O paradigma normativo-regulamentador tem sido o caminho adoptado pelas políticas públicas para o desporto. Assenta na virtude da “lei” e na boa competência do Estado para a sua criação. Supostamente se atingirá por essa via a modernização do sistema desportivo. É um caminho possível. Mas não creio que os resultados sejam distintos do que têm sido atingidos por anteriores governações. Embora possa alimentar a retórica do tipo como foi “possível deixar a situação chegar a este ponto” .Ou da lamentável caos “antes de nós” para o radioso presente “connosco”. Mas os resultados efectivos serão bem escassos. O tempo o dirá. De resto, o facto é que, nas matérias em que o Estado tem competências próprias e estão a montante do sistema desportivo -políticas de educação e de juventude - o desporto (ou a educação física se preferirem),se mantém num estado de clara agonia. E que se passa no 1º ciclo do ensino básico é elucidativo. O que porventura revelará que, apesar de tudo, é mais fácil ”legislar” do que cumprir bem o que está legislado. Mas qualquer que seja o caminho - e o melhor será sempre o que atingir os resultados definidos previamente como os “objectivos de política desportiva pública”-é natural que uma parte das medidas públicas se destinem às organizações desportivas.
Quando as associações distritais de algumas modalidades se dispõem a discutir e a “combater” um novo regime a ser aplicado às federações desportivas é bom que se não alimente qualquer ilusão a respeito dessa “luta”. No essencial, o que está em causa não é discutir qual deverá ser o papel do Estado no seu relacionamento com o movimento associativo federado e se esse papel deve ir até ao ponto de definir o modo como as organizações desportivas devem estar organizadas. Ou se a lógica associativa ganha ou perde com um outro tipo de organização e de representação. É basicamente defender e conservar o poder actualmente atribuído. Passa ao lado do debate (para o desporto como para um certo número de outras áreas sociais) de qual deve ser o papel do Estado – central e local - na configuração e modelação das politicas públicas no âmbito das políticas desportivas. E não fazê-lo é sempre correr o risco de termos legislação a mais e doutrina a menos. Ou então vivermos com os lugares comuns da “realpolitik” europeia do tipo do Livro Branco sobre o Desporto: basta pouco para impressionar muito.
Os governos têm entendido, e os opinadores oficiais e oficiosos aplaudem, que as federações desportivas devam obedecer a uma formatação de tipo único que esteja para além do que configura o regime previsto no Código Civil e as normas próprias das organizações desportivas. Dir-se-á que o facto de receberem competências públicas delegadas que importa acautelar justifica uma ”normativização” para além daquele regime. Que a situação actual nem sempre reflecte as dinâmicas associativas que no plano formal representam. Que o tradicional conservadorismo destas organizações se traduz numa clara paralisação para qualquer mudança que o desporto requer face aos seus desenvolvimentos recentes. Que por regra estas organizações desportivas são conservadoras e pouco regeneráveis a partir de si próprias. Que outros países até são mais intervencionistas. E que por tudo isso e muito mais, que por economia de espaço se não refere, o Estado deve intervir porque é detentor de uma legitimidade e de uma “razão” (divina?) a quem cabe “pôr ordem” onde ela escasseia. Esta visão “salvífica” coloca, contudo, uma elementar questão: como se demonstra que o Estado é apto e competente para o que pretende? Apto será, competente está por demonstrar. O que não envolve qualquer crítica a quem tecnicamente prepara as"leis" mas tão só à avocação política por parte do Estado dessa competência.
O conservadorismo e perenidade associativos são de ordem conceptual,comportamental e cultural. São uma característica geral. Não desta ou daquela instituição, nem exclusivamente nacionais. Não são alteráveis ou reformáveis por decreto. Mas apenas quando o grau de exigência social os obrigar á mudança. Sem isso a mudança que certo tipo de agentes introduz nas dinâmicas associativas é mais de ordem formal do que substantiva. O seu grau de representatividade em alguns casos é nulo. O desporto não muda por a representação das associações ser diferente da actual. Por o associativismo de “cúpula”ser substituído ou mitigado por um “associativismo de base”.Por o presidente do sindicato ter mais poder e o presidente da associação ter menos. Os dirigentes sindicais, os dos treinadores ou do “associativismo de base” têm tanta tendência à “eternização” no poder como os restantes dirigentes. São tão “modernos” como os outros. E “ouvem” tanto as bases como os dirigentes das associações. Muitos que hoje “dirigem”já assumiram no passado outros papéis no sistema desportivo. O que mudou?
O Estado tem tendência à deriva normativa. Assenta na ideia (iluminista?) de que faz tudo bem, incluindo o modo como as organizações desportivas se devem reger. O Estado quer ir a todas. E para isso é muitas vezes empurrado, até pelas próprias organizações desportivas. Acredita que é na legislação que está o factor crítico para o sucesso. Ou pelo menos é preciso começar por aí. E que o sistema desportivo se formata exclusivamente a partir do que for o enquadramento definido e regulado pelo Estado. Acredita num determinismo normativo. Coloco sérias reservas a esse entendimento. Reconheço que, nesta matéria, Portugal não é o único país a proceder deste modo. E provavelmente se tantos copiam o modelo é porque sou eu que estou enganado. Ou então o modelo que se copia. O que valem os exemplos dos outros? Estádios de desenvolvimento distintos, graus e expressões associativas diferentes, politicas desportivas com outra dimensão pediriam políticas desportivas públicas e respectivo ordenamento jurídico também diferentes. Ou não?
Uma nota final. Os dirigentes desportivos não gostam dos políticos que se “intrometem” na “autonomia” do movimento associativo”.Exceptuam-se aqueles que para terem alguma representação associativa carecem da “boleia” do poder político porque não tendo capacidade reivindicativa e nunca tendo liderado qualquer luta em nome dos que representam só desse modo conseguirão algum” poder” na lógica associativa. Mas uns e outros, alinhados e desalinhados, estão condenados a “entenderem-se”.Uns (dirigentes desportivos) não sabem viver sem os outros (dirigentes políticos). Está escrito nas estrelas. E sempre assim foi, mesmo em pleno Estado Novo.Com veneração e muito respeitinho. E por isso ninguém se pode vir a queixar.
Quando as associações distritais de algumas modalidades se dispõem a discutir e a “combater” um novo regime a ser aplicado às federações desportivas é bom que se não alimente qualquer ilusão a respeito dessa “luta”. No essencial, o que está em causa não é discutir qual deverá ser o papel do Estado no seu relacionamento com o movimento associativo federado e se esse papel deve ir até ao ponto de definir o modo como as organizações desportivas devem estar organizadas. Ou se a lógica associativa ganha ou perde com um outro tipo de organização e de representação. É basicamente defender e conservar o poder actualmente atribuído. Passa ao lado do debate (para o desporto como para um certo número de outras áreas sociais) de qual deve ser o papel do Estado – central e local - na configuração e modelação das politicas públicas no âmbito das políticas desportivas. E não fazê-lo é sempre correr o risco de termos legislação a mais e doutrina a menos. Ou então vivermos com os lugares comuns da “realpolitik” europeia do tipo do Livro Branco sobre o Desporto: basta pouco para impressionar muito.
Os governos têm entendido, e os opinadores oficiais e oficiosos aplaudem, que as federações desportivas devam obedecer a uma formatação de tipo único que esteja para além do que configura o regime previsto no Código Civil e as normas próprias das organizações desportivas. Dir-se-á que o facto de receberem competências públicas delegadas que importa acautelar justifica uma ”normativização” para além daquele regime. Que a situação actual nem sempre reflecte as dinâmicas associativas que no plano formal representam. Que o tradicional conservadorismo destas organizações se traduz numa clara paralisação para qualquer mudança que o desporto requer face aos seus desenvolvimentos recentes. Que por regra estas organizações desportivas são conservadoras e pouco regeneráveis a partir de si próprias. Que outros países até são mais intervencionistas. E que por tudo isso e muito mais, que por economia de espaço se não refere, o Estado deve intervir porque é detentor de uma legitimidade e de uma “razão” (divina?) a quem cabe “pôr ordem” onde ela escasseia. Esta visão “salvífica” coloca, contudo, uma elementar questão: como se demonstra que o Estado é apto e competente para o que pretende? Apto será, competente está por demonstrar. O que não envolve qualquer crítica a quem tecnicamente prepara as"leis" mas tão só à avocação política por parte do Estado dessa competência.
O conservadorismo e perenidade associativos são de ordem conceptual,comportamental e cultural. São uma característica geral. Não desta ou daquela instituição, nem exclusivamente nacionais. Não são alteráveis ou reformáveis por decreto. Mas apenas quando o grau de exigência social os obrigar á mudança. Sem isso a mudança que certo tipo de agentes introduz nas dinâmicas associativas é mais de ordem formal do que substantiva. O seu grau de representatividade em alguns casos é nulo. O desporto não muda por a representação das associações ser diferente da actual. Por o associativismo de “cúpula”ser substituído ou mitigado por um “associativismo de base”.Por o presidente do sindicato ter mais poder e o presidente da associação ter menos. Os dirigentes sindicais, os dos treinadores ou do “associativismo de base” têm tanta tendência à “eternização” no poder como os restantes dirigentes. São tão “modernos” como os outros. E “ouvem” tanto as bases como os dirigentes das associações. Muitos que hoje “dirigem”já assumiram no passado outros papéis no sistema desportivo. O que mudou?
O Estado tem tendência à deriva normativa. Assenta na ideia (iluminista?) de que faz tudo bem, incluindo o modo como as organizações desportivas se devem reger. O Estado quer ir a todas. E para isso é muitas vezes empurrado, até pelas próprias organizações desportivas. Acredita que é na legislação que está o factor crítico para o sucesso. Ou pelo menos é preciso começar por aí. E que o sistema desportivo se formata exclusivamente a partir do que for o enquadramento definido e regulado pelo Estado. Acredita num determinismo normativo. Coloco sérias reservas a esse entendimento. Reconheço que, nesta matéria, Portugal não é o único país a proceder deste modo. E provavelmente se tantos copiam o modelo é porque sou eu que estou enganado. Ou então o modelo que se copia. O que valem os exemplos dos outros? Estádios de desenvolvimento distintos, graus e expressões associativas diferentes, politicas desportivas com outra dimensão pediriam políticas desportivas públicas e respectivo ordenamento jurídico também diferentes. Ou não?
Uma nota final. Os dirigentes desportivos não gostam dos políticos que se “intrometem” na “autonomia” do movimento associativo”.Exceptuam-se aqueles que para terem alguma representação associativa carecem da “boleia” do poder político porque não tendo capacidade reivindicativa e nunca tendo liderado qualquer luta em nome dos que representam só desse modo conseguirão algum” poder” na lógica associativa. Mas uns e outros, alinhados e desalinhados, estão condenados a “entenderem-se”.Uns (dirigentes desportivos) não sabem viver sem os outros (dirigentes políticos). Está escrito nas estrelas. E sempre assim foi, mesmo em pleno Estado Novo.Com veneração e muito respeitinho. E por isso ninguém se pode vir a queixar.
3 comentários:
Os que - como o signatário - trabalham nas actuais reformas empreendidas pelo Governo (na área do desporto) não pertencem, necessariamente, aos que acreditam que o Estado está no "princípio das coisas", como parece pretender o José Manuel Constantino. Nesse sentido, atrevo-me pois a dizer que, deste lado, do lado do Governo, não há "crentes", para usar a expressão utilizada pelo Autor.
Em todo o caso, a quase absoluta descrença do Autor nas virtualidades de quaisquer reformas empreendidas pelo Estado, parece ser filha do "relativismo agnóstico" que caracteriza, um pouco por todo o lado, a intelligentsia nestes tempos de crise profunda - e global.
Pela nossa parte somos bastante mais modestos. Não "cremos" no Estado, mas também não cremos nas virtualidades da inacção, do "deixa andar", do "não vale a pena". Que, diga-se de passagem, costuma exprimir-se, em Portugal, por um doutíssimo, mas não menos vácuo, apelo à incontornável necessidade de "uma mudança de mentalidades", como condição prévia e necessária ao êxito de qualquer reforma. São este tipo de apelos (normalmente oriundos de alguns académicos) a característica básica de quem já não tem qualquer programa de acção, de quem não tem qualquer ideia de reforma, de quem já nada propõe porque julga que já tudo foi experimentado...
O que não é, evidentemente o caso, do ilustre Autor do post.
Sans rancune
José Manuel Chabert
Meu caro J.M Chabert.
A fé que você demonstra é sempre mais reconfortante que a dúvida que eu suscito. Não é por avançarmos as “leis” que o futuro chega mais cedo. Já chegou. O desporto português está no bom caminho e o ano de 2007 foi de longe o melhor de sempre, no dizer dos responsáveis governamentais. Resultados alcançados ainda com as “leis “antigas.Com o “up-grade”legislativo que está a ser preparado é suposto que os resultados sejam ainda melhores. É uma questão de fé. Eu tenho dúvidas.Quanto "à necessidade de mudança de mentalidades"como pressuposto reformista ser um apelo vácuo recordo-lhe que esse apelo está inscrito na melhor tradição dos socialistas portugueses(Antero,Sérgio,Oliveira Martins,Eduardo Lourenço,etc)rejeitado é certo pela escola do "socialismo cientìfico"mas que suponho não quer invocar.Quanto ao "relativismo agnóstisco"vai permitir que lhe responda com um texto mais preparado.
Grato pelo seu comentário e sobretudo pelo facto de "do lado do Governo"se visitar este blogue e se comentar o que aqui se escreve.
Um abraço para si e bom trabalho.
Caro JM Constantino,
Não poderia deixar um seu tão importante texto sem uma contribuição para a discussão destes temas decisivos para o futuro do nosso desporto. Aqui deixo um texto meu, relativamente longo e inacabado por enquanto, que procura alguma luz sobre o entendimento prevalecente das organizações desportivas em Portugal.
A Metáfora Política das Organizações Desportivas
Em Portugal predomina largamente no discurso mais aprofundado teoricamente ou no discurso corrente do homem comum a “metáfora política das organizações desportivas”. É através desta metáfora e dos seus ingredientes fundamentais que se discorre sobre os problemas de funcionamento, as estratégias ou falta delas, os mecanismos de poder, a representação das estruturas organizacionais e outros temas das organizações do nosso sistema desportivo federado.
Então de que se compõe essencialmente esta visão metafórica e que implicações origina para o entendimento do funcionamento das referidas organizações desportivas? E porque apresenta ela tanta vigência e importância explicativa no discurso sobre a estruturação e funcionamento das organizações do desporto entre nós?
Desde logo assumem papel destacado nesta compreensão metafórica política das organizações desportivas os aspectos relativos ao poder e ao conflito, suas formas, intérpretes principais e manifestações, perdendo valor os aspectos mais formais e programados da vida organizacional.
A racionalidade, traduzida na possibilidade de previsão de decisões e comportamentos dos actores e das estruturas, perde fulgor interpretativo da vida organizacional. O consenso e a integração que a perspectiva funcionalista premeia também são desvalorizados em favor de uma imprevisibilidade e conflitualidade dos actores sócio-organizacionais. Passam a ter mais importância as coligações de vontades e de pessoas no interior das organizações, muitas vezes sendo alternativas umas em relação a outras. Formam-se internamente centros de poder, legitimando interesses agrupados em volta de líderes situacionais, que disputam entre si as legitimidades, a influência e a capacidade de determinarem os caminhos da organização.
O conflito passa a estar, por conseguinte, no centro da compreensão do funcionamento da organização. E a clarificação da evolução da organização depende dos vários conflitos intra-organizacionais, da estruturação e desestruturação que eles implicam, das vontades vencedoras e da sua capacidade de mobilizarem recursos e promoverem decisões eficazes.
Nestas “organizações politizadas” há perdas de eficiência flagrantes que decorrem do pequeno grau de formalização e programação que nelas existe e da tendência para se afirmarem lógicas de decisão e acção menos reguladas e estritamente definidas.
As “zonas de incerteza” são, por isso, evidentes e nelas emergem os “jogos de poder e de influência” liderados por actores sociais internos que procuram afirmar-se e reforçar os seus poderes respectivos. As alianças e as relações de coligação e de antagonismo crescem internamente. A estratégia joga-se quase exclusivamente no interior destas organizações e não surge da adaptação aos constrangimentos ambientais externos como postula a abordagem sistémica e contingencial. A organização transforma-se numa “arena política” onde se enfrentam interesses diferenciados coligados em núcleos de poder que estruturam objectivos, valores, desejos, expectativas e, sobretudo, vontades e ambições.
As organizações politizadas fecham-se sobre si mesmas e os seus objectivos são os dos grupos mais poderosos que lutam no seu interior. Não existem, deste modo, objectivos da organização indiferenciados e homogéneos que alinhem os comportamentos dos membros e lhes transmitam a correspondente coerência e coesão, mas, ao contrário, objectivos diversos articulados e defendidos por grupos que detém lógicas autónomas e poder específico.
Trata-se de um modelo organizacional de “contingências estratégicas” onde geralmente as “subunidades” mais capazes de resolverem os problemas mais críticos para a organização vão também adquirindo maior poder, tornando-se mais capazes de influenciarem as decisões que possam traduzir-se nos respectivos resultados organizacionais.
Perpassa nesta metáfora política a ideia de que o poder deve estar relacionado com a capacidade dos actores obterem recursos da envolvente para a organização e que ela depende do grau de manipulação das dependências que a organização apresenta (como resulta dos postulados da “abordagem da dependência de recursos”). As organizações não são auto-dirigidas e autónomas como poderia parecer, dependem de vários recursos que vão encontrar em diversas outras organizações que as envolvem – sejam eles dinheiro, materiais, equipamentos, pessoas, informação. As organizações não são por isso auto-suficientes e têm de gerir adequadamente essas dependências em que estão envoltas regularmente, mobilizando-se numa luta constante pela sua autonomia e sobrevivência.
Os actores internos vão procurar, por isso mesmo, reduzir os graus de dependência das suas organizações no meio externo. E serão mais poderosos aqueles agentes que conseguirem obter mais recursos exteriores sem comprometerem a capacidade autónoma de a organização actuar ou manobrarem no sentido de que a organização venha a obter atitudes mais favoráveis dos respectivos fornecedores de recursos. Ganham ascensão natural as manobras, as influências, as coligações de vontades e interesses, e também um certo maquiavelismo nas relações humanas intra e extra organizacionais.
Esta é a construção perceptual mais vulgar do funcionamento das organizações desportivas entre nós e que transparece em inúmeras manifestações discursivas, quer de carácter mais teórico ou nas de opinião corrente que se vão perfilando em Portugal.
Nas organizações desportivas a capacidade de negociação relativamente aos financiadores ou reguladores governamentais atribui poder pessoalmente a quem disponha desse atributo. Por isso, são mais poderosos os actores organizacionais que percorrem com à vontade os corredores do poder político, que pisam e repisam as respectivas alcatifas, e que tratam fácil e habilidosamente com os governantes.
E assim a permanência nos cargos é uma mais valia já que quem passa são os governos e os políticos e quem fica e conhece “as manhas e as mamas do poder” são os dirigentes mais poderosos e quase perpétuos das organizações desportivas.
Há, deste modo, uma tendência para que nas organizações desportivas os dirigentes máximos que exercem mais poder e tem maior e mais experiente habilidade de manipularem as dependências organizacionais externas se perpetuem nos respectivos cargos. Essa seria a forma adequada ao respectivo jogo político de poder que pressuporia uma mais conseguida vantagem de fazer valer os interesses das organizações desportivas e dos seus respectivos líderes relativamente as legitimidades e poderes externos, designadamente políticos governamentais.
Esta visão organizacional é, por consequência, uma perspectiva pluralista que obriga a reconhecer a natureza diversificada dos interesses, legitimidades, conflitos e poder que habitualmente se jogam no interior das organizações desportivas. É uma perspectiva oposta, por conseguinte, às das visões mecanicista e orgânica que vêem as organizações (de todos os tipos) como totalidades uniformes em que existe conformidade entre os interesses individuais dos diferentes membros e os da própria organização. Nestas abordagens o conflito e a sua eficácia ou disfuncionalidade e as relações de poder com os seus jogos e capacidade de influência perdem a centralidade com que emergem na metáfora política que acabámos de sucintamente descrever.
A metáfora política é hoje bastante utilizada na análise das organizações porque a actividade política ganhou visibilidade e importância no interior da vida organizacional e permite um entendimento das condutas dos actores que dão forma e conteúdo às acções e decisões. As metas, objectivos, estrutura, tecnologia, desenho organizacional e liderança das organizações têm, pois, uma dimensão política que é indispensável caracterizar e compreender.
A metáfora política subverte a ideia da racionalidade organizacional em tudo quanto esta pressupõe de definido e normalizado nos comportamentos e objectivos das pessoas da organização, partindo ao invés do pressuposto da existência de conflitualidade entre os interesses da organização e os dos diferentes indivíduos que a compõem. À estabilidade e à previsibilidade do modelo racionalista a metáfora política antepõe a incerteza, a dissensão, as lutas de poder e de influência no interior de uma “arena política”.
Existem duas importantes limitações da metáfora política das organizações. A primeira advém do facto de a preponderância da fenomenologia política no entendimento da vida organizacional tender a fazer prevalecer essa interpretação política em tudo aquilo que vai estruturando e definindo a vida organizacional – “tudo se reduziria ao conflito e à luta de poder ou poderes internos”, portanto. Uma segunda limitação é a de a metáfora tender para sobrevalorizar o papel dos indivíduos na organização retirando importância a componentes e dinâmicas do sistema organizacional – “os indivíduos e os seus interesses e ambições seriam tudo na organização”, por conseguinte.
A metáfora política desvaloriza o papel do planeamento e da estratégia enquanto actividades racionais, resultantes dos consensos intra-organizacionais e condutoras do devir institucional, e também das componentes e relações do próprio sistema que constitui a organização – sejam elas a estrutura, as diversas funções orgânicas, as relações formais e hierárquicas estabelecidas ou os fluxos de actividades que de todas estas natural e sistematicamente decorrem.
Esta metáfora explicativa do funcionamento das organizações desportivas casa-se em Portugal magnificamente com a actividade legislativa intensa do Estado no domínio do desporto. O Estado, melhor os políticos governantes do desporto, ao beberem das nuances da metáfora política, entendem que o modo mais eficaz de sobre as organizações do desporto exercerem os poderes de que foram ou estão investidos é manipulando as regras legais de enquadramento. Existe em consequência uma proliferação legislativa em detrimento do desenvolvimento das capacidades de dirigir estrategicamente o desporto e as respectivas organizações desportivas. Por isso, o Estado não usa o planeamento nem o desenvolvimento estratégico do sistema desportivo como instrumentos racionalizadores da sua acção. E não existem elementos, nomeadamente documentais, que esclareçam e sistematizem um pensamento estratégico para o desporto, desvinculando os governantes e políticos de fixação de objectivos e metas para a evolução do desporto pelas quais pudessem ser devidamente escrutinados no decurso dos respectivos mandatos ou mesmo nos diferentes processos eleitorais. O desporto tende a viver continuadamente, ao longo de muitos anos, sem se conhecerem os objectivos e metas de desenvolvimento e os compromissos assumidos que possam ser devidamente e em tempo ser avaliados pelos cidadãos. Os resultados finais dos diversos mandatos governamentais são indefiníveis e inavaliáveis em contradição óbvia com o que seria necessário acontecer.
Um sistema desportivo político e conflitual é, deste modo, governado juridicamente, sem racionalidade visível e vogando ao sabor das conveniências e do arbítrio governamental sucessivamente no poder.
José Pinto Correia.
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