Luis Filipe Vieira afirmou que, no futuro, o Benfica precisa de comprar menos, formar mais e vender bem. E baixar a massa salarial dos seus ativos, mesmo que isso signifique perda de competitividade. As declarações foram recebidas como uma manifestação de sensatez e realismo, tão reconhecidamente ausentes do mundo do futebol. Penso precisamente o contrário.
Num contexto de elevado grau de competitividade, como é aquele que domina as relações entre clubes de futebol um líder na sua exposição pública deve focar-se nos resultados desportivos. Admitir perda de competitividade é, num clube como o Benfica, sacrificar a sua principal memória e identidade. E num clube que tem paulatinamente perdido essa competitividade, pretender no futuro perder ainda mais é um suicídio. Por outro lado está por demonstrar que, nos clubes de futebol, a despesa seja proporcional aos ganhos de competitividade. Se assim fosse, o Benfica pelo que gasta com o futebol não tinha perdido competitividade para quem gasta menos que ele.
E, no entanto, Luís Filipe Viera, em certo sentido, não deixa de ter alguma razão. Porque a sustentabilidade financeira requer medidas de controlo da despesa. E porque o quadro salarial deste negócio está sobredimensionado. Só que é um negócio que vive de expectativas- precisamente a competitividade –e ao anulá-las estraga o próprio negócio em que opera. E ao acreditar que gastar menos é perder competitividade confirma que não conhece bem o negócio.
O líder de um clube como o Benfica nunca pode baixar as expectativas de competitividade. Ao fazê-lo a mensagem que está a dirigir para o interior é a de que, no futuro, maiores quebras de competitividade até são aceitáveis face à redução da qualidade dos ativos. Uma qualidade que ele mede pelos salários que pratica.
Em qualquer organização, e o futebol não é exceção, a estratégia de gestão financeira não pode ser objeto para grandes intervenções públicas. É um assunto reservado da administração. É impensável ouvir Jorge Nuno Pinto da Costa a fazer considerações públicas daquele tipo. Não porque eventualmente não pense no assunto. Mas porque tem uma sabedoria de gestão de expetativas e porque conhece o negócio do futebol como poucos. E é esse conhecimento que dá ao clube que lidera um indisfarçável ganho comparativo.
O futebol não mexe apenas com ativos. Ou melhor, os ativos do futebol não são apenas os jogadores. São também as massas associativas. E o que consomem não são apenas resultados desportivos. Mas é neles e por eles que se constroem as suas motivações e expectativas. Liderar um clube como o Benfica obriga a estar atento a estes dois tipos de ativos. E perceber que liderar não obedece a nenhum cientifismo ou racionalismo gestionário. Liderar é mediar as expetativas com a realidade.
Contrariamente ao que por aí andam a dizer, a escrever e a fazer cursos para enganar papalvos a liderança é uma coisa completamente diferente da gestão. Ambas são necessárias mas não podem ser misturadas. A liderança lida com a motivação e com contextos de natureza interpessoal. A gestão lida com o planeamento, a organização e a administração. Steve Jobs foi um líder excecional contrariando quase sempre os seus gestores. Isso não o impediu de fazer muitas asneiras. Mas de vencer num meio altamente competitivo. Porque dominava a natureza do negócio. Um negócio que se não resumia a variáveis financeiras. O mesmo se passa com o futebol. Se o negócio futebol s fosse apenas explicado por variáveis financeiras já tinha terminado. É o que é, algo irracionalmente financeiro, precisamente porque desafia toda a lógica financeira.
Se Luis Filipe Vieira percebesse essa diferença talvez tivesse evitado o desconforto e a humilhação da última assembleia geral do clube. Porque aquilo pelo que o julgaram não foi pelas constas que apresentou.Foi pelos resultados desportivos que não obteve.
2 comentários:
O que é difícil é encontrar alguém que seja simultaneamente bom líder e bom gestor.
Liderança e Gestão ainda se tornam mais diferentes consoante se está num contexto de estabilidade ou num contexto de mudança.
E nesse sentido, e a propósito do referido clube da capital, é interessante o que mais uma vez um jogo de futebol contra o «estilo Pepe Guardiola» veio confirmar.
Estamos perante um daqueles momentos raros que constroem a história do Desporto. E justificam a tarefa de salvaguardar o património desportivo. Para os que hão-de nascer não acreditem que o futebol sempre foi jogado da maneira que o vêm.
Durante o século XX assistimos a várias ruturas técnicas semelhantes. No início, entre 1875 e 1900, à substituição das «grand-bi» pelas «bi-cicletas» nas competições desportivas velocipédicas. Em 1968 à substituição do «rolamento ventral» pelo «fosbury». E muitas outras que não há aqui espaço para recordar. De um momento para o outro o espetáculo desportivo e as características dos atletas mudaram completamente.
Isto a propósito do modo como Pepe Guardiola inovou. Porque, se mais uma ou duas equipas começarem a adoptar a mesma técnica de jogar futebol deixaremos, muito rapidamente, de ver uma «certa maneira de jogar futebol». Os jogos de futebol que estávamos habituados a ver desde o início do século XX mudarão. Muitos jogadores tidos como eficazes no antigo (atual) sistema tornar-se-ão obsoletos (algo semelhante ao que os actores sofreram quando o som substituiu os filmes mudos). O valor monetário de mercado desaparecerá. Outros mais franzinos, desconhecidos, contratados por equipas mais fracas por muito menos dinheiro, treinadas por quem não tenha vergonha em copiar o «estilo Pepe Guardiola», alcançará o mesmo «resultado» do que as equipas de jogadores e treinadores pagos agora a peso-de-ouro. De facto não serão necessários atletas que corram ou fintem do modo como correm e fintam os que são os melhores e mais rápidos no atual sistema. As grandes capacidades de alguns dos atuais ídolos serão irrelevantes no novo sistema. O futebol será um espetáculo totalmente diferente, em que os mais fracos se entreterão a passar-a-bola entre si durante minutos a fio, mesmo virados de costas para a baliza adversária, deambulando até que o tempo passe. O público dos que não dominam essa nova técnica bem podem assobiar que nada lhe valerá. Nesse momento o International Board intervirá, com novas regras, tal como interveio no caso do «fora-de-jogo» ou da reposição da bola. Para que o anti-jogo, e a depreciação do impacto televisivo não ameace o negócio.
Estes momentos de rutura técnica no Desporto são momentos irrepetíveis, ricos de ensinamentos, que têm consequências no valor económico dos clubes e dos investimentos realizados. Nem que seja por breves momentos que, depois, são recuperados e re-assimilados pelo mesmo «poder».
Talvez
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