sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A meditação budista

Reli as declarações do ministro do desporto a propósito do desporto escolar aquando da apresentação da lei de bases no parlamento. Finalmente, em 2007, o desporto escolar no 1ºciclo seria uma realidade, assegurava o senhor. Os factos aí estão a demonstrar que se equivocou. O que ocorreu foi o negócio das Câmaras municipais e das empresas com as actividades de complemento curricular (facultativas) e o funeral definitivo da educação física (supostamente obrigatória para todos) naquele grau de ensino. A situação não foi o que ele disse que ia ser como em algumas comunidades está pior. Muitas autarquias abandonaram os programas de apoio que tinham em detrimento das actividades optativas de complemento curricular. Este é um exemplo de como Portugal enfrenta no século XXI o que outros resolveram em meados do século passado. Não tem consciência desse facto e como não existe doutrina construída sobre as políticas as asneiras têm terreno fértil para medrar. O modo como o socialismo reformista procura superar a crise da social-democracia nada fica a dever ao modo como o comunismo procurou superar a crise do marxismo-leninismo: manter a vaga esperança de um política de esquerda superando a falência do Estado social e pescando o olho à reforma do capitalismo a partir da apropriação do Estado que se consome em tudo e mais alguma coisa mas que é eficiente em muito pouco. Se isto ocorre em termos políticos gerais, no domínio das políticas desportivas a tragédia é bem maior. Não há sequer questões doutrinárias ou ideológicas para confrontar. É o silêncio total. Para uma grande quantidade de questões, que nas sociedades modernas o desenvolvimento do desporto suscita, a política tem-se demonstrado sistemática e reiteradamente incompetente. A sobrecarga de asneiras é excessiva. As trivialidades dos discursos sobre o desporto um lugar comum. E os seus actores não o reconhecem. Pior: revelam uma suposta superioridade intelectual que subsiste graças à emigração do debate político em substituição da luta pelo poder do Estado. Um dos traços mais significativos da decadência e fraqueza do Estado e de quem o administra é a obsessão legislativa e regulamentadora. E como nem sempre se legisla com bom-senso, sucede, em alguns casos, que até se procura legislar o bom-senso. Tudo em nome de uma suposta modernização. Sempre a-ideológica e asséptica. O desporto na escola é o cemitério de todas as promessas. Como bem escreve António Barreto “o ideário contemporâneo dos socialistas portugueses é mais silencioso do que a meditação budista “.

5 comentários:

Anónimo disse...

...O dedo numa ferida das muitas chagas que vão sendo alimentadas por antibióticos fora de validade!

Maria José Carvalho disse...

A propósito desta matéria sugiro a leitura da recente Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de Novembro de 2007, sobre o papel do desporto na educação.

Só para abrir o apetite transcrevo o ponto 10:

(…)
10. Exorta os Estados-Membros a tornarem obrigatória a educação física no ensino primário e secundário e a aceitarem o princípio de que o horário escolar inclua, pelo menos, três aulas de educação física por semana, embora as escolas devam, na medida do possível, ser incentivadas a ultrapassar este objectivo mínimo;

Disponível em: http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?Type=TA&Reference=P6-TA-2007-0503&language=PT

Anónimo disse...

Política ou Políticas Desportivas

Abram-se então as portas à discussão sobre a política ou as políticas desportivas. E desde logo se reconheça que a política implica escolhas e opções entre alternativas de organização da sociedade. E no caso do desporto, esta política deve permitir organizar sob formas e instrumentos alternativos o desporto – pois se trata de política desportiva. Podem e devem surgir então quadros referenciais distintos e até antagónicos para essa formatação da política desportiva.
E desde logo, e à cabeça, surge o papel do Estado – que não apenas do governo que este é o gestor temporário desse mesmo Estado – na sistematização do desporto.
O Estado deve ter um papel essencial, porque insubstituível, no desporto ou não? Se sim, deve ter esse papel em todos os níveis, desde o desporto de base (escolar e/ou comunitário) até ao de competição (muitas vezes quase profissional)?
No desporto escolar a respectiva organização e financiamento deve ser confiada ao nível governativo local, de acordo com o princípio da subsidiariedade, ou ser centralmente definido por uma entidade governamental centralista (um Ministério ou equivalente)? Como se organiza o Estado para promover o desporto a nível nacional? Deve existir um organismo governamental ou para-governamental encarregue de promover o desporto de base por todo o País ou deve deixar-se essa missão e recursos correspondentes entregues num ente governamental ministerial central (um Ministério da Educação, por exemplo)?
Como organiza o País e o governo o financiamento do desporto de competição? Deve existir um organismo governamental ou para-governamental encarregado de promover e financiar o desporto de competição e os respectivos ciclos olímpicos?
Estas questões podem ter obviamente respostas diversas. Essas respostas definem estruturalmente o sistema desportivo nacional, no pressuposto de que ao Estado cabe um papel insubstituível na promoção e financiamento do desporto.
Claro que poderá existir uma alternativa ideológica, de cariz vincadamente liberal, que é estranha à matriz europeia do desporto, de dizer que o Estado deve sair do desporto, ser “Menos Estado”, e que a primazia deve ser dada à iniciativa privada e às denominadas instituições intermédias (nas quais se incluem nomeadamente os clubes). Só que nesta concepção fica por clarificar como seria concretizada a independência das organizações privadas ou não-lucrativas do desporto relativamente ao Estado, por um lado, e como se garantiriam níveis adequados de prática desportiva na base.
Depois ainda destas respostas, e como acima se referiu, viriam as políticas desportivas – no entendimento actual das denominadas políticas públicas. E aí o rosário até passaria pelos próprios governantes e o seu nível de preparação e entendimento do próprio desporto.
Seriam outras contas para outros resultados que não os míseros 23% de prática que nos envergonha (e a propósito não se conhece nenhum estudo recente sobre estes níveis pelo que todos continuamos a referenciar dados de há quase uma década).
Mas isto são os resultados de políticas por omissão – que não deixam também de ser políticas…!

Anónimo disse...

É verdade o que diz a Maria José, porque esse último link é o culminar de outros links, outros textos, simpáticos, doutrinários, avançados no tempo, simpáticos, desenvoltos, bem escritos, bem argumentados, muito assertivos, mas... há sempre um mas... todos eles votados ao ostracismo, ao arquivo.

Todos eles, como as leis, papeis inúteis, sem repercussão, atados ao atavismo português, sua marca registada nos tempos.

josé manuel constantino disse...

Vou procurar responder ao J.Manageiro da Costa em próximo post sobre o papel do Estado.