Acresce a isto os recursos públicos que se torna necessário afectar para que a administração pública monte um sistema de controlo para controlar a execução desta norma legal;
3- Outra questão que merece destaque diz respeito à interferência do Estado na autonomia e liberdade interna das federações desportivas. O artigo 16.º dispõe que os contratos-programa podem estabelecer limites aos vencimentos que são livremente pagos pelas federações desportivas aos membros dos seus órgãos sociais. Sabemos nós e sabe também o Estado (legislador / membro do governo responsável pela área do desporto) que bom número de federações desportivas remunera os seus Presidentes e Vice-presidentes. Sendo quase 98% das federações desportivas dependente em mais de 40% de fundos do Estado, podemos assistir a curto prazo à limitação pelo Estado dos vencimentos que as AG’s deliberaram pagar a título de remuneração aos seus dirigentes associativos. Depois vamos ver. Vamos ver as tácticas adoptadas para contornar a malha desta norma. E mais, se o movimento associativo exceder o valor limite vai ter de repor os montantes recebidos. Vamos ter de novo o Estado de lupa em riste para executar mais uma tarefa: verificar ao cêntimo se certa federação remunerou o seu presidente acima do estabelecido. Nobre função - factor de desenvolvimento do desporto em Portugal;
4 – A publicitação dos apoios concedidos pelo Estado, artigo 27.º. Tanta declaração de transparência e responsabilidade faz apenas falta a cereja. A fixação de um prazo (razoável) para que os contratos-programa sejam publicitados na página electrónica da entidade concedente;
5 - Agora as coisas boas. Este decreto-lei tem muitos preceitos legais pertinentes, justos, oportunos e adequados à situação em que vivemos. O artigo 17.º corresponde à cedência de instalações desportivas para uso público. Esta norma que regula as contrapartidas de interesse público veio clarificar o conceito controverso e de difícil aplicação prática de “servidão desportiva”. Assim seja ela aplicada;
6 – A insusceptibilidade de penhora, apreensão judicial de bens ou de oneração associada aos apoios financeiros concedidos pelo Estado às federações desportivas, prevista no artigo 6.º. È uma medida muito boa, levando ao essencial aquilo que interessa – executar o programa desportivo objecto do contrato-programa e assim contribuir para o desenvolvimento do desporto em Portugal. Embora em certos casos, a penhora de outros bens e direitos (da sede social, p.ex.) possa conduzir à paralisação de certa federação ao ponto de não ter condições de executar os programas desportivos contratualizados;
7 – Artigo 20.º. Outra boa medida, corresponde à desobrigação de certas federações desportivas em certificarem as suas contas através de um ROC ou uma SROC. Boa medida porque realidades diferentes requerem tratamentos e respostas diferenciadas. Uma pequena federação desportiva que recebe do Estado 40.000€ anuais (3.300€/mês) não deve ser sujeita às mesmas obrigações e ao mesmo sistema de controlo do que uma federação desportiva que recebe 4.000.000€ anuais. (333.000€/mês);
8 – Outra medida adequada que vem salvaguardar os interesses e necessidades das federações desportivas, mas também da administração pública desportiva está vertida no artigo 22.º. Corresponde ao regime duodecimal de execução financeira dos contratos-programa. Agora, findos os contratos, a administração pública desportiva pode continuar a realizar pagamentos por mais 3 meses, de modo a eliminar um hiato de ausência de pagamentos às federações;
Enfim, temos um bom conjunto de normas. Adequadas, positivas e pertinentes que favorecem o desenvolvimento do desporto em Portugal e responsabilizam as entidades beneficiárias. Mas também temos outro lote delas que não nos parecem equilibradas. Das duas, uma. Não são para aplicar, ou se o são, o controlo da sua execução será tão oneroso e conflituante que comprometerá a sua racionalidade e lucidez.
1 comentário:
Não é impunemente que se passam vários anos na liderança pública da área técnica do associativismo desportivo como o fez Alfredo Silva.
O poste demonstra o reconhecimento da liberdade e o risco da produção desportiva das federações e do peso da burocracia nem sempre com resultados transparentes e directos na produção desportiva privada.
O Alfredo Silva faz uma abordagem distinguindo os prós e contras da legislação recentemente produzida. O facto de não ser um jurista é de realçar por raramente se observarem não juristas a validar o positivo e o menos positivo da produção legislativa no desporto.
Neste tempo de temores sobre as consequências das afirmações claras é de louvar o posicionamento do Alfredo Silva sobre os prós e os contras.
Eu não analisei o documento jurídico pelos motivos que tenho apresentado relacionados com a análise comparada do conteúdo do documento com a realidade desportiva.
Face à primeira resposta de alguém que conhece por dentro a proposta feita e as suas consequências para os agentes desportivos, considero que o poste é merecedor de uma resposta racional do anónimo.
Enviar um comentário