terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Captação e Retenção 1

No início de um novo ano é recorrente a formulação de expectativas e desejos que se espera venham a realizar.
Acontece exactamente o mesmo com o futebol e com a arbitragem mais especificamente, em que se desejam bons jogos com boas arbitragens.
Sendo certo que a sorte poderá ter uma quota-parte no desenrolar das ditas arbitragens, também nesta área se aplica a célebre frase da Gestão em que “O sucesso é conseguido com 99% de transpiração e 1% de inspiração”.
Vem esta introdução a propósito das eternas discussões sobre o estado da arbitragem em Portugal.
A discussão por norma centra-se em torno dos campeonatos nacionais e por consequência nos árbitros de 1ª Categoria. Claro que o mediatismo inerente a estes campeonatos e a repercussão pública que os mesmos têm a isso leva.
O que é importante não esquecer é que esses árbitros não “nascem” de geração espontânea. Há toda uma pirâmide organizacional, desde a 1ª Categoria Nacional até aos estagiários distritais que acabaram de tirar o seu curso de árbitro, que sustenta a referida Arbitragem Nacional. Os árbitros de 1ª categoria são apenas 0.8% do número total de árbitros.
Aí reside logo o primeiro problema a equacionar. Se é certo que a quantidade não faz a qualidade, não menos certo é que quanto menor quantidade, menor probabilidade de haver qualidade haverá. A captação e retenção dos árbitros é de facto um problema ao qual deverá ser dada grande atenção. Para quem analisa os factos com números, a título de exemplo diga-se que a Suíça com 7,5 M. Hab. tem 4.800 árbitros, Portugal com 10M Hab. tem 3.000 árbitros. Refira-se também que a necessidade em Portugal é de cerca de 6.000 árbitros.
Causas? Bom, por exemplo, quando em conversa com dirigentes da Federação Suiça informei que em Portugal há cobrança de IRS sobre a alimentação e sobre a deslocação paga aos árbitros, ficaram boquiabertos. Para além de completamente injusto, pois trata-se de compensação de despesas obrigatoriamente efectuadas para a prestação do serviço, não me parece que seja por aí que o défice do País vá ser resolvido.
Mas esta questão do número de árbitros tem implicações para além da já mencionada. Por um lado, há árbitros a fazer mais de três jogos por fim de semana. Um sábado à tarde, um domingo de manhã e outro domingo à tarde. Ora como facilmente se perceberá, no jogo de Domingo à tarde, que normalmente é de Seniores, existe já desgaste físico e psicológico o que em nada contribui para a esperada qualidade.
Analisemos então a questão essencial. Qual a “motivação” que um jovem de 15, 16 anos terá para enveredar pela arbitragem? Taxação de imposto sobre um montante irrisório que recebe nos primeiros anos de arbitragem; Perda de benefícios sociais que tenha em sede da segurança social (abono de família, sase, etc) pois terá obrigatoriamente de se colectar para passar recibos verdes à respectiva associação de futebol; sobrecarga de jogos ao fim de semana com a consequente falta de tempo para amigos e família; jogos das camadas jovens aos fins-de-semana de manhã com a impossibilidade de se deitar tarde no dia anterior, cortando as saídas com os amigos; etc.
Ora, se há algumas destas “motivações” que têm de ser encaradas como um esforço de quem quer seguir um hobby como a arbitragem, outros haverá que pouco ou nenhum sentido fazem principalmente nos primeiros anos de quem ingressa neste desporto.
A repercussão destas medidas far-se-á repercutir inevitavelmente num futuro não muito longínquo na tal mediática 1ª categoria nacional.

2 comentários:

Anónimo disse...

A arbitragem é como outros segmentos do desporto cujo funcionamento económico é ineficiente em Portugal.

Concordo com as suas palavras.
Acrescento que a arbitragem profissional possui uma direcção conhecedora das limitações nacionais e das condições de trabalho europeias e mundiais.
Existe igualmente um projecto que não encontrou, quando foi publicitado, a melhor das recepções por outras entidades.

Já se passaram alguns anos e não é com descrédito e falta de diálogo que se resolvem problemas de base que se mantêm indefinidamente prejudicando a actividade desportiva de base e retirando lustro às competições desportivas de topo.

O exemplo que aponta é a dificuldade do desporto colocar às finanças as razões de uma economia eficiente.
Este comportamento público é o mesmo que procurar atrair futuros árbitros com vinagre.

josé manuel constantino disse...

O problema aqui levantado pelo Nuno Castro é um dos muitos estranhos assuntos que permanecem silenciosos ou escondidos na realidade desportiva nacional. Não só no futebol mas em muitas outras modalidades desportivas que há competições oficiais sem árbitros licenciados para o efeito. No futebol o problema atinge uma maior dimensão porque é a modalidade que movimenta mais de um quarto dos praticantes desportivos federados. Essa falta de árbitros faz-se sentir sobretudo nas competições dos escalões jovens. E os escalões jovens de futebol até aos juniores têm mais praticantes que qualquer outra modalidade desportiva com todos os escalões incluídos. Dizia-me há dias um dirigente da Associação Distrital de Lisboa que todos os fins-de-semana cerca de 20% das competições que organizam disputam-se sem árbitros oficiais. E que excluindo a associação do Porto todas as restantes se confrontam com o mesmo problema. Esta carência de árbitros desencadeia um abaixamento dos critérios de recrutamento afectando naturalmente a qualidade dos mesmos. Num momento em que cresce o número de praticantes de futebol e aumenta o número de competições a dificuldade em recrutar e formar árbitros é um problema muito sério que se coloca ao desenvolvimento da modalidade .Estranhamente, dos árbitros aos restante agentes da modalidade, raras são as vozes que chamam atenção para este problema.