domingo, 4 de janeiro de 2009

Os treinadores de desporto

Como referido no texto imediatamente precedente, um dos diplomas legais publicados no derradeiro dia de 2008 foi o Decreto-Lei nº 248-A/2008, de 31 de Dezembro, que estabelece o regime de acesso e exercício da actividade de treinador do desporto. Trata-se de matéria obviamente relevante para a saúde do sistema desportivo e que não se limita ao universo do desporto federado.
Antes de a seu respeito formular algumas considerações, devo confessar que não conheço em profundidade a situação actual do exercício de funções de treinador. Trata-se, pois, de uma significativa limitação. O leitor, se assim o entender, pode carrear elementos para esta colectividade sobre essa realidade e, desse modo, enriquecer o debate em torno da nova disciplina.
Por ora, registo apenas alguns aspectos gerais.

Em primeiro lugar, o decreto-lei recolhe um conceito de treinador de desporto que prescinde do carácter remunerado do exercício da função (artigo 3º).
Por outro lado, apresenta como condição de acesso ao exercício da actividade a obtenção de cédula de treinador de desporto (artigo 5º).
Tal cédula é emitida e renovada pelo Instituto do Desporto de Portugal artigo 6º, nº 2).
Passam a existir quatro graus de qualificação (artigo 7º), com conteúdos funcionais legalmente fixados (artigos 8º a 11º).
O diploma assegura um sistema de fiscalização e ainda um regime sancionatório (contra-ordenacional e disciplinar).

O novo diploma, contudo, vive muito sob o signo de um expressivo tempo ainda a decorrer para a sua efectiva aplicação.
Em primeiro lugar, refira-se que o diploma só entra em vigor 90 dias após a sua publicação (artigo 28º).
Em segundo lugar, de acordo com o artigo 12º, nºs 1 e 2, as federações desportivas dispõe de 180 dias para propor ao Instituto do Desporto de Portugal as correspondências entre as “etapas de desenvolvimento dos praticantes desportivos” e cada um dos graus do treinador de desporto.
Seguem-se mais 90 dias para as federações desportivas, após a validação administrativa, transporem tais correspondências para os seus regulamentos.
Por outro lado, as federações desportivas vão dispor de um prazo de 180 dias, após a entrada em vigor do diploma, para estabelecer nos seus regulamentos mecanismos de fiscalização do cumprimento das normas relativas à cédula (artigo 13º, nº 3).

Por fim, uma porta aberta quando se pretendeu fechar todas as janelas.
Com efeito, estipula o artigo 26º, nº 2 que os regulamentos federativos podem permitir, a título transitório e mediante autorização do Instituto do Desporto de Portugal, enquanto inexistam treinadores de desporto titulares de graus superiores, que as tarefas legalmente determinadas para os graus II, III e IV, sejam exercidas por treinadores de desporto titulares de cédula de graus inferiores.

5 comentários:

José Correia disse...

Sobre o regime transitório do diploma convém fazer alguns comentários reveladores do nível da governação desportiva que vamos tendo em Portugal.

O que é habitual em Portugal é que o transitório se transforme inúmeras vezes em definitivo. É o denominado provisoriamente definitivo.

O que aqui parece estar em causa, mais uma vez neste nosso Portugal, é que se escolheu a pior e mais deficiente alternativa. Isto é, em vez de se optar por um regime transitório que desse a oportunidade e estabelecesse a exigência de habilitar os treinadores de menores níveis com outros adequados aos novos tempos do desporto internacional, escolheu-se um regime de continuidade (intemporal provavelmente) com os menores níveis de preparação pedagógica e científica dos actuais treinadores.

É uma solução que nem está ao nível das "novas oportunidades" tão desveladamente postas em prática por este Governo. E muito embora se saiba já hoje o embuste que são aquelas oportunidades, esta opção no "mundo do desporto" do mesmo Governo que as patrocinou não deixa de revelar o valor que este mesmo Governo atribui a este mesmo desporto. Este pode assim prescindir da correspondente preparação pedagógica e científica dos respectivos educadores/treinadores.

Fica por saber qual a posição que em devido tempo, aquando da longa preparação do diploma, foi assumida pelas federações, pelo Comité Olímpico e pelo Conselho Nacional do Desporto onde pontificam aquelas organizações.

Porque não se conhecem publicamente essas posições pois não existem actas públicas nem documentos emanados daquelas entidades - é tudo sigiloso como convém a uma governação feita habitualmente nas sombras e longe da avaliação crítica e atempada dos eleitores interessados!

J. Pinto Correia

Anónimo disse...

Tudo como d'antes
Quartel general em Abrantes.

Estar quieto, às vezes, dá mais resultado do que mexer em mezinhas antigas.

As leis tapa-buracos nunca taparam nada... aumentam os buracos.

Anónimo disse...

J'aime l'Etat. Je m'y suis toujours senti libre. C'est pourquoi aussi j'en accepte les exigences. Je souffre quand je le vois critiqué et jugé de manière excessive. Mais je partage l'indignation de ceux qui pâtissent de son inefficacité. Je m'inquiète comme eux quand il devient sourd aux préoccupations des hommes. Je déplore enfin qu'il soit incapable de s'engager dans la réforme, lui qui prétend si souvent vouloir réformer la société. Le défi de l'Etat aujourd'hui est de retrouver le sens de sa mission. Et ce défi n'est l'affaire ni des seuls politiques, qui s'en sont trop longtemps désintéressés, ni des seuls fonctionnaires qui y travaillent parfois sans la claire conscience de ce que l'on attend d'eux. Ce défi est l'affaire de tous les citoyens. Il est temps, en effet, que nous redécouvrions ensemble "notre" Etat. Autour de nous, depuis vingt ans, le monde a changé. L'Etat, lui, n'a pas changé. Pourtant la mondialisation des économies, la décentralisation politique des années quatre-vingt, l'accélération de l'intégration européenne depuis la ratification du traité de Maastricht, les changements en profondeur d'une société touchée par le chômage et les effets d'une immigration massive sont autant de séismes qui ont déstabilisé notre Etat et nous obligent à le repenser. Ce défi est une chance s'il nous permet de reconstruire un Etat moins sûr de lui, moins dominateur, plus ouvert à la décision partagée. Car, si le passé nous résiste, nous devons aussi lui résister en acceptant de discuter ensemble de l'Etat que nous voulons. Avec tolérance, avec humilité, mais avec passion.
IN
"Il faut aimer l'État"
J. Picq
Ed. Flammarion
Paris, 1996

Anónimo disse...

The Man versus the State
by Herbert Spencer
1884

Aqui

Marco Simões disse...

Sou Profissional de Educação Física mas penso que esta lei, embora importante, está mal redigida, é irrealista e de certa forma traz pouco de bom.
Vejamos: No caso concreto do “Treinador de Desporto” penso que já era a hora de conferir aos Licenciados o acesso à carreira de treinador, o continuaríamos a ter qualquer “trolha” sem desprimor pela profissão, a tirar cursos de dois meses e logo a seguir a ir dar formação a crianças. Esta situação no Futebol é gritante. No entanto em escalões mais elevados, penso que a experiência deve ser mais valorizada, e nesse caso seria importante que para o acesso a esses “cargos” fosse exigido outros tipo de curso de especialização.
Nos ginásios, penso que a situação é diferente. Penso que a obrigatoriedade da Direcção Técnica estar entregue a um Licenciado é fundamental, porque só ele tem a qualificação necessária para lhe serem imputadas responsabilidades de administração e gestão de um estabelecimento desportivo. No entanto não lhes confiro competência para a prescrição de exercício físico num espaço com essas características (e incluo-me nesse lote), sendo que nesse caso, a cédula é certamente importante, mas deve ser conferida com base na experiência do monitor sem ter em conta se é licenciado ou não. No entanto, e falo por mim, apesar de já ter tido algumas ofertas de emprego nessa área, nunca aceitei por não me achar competente para desempenhar tais funções. Enganar gente numa sala de cardio ou de musculação é fácil, no entanto deve partir de cada pessoa formada o bom senso para que queira realizar sempre um trabalho dentro das suas capacidades e da sua área de formação específica.
Acho também que é fundamental que os estado promova mais formações e cursos técnicos (há uma ausência total de cursos para o Desporto promovidos pelo IEFP), reforce o papel do Desporto na Escola através da criação de um Curso Profissional, e acima de tudo que promova alterações aos currículos dos cursos universitários na área do Desporto, tornando-os mais abrangentes e com o tal cariz mais prático que falta para que os recém-licenciados não apareçam no mercado de trabalho sem a experiência fundamental para que tenham a noção clara da realidade das coisas.
Tenho para mim uma comparação que costumo fazer: Numa farmácia, apesar de o Director Téncnico ser um Farmacêutico, nem sempre é este o que melhor satisfaz melhor as necessidades inerentes ao contacto directo com os clientes, mas a sua importância está lá.