domingo, 25 de janeiro de 2009

Suspenda-se o desporto

Com a entrada em vigor, no passado dia 1, do novo regime jurídico das federações desportivas – abreviaremos desta forma o seu objecto e utilizaremos também, de futuro, RJFD2008 –, o Estado passou a poder, pela primeira vez em Portugal em regime democrático, suspender a actividade desportiva desenvolvida por uma federação desportiva.
A frase pode chocar à primeira leitura, mais a mais num quadro dominado pela liberdade de associação e pelo direito fundamental ao desporto.
Aliás, só nos restam as normas constitucionais para pôr cobro a essa incrível solução do RJFD2008.

Dispõe o corpo do nº 1 do artigo 21º do RJFD2008, que o estatuto de utilidade pública desportiva pode ser suspenso, verificados alguns pressupostos, por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área do desporto.
Nos termos do nº 2, este acto administrativo pode acarretar um ou mais efeitos – elencados em diversas alíneas do preceito –, a fixar no mencionado despacho.
Um desses efeitos [alínea f)] é a suspensão de toda ou parte da actividade desportiva da federação em causa.

Ora, para ultrapassar esta opressiva norma, felizmente que contamos com as normas do artigo 46º da Constituição da República Portuguesa de 1976, afirmando solenemente a liberdade de associação, nas suas diversas projecções.
Assim, dispõe o nº 2 deste preceito constitucional:
“As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial. “
O frenesi intervencionista do Governo não olhou a nada, nem ao texto constitucional, tão límpido neste domínio, só a necessitar de uma leitura simples, sem grandes torneamentos jurídico-interpretativos.
Conseguiu, dessa forma, transformar um acto administrativo numa decisão independente de um tribunal.

6 comentários:

Anónimo disse...

A Constituição é, como diz Manuel Queiró,
“um texto puramente proclamatório, cujo destino só pode residir no incumprimento da maior parte das suas disposições".

Quem não sabe isto, não sabe nada da vida.

Logo, o novo regime jurídico das federações desportivas é um plágio jurídico da Constituição, ou seja, também é um documento de boas intenções para não cumprir.

O Queiró faz da Constituição, o que Platão fez das "Leis", um jogo de tiro ao alvo, ou se acerta ou não se acerta.

Pelos vistos é difícil acertar nas normas da Constituição.

José Correia disse...

O Estado e o Desporto: Mão Visível vs. Autonomia

O Estado na Europa e em Portugal tem, sempre teve e continuará ter no futuro, um papel determinante na organização e funcionamento do desporto.

O Estado é, dessa forma, quer ao nível central quer local, não apenas o grande financiador como o regulador essencial do desporto naquilo que está obviamente para além da capacidade de auto-regulação e governação autónoma deste último.

O exercício da função de regulação tem mecanismos, regras, processos e procedimentos que devem obedecer ao “princípio de ouro” de que essa intervenção e supervisão se reconduz a assegurar o respeito pelos princípios legais e pela salvaguarda da boa governação das organizações a que essa mesma função de regulação se aplica.

A regulação está, assim, eminentemente ligada a preceitos éticos e de eficácia e eficiência que devem proteger o normal funcionamento das instituições e organizações sobre as quais se exerce e recai. E um desses pressupostos éticos fundamentais é o de que os poderes de regulação do Estado não devem, não podem, colocar em causa os princípios constitucionais da autonomia e da liberdade de associação que possibilitam e promovem a intervenção e agregação dos indivíduos em actividades que lhes interessam ou à própria sociedade.

Esta agregação de vontades é acautelada juridicamente pelo Estado e tem e produz valor para os indivíduos e também para a comunidade nacional em que se manifesta.

No desporto, na sua organização internacional, na Europa, em todos os principais documentos internacionais de orientação da actividade desportiva europeia, prevalece o princípio da autonomia e da liberdade de governação e funcionamento do movimento desportivo, que se conjuga com o princípio da subsidiariedade que vislumbra ganhos de eficácia e eficiência em organizações de nível inferior ao estadual.

Ora na “Constituição Portuguesa” existem normas básicas sobre a liberdade de associação que inibem as intervenções despropositadas do Estado no seu funcionamento e organização. O que deveria ser justificação suficiente para impedir a possibilidade de por poderes de regulação se deixar margem a uma suspensão das próprias actividades associativas desportivas autónomas como é o caso manifesto que agora passará a ocorrer com a aplicação do dispositivo constante da alínea f) do nº2 do artigo 21º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

Trata-se de estender a longa mão interventora e coerciva do Estado a mais um dos poucos espaços de intervenção autónoma da denominada sociedade civil, sem que as razões invocadas no nº 1 do mesmo artigo possam justificar a desproporção da alínea f) do nº2 e fazendo tábua rasa dos princípios constitucionais que nos regem.

É sem qualquer dúvida mais uma redução do espaço de liberdade da sociedade portuguesa, trocada por uma nova e despropositada interferência do Estado que se passa a arrogar o direito de fazer cessar as actividades de federações sem intervenção judicial e por mera decisão administrativa da tutela do desporto – que resulta da disposição inserida na alínea f) do nº2 do artigo 21º do Regime Jurídico das Federações Desportivas.

Não sendo jurista quero crer, contudo, que nos poderes administrativos de tutela não estarão (não poderão estar, por óbvia desconformidade e desproporção) os de fazer cessar as actividades de espaços associativos constitucionalmente consagrados como sendo livres e autónomos.

O que não se compreende, não se pode entender nem aceitar, é o silêncio absoluto das federações desportivas, do movimento desportivo, do Comité Olímpico de Portugal e mesmo do próprio Conselho Nacional do Desporto perante aquilo que parece ser um óbvio e absurdo atentado à autonomia e à liberdade associativa desportiva em Portugal, passando por cima do enquadramento da própria Constituição da República que ainda é, até prova em contrário, a “lei das leis”.

O que isto parece revelar é o reforço de uma tendência manifesta para estender a longa e sufocante “mão visível do Estado” por sobre as cabeças dos intérpretes do movimento desportivo federado. E se traduz, óbvia e indisfarçavelmente, num preocupante enviesamento ideológico-legal para uma intensificação da estatização do desporto em Portugal.

José Pinto Correia

Anónimo disse...

Caro José Correia

Tudo o que escreveu sobre este tema está consagrado desde o Direito Romano, e é repetido até à exaustão nos compêndios que formam e informam os homens da toga.

O problema não está no que escreve, que é uma parte do problema teórico.

O problema tem a sua configuração nos diplomas normativos que não correspondem aos desejos e necessidades de quem lida no terreno, e convidam a torneá-los ou ao incumprimento.

A realidade do que se passa na prática administrativa desportiva privada é totalmente diferente do que se passa na mentalidade administrativa estatal que "fabrica" as leis.

Por norma os diplomas não acompanham o andamento célere do desporto. Pelo contrário, levantam obstáculos a esse andamento e quebram a vontade de caminhar para a frente.

E a ética, de que fala, pelo exposto, deveria por começar no Estado, cuja função é a de acompanhar legalmente o percurso dos que constroem o desporto, e não o seu contrário.

Levantar obstáculos como forma de dominação, é a posição menos ética.

E toda a regulação internacional é concebida pelos mesmos actores, com a diferença de que, em vez de gerarem documentos nos respectivos países os criam nas sedes internacionais.

Os homens são os mesmos mas em galhos diferentes. Não é por mudar de galho que vai mudar de opinião.

Com respeito e consideração pelo seu ponto de vista.

Anónimo disse...

Por outro lado, há uma tendência abusiva para causticar a ética e exacerbar a moral.

Ambas existências e ambas insistências
não resolvem problema nenhum, nem melhoram a sociedade.

Pelo contrário, acabam por se banalizarem e perderem efeitos persuasivos.

Como diz Luhman as alusões constantes à ética e à moral são formas de ocultar o que corre mal na sociedade. (Niklas Luhman, The world society s a social system, in General Systems, vol. 8, 1982)

Anónimo disse...

E depois acontece que...

Alvará de 20.12.1766 – A variedade dos tempos, e a occurrencia dos casos, que se não podem prever, faz necessário declarar, ampliar, e restringir as Leis.

Anónimo disse...

Como dizia o poeta:

"É de passos a dar que faço a viagem
E não de passos dados na paisagem
Já gasta de tanto a ver e ter de cor"