A reforma do Estado está na agenda política, pelo menos, há duas décadas. Ganhou novo impacto no âmbito do conceito genérico de reformas estruturais constante no memorandum de ajustamento orçamental assinado com a troika. E subjacente à reforma do Estado tem estado a questão da sua dimensão. Só que esta variável não pode ser desligada de duas outras: as competências e a respetiva sustentabilidade financeira.
O desporto e a juventude foram apresentados pelo atual governo como um dos primeiros setores de reforma, através da fusão num organismo único de toda administração pública do setor. Em sua defesa a justificação de que dessa forma se ganhavam economias de escala com poupanças na despesa pública. Mas esta operação de redimensionamento não foi uma reforma do Estado. O Estado continua a manter todas as obrigações e competências que tinha agora garantida por um único organismo, quando antes o era por vários. O Estado não abdicou de qualquer das suas missões. E não acrescentou outras. É o mesmo Estado. Apenas difere no modo como se organiza. Não há uma outra visão do desporto ou um diferente posicionamento do Estado. Os procedimentos no essencial mantêm-se. Tudo é igual com diferente modo de se organizar. (1)
Esta conceção minimalista estende-se à Fundação do Desporto. Uma Fundação deveria resultar da existência de um património significativo cujos proprietários decidem colocá-lo ao serviço da sociedade. O que justifica dado esse desígnio social que recolha diversos benefícios fiscais. Pelo que nunca deveriam existir fundações públicas que são uma forma travestida de o Estado passar para elas certo tipo de obrigações utilizando recursos públicos sem o controlo a que habitualmente estão sujeitos. E com isenções fiscais. Nesse sentido muitas fundações estão para a fazenda pública como as “off-shores” estão para os capitais. Servem para fugir aos impostos. As obrigações do Estado devem ser asseguradas por entidades públicas ou outras a quem o Estado contratualiza essa prestação de serviços. Mas não deve caber ao Estado, sozinho ou acompanhado, criar entes fundacionais para lá encaixar competências próprias.
Esta manutenção da Fundação do Desporto a par de uma outra fundação com especial relevo também no desporto (INATEL) é mais um sinal de que não estamos perante uma reforma estrutural do Estado, mas apenas de uma simples reformulação organizacional. Neste momento tão pouco para retomar as suas motivações iniciais- apoio genérico à alta competição- mas para encaixar a gestão e manutenção de equipamentos desportivos (centros de treino a que impropriamente designam de centros de alto rendimento),matéria de onde o Estado central se deveria retirar. É uma grossa asneira na linha da que presidiu à sua construção, sem que se conhecessem estudos ou garantias de viabilidade desportiva e sustentabilidade financeira.
O Desporto ainda não respondeu às reformas estruturais. E as reformas procedimentais vão pelo mesmo caminho. Nesta matéria porque bebe numa cultura de burocracia cujos apóstolos dominam o aparelho do estado e que não acrescentam qualquer valor público à sua ação. (2) Servem apenas para complicar. Com um problema adicional: uma parte significativa dos recursos humanos da administração pública do desporto não sabe de desporto. Nunca o estudou, nem pretende estudar. Muitos seus dirigentes estão no desporto, como no passado estiveram na segurança rodoviária ou nas finanças. É-lhes indiferente a situação do desporto nacional matéria na qual não dispõem de qualquer brilho ou competência intelectual. Basta-lhes, como qualquer burocrata, fazer cumprir os procedimentos. Que são um fim em si mesmo. O desporto que se adapte. Um dogmatismo e o sectarismo que se alimentam de uma falácia: a jurisdicização do ato administrativo como ente soberano. Que ignora coisas complexas, difíceis, por vezes ásperas que são as pessoas do desporto e a realidade desportiva.
E este é o outro lado da reforma que era preciso fazer: uma nova cultura e uma nova mentalidade dos dirigentes da administração pública. Uma cultura que desse a lucidez e fizesse perceber que o Estado e administração pública existem para servir. E que as posições majestáticas e imperiais não são o adequado a um período de crise e de dificuldades. Perceber afinal que o Estado não é propriedade dos seus titulares ou reserva exclusiva dos seus servidores.
(1) Esta situação não é exclusiva do desporto. O jornal Expresso da última semana anuncia que Jorge Moreira da Silva vice-presidente do PSD está a ultimar um relatório para o crescimento sustentável onde insiste na urgência de redefinir as funções do Estado
(2) Apesar do moralismo e da pulsão administrativista o IPDJ surge na lista da Direção Geral do Orçamento em situação de incumprimento na chamada lei dos compromissos (reporte de Agosto).
4 comentários:
Texto brilhante de JM Constantino.
Pleno de atualidade.
A minha concordância é total.
Quanto aos apelidados Centros de Alto Rendimento, na realidade o que está a acontecer em algumas modalidades é que são utilizados indiscriminadamente por todo o tipo de desportistas e jovens das escolas.
Ao contrário do que acontece nos outros países europeus.
Como consequência do excesso de utentes, teremos uma rápida e inevitável degradação dos equipamentos, sem qualquer hipótese de reposição por falta de dinheiro.
Como acontece, por exemplo, no Atletismo.
É má gestão pensar-se que a rentabilidade depende do número de utentes, esquecendo-se o importante fator da conservação em bom estado, para uso exclusivo dos melhores.
Em Portugal a demagogia que anda associada à quase totalidade do pensamento político sobre desporto apenas se preocupa com a quantidade de praticantes e utentes.
Sem resultados práticos desportivos, como se tem visto nos Jogos Olímpicos.
No Estádio Nacional, a gestão revela uma clara mistura demagógica entre o desporto de alto rendimento, o mero desporto federado e o desporto para todos.
Como se isso fosse uma mais-valia. Não é.
Peço desculpa, mas o problema Talvez não seja esse.
O problema não é o «Estado Português» é o «Estado Europeu». O problema, desde a opção política à ilusória «União Europeia», passou a ser o da Soberania. Talvez uma opão política errada, feita desgraçadamente antes do tempo, e de propósito nos Jerónimos matando com isso um dos símbolos dessa nossa união quase milenar.
É por isso que a discussão quando é levada para os cansados temas do Estado Português faz aquilo que os autores dessa opção política querem que faça. Concretamente: um meio de consolidar e conquistar o objetivo de passagem da Soberania do Estado Português para a Soberania do Estado Europeu.
É a Soberania que queremos transferir para a «União Europeia» que define o critério da discussão que o post propõe (i.e., da missão do «Estado Português», do seu redimensionamento, da sua reforma ou restruturação, etc., etc.).
Pois se houvesse um ministério e um programa de Governo Europeu que dissesse qual era a política de desporto para todos os países que a ele se subjugassem não seriam necessários tantos departamentos e tantos chefes dentro de cada país (Estado). Estava dito. Agora era apenas cumprirem essa orientação. As «medalhas» eram da UE; tal como os produtos e serviços seriam finalmente todos «made in UE».
É bom recordar que os que dominam a atual UE nunca obedeceram aos resultados das várias consultas populares que a rejeitaram. Interpretaram a rejeição como um «nunca» em vez de o interpretarem como «mais tarde, agora é rápido demais». Talvez seja bom não nos esquecermos das peripécias desta ganância. Não esquecer que o «atual Tratado» foi escrito de forma a fugir aos vários «Não» da população de vários países que rejeitaram em urna a constituição da famigerada e ilusória «União Europeia». O que mostra bem a motivação e o objetivo político da minoria que a comanda.
Estou a dizer apenas que se deveria ter esperado mais tempo para entrar numa coisa que, passados estes anos todos ainda nem sequer começou, mas que em nome da qual se fizeram atos que lesaram o património de Portugal, e se repercutirão nas várias gerações que hão-de vir. Em nome de um objetivo político obscuro, comandado de fora do interesse do País, houve uma minoria que vendeu aquilo que não lhe pertencia, fugindo ao escrutínio dos seus concidadãos.
(Cont.)
Constata-se que, tal como no Passado, basta avençar umas centenas (ditas “elites”) em cada país, dando-lhes mordomias (que sem Fundos não conseguiam ter), para esses lhe trazerem de bandeja os países e a respetiva Soberania. Foi assim com D. João I no séc. IV; foi assim com Miguel de Vasconcelos no séc. XVII; foi assim com os que negociaram a adesão de Portugal ao mesmo poder de sempre. Esses são os que pela frente se vestem e se apresentam sempre como grandes defensores daquilo que ajudam a destruir. E quando vamos ver de onde recebem, vemos que são pagos pelos que querem o contrário. São os que se escondem com esse trajo, e recebem de outros Fundos. Até lhes dão um «Identidade Substituta» (a de funcionários e cidadãos do novo Estado que há-de vir, com sede e tudo, em Bruxelas ou Estrasburgo, ou noutro local combinado para o futuro novo Estado). Um processo muito antigo, idêntico aliás ao da escravatura, em que não eram os que atracavam na costa que iam às aldeias do interior buscar os escravos, eram os que traiam o seu povo a troco de trinta-dinheiros, para que o negócio a sério se fizesse lá muito longe.
O Estado só serve a quem pretende a Soberania. E é um obstáculo a quem dela se quer apossar. Só há Estado Espanhol se não houver outros Estados dentro de Espanha. O mesmo aconteceria com os Estados dos EUA, ou com as regiões Germânicas. Ou se uma parte de Portugal (instigada de fora por essa estratégia Europeia) quisesse ser Estado. A história ensina-nos que nesses momentos ocorre a destruturação da Soberania anterior, fundada sobre a jurisdição desse Estado que era o obstáculo. Os nóveis-Estados, mais pequenos e fragmentados, durarão pouco. Durarão até que a potência que os fomentou execute o seu objetivo de reunificação num Estado de maior dimensão do que as partes fragmentadas.
Se se quiser passar a Soberania para esse programa e para esse governo dito «europeu» então a dimensão, a missão, e todas essas balelas em que assenta a discussão do Estado são uma coisa; se não, a discussão é outra. Agora não vale a pena é andarmo-nos a enganar uns aos outros sem termos a coragem de enfrentar, de facto, o problema.
Talvez haja necessidade de esperar mais 30 ou 50 anos, porque nessa altura já não deve andar por cá quem se lembre senão de que nasceu na União Europeia. Portugal será uma coisa de velhinhos, sem sentido, nem possibilidade.
Ou não?
Talvez
BINGO, JMC!!
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