A venda colectiva e a exclusividade territorial no licenciamento dos direitos de transmissão de eventos desportivos têm vindo a ser - assim vários estudos o atestam - factores críticos para a valorização do futebol profissional enquanto produto comercial.
Com a liberalização do mercado da televisão no final da década de 80 e o desenvolvimento tecnológico de novas plataformas de media o negócio cresceu exponencialmente, tornando-se a principal fonte de receita dos clubes europeus, mas também um investimento rentável para as empresas de radiodifusão, as quais, até há bem pouco tempo, estavam dispostas a despenderem valores cada vez mais elevados na aquisição desses direitos (representam entre 30-65% da sua despesa total em direitos televisivos).
A evolução e maturação de um mercado com assinalável dimensão económica passou por um longo processo e foi, desde cedo, alvo do escrutínio atento das instituições da UE - particularmente do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e da Comissão, em inúmeros processos em matéria de concorrência e de mercado interno -, afinando progressivamente os mecanismos de regulação e o modelo de negócio, com o propósito de se alcançar a melhor solução na salvaguarda dos interesses dos consumidores, dos clubes, das ligas profissionais e dos patrocinadores, no respeito pelo Direito da UE.
Assim, a venda colectiva e a exclusividade territorial tendem a ser consideradas como as melhores práticas comerciais para valorizar os direitos televisivos, atrair patrocinadores, maximizar as receitas e garantir a sua redistribuição, tal como, pela primeira vez, a Comissão vem reconhecer e recomendar às autoridades desportivas na sua recente Comunicação “Desenvolver a Dimensão Europeia do Desporto” (v. pag. 9), onde apresenta ao Parlamento e ao Conselho as suas propostas para um programa político para o desporto na UE de acordo com o mandato que o artigo 165.º do TFUE lhe confere. A ela voltaremos, por certo, neste espaço.
Após uma ampla negociação e longa consulta ao mundo do desporto, aos Estados-Membros, a organizações relacionadas com o desporto (entre as quais representantes do sector audiovisual), peritos independentes, cidadãos europeus - estes através de um fórum online -, e análise de um estudo encomendado pelo Parlamento sobre o Tratado de Lisboa e a política desportiva da UE, tudo estava preparado e consensualizado, como é mister na política europeia, para a Comunicação sair e ser aclamada - como o foi em várias sedes -, até porque se tinha a exclusividade territorial como o reflexo da natureza nacional dos mercados desportivos e, em relação à venda colectiva, apenas Portugal se mantinha irredutível em seguir esse caminho (estima-se que o valor real dos direitos televisivos da Liga Sagres seja de € 150 milhões, sendo que com a actual venda individual dos direitos os clubes apenas obtêm receitas na ordem de 1/3 daquele valor). Portugal, é sabido, pouco pesa nas decisões comunitárias, muito menos pesará - dada a dimensão do seu mercado desportivo - neste aspecto em concreto.
No entanto, passados poucos dias, no dia 3 de Fevereiro, saíam do TJUE as conclusões da advogada-geral Juliane Kokott sobre dois casos, tendo por objecto uma acção cível e uma acção penal, relacionados com a utilização de cartões descodificadores estrangeiros importados com o propósito de visionar num estabelecimento de restauração do Reino Unido os jogos da Premier League, a um preço mais reduzido do que o proposto pelo organismo de difusão daquele país, violando, assim, os acordos de exclusividade territorial assinados entre o organizador da liga inglesa e os operadores, segundo os quais os operadores licenciados têm o direito exclusivo de emitir e explorar os jogos na sua zona de difusão.
Nestes contratos de licenciamento os organismos de radiodifusão estão obrigados a encriptar o sinal que enviam por satélite e transmitem aos seus assinantes no território que lhes foi atribuído, podendo os assinantes descodificar o sinal mediante um cartão descodificador, cuja distribuição é restringida para fora do território para o qual a licença foi concedida.
Ora, segundo a advogada-geral: “a livre prestação de serviços opõe-se a uma norma que, para proteger a propriedade intelectual, proíbe que se utilize num Estado-Membro dispositivos de acesso condicionado para televisão por satélite codificada comercializados noutro Estado-Membro com o consentimento do titular dos direitos sobre a emissão. (..). Tampouco uma disposição contratual segundo a qual os cartões de descodificadores apenas podem utilizar-se para um uso doméstico ou privado altera este resultado”.
Por certo este caso merecerá a devida análise jurídica. O que importa aqui considerar são as consequências desta posição que, caso seja acolhida - como na generalidade dos processos o é pelos juízes do TJUE no acórdão a deliberar -, poderá tornar os acordos de exclusividade territorial contrários ao direito da União, proibindo os organismos de radiodifusão de impedirem os consumidores - para já no Reino Unido - de usarem cartões descodificadores estrangeiros para verem os jogos das suas competições desportivas nacionais.
Tal compromete a maximização do valor dos direitos de transmissão através do actual regime de licenciamento numa base “país a país”, reduz as receitas do operador licenciado para difundir no território (neste caso específico estimam-se perdas para a inglesa BSkyB na ordem dos 70 milhões de libras), diminuindo os seus subscritores e, naturalmente, reduz o preço a oferecer nas próximas vendas de direitos de transmissão. Tudo isto com o impacto de se tratar da maior fonte de receitas dos clubes de futebol e na maior liga de futebol profissional do mundo, a qual, como seria expectável, reagiu de imediato.
Convém, por último, ter bem presente que, hoje em dia, o condicionamento excessivo no mercado de direitos televisivos pode estimular a procura de outras fontes de difusão de conteúdos em rápida expansão, mas menos reguladas, ou até ilegais, sem qualquer remuneração dos titulares dos direitos de transmissão. Convém a Comissão - que mais uma vez se viu ultrapassada pelo rumo dos acontecimentos - integrar rapidamente estas preocupações em torno da importância da salvaguarda dos direitos de propriedade intelectual vitais para várias fontes de financiamento do desporto, profissional e amador, no âmbito da Agenda Digital, conforme lhe foi sugerido em tempo oportuno. Caso contrário poderão ser abertas as portas à revolução na venda de direitos de transmissão. Aqui está um exemplo onde a acção comunitária poderá ser decisiva.
Com a liberalização do mercado da televisão no final da década de 80 e o desenvolvimento tecnológico de novas plataformas de media o negócio cresceu exponencialmente, tornando-se a principal fonte de receita dos clubes europeus, mas também um investimento rentável para as empresas de radiodifusão, as quais, até há bem pouco tempo, estavam dispostas a despenderem valores cada vez mais elevados na aquisição desses direitos (representam entre 30-65% da sua despesa total em direitos televisivos).
A evolução e maturação de um mercado com assinalável dimensão económica passou por um longo processo e foi, desde cedo, alvo do escrutínio atento das instituições da UE - particularmente do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e da Comissão, em inúmeros processos em matéria de concorrência e de mercado interno -, afinando progressivamente os mecanismos de regulação e o modelo de negócio, com o propósito de se alcançar a melhor solução na salvaguarda dos interesses dos consumidores, dos clubes, das ligas profissionais e dos patrocinadores, no respeito pelo Direito da UE.
Assim, a venda colectiva e a exclusividade territorial tendem a ser consideradas como as melhores práticas comerciais para valorizar os direitos televisivos, atrair patrocinadores, maximizar as receitas e garantir a sua redistribuição, tal como, pela primeira vez, a Comissão vem reconhecer e recomendar às autoridades desportivas na sua recente Comunicação “Desenvolver a Dimensão Europeia do Desporto” (v. pag. 9), onde apresenta ao Parlamento e ao Conselho as suas propostas para um programa político para o desporto na UE de acordo com o mandato que o artigo 165.º do TFUE lhe confere. A ela voltaremos, por certo, neste espaço.
Após uma ampla negociação e longa consulta ao mundo do desporto, aos Estados-Membros, a organizações relacionadas com o desporto (entre as quais representantes do sector audiovisual), peritos independentes, cidadãos europeus - estes através de um fórum online -, e análise de um estudo encomendado pelo Parlamento sobre o Tratado de Lisboa e a política desportiva da UE, tudo estava preparado e consensualizado, como é mister na política europeia, para a Comunicação sair e ser aclamada - como o foi em várias sedes -, até porque se tinha a exclusividade territorial como o reflexo da natureza nacional dos mercados desportivos e, em relação à venda colectiva, apenas Portugal se mantinha irredutível em seguir esse caminho (estima-se que o valor real dos direitos televisivos da Liga Sagres seja de € 150 milhões, sendo que com a actual venda individual dos direitos os clubes apenas obtêm receitas na ordem de 1/3 daquele valor). Portugal, é sabido, pouco pesa nas decisões comunitárias, muito menos pesará - dada a dimensão do seu mercado desportivo - neste aspecto em concreto.
No entanto, passados poucos dias, no dia 3 de Fevereiro, saíam do TJUE as conclusões da advogada-geral Juliane Kokott sobre dois casos, tendo por objecto uma acção cível e uma acção penal, relacionados com a utilização de cartões descodificadores estrangeiros importados com o propósito de visionar num estabelecimento de restauração do Reino Unido os jogos da Premier League, a um preço mais reduzido do que o proposto pelo organismo de difusão daquele país, violando, assim, os acordos de exclusividade territorial assinados entre o organizador da liga inglesa e os operadores, segundo os quais os operadores licenciados têm o direito exclusivo de emitir e explorar os jogos na sua zona de difusão.
Nestes contratos de licenciamento os organismos de radiodifusão estão obrigados a encriptar o sinal que enviam por satélite e transmitem aos seus assinantes no território que lhes foi atribuído, podendo os assinantes descodificar o sinal mediante um cartão descodificador, cuja distribuição é restringida para fora do território para o qual a licença foi concedida.
Ora, segundo a advogada-geral: “a livre prestação de serviços opõe-se a uma norma que, para proteger a propriedade intelectual, proíbe que se utilize num Estado-Membro dispositivos de acesso condicionado para televisão por satélite codificada comercializados noutro Estado-Membro com o consentimento do titular dos direitos sobre a emissão. (..). Tampouco uma disposição contratual segundo a qual os cartões de descodificadores apenas podem utilizar-se para um uso doméstico ou privado altera este resultado”.
Por certo este caso merecerá a devida análise jurídica. O que importa aqui considerar são as consequências desta posição que, caso seja acolhida - como na generalidade dos processos o é pelos juízes do TJUE no acórdão a deliberar -, poderá tornar os acordos de exclusividade territorial contrários ao direito da União, proibindo os organismos de radiodifusão de impedirem os consumidores - para já no Reino Unido - de usarem cartões descodificadores estrangeiros para verem os jogos das suas competições desportivas nacionais.
Tal compromete a maximização do valor dos direitos de transmissão através do actual regime de licenciamento numa base “país a país”, reduz as receitas do operador licenciado para difundir no território (neste caso específico estimam-se perdas para a inglesa BSkyB na ordem dos 70 milhões de libras), diminuindo os seus subscritores e, naturalmente, reduz o preço a oferecer nas próximas vendas de direitos de transmissão. Tudo isto com o impacto de se tratar da maior fonte de receitas dos clubes de futebol e na maior liga de futebol profissional do mundo, a qual, como seria expectável, reagiu de imediato.
Convém, por último, ter bem presente que, hoje em dia, o condicionamento excessivo no mercado de direitos televisivos pode estimular a procura de outras fontes de difusão de conteúdos em rápida expansão, mas menos reguladas, ou até ilegais, sem qualquer remuneração dos titulares dos direitos de transmissão. Convém a Comissão - que mais uma vez se viu ultrapassada pelo rumo dos acontecimentos - integrar rapidamente estas preocupações em torno da importância da salvaguarda dos direitos de propriedade intelectual vitais para várias fontes de financiamento do desporto, profissional e amador, no âmbito da Agenda Digital, conforme lhe foi sugerido em tempo oportuno. Caso contrário poderão ser abertas as portas à revolução na venda de direitos de transmissão. Aqui está um exemplo onde a acção comunitária poderá ser decisiva.
1 comentário:
Não pretendendo comentar o essencial das questões abordadas por João Almeida, as quais são muito técnico-jurídicas, não quero deixar de aproveitar o tema "Futebol/TV" para chamar a atenção para o modo como a linha editorial e os pivots do principal telejornal da RTP tratam o Futebol diariamente.
Será normal "Desporto" ser igual a "Futebol", a ponto de as outras modalidades só serem notícia quando há medalhas em grandes competições e mesmo assim só em algumas modalidades?
Já reparararam que quando o pivot de serviço diz "a Selecção" nem sequer refere a modalidade?
Faz-se passar para o público em geral a ideia de que só o Futebol tem Selecção, só o Futebol é representação nacional.
O mesmo quando se fala do "Seleccionador Nacional" ou do dia a dia dos 3 grandes, com reportagens dos treinos (!!!!) e declarações obrigatórias dos treinadores, mesmo que não tenham nada de relevante para dizer...
De resto, é só Mourinho e Cristiano Ronaldo, por esta ordem ou pela ordem inversa.
Para não falar da insistência em reportar os campeonatos estrangeiros, mostrando todos os golos dos principais clubes ingleses, espanhóis e italianos.
Será isto, mais 2 horitas de Canal 2 aos sábados e domingos à tarde "serviço público de televisão?".
Para este Governo é...
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