A imprensa dedicou, ao longo de toda esta semana - e veremos se ficamos por aí -, um espaço bem significativo ao denominado "Caso Meyong".
Não é este o local adequado a uma análise técnica do sucedido.
O que nos leva a aditar algo a esta colectividade, situa-se num plano diferente.
Do "Caso Meyong" ressalta, independentemente do exacto alcance das normas regulamentares em causa e das responsabilidades a apurar quanto à eventual irregular utilização do atleta, que o desporto federado é um domínio altamente normativizado.
Na verdade, não me canso de o afirmar, quando nos reportamos à problemática da lei no desporto, existe a errada tendência para considerar apenas a vertente pública normativa.
E chega-se a sustentar que o desporto (no caso, o federado), viveria melhor sem o Direito.
Como se não tivessemos que contar com as normas (estatutárias e algumas regulamentares) dos clubes, com as normas das associações distritais das diferentes modalidades desportivas [estatutos, regulamentos gerais, regulamentos internos(?), regulamentos disciplinares, regulamentos de competição, etc,], com as normas das federações desportivas nacionais (na mesma profusão estatutária e regulamentar), com as normas das ligas profissionais ( outra vez na mesma profusão estatutária e regulamentar) e, por fim (?) com as normas das federações desportivas internacionais (ainda uma vez mais na mesma profusão estatutária e regulamentar).
E tudo isto, acompanhado de divergências entre normas, diferentes interpretações e conflitos entre instituições.
O desporto federado é, sem margem para dúvidas, um dos segmentos da vida social mais normativizado e tal deve ser nítido para todos os seus agentes e organizações.
O desconhecimento ou o erro, nesta matéria, têm custos bem elevados.
3 comentários:
Pertinente observação.
Resta dar o passo em frente. O respeito pelas normas, sem descaracterizar a singularidade da actividade desportiva.
Infelizmente cultiva-se uma perspectiva do desporto, em termos normativos, como um mundo à parte, à margem do direito público. E para tal contribuem também, em muito, os poderes públicos com o seu vociferar legislativo.
Quando não se toma em consideração o direito público, transformam-se agentes sociais em meras corporações. Mas sobre isso tem este país uma longa história.
A contextualização da frase: "E chega-se a sustentar que o desporto (no caso, o federado), viveria melhor sem o Direito." era útil para debater o sentido mais profundo do seu texto.
Explica também porque: "O desporto federado é, sem margem para dúvidas, um dos segmentos da vida social mais normativizado..."
Identifica dois extremos da produção normativa e sugere que do lado da procura os agentes conheçam melhor a abundância de normas.
A sua afirmação balança entre dois pontos: critica a posição liberal de inexistência normativa, acolhe a profusão estrutural normativa do desporto e sugere que do lado da procura os agentes tenham maior conhecimento. Sai do lado da oferta e acaba do lado da procura.
Depois o João Almeida propõe a quadratura do círculo critica o excesso da oferta normativa e "sem descaracterizar a singularidade da actividade desportiva" sugere o respeito do "direito público" e fala do "vociferar legislativo", e também balança para o lado da procura referindo a formação de corporações.
Isto é vago.
Fixo-me no que me parece ser o ponto principal do comentário inicial do José Manuel Meirim: a racionalidade da oferta normativa.
A janela que o José Manuel Meirim abre é a da eficiência da produção normativa dos decisores desportivos, do público e do associativo.
Este tema é interessante porque está na base do pensamento público ao fazer a terceira lei de bases do desporto. O governo pretendeu substituir a amálgama normativa anterior por um modelo superior do ponto de vista da eficiência legislativa.
Mas este debate específico não se fez e está perdido porque o paradigma da eficiência não existe no primeiro documento da Lei de Bases do Desporto III.
Fernando Tenreiro
A contextualização da frase remete, implicitamente é certo - não era essa a motivação que me levou ao texto - para as recorrentes afirmações de que o Desporto é um fenómeno ajurídico,quando o que realmente se pretende afirmar é que o Desporto deve ser um fenómeno social sem interferência do Direito estadual.
Eu penso que o Desporto federado é, sempre foi, um fenómeno jurídico e que não é por se afirmar falaciosamente «não ao Direito» que ele desaparece do desporto federado, pois ele é da natureza das coisas.
Não há desporto federado sem regras jurídicas.
Outra coisa, bem diferente, e o Fernando Tenreiro já conhece bem a minha posição, é o tipo, o grau e a qualidade da normação pública que se precipita no domínio do desporto federado.
E, se dúvidas restassem sobre a minha opinião a esse respeito, apelo à leitura crítica que desde os trabalhos parlamentares da actual Lei de Bases até ao dia de hoje - e mais além - venho fazendo.
É verdade, confesso - é o seu território-, saio do lado da oferta e acabo no lado da procura.
Um vivo agradecimento pela sua colaboração nesta colectividade.
José Manuel Meirim
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