domingo, 21 de outubro de 2012

Os cavalos a galope em S. Martinho do Bougado


Texto publicado no Público de  21 de Outubro de 2012


1. Na semana passada foram as bicicletas. Hoje é dia de corrida de cavalos. Filomena (ficção) foi vítima de acidente ocorrido numa prova hípica integrada no Campeonato Nacional de Corridas de Cavalo a Galope. Tal prova teve o apoio de uma Junta de Freguesia (JF). Um dos cavalos saltou a vedação da pista, na sequência da queda de outros, e veio-a atingir quando se encontrava na zona da assistência. Esse acidente causou-lhe danos que pretende ver ressarcidos. Responsáveis indicados: a entidade organizadora, a Junta de Freguesia, o proprietário do cavalo e a seguradora deste.

2. Em recente decisão, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ocupou-se do caso. A única questão em apreço foi a de saber se também sobre a JF impendia a obrigação de indemnizar. Independentemente do sentido da resposta frise-se, desde já, o relevo da questão no quadro do desporto autárquico. Com efeito, as autarquias são, a diversos títulos, um motor fundamental do desporto. Daí que todas as suas intervenções devam ser rodeadas de cautelas, também jurídicas.

3. Ponto de partida: uma corrida de cavalos a galope é uma actividade perigosa. “Entra em campo”, pois, o nº 2 do artigo 493º do Código Civil: quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. Com base nos factos provados, o STJ tinha que oferecer resposta a esta questão: a JF tomou as medidas necessárias para evitar o dano? Por exemplo, tem ela responsabilidade no facto da vedação só apresentar 1,10 mts. de altura, quando era sabido que os cavalos, ainda que não preparados, efectuam saltos com alturas próximas dos 2 metros?

4. Para o Supremo, a responsabilidade da segurança da prova residia na outra entidade.
A JF tomou todas as providências que o acto, integrador daquela actividade perigosa, exigia.
Do processo resulta, “no que concerne à observância das exigíveis regras de segurança e definição dos parâmetros geradores de risco, que a Junta não interveio com alguma autonomia, mas sempre sob orientação e controle da Liga, em rigoroso cumprimento directo das instruções técnicas dela recebidas. Demonstra-se que a Junta foi totalmente estranha às opções construtivas da vedação”.
E “as providências que no caso se exigiam à Junta consistiam precisamente em submeter-se à orientação e directivas preconizadas pela entidade técnica e oficialmente reconhecida como competente, implicitamente idónea para tal, que nem deveria contrariar. E essa foi a sua postura.”

5. Conclui (bem?): “Como entidade autárquica por natureza arredada dos conhecimentos específicos e técnicos que caracterizam provas desta índole, […] não lhe era exigível que, tendo procedido à vedação da pista em conformidade com as imposições técnicas definidas pela entidade competente para o efeito, devesse prever que ainda assim uma eventual sucessão de quedas de cavalos e cavaleiros pudesse conduzir à transposição da vedação por um cavalo descontrolado participante na corrida, e à produção de danos em algum dos assistentes, não sendo por tal passível do juízo de censura ético-jurídico que exprime a culpa”.

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