sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A brisa dos tempos

Em entrevista televisiva, Medina Carreira, explicava o estado de degradação da qualidade política dos governantes com um exemplo retirado da sua vida pública. O governo a que pertenceu quando cessou funções ofereceu o então primeiro-ministro, Mário Soares, um quadro. O actual governo por alturas do Natal ofereceu ao primeiro-ministro um cheque para ir comprar roupa.
A banalização da vida pública, a elevação do íntimo e do privado a matéria de publicitação política, a transformação das relações políticas em relações de afectos, a ideologia ao serviço de lobis de minorias sexuais, a perda constante de valores é um sinal dos tempos que vivemos. É a geração da bica do sapato, dos bares de trocas homo e heterosexuais, do Rock in Rio, do “fashion” e dos “spas”. Uma versão “light” da contemporaneidade onde a tradição, a cultura, o trabalho e o saber são substituídos pelas análises swat, pelos clusters e pelos stakeholders. É a arrogância da anti-cultura travestida de modernidade. E onde cabem os casamentos de same sexers, apresentados com a mesma importância que o anuncio do aumento do salário mínimo ou da baixa de impostos. Fumar ou beber são vícios policiados pelos novos censores. Mas a sodomização e o lesbianismo saem da esfera íntima e são tratados como assuntos de Estado. A leitura e a escrita dão muito trabalho. A net tem lá tudo e os sms economizam palavras. É já possível garantir competências escolares e académicas aproveitando “as novas oportunidades “ e ter “pos-graduações” “estudos avançados” e “mestrados” sem nunca ter concluído uma licenciatura.(1)
Projectos como a candidatura ibérica à realização de um campeonato do mundo de futebol são apenas o prolongamento natural de um país que está à deriva, que quer viver permanente em festa e que se recusa a aprender com os erros e com as dificuldades porque passamos. Não está em causa a oportunidade do proposto. Mas seria preciso fazer o que ninguém fez antes de avançar e se comprometer: estudar o assunto, avaliar custos e vantagens numa óptica de interesse nacional. É certo que depois do governo, através da tutela do desporto, ter dados sinais de apoio, o ministro das finanças e o primeiro-ministro vieram pôr alguma água na fervura. Mas está escrito nas estrelas que se não tinha chegado até aqui se não houvesse garantias politicas de apoio. O que falta se encarregará o lobi do futebol na comunicação social para quem a candidatura e eventual vitória seria uma excelente oportunidade de negócio.
O Euro 2004 não foi uma boa solução para o país. Mas podia ter sido. Divertiu e mobilizou as pessoas. Fizeram-se muitos negócios. A economia animou. Mas, mais cedo ou mais tarde, a factura tinha de aparecer porque milagres não acontecem todos os dias. Exagerou-se no número de estádios a construir. Aumentou-se o grau de endividamento das autarquias. Destruíram-se centralidades e identidades citadinas (casos de Leiria e Guimarães).A hiper-monumentalidade de outros, tornou-os corpos estranhos no espaço físico (casos de Aveiro e Loulé).Criaram-se equipamentos com custos elevados de manutenção. A capacidade de uso desportivo foi sobredimensionada. Resultado: o efeito positivo do Euro 2004 na economia foi de curto prazo e está, a médio e longo prazo, a ser consumido pelo legado dai resultante.
A ignorância utilizada, quer pelo governo quer pela oposição, de que não sendo necessário construir novos estádios e não havendo necessidade de novas acessibilidades, uma candidatura conjunta só trará vantagens para Portugal é próprio de quem vive a gastar o dinheiro dos outros. Porque 15 anos depois necessariamente que há despesas de beneficiação que os equipamentos requerem; e porque uma candidatura a um a mundial de futebol não envolve apenas despesa com infra-estruturas desportivas e viárias. A menos que contrariamente ao ocorrido em 2004, se opte não pela profissionalização da estrutura organizativa - com salários e remunerações acessórias muito superiores às dos próprios governantes - e se adopte um regime de voluntariado. Mas aí provavelmente a motivação seria menor.
Mas o Euro é apenas uma parte do problema de quem decidi politicamente sem salvaguardar a sustentabilidade dos projectos. De Norte a Sul do Pais existem centenas de equipamentos desportivos sobredimensionados para as populações desportivas que servem; com custos elevados de manutenção e subaproveitados: são piscinas, são pavilhões desportivos, são pistas de atletismo. Custos que estão a ser mantidos pelos orçamentos camarários num clara delapidação dos recursos públicos.
A moda autárquica centra-se agora nos pavilhões multiusos, parte dos quais obedecem a programas que dão origem a projectos sem qualquer estudo de viabilidade financeira, sequer com indicadores fiáveis sobre quanto custa ter um equipamento deste tipo e onde está a procura que o justifica.
Ao nível do governo central a moda virou-se para os centros de alto rendimento cujo exemplo mais flagrante de completa ausência de noção de equilíbrio e de modéstia está patente no futuro velódromo de Sangalhos um hino ao novo-riquismo desportivo.
A engenharia argumentativa é rica e prolixa. E não faltará, a quem critica este estado de coisas, o tradicional epíteto de estados de alma característicos dos velhos do Restelo. Mas em qualquer país com razoável maturidade e experiência democráticas e sentido de responsabilidade pública se inquietaria e incomodaria quanto ao modo como os recursos públicos, sempre escassos, são delapidados. Em benefício de alguns, é certo, mas com o prejuízo para muitos, o que está errado.
(1) -Texto retirado do blogue estadosd'alma com o título "Que país é este?"


3 comentários:

Anónimo disse...

É preciso ter muita lata!!!!

Anónimo disse...

"Mas em qualquer país com razoável maturidade e experiência democráticas e sentido de responsabilidade pública se inquietaria e incomodaria"...
Eu admiro-me é como ainda há gente neste País (?) que pense, acredite, conclua na afirmação da frase aqui entre aspas !?
Este ´Paísm tem os povo e os políticos que merece, é uma frase já gasta !
Mas, aconteça o que acontecer, nas próximas eleições lá vão todos ordeiramente colocar o votozinho !!
Já não há pachorra para este País e os novos que tenham hipótese pirem-se daqui que duvido que tenham algum futuro nesta rectângulozinho, que ainda não se afogou porque está colado a Espanha :-))))))).
Funcionário Público Extinto

Anónimo disse...

Portugal é o Hollywood da Europa.

Só faz filmes míticos e de ficção, de permanente faz de conta.

Com uma diferença: os filmes não são vistos na salas de cinema perto da sua casa; assistimos todos os dias na rua, nos jornais, nas revistas, na televisão, na rádio, no parlamento.

Os actores são os políticos e os espectadores são o povo.