quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Errar é humano, mas lançar a culpa aos outros é mais humano ainda.

A afirmação qu titula este texto parece pertencer a um grupo humorista argentino, Les Luthiers. Mas para o caso pouco importa. Porque em boa verdade é uma espécie de código genético de todos nós. No governo, na oposição, no trabalho, na família. Na igreja e fora dela. E uma das formas de desculpar e relativizar o erro é acusar os outros de terem errado ainda mais. E portanto não terem autoridade moral para apontar erros de que eles próprios padeceram. Porque teriam telhados de vidro. E nesta aritmética do erro e respectivas culpas se esvai o nosso labor crítico.
O exercício é estimulante e é um desporto a que muitos se entregam com a mesma fé com que os muçulmanos oram virados para Meca. Mas pouco acrescenta à boa resolução dos problemas. Porque mais importante do que evitar o erro, que no limite é algo impossível, é ser responsável, digno e honrado no que se faz. Umas vezes errando, em outras acertando. Competência não é sinónimo de seriedade. Há muita gente competente que não é séria. E muita gente séria que é incompetente. O que é mais importante? Porventura o sentimento de honra, de responsabilidade e de dignidade que devem sustentar uma conduta. E que são traços de carácter que valem para qualquer situação da vida, seja ela pública ou privada.
Quando se avalia o resultado de uma acção politica que não correu bem com o resultado de uma anterior que ainda correu pior, não se está a procurar o sucesso dessa acção mas a virar o resultado da mesma para quem critica. O importante passa a não ser a acção, mas os seus intérpretes. O objectivo não é melhorar resultados. É poder dizer: não podes, ou não deves, criticar porque fizeste pior. E o criticado passa a critico. E a vítima. Este exercício é muito comum no debate político/partidário. Até certo ponto compreensível. Mas é inócuo para o país. Para quem quer ver os problemas resolvidos é-lhe indiferente se uns erram muito e outros erram pouco. Porque o que pretende é que não errem. E se isso não ocorre que não justifiquem o erro próprio com o erro alheio.
Não é fácil governar um país. Sobretudo quando se é governo minoritário. Porque à partida se conta com a oposição da maioria do povo. Mesmo algo que num outro contexto não seria considerado um erro corre o risco num clima de confronto de ser classificado como tal. A própria disputa partidária até permite que o mesmo acto, seja erro se praticado por uns e virtude se realizado por outros.
No balanço que é feito da governação, por norma, não se publicitam erros. Tudo são méritos e objectivos cumpridos. O que diz muito da credibilidade dos comportamentos políticos. E do mérito da retórica politica quando pretende veicular uma espécie de razão moral sobre o comportamento cívico. Porque o exemplo que evidenciam é o oposto do que pretendem defender. Mas quem governa, para além de cometer erros, também, por vezes, se engana, avalia mal uma situação ou o efeito de uma medida. Ninguém, nem nenhum governo, está isento de que isso possa acontecer. É até natural que isso ocorra.
Questão diferente é quando se mente. Quando intencionalmente se conhecem os factos e sobre eles se não fala verdade. Ou se escondem. Quando se institui a mentira deliberada como regra de procedimento. Nestes casos a situação muda de figura. Quem não fala verdade sobre o exercício ou o compromisso das funções públicas que exerce não deve manter-se nessas funções. Muita da regeneração da vida pública passa por aqui. Escolher pessoas em que se pode confiar. Que erram. Que se enganam. Mas não mentem.

12 comentários:

Anónimo disse...

Mas o Sr.Secretario de estado não mentiu?!... disse perante a AR que a taxa do IVA iria continuar como em 2007 e assim ficou ...por 15 dias inteiros!!! até ao famoso despacho 30124. Posto isto nem se achou na necessidade de até ao momento dar uma explicação aos agentes desportivos!
Errar é humano... Ignorar e desprezar os parceiros é que não devia ser...

Maria José Carvalho disse...

Gostei de quase tudo o que escreveu, mas adorei o fim:

"Muita da regeneração da vida pública passa por aqui. Escolher pessoas em que se pode confiar. Que erram. Que se enganam. Mas não mentem."
Acrescentaria a outra vida também, mas isso já é outra estória...

Bjinho, mjc

Armando Inocentes disse...

Penso que o mal não estará em errar, mas sim em persistir no erro (alguém disse isto...).

O erro teu uma virtude: serve para ser corrigido.

Logo, o essencial, seria corrigir aquilo em que erramos - TODOS!

Como diz a Prof.ª Maria José, o final é excepcional: "Quem não fala verdade sobre o exercício ou o compromisso das funções públicas que exerce não deve manter-se nessas funções. Muita da regeneração da vida pública passa por aqui. Escolher pessoas em que se pode confiar. Que erram. Que se enganam. Mas não mentem." Eu só acrescentaria - e que corrigem esses erros!

Luís Leite disse...

Quero realçar uma passagem do texto de JM Constantino que considero fulcral:

"Há muita gente competente que não é séria. E muita gente séria que é incompetente".

Acrescento eu:

E há muita gente que é séria e competente. E muita gente que não é séria e é incompetente.

Infelizmente, para este país ter chegado ao estado a que chegou, foi preciso ter "subido" até aos órgãos do Poder muita gente desonesta e incompetente.

Sintomas de um regime maioritariamente podre e corrupto, com os dias contados.

joão boaventura disse...

"Há muita gente competente que não é séria. E muita gente séria que é incompetente".

Para completar o quadro:

Há muita gente competente que é séria. E muita gente séria que é competente.

De qualquer forma eu acrescentaria, quanto aos erros que só quem não trabalha é que não erra de certeza. Já basta o erro de não trabalhar.

Um abraço

joão boaventura disse...

A propósito do erro propomos a leitura do editorial da Newsletter, de Fevereiro findo, da Universidade de Coimbra com o sugestivo título de O erro bom, e que compagina com o presente post.

Sobre os erros permanentes aceites no mundo do futebol, pela incompetência ou pela tecnoelectrofobia da International Football Association Board (IFAB), e da FIFA que na IFAB tem voz passiva, já que aceita a posição da IFAB, pode visualizar-se aqui o que já poderia ter sido resolvido, como no ténis e no râguebi.

Como achega ao post, acrescentaria a leitura de uma referência útil, com o sugestivo título Les décisions absurdes, uma abordagem sociológica dos erros radicais e persistentes de onde extraí este resumo de uma interferência do erro nas decisões humanas, onde competência e incompetência se sobrepõem.

Finalmente, para quem tiver tempo e paciência poderá ainda ler o sugestivo post Cirurgiões e atletas, sobre o tema dos erros humanos, com competência e sem competência.

josé manuel constantino disse...

Obrigado João.Muito interessante.

Abraço.

joão boaventura disse...

Vamos encontrar um conceito similar ao de Christian Morel, mas visto por outro prisma, o de Thomas Schelling, em "La tyrannie des petites décisions" (Paris, PUF, 1980), e cujo resumo pode ser lido aqui.

joão boaventura disse...

Vamos encontrar um conceito similar ao de Christian Morel, mas visto por outro prisma, o de Thomas Schelling, em "La tyrannie des petites décisions" (Paris, PUF, 1980), e cujo resumo pode ser lido aqui.

antonio cunha disse...

Caros amigos
Li com atenção ao pensamento do nosso caro JMC , figura estrutural do nosso pensamento sobre desporto e que incomoda quem não sabe ler, não sabe entender e praticar e depois lê conforme a sua capacidade intelectual o deixa entender, isto é básicos em tudo menos no exercício do poder!
A tutela do desporto está mal preparada, mal treinada e logicamente o nível do jogo quer na forma abstracta, quer na forma pratica é sempre fraco e não se faz ouvir ou chamar atenção pelos melhores motivos, portanto não serve os interesses daqueles que querem e fazem parte do movimento desportivo com regras e não com portarias á lá carte… tentando influenciar o movimento associativo com normativos e exemplos de raro oportunismo, mas o que mais me consola a alma é ver os políticos quando chegam os campeões a colocarem-se na primeira fila para os Média do poder façam as perguntas de circunstancias para enganar o atleta, os dirigentes e o Zé Povo.
Caro José Manuel Constantino continue com muita saúde é uma reserva moral para os desportistas que acreditam no papel da politica.
AC

Luís Leite disse...

A propósito de "erros", acabamos de assistir a um notável aproveitamento de um erro por um presidente de uma Federação, como forma de evitar recriminações e sair por cima, em glória.

A estratégia, de vitimização, inteligente como o seu autor, consiste num agarrem-me senão demito-me porque errei.

Toda a gente sabe que o erro não é suficientemente grave para obrigar a uma demissão, sobretudo quando se é presidente há 18 anos e se manda na Federação há mais 9, pelo menos.
E quando já se cometeram dezenas de erros muito mais graves...
A jogada é brilhante.

Sai por cima e em ombros.
Parabéns!

Luís Leite disse...

Provavelmente enganei-me, desta vez.
Mas o assunto não está ainda resolvido.
Há uma renúncia formalizada, de um Presidente de uma Federação, por uma razão que obviamente não é suficientemente válida.
FM deu ao Atletismo uma parte considerável da sua a vida.
O Atletismo português foi relançado para outros voos e conseguiu nos últimos 20 anos um sucesso ímpar em Portugal. Parte desse sucesso é fruto da sua acção como DTN e como Presidente da FPA.
FM cometeu muitos erros, funcionou sempre como dono exclusivo do Atletismo e sobretudo prolongou demasiado a sua liderança federativa.
A Federação já passou por melhores tempos, tem sérios problemas financeiros e precisa de ser completamente reestruturada.
Mas sair desta forma, pela porta pequena, não merecia.
A menos que algo de muito estranho se esteja a passar e aquilo que escrevi anteriormente se venha a confirmar proximamente.
Esperemos pelos próximos capítulos.