sábado, 6 de outubro de 2012

Mestre Picanço: padroeiro da ilegalidade ? (I)


Texto publicado no Público de 6 de Outubro de 2012

1.A notícia. 
No passado sábado, Vicente Araújo tomou posse no cargo de presidente da Federação Portuguesa de Voleibol, para o seu 5º mandato consecutivo (2012-2016).
O «regime desportivo» esteve em peso. E ainda Mestre Picanço, governante (?) deste infeliz país.
Na ocasião, o porta-voz do responsável político (?) pelo desporto, afirmou que a tomada de posse dos Órgãos Sociais da Federação “reveste-se de uma importância muito grande e é um sinal de vitalidade de uma Federação de sucesso reconhecido”.

2. A estranheza. Perante a notícia, veio-me à mente que o regime jurídico das federações desportivas (RJFD2008) refere que há um limite de mandatos consecutivos – 3 – para os titulares de órgãos das federações.
Algo não batia bem, pois o Secretário de Estado até assistiu à tomada de posse, louvando dirigente e federação. Se assim foi, o mal está comigo.

3. A lei.
O RJFD2008 tem regras sobre a renovação dos mandatos dos titulares dos vários órgãos.
No artigo 50º recolhem-se as seguintes normas: (a) o mandato é de 4 anos, em regra coincidente com o ciclo olímpico; (b) ninguém pode exercer mais do que 3 mandatos seguidos num mesmo órgão; (c) excepciona-se o caso em que o titular, na data da entrada em vigor do RJFD2008 tiver cumprido ou estiver a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo, circunstância em que pode ser eleito para mais um mandato consecutivo.

4. Que alívio! Portugal vive na legalidade e não há lugar a qualquer estranheza neste 5º mandato consecutivo. O RJFD2008 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009 e o titular em causa encontrava-se a cumprir o seu 4º mandato consecutivo (2008-2014). Não podes ser assim, Meirim. Confia nos Governos e na sua “atitude de legalidade”.

5. A desconfiança continua.
O diabo insistiu para que caísse em tentação.
Ao ouvido, dizia-me: “ Olha que o RJFD não termina no artigo 50º. Há mais artigos. Vai vê-los.” Larga-me, debatia-me eu com o demónio. E, tanta foi a insistência, que lá fui ler os artigos 64º e 65º.
O primeiro obrigava que as federações adaptassem os seus estatutos ao RJFD2008, até 27 de Julho de 2009, de forma a produzirem efeitos até ao início da época desportiva imediatamente seguinte.
De acordo com os dados da página da FPV, os novos estatutos foram aprovados em Junho desse ano. Portanto, nada a apontar.
Mas – e é um colossal mas –, o RJFD2008 é toda um motim no que respeita à organização e funcionamento das federações. Daí que, com estatutos adaptados a esse regime, fosse necessário realizar eleições, quanto antes.
Reza o artigo 65º: as federações desportivas devem realizar eleições para os órgãos federativos até ao final da época desportiva referida no artigo anterior.
Ou seja, novas regras, nova federação, novas eleições em conformidade com essas novidades. Tudo claro e imposto por lei. Sob pena da suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva às incumpridoras.

6. Façamos contas.
No pressuposto de que eram válidos, à era, os limites da época oficial no voleibol, o Regulamento de Provas da FPV estabelece o período compreendido entre 1 de Agosto e 31 de Julho.
A ser certo este dado, a FPV teria que ter realizado eleições entre 1 de Agosto de 2009 e 31 de Julho de 2010.
Se não o fez, a partir dessa última baliza temporal, a ilegalidade afirma-se e impunha-se que Laurentino Dias e Mestre Picanço tivessem actuado, acenando obrigatoriamente com a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva.

7. Concluindo, contra a lei, mas de acordo com o Estado e seus representantes políticos, há razões – não jurídicas – que levam as federações a fazer que 3 mandatos, não cheguem, em situações de transição de regime, a 4, mas a 5. Deve ser matemática. Aí, confesso a minha ignorância.

8. Não perca amanhã a sequela deste texto.

3 comentários:

Luís Leite disse...

Por que será que há tantos Presidentes "dinossáurios" (é assim que se deve escrever) no desporto português?
O que será que faz com que as assembleias eleitorais desejem (?)ou se sintam obrigadas a aceitar que eles se vão transformando em "donos" das Federações?
O que será que agarra Vicente Araújo, Mário Saldanha, Fernando Mota, Artur Lopes, e no passado Luís Santos, Gilberto Madaíl e vários outros a um poder absoluto e insubstituível durante décadas?
E Vicente Moura? E Carlos Cardoso?
Isto para não falar da fragilidade da legislação que não impede os mesmos de continuarem a mandar por interposta pessoa, mantendo-se como presidentes das Assembleias Gerais durante um interregno de 4 anos, para depois voltarem?
Estranho país este, o tal da bandeira virada ao contrário...

Anónimo disse...

O RJFD é uma aberração numa sociedade que pretendemos democrática e num estado de direito!

Em certas modalidades há associações federadas, com cerca de 300/400/500 praticantes e que não têm assento na AG pois nenhum dos seus membros integrou listas de delegados.

Mas essas associações pagam as suas quotizações anuais, os seus associados pagam a sua quota individual... só que não possuem voz na AG!

País amordaçado.................

Anónimo disse...

Pois é... é uma questão de matemática! Os nossos governantes não são bons na área, a não ser Nuno Crato, mas para compensar este não é bom gestor...

Quando não se distingue a parte superior de um escudo - segmento de reta - com a parte inferior - arco de círculo - o que acontece é a bandeira ser içada a fazer o pino...