quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Eliminar custos intermédios

Em qualquer organização é sempre possível encontrar soluções que melhorem o respetivo funcionamento e não se traduzam em aumentos de custos. E nos governos e respetiva administração também. Sem que para tanto seja necessário profundas alterações politicas, jurídicas ou financeiras. Por vezes depende apenas da capacidade de perceber que descomplicar é em si mesmo uma poupança. E que a tramitação burocrática e administrativa ou o peso de certa tipo de funções é um custo, uma sinergia onerosa que não acrescenta mais-valias ao produto final. E que o foco na simplificação é um ganho.
O Estado através da administração pública desportiva assina, por ano, em média, 250 contratos-programa com as federações desportivas(1) . Tantos quanto a natureza dos programas. E 115 aditamentos. Em média o número de contratos-programa é de 4,3 por federação (2) mas com aditamentos sobe para 6,6 por federação. Ente contratos e aditamentos mais de 50% das federações desportivas assina 5 ou mais. E destas 75% assina 9 ou mais.
A carga burocrática e administrativa é pesadíssima. As rotinas de procedimento idem. As avaliações são de pura contabilidade financeira. Avaliações de natureza desportiva zero. A maior parte do tempo dos recursos humanos é consumida neste verdadeiro delírio burocrático-administrativo. Qual é o obstáculo legal que impede que a cada federação desportiva corresponda apenas um contrato-programa e que nele se reflitam os diferentes subprogramas que são objeto de apoio financeiro público do Estado?
O Estado através da administração pública desportiva pede tudo e mais alguma coisa às federações desportivas obrigando-as a uma elevada carga administrativa. O furacão inspetivo e persecutório todos os anos acrescentam novos elementos aos anteriores. A razão é conhecida: os dirigentes desportivos não são de confiar. Confiar, confiar, só nos inspetores de finanças. Mas se atacarmos este mito qual é o impedimento legal, que sem prejuízo da devida fundamentação dos pedidos, impede de proceder a uma simplificação de procedimentos?
O Estado através da administração pública desportiva gere refeitórios, centros de estágio, piscinas, complexos desportivos, saunas, campos de futebol, de ténis, pistas de atletismo e demais infraestruturas desportivas. Em Lisboa, em Oeiras, em Coimbra, em Lamego, em Aveiro, no Porto, etc. Qual é o impedimento legal que impede a transferência da sua gestão para outros entes públicos, associativos ou privados garantidos que seja a respetiva missão de serviço público?
O Estado através da administração pública desportiva gasta uma elevada quantidade de meios financeiros em jogos da lusofonia e similares no âmbito da CPLP. Nos jogos, nas reuniões, nas viagens, nos apoios financeiros e atividades conexas. Qual é o problema em se suspender este tipo de eventos enquanto estiver a decorrer o programa de ajuda externa?
O Estado através da administração pública desportiva gere serviços de apoio médico-desportivo. Não existem outras entidades, públicas e privadas, onde se podem encaixar esses serviços libertando custos de funcionamento e alcançando sinergias complementares em exames de diagnóstico presentes em outras unidades médicas e de serviço público?
O Estado através da administração pública carece de estudos que sustentem opções de natureza político-desportiva. Mas não precisa de os encomendar fora quanto tem recursos humanos e técnicos capazes de os realizar. Não existe qual quebra de qualidade da decisão política se, na fase que estamos a viver, se suspender todas as aquisições de serviços externos que podem ser garantidos pelos recursos humanos e técnicos existentes na administração pública.
O governo tem um secretário de estado que para as pastas que detém diz que possui um chefe de gabinete, dois adjuntos e quatros “especialistas”. Não é bem assim, mas adiante. Pode perfeitamente reduzir os custos. Mantém o chefe de gabinete e os dois adjuntos. O resto dispensa. Porque não são especialistas. São comissários políticos. E porque o Estado não pode despedir trabalhadores e ao mesmo tempo servir de lugar para emprego politico. Nas áreas de especialidade de que careça o governo deve recorrer aos técnicos que existem na administração pública. Ganha em competência técnica. Poupa em remunerações, em ajudas de custo, em despesas de representação, em viaturas, em motoristas e respetivas horas extraordinárias.
O que propomos podia ser feito. Era fácil? Não. Era possível? Era. Não seria preciso mudar de governo. Ou criar nova legislação. Ou mandatar um grupo de trabalho para estudar isto ou aquilo. Tudo era realizável no quadro de condicionantes atual. E tudo se traduzia em poupanças na despesa pública.Com vantagens para o serviço público prestado. Infelizmente essa possibilidade esvaiu-se. O discurso do primeiro-ministro a 7 de Setembro acabou com tudo. Resta uma lenta agonia. Não se sabe até quando.

(1)-Dados de 2011
(2)-Universo de 56 federações desportivas



5 comentários:

Anónimo disse...

Propostas concretas são aquilo que tem faltado. São elas que substituem «o teimoso maldizer» com que a maioria se compraz, e que objetivamente serve para manter tudo na mesma.
Talvez seja este um dos principais méritos deste post de J.M.Constantino.

Permitam por isso o seguinte comentário:
1. A proposta de redução de atos administrativos ainda é insuficiente. A “carga burocrática e administrativa” continuaria a ser incomportável para os recursos disponíveis na Administração Pública Desportiva (APD). A Folha A4 propõe que se fizesse um único Contrato-programa com a Agência para o Desenvolvimento do Desporto (ADD). E com base nesse Contrato-programa Geral as Federações, entre si, de forma auto-regulada, estabeleceriam as metas e as condições de sustentabilidade para as alcançarem. Por exemplo, ao Estado basta definir como meta-geral que cada Federação faça melhor de ano para ano. Não necessita de ir a cada uma vasculhar inspetivamente e persecutoriamente. Quem acredita que cada federação queira piorar de ano para ano? Mas o ritmo dessa melhoria deve ser deixado à realidade concreta de cada modalidade, porque é essa auto-regulação que constrói a Sustentabilidade. É esse caminho próprio, gradual, e adequado a cada Contexto, que permite a substituição da subsidiodependência.
2. Estou de acordo quando se diz que «era difícil mas era possível».
3. Estou de acordo quando se diz que «não era necessário mudar de Governo para fazer isso».
4. Não estou de acordo quando se adjetiva de «simplificação» (ou “simplificação de procedimentos”) a este tipo de Mudanças Organizacionais. Porque cria a ideia de que não se trata de uma Reforma. Que é apenas um ato operacional que não implica uma mudança de conceitos e de mentalidade. Não haja ilusões. É uma Reforma na qual todos passam a estar convocados. Que é diferente do que «estavam a fazer há anos», e diferente do «saber de experiência feito».
O adjetivo «simplificação» alivia a pressão e a responsabilidade. Faz com que «as costumeiras forças de bloqueio» pensem que não se trata de uma Mudança. Isto é, que serão «os outros que têm que fazer, e que a mim não me diz respeito, porque eu é que sei e os outros não».

Neste sentido talvez seja útil chamar a atenção para um termo que tem ganho recentemente algum destaque nas Ciências Sociais. Refiro-me ao termo “SIMPLEXIDADE” (simplexité; simplexity). Jean-François Dortier define-o do seguinte modo: “Simplexity: un mot étrange, un oxymore qui mélange deux notions opposées: simplicité et complexité. En France, le terme a été adopté par Alain Berthoz pour désigner la capacité des êtres vivants à réalizer des choses complexes par des procèdures simples” (2012).
Neste debate para além de A. Berthoz podíamos referir outros, por exemplo Mark Changizi ou Jeffrey Kluger.
Servem estas referências para sustentar a minha crítica de que o post propõe mais do que a palavra «simplificação» sugere.

Talvez seja, afinal, o mesmo desejo e a mesma necessidade dos que sentem que chegou a hora de mudar… se quisermos sobreviver.

Talvez

Anónimo disse...

Essa Folha A4 parece uma sujeita desempoeirada e aberta a muita obra. Eu até gosto delas assim ... Mas ... 'in su sítio'. E fala francês! Será de passar a mão ...?

Luís Leite disse...

Escreveu Talvez:

"A Folha A4 propõe que se fizesse um único Contrato-programa com a Agência para o Desenvolvimento do Desporto (ADD). E com base nesse Contrato-programa Geral as Federações, entre si, de forma auto-regulada, estabeleceriam as metas e as condições de sustentabilidade para as alcançarem. Por exemplo, ao Estado basta definir como meta-geral que cada Federação faça melhor de ano para ano. Não necessita de ir a cada uma vasculhar inspetivamente e persecutoriamente. Quem acredita que cada federação queira piorar de ano para ano? Mas o ritmo dessa melhoria deve ser deixado à realidade concreta de cada modalidade, porque é essa auto-regulação que constrói a Sustentabilidade. É esse caminho próprio, gradual, e adequado a cada Contexto, que permite a substituição da subsidiodependência."

Este Sr. Talvez não faz a mínima ideia do que é o funcionamento das Federações ou da (falecida?) Confederação do Desporto de Portugal.

Auto-regulação com dinheiros públicos num "statu quo" de compadrio dinossáurico e esperteza saloia em organizações com grandes buracos financeiros e grandes negociatas?

A Folha A4 é de papel higiénico? É que este costuma ser em rolo...

Anónimo disse...

Permita o Exmo/a «Anónimo 17Out2012 22:36» que responda ao seu interessante «in situ». Faço-o porque não foge ao tema do Post, e permite abordar uma outra importante mudança que a adoção da Folha A4 provocaria no modo de Governar o Estado, e portanto também nas coisas do Desporto que lhe são afetas.

Refiro-me à Mudança Comunicacional que a contemporaneidade exige. É necessária para que a relação entre o Estado e a Sociedade (os cidadãos/ãs; as Organizações; o domínio público e privado) resolva o distanciamento que se verifica agora. Esse distanciamento é também um “custo intermédio” que urge “eliminar”.

Antes, isto é até agora, o Estado comportava-se para com a Sociedade como «emissor» de orientações e normas. A representatividade estava baseada na hierarquia, e na boa direccionalidade que os governantes conseguiam impor. Todo esse edifício do Poder colapsou neste início do séc. XXI (não vale a pena apontar os inúmeros casos que estão a perturbar esse status quo, destruturando por dentro a unidade e a identidade desse Poder. Nem vale a pena mencionar, em contra golpe, a desesperada e fortíssima tentativa de controlo da Internet pelos Estados, em que o rasto dos posts é arquivado e seguido por um exército de funcionários pagos exatamente para isso).

Hoje o terreno do Poder, e a gestão desse exercício, já não se faz de dentro para fora, nem apenas de fora para dentro. Veja-se a dificuldade comunicacional que o atual Governo enfrenta. Numa luta desigual contra comentadores, comentaristas, grupos de internautas, e outras fontes anónimas que circulam sem controlo pelas redes de comunicação. Ora é preciso saber preparar esse território. E esse território prepara-se no sítio de sempre: «lá, onde estão os ouvintes e os leitores, os ouvidos, os olhos e as vozes». Só que agora eles e os seus sítios estão simultaneamente dentro e fora. É também na Inter-Rede e na Inter-Troca que agora estão, e não apenas na rua. Aliás, muitas vezes, vêm de dentro dos SMS para a rua.

Repare a consequência disto com um exemplo concreto. Um português, chamado Henrique de Castro, ao percebê-lo provocou numa empresa Norte-Americana bem conhecida (Google) de todos que os lucros subissem de zero dolars para 5 mil milhões. E a seguir foi contratado para vice-presidente de outra empresa concorrente dessa (Yahoo). Ouçamos o que diz: (passo a citar) “Em Portugal há uma verdadeira aversão ao risco. Isso limita o resultado potencial. Somos muito hierárquicos na forma e no conteúdo. As boas ideias vêm de todos os níveis da organização, mas quanto mais hierárquica é a comunicação mais castradas essas ideias são. Foi isso que me fez sair de Portugal. Havia uma tendência para eliminar todas as ideias que tivessem risco ou que não fossem 'standard'. Baseado na minha experiência de vida em mais de dez países, penso que os portugueses não se devem sentir inferiores.”

Isto para dizer que o sítio da Governação (incluindo o da governação das organizações dependentes do Estado) necessita de mudar também neste domínio da Gestão da Comunicação. Razão pela qual a Folha A4 escolheu e preparou muito cuidadosamente o seu terreno. Ou seja, está a exercer-se nos sítios certos.

Talvez

Anónimo disse...

Eliminar custos intermédios?

Quando alguém com ex-responsabilidades nas Federerações e no desporto português, vem dizer com alarde na praça pública o que disse, nesse momento, vemos com clareza a urgente necessidade de eliminar os custos a que se refere o Post. Porque são os próprios a terem consciência do mal que fazem ao Estado, e à manipulação que o submetem à custa do dinheiro dos contribuintes. Repare-se no que esse ex-responsável aqui diz (passo a citar): “Este Sr. ? não faz a mínima ideia do que é o funcionamento das Federações ou da (falecida?) Confederação do Desporto de Portugal. Auto-regulação com dinheiros públicos num "statu quo" de compadrio dinossáurico e esperteza saloia em organizações com grandes buracos financeiros e grandes negociatas?
Ora é exatamente para evitar esse denunciado regabofe que a auto-regulação serve. Em vez de terem o Estado por interlocutor passavam a ter como interlocutores os seus pares, concretamente os Vices e Presidentes das outras federações, no que se refere á distribuição dos dinheiros dos contratos-programas. Com a Folha A4 (com a ADD, e o tal Contrato-programa único e geral) a negociação com base nos méritos de cada federação (que por esta denúncia se percebe que é conscientemente manipulada e usurária) passava a ser uma discussão entre as federações, e não uma-a-uma com o Estado (e o indefeso Instituto). Esta reação do dito ex-responsável vem dar ainda mais razão à solução proposta pela Folha A4 e ao post de J.M.Constantino, porque foi uma denúncia feita pelos próprios.

Mas já que ninguém se chega a este interessante debate pelo lado do Desporto, permitam que lhe chegue por outros lados, apenas para espicaçar a coisa.

São dois casos de “custos intermédios”, com as suas duas respetivas conclusões. Que não são de Desporto mas estão no Contexto onde ele se exerce.

O primeiro caso ocorre na (atual) Política. Refere-se aos “custos intermédios” resultantes do dilema entre «governar» e «fugir a isso».
Tal como numa peça brechtiana, perante a difícil crise, e na ânsia de escaparem ao desgaste, fingem que se zangam. O PS ameaça que sim mas está mortinho por não. O CDS jura que está de alma e coração mas está mortinho por escapar. No entretanto, vem hoje o presidente do Conselho Nacional do CDS-PP, Pires de Lima, “acusar Passos de impreparação" (sic). O PS reza para que o CDS não se abstenha à última hora, coisa que não seria despicienda para Passos, e o Portas usa esta ambivalência com mestria.
Isto é, o Povo assiste incrédulo na praça pública ao triste espetáculo de ninguém o querer governar (tanto os eleitos como os da oposição). Os quais entretanto recebem 200 milhões de euros por ano para essa tarefa. Este não será um “custo intermédio” que deveria ser eliminado?
Que conclusão se poderá tirar? A que me ocorre é a daquela famosa diferença entre os animais e os humanos que Zizek referiu: “os Animais podem iludir apresentando o que é falso como verdadeiro, mas só os Humanos conseguem iludir apresentando como falso o que é verdadeiro”.

O segundo caso é mais universal. E serve para fazer uma Homenagem. Uma sentida comoção, com muita saudade, ao meu conterrâneo Manuel António Pina.
Permitam que coloque a questão do seguinte modo: Que eliminação de um custo intermédio há maior do que aquele que ele disse? Olhemos as suas palavras: "Empenhar-se ao máximo, sabendo que é irrelevante. É essa a grandeza do ser humano" (Manuel António Pina).

Não será esta a conclusão de todo e qualquer debate sobre a “eliminação de custos intermédios”?

Talvez