domingo, 30 de agosto de 2009

Nova lei, a mesma violência

Na sequência de novas acções de um pelotão de um dos muitos exércitos dos clubes de futebol, e sem prejuízo de outras leituras mais atentas sobre a qualidade e a eficácia das novas normas jurídico-desportivas, não podemos deixar passar em claro o desperdício que representa a nova (mais outra) Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, que veio estabelecer o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança.
Eis um exemplo bem elucidativo de como se fazem leis em Portugal e, a cavalo da sua produção - mesmo que em massa -, se lançam campanhas de mera propaganda sem qualquer retorno prático na vivência social e, neste caso, desportiva.
Comecemos pelo fim. De acordo com o artigo 53º da lei, as suas normas entram em vigor 30 dias após a data da sua publicação (relembre-se que ocorreu no passado dia 30 de Julho).
Por seu turno, o artigo 52º, revogou expressamente a lei anterior.
Por ora, tudo bem.
Porém, as coisas começam a complicar-se quando miramos o disposto no artigo 50º, nº 1, que estabelece prazos para a execução de determinadas medidas:
"1 — Deve ocorrer até ao início da época de 2009-2010:
a) A adopção da regulamentação prevista no artigo 5.º,
pelo organizador da competição desportiva;
b) O cumprimento do disposto no artigo 15.º, pelo grupo
organizado de adeptos;
c) A instalação do sistema de videovigilância previsto
no artigo 18.º pelo promotor do espectáculo desportivo.
(destacámos)
Tudo visto, o que sucede, por exemplo, no caso de incumprimento das obrigações no âmbito do registo dos grupos organizados de adeptos (artigo 15º) que deveriam ser «respeitadas» até ao ínicio da época desportiva 2009/2010, ou seja, até 1 de Julho, embora a lei só entre em vigor amanhã ou depois (seja-nos perdoada a imprecisão relativa da contagem do prazo)?

Podem descansar, pois, os clubes e as sociedades desportivas que participam nas competições desportivas profissionais e, claro está, os seus exércitos.







quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O desporto para trabalhadores

Após a passagem em termos estatutários de Inatel Instituto Público para a Fundação Inatel, aproxima-se o início da primeira época desportiva do sector do desporto para trabalhadores com os actuais estatutos.

Já há algum tempo que se torna impossível dividir as ofertas e dinâmicas desportivas pelos ‘teóricos’ sectores desportivos estandardizados que compõem de alguma forma o sistema desportivo português.

A questão do desporto e trabalhadores, em que não trabalhadores (agregado familiar e participantes ao abrigo de protocolos com entidades colectivas) usufruem da oferta desportiva para um nicho específico, ou a situação dos trabalhadores que preferem outro tipo de ofertas de actividades e serviços de exercício físico (ginásios, associações, prática informal, etc.) deixou de ser estanque e com isso, potenciar o aparecimento de inúmeras situações dúbias e/ou singulares.

Parece não existirem dúvidas que o impacto que esta tipologia de prática desportiva bem como a sua oferta atinge actualmente é diferente comparativamente ao passado. A oferta de todo um mercado de actividades desportivas é mais abrangente e diversificado, felizmente. Os interessados têm um maior leque de escolha, sejam eles trabalhadores ou seus agregados, embora a capacidade de realizar actividades num território tão vasto e transversal continua a ser uma das marcas deste movimento desportivo que ainda contém algumas características corporativas.

O que antigamente podia ser confundido com um misto de acções entre o Inatel IP e o IDP (ou as anteriores denominações), com a duplicação de acções, de apoios e filosofia de actuação, deixou de existir pela ausência de dinamização por parte de algumas das entidades.

Prestes a iniciar-se a época desportiva 2009/10 da Fundação Inatel (a 1 de Setembro), um possível paradigma poderá (re)surgir, que é a permanência de alguns valores e da alteração da actual visão e missão da instituição com uma mudança estatutária, bem como a sobrevivência de alguns dos programas desportivos face a novos objectivos que têm em conta novas realidades e estratégias sociais e não só.


Concluindo, e no seguimento de alguns posts já aqui colocados, é e será sempre importante ter o conhecimento e consciência do real impacto das várias ofertas de ‘sectores’ desportivos, do retorno que as mesmas assumem, da quantificação de praticantes, movimentos e entidades envolvidas. Ao nível deste ‘sector’, estão envolvidas mais de 900 entidades colectivas (CCD’s), perto de 30 000 praticantes em provas de carácter regular e anual onde sustenta toda uma logística de acção, atinge mais de 100 000 participações em eventos promovidos conjuntamente por diversas entidades, subsidia pecuniariamente com 370 000 € os CCD’s na vertente desportiva mais os subsídios não pecuniários.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Sentados à mesa

Parece que nos gordos a doença cardíaca é uma consequência da obesidade. E nos magros é uma herança genética. Mas que os gordos resistem melhor a esse tipo de patologias do que os magros. De todo o modo porque o excesso de peso não é responsável apenas por patologias cardíacas, mas está associado a um conjunto de outras, o melhor é mesmo emagrecer.
Para além da intervenção cirúrgica existem mil teorias e soluções dietistas. Mas parece que ainda não se descobriu uma dieta que não obrigue a comer menos. E a gastar o excesso de calorias.
Salvo poucas excepções, ninguém gosta de ser gordo. Mesmo que ouçam dizer que gordura é formosura. É que não faz bem á saúde. E não se conforma aos padrões estéticos que a indústria cultural, a moda e o mercado estimulam.
O que devemos ou não comer é uma matéria que a ciência não responde com segurança. Ou refugiando-se que tudo pode ser consumido, desde que moderamente. Ou optando por restrições mais duras. Uns alimentos seriam um factor de risco. Outros remédios. Há mesmo categorias de alimentos que numas dietas fazem bem à saúde e em outras são prejudicais. É um assunto para o qual temos várias especialidades e outros tantos especialistas.
A obesidade parece estar a alastrar no mundo ocidental. Come-se de mais. Nem sempre bem E mexe-se de menos. Fazer exercício, praticar desporto ou simples actividade física são apresentados como aspectos adjuvantes na redução da obesidade e do controle do peso. As novas formas de biopoder com as suas respectivas políticas incluem estes aspectos nas diferentes medidas e programas com vista à promoção da saúde. Sobre isto há consenso. Não resolvem o problema da obesidade mas podem ajudar.
A obesidade é sobretudo mais preocupante entre as crianças e os jovens, segmentos etários onde os indicadores da actividade física são também menores, designadamente entre os adolescentes. Esse défice de actividade acaba de ser confirmado pelos resultados de um estudo realizado pelo Observatório Nacional da Actividade Física e do Desporto. Ignoro se a natureza da actividade foi monitorizada. E se o dispêndio energético de passar a noite aos pulos num concerto é uma categoria de actividade física medida de forma equivalente à prática de uma qualquer modalidade desportiva. Para as politicas de saúde é indiferente.Para as politicas do desporto faz toda a diferença Mas uma coisa parece certa: a situação justifica, em nome da elevação das medidas preventivas e promotoras da saúde pública, uma avaliação da oferta pública que é feita às crianças e aos jovens. E verificar se ela, a oferta pública, cumpre ou se afasta dos padrões exigíveis.
Isto dito, a escola e o serviço público cumprem as suas obrigações em matéria de oferta de actividade físicas e desportivas? Qual é o nível de resposta da escola ao desenvolvimento dos indicadores da “aptidão física relacionada à saúde”? Se as crianças e os jovens não são suficientemente activos, com todas as consequências que no plano da saúde advêm, as politicas escolares não podem passar ao lado dessa situação. Ou passam? Como explicar que as iniciativas comerciais cresçam um pouco por todo o lado e a educação física e a escola pública sofram de uma prolongada crise de motivação e de empobrecimento curricular? Ou pelo contrário o problema reside em outras instâncias onde os jovens não acabam por fazer o que deviam, que de acordo com os especialistas responsáveis pelo Observatório, é acumular diariamente 6o minutos de actividade física moderada, 20 a 30 dos quais em actividade vigorosa?
A constatação de certo tipo de evidências, que os estudos realizados demonstram, requer um aprofundamento quer da natureza e conteúdo dos programas que são oferecidos, o que supõe a sua avaliação, quer das condicionantes sociais que traduzem insuficiências no activismo físico de certos segmentos etários.As estatisticas não superam a necessidade uma visão estrutural.A necessidade de entender este tempo, onde aparentemente o activismo físico dos adultos supera a média recomendável, empresta pertinência a este tipo de trabalhos, que porventura desafiarão algumas crenças instaladas a respeito dos indicadores de activismo físico e dos indicadores de prática desportiva. O que para já, com os dados disponíveis, não é possível de comparar.

domingo, 23 de agosto de 2009

Onde pairam os poderes públicos?

Percorrendo ainda o acidentado trilho da reforma estatutária empreendida pelas federações desportivas, detemo-nos agora sobre a forma desordenada como o Estado olha o exercício de poderes públicos por parte desses entes. Não vamos, neste espaço, mirar os dezasseis anos de quase contínua omissão pública. Situamo-nos apenas no último exemplo - paradigmático - que nos foi oferecido na conferência de imprensa (aqui já abordada) do Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, realizada no passado dia 13.
O sistema desportivo federado, todos o sabem, encontra-se escorado de forma que não levanta dúvidas: simplificando, o Estado, mediante o estatuto de utilidade pública desportiva, delega o exercício de poderes públicos nas federações desportivas.
Assim sendo, o Estado tem o poder-dever de fiscalizar, nos termos da lei, parte significativa da actividade dessas organizações desportivas.
E, bem se compreenderá, a sua primeira obrigação - dir-se-ia básica - é saber, com todo o rigor, quem, em seu nome, exerce os «seus poderes».
Da mencionada conferência de imprensa resultou, com suficiente clareza, que o Estado julga que são 60 as federações desportivas que exercem poderes públicos ("51 das 60 federações desportivas responderam positivamente à reforma dos estatutos").
Contudo, um anónimo veio a este blogue - em comentário(?) ao nosso texto já referido - aditar a Federação Portuguesa de Petanca, a qual, segundo a sua preciosa indicação, também respondeu à chamada do legislador, embora tal conhecimento tivesse chegado após a conferência de imprensa.
Ao que parece, pois, não são 60, como afirmou o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, mas 61.
Porém, na página do Instituto do Desporto de Portugal, consultada no passado dia 20, com alguma dificuldade lá ficamos a saber que são publicitadas, como titulares do estatuto de utilidade pública desportiva, 62 federações desportivas.
A insegurança adensa-se: quem exerce, então, poderes de natureza pública?
60, 61 ou 62 federações desportivas? Ou serão 63?
Aproveitámos a "maratona" e na mesma data consultámos as páginas indicadas pelo IDP.
Somente 25 federações desportivas disponibilizam os seus novos estatutos. Isto é, cerca de metade das 48 (ou 49?) federações desportivas que procederam à revisão estatutária ainda não cumpriram o disposto na lei quanto à publicidade a conferir à sua magna carta.
Merece destaque, pela positiva, a reposta que nos oferece a Federação Portuguesa de Tiro com Armas de Caça.
Não falamos do conteúdo das suas normas estatutárias - que não analisámos -, mas ao cumprimento do artigo 8º do novo regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva.
Com efeito, na sua página, esta federação desportiva confere destaque de assinalar aos dados que tal preceito obriga a publicitar.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Berlim 2009

Apesar do interesse de estudos, investigações, estatísticas, m2 ou km2 de instalações desportivas, políticas desportivas públicas e outros quejandos, o olhar e a emoção acabam sempre, ou deveriam acabar, na prática desportiva efectiva.

Quem ama o desporto não pode perder espectáculos de tamanha grandeza performativa e estética como o Mundial de Atletismo a decorrer em Berlim e acessível nos nossos canais televisivos, mesmo sem ser nos canais codificados, bem-haja o desporto para além do futebol.

Obviamente, fico extasiada com os 9.58 nos 100m de Usain Bolt, ou com os 17,55 de Nelson Évora no triplo-salto, mas não deixo de me comover com aqueles/as cujos resultados e marcas se distanciam dos vencedores, que não figuram nos registos fotográficos, mas que se expõem e lutam para se superarem e melhor representarem os mais de 200 países cujas federações integram a IAAF.

Contudo, é o culto pelos primeiros que faz com que dos 30 atletas portugueses presentes nesta 12.ª edição dos mundiais de atletismo (bem vinda a Athletíssima...) fiquemos com “pele de galinha” com a vitória do Nelson Évora, ansiemos por outra medalha da Naíde Gomes e descuremos resultados impressionantes como o 5.º ou o 10.º lugares das nossas marchadoras (Vera Santos e Susana Feitor, respectivamente). Mas não são apenas os atletas internacionalmente reconhecidos, também Fernando Mota e Jorge Salcedo o são pelo labor, europeu e mundial, desenvolvido na modalidade.

E se ficamos contagiados com a perfeição, a excelência e o virtuosismo da técnica dos campeões, também devemos reconhecer e aprender com a humildade do pensamento e das palavras de muitos deles, basta atender ao seguinte depoimento do nosso saltador:



Nota: Voltando ao "mundo dos papéis", estranhas as habilitações requeridas para os procedimentos concursais para postos de trabalho no IDP ..!! Será que são as regiões que reclamam perfis diferentespara as mesmas funções (compare Aviso n.º 14762/2009 e Aviso n.º 14765/2009), ou será que existem outras razões que não descortinamos...??? Descansem o Bastonário da Ordem dos Advogados e os desempregados das licenciaturas em Estudos Europeus, o desporto ajuda na criação de empregos que à priori seriam para os licenciados da área...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Apresente-se primeiro, publique-se depois

A recolha, o tratamento e a análise da informação são processos difíceis, onerosos e consumidores de recursos. Quando mais complexo é o contexto social, e maiores são as suas carências organizacionais, mais se acentuam as dificuldades.


Por isso merece ser assinalado e incentivado o esforço realizado nos últimos tempos para consolidar os dados primários e as bases estatísticas relativas à situação desportiva do país. Não só actualizando recenseamentos com mais de uma década, como dando a conhecer indicadores importantes da realidade desportiva do país. Indo ao encontro, aliás, de um objectivo expresso nas várias leis de bases do desporto e nunca concretizado na sua plenitude: Construir uma base de dados relativos à situação desportiva nacional.


Tal objectivo é fundamental para o diagnóstico rigoroso da realidade desportiva e para avaliação do impacto das políticas, estratégias e instrumentos de regulação desenhados para corrigir as assimetrias e criar valor desportivo na nossa sociedade.


É inerente ao processo político a análise e interpretação dos dados em função dos interesses das diversas partes que se confrontam em debate. É aqui que se demarcam as diversas concepções e ideias sobre a estrutura e dinâmica de um dado sector. É também aqui que se procuram justificar e contestar as opções políticas. Os dados estatísticos primários são elementos estruturantes para o processo político democrático, e elementos que permitem aprofundar o estudo da realidade social.


É assim com os indicadores do trabalho, da participação cívica e política, da economia, da habitação, e supostamente também deveria ser com o desporto. Em alguns destes sectores existem requisitos legais e técnicos para a sua construção e apresentação.


Faz parte da gestão da agenda política, quando a recolha e tratamento dos dados não está a cargo de organismos independentes ou condicionada por aqueles requisitos, a gestão dos timings e dos meios utilizados para a sua divulgação.


Daí que seja natural a apresentação, neste período, das estatísticas relativas ao desporto federado e à aptidão física dos portugueses, e normal que os responsáveis governativos olhem para os aspectos mais positivos, aproximando-os das opções politicas tomadas.


O que constitui algo de novo, pelo menos para mim, é a apresentação pública destes dados sem a edição dos respectivos estudos, análises estatísticas e relatórios em livro, ou qualquer outro tipo de suporte, para o público em geral, tratando-se de dados primários e informação elementar.


Nem se pode aqui alegar, como em outras ocasiões, que tenha ocorrido um problema com a pen. A notícia do jornal Público encarrega-se de nos esclarecer que: “Todos estes dados vão ser editados em livro em Setembro, incluindo também as estatísticas dos praticantes por modalidades”.


Compreende-se que em Setembro seja uma ocasião mais oportuna. Compreende-se também o afã de apresentar os dados rapidamente. Mas quando tal acontece normalmente publica-se um relatório preliminar, com a ficha técnica e metodológica para se atestar, no mínimo, da validade e profundidade da recolha, remetendo para depois a versão final.


Não acontecendo nada disto, trata-se de uma mera noticia de duas páginas de jornal. Face a essa realidade concreta - uma apresentação pública noticiada pelos media - que análise, que debate democrático, que estudo, que escrutínio os cidadãos, investigadores, técnicos e dirigentes podem fazer dos dados apresentados? Que avaliação se pode fazer dos números divulgados?


Esse “pormenor”, que marca um estilo de fazer política, ficará para uma ocasião mais oportuna.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Estatisticamente falando

A administração pública desportiva (IDP) divulgou os resultados de um estudo de recenseamento dos praticantes desportivos federados actualizando, supomos, o ultimo estudo publicado em 2005. Conhecemos do trabalho agora anunciado apenas o que foi divulgado na comunicação social, designadamente no jornal Público.
Os estudos sobre a demografia desportiva são escassos, a autoridade estatística nacional (INE) parece que se mantém afastada, ignoramos, se por vontade própria se alheia, e trabalhos que na base do levantamento estatístico permitam sustentar o aprofundamento da realidade desportiva só podem ser bem-vindos. É de saudar a iniciativa e reconhecer o mérito devido à entidade promotora e aos técnicos responsáveis.
Das notícias divulgadas o maior destaque foi seguramente o da duplicação em doze anos (três ciclos olímpico) do número de praticantes desportivos federados. O que é bom no plano interno. Mas que não chega para colocar o país ao nível dos indicadores médios europeus (cerca de 25%). Pior. Se o objectivo fosse atingir essa média, a crescer com a média deste últimos 12 anos precisaríamos de perto de 80 anos para alcançar aquele valor.
Estes indicadores e outros que, seguramente, o estudo a publicar permitirá cruzar servem também para se poder avaliar se a direcção fundamental das políticas públicas (centrais e locais) e associativas têm tido o retorno desejável. Ou se, pelo contrário, deverão ser introduzidas modificações que permitam retirar um melhor aproveitamento da relação custo/benefício. Como assinalava, António J. Serôdio num comentário anterior, “nem sempre as federações com mais dinheiro, quer absoluto quer relativo, são as que têm os melhores resultados.” A que acrescentaríamos o facto de se tornar óbvio que para algumas modalidades desportivas a sua persistente incapacidade de crescimento em termos competitivos internacionais não justificam as apostas públicas. Esta incapacidade carece de uma correcção quer da acção do Estado, quer da liderança privada/associativa.
Os estudos sobre a demografia desportiva federada têm revelado também que o número de variáveis a trabalhar aumentou e que se alteraram algumas dos conceitos e realidades. A própria matriz de inventariaçãodos censos desportivos carece de ajustamentos face a realidades desportivas significativas como a da prática desportiva do INATEL, censo desportivo que alguns países europeus integram nas sua estatísticas de praticantes federados.
O conceito de “praticante desportivo federado”em algumas modalidades, deixou de estar confinado ao “praticante em competições desportivas federadas”; o mesmo praticante tem várias filiações desportivas; no ciclo de vida do praticante há migrações entre modalidades; a permanência etária é mais longa; há modalidades com quadros competitivos abertos que não obrigam à filiação federativa; outras que “forçam” essa filiação mesmo sem participação competitiva.
Nos resultados agora divulgados o caso do crescimento do voleibol, ultrapassando o basquetebol e o andebol e o salto de crescimento de modalidades individuais de ar livre são merecedoras de atenção como bons exemplos
O futebol é um caso à parte que continua a crescer mesmo convivendo com uma persistente insustentabilidade financeira e com uma acentuada crise no plano do recrutamento de alguns agentes (árbitros e pessoal médico/paramédico).
A monitorização/acompanhamento por parte da administração pública desportiva de uma realidade cada vez mais segmentada e a pedir respostas distintas torna-se muito difícil de operar com uma orgânica que vive de alterações conforme a matriz governamental que domina, mas que se não afasta de um modelo que já não consegue responder a todas as variáveis que o desporto federado envolve desde o que tem um claro domínio profissional ao que, no plano oposto, se constrói na base da recreação/lazer.
O dispor-se de bases de estudo e de trabalho que permitam avaliar em tempo útil o retorno das politicas públicas e associativas é essencial.Os resultados agora divulgados criam a expectativa de que possam servir para alguma coisa, para além do conhecimento da realidade. Resta aguardar.

domingo, 16 de agosto de 2009

13: um novo dia das mentiras

No passado dia 13, numa conferência de imprensa, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto arriscou-se a bater uma nova marca - que já detinha - quanto ao número de inverdades por afirmação que produz.
Com efeito, a propósito de um balanço sobre o respeito que as federações desportivas existentes concederam ao novo regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, nesse dia, para além de outros dislates que acompanharam os do dia anteiror - a dependência financeira das federações face ao Estado pode ser ultrapassada por um maior protagonimso das autarquias locais -, deu conta, segundo o relatado pela imprensa, do seguinte:
- as federações de futebol, vela e tiro, arriscam sanções por não terem conformado os seus estatutos ao novo regime jurídico;
- essas três federações vão ser alvo de um inquérito por parte do IDP;
- às federações de boxe, desporto para deficientes, golfe, mini-golfe, jetski e pesca desportiva de alto mar, que nada comunicaram ao IDP, foi concedido um prazo de quinze dias para comunicar a sua situação;
- as federações de karate, badminton e basebol/softbol têm assembleias gerais agendadas para Agosto e devem juntar-se às 48 federações que já reformularam os estatutos;
- 51 de 60 federações "responderam" positivamente ao determinado pelo legislador.
"Tenho a obrigação de fazer cumprir aquilo que a lei determina. As federações desportivas têm que obedecer às regras do regime jurídico. Estas federações [aquelas 3] não entenderam a necessidade e potencialidade dos novos estatutos,mas vão ter que entender."
"Quando receber o resultado do inquérito, vou despachar, caso se justifique, a medida sancionatória adequada, embora confie que não seja necessária."
"Apenas 3 federações recusaram adequar-se à modernidade, ou seja 5%". Laurentino Dias elogiou ainda os dirigentes desportivos das restantes federações que protagonizaram "uma verdadeira revolução no funcionamento destas instituições".
O que dizer, de forma sucinta, como reclama este espaço?
Em primeiro lugar, perdo-se-nos a ousadia, remeter para algo que já escrevemos.
Em segundo lugar, que é inteiramente falso que haja 48 (ou 51) federações desportivas que tenham os seus estatutos em conformidade com a lei.
Laurentino Dias - não a lei - basta-se com uma aprovação de estatutos dentro de um prazo legal erroneamente fixado. Não lhe interessa o conteúdo desses novos estatutos. E porque a dificuldade será encontrar um estatuto que respeite integralmente a lei, deixemos somente cair um ou outro exemplo, sem qualquer intenção prossecutória quanto às federações desportivas em causa, ficando a aguardar pelos casos verdadeiramnete «revolucionários».
Os primeiros exemplos, oferece-nos o próprio Governo, na conferência de imprensa. Com efeito, que diferença jurídica existe entre as 3 federações desportivas que rejeitaram propostas de estatutos - "dentro do prazo"- e aquelas que vão realizar assembleias gerais em Agosto, ou seja, para além do prazo? E uma destas, pelo menos - caso do karate -,até já reprovou uma revisão estatutária "dentro do prazo".
Como se pode falar em cumprimento da legalidade quando uma federação - a de automobilismo e karting - , tem 144 delegados na sua assembleia geral, quando a lei impõe um limte máximo de 120?
E a Federação Portuguesa de Atletismo que concede dois delegados por associação distrital, quando apenas é possível haver um? E que dizer quanto ao triatlo que mantém poderes regulamentares na assembleia geral, quando a" revolução", as «enviou» para a direcção?
E o que dizer sobre as outras dezenas de federações desportivas?
Um inquérito do IDP?
Basta um despacho fundamentado do Secretário de Estado. É só comparar textos: a lei e os estatutos e regulamentos eleitorais federativos. Nada mais.
Obrigado a cumprir a lei?
Não é verdade. O que Laurentino Dias se encontra obrigado é a cumprir um simulacro do cumprimento da lei. A sua obrigação é ganhar as eleições a 27 de Setembro.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Londres 2012, Pequim 2008, veja as diferenças

A assinatura do contrato que estabelece as regras de apoio à preparação dos praticantes desportivos com vista à participação nos Jogos Olímpicos (JO) de Londres 2012, foi assinalada no passado dia 3 de Junho. O Estado Português contratualizou com o Comité Olímpico de Portugal (COP) a concessão dos apoios financeiros para a olimpíada em curso. Face aos elementos que vieram a público pretendemos fazer uma breve reflexão comparativa com o período homólogo relativo aos JO de Pequim 2008.
Em primeiro lugar a data. O contrato programa relativo aos JO Londres 2012 celebrado entre o Estado e o COP teve lugar a 03-06-2009, sensivelmente a metade do 1.º ano da olimpíada. Para Pequim 2008, idêntico procedimento teve lugar em 27-01-2005, no 1.º mês do ciclo olímpico correspondente.
No que concerne aos financiamentos destinados aos 3 projectos que integram o Programa de Preparação Olímpica Londres 2012-JO 2016 (Projecto Londres 2012, Projecto Esperanças Olímpicas para os Jogos de 2016 e Projecto Apoio Complementar), bem como para a gestão do programa, o montante a conceder pelo Estado ao COP é no valor de 14,6 milhões de euros. Segundo veio a público corresponderia a um aumento de 4,3% face aos 14,0 milhões de euros destinados ao então Programa Pequim 2008. Todavia, todos nós, incluindo os praticantes desportivos e os treinadores estamos sujeitos ao efeito da inflação. Os bens e os serviços de que praticantes desportivos necessitam para a sua preparação estão mais caros na economia. Como a nossa inflação, ao longo do período de 2005 a 2008, se situou em 2,3%, 3,1%, 2,5% e 2,6% (dados INE) o aumento nominal foi efectivamente de 1,6%. Nests conformidade, conclui-se que a preparação dos mais valorosos praticantes desportivos portugueses para Londres 2012-JO 2016, teve um acréscimo nominal de (1,6%) e não de 4,3%. Por projecto, a gestão do programa sofreu uma redução nominal de (-7,2%). Isto é, apesar do COP ter executado 100% das verbas no ciclo anterior, vai realizar a gestão do programa com menos dinheiro do que no período homólogo. No Projecto Apoio Complementar, também executado a 100% no ciclo anterior, destinado principalmente ao apoio aos clubes dos praticantes desportivos em preparação olímpica e às federações desportivas que obtenham resultados desportivos excepcionais, face aos valores anunciados temos uma redução nominal de (-23,8%), ou seja, em termos reais de passamos de 1.278.561€ para 1.000.000€. No Projecto Esperanças Olímpicas para os Jogos de 2016, também executado financeiramente a 100% no ciclo de Pequim 2008, registamos um acréscimo nominal de (0,9%). No projecto maior, designado Projecto Londres 2012, face ao homologo projecto Pequim 2008, temos um aumento real de (9,1%). Ou, seja, passámos sensivelmente de 9,5 para 10,4 milhões de euros. Nominalmente corresponde a (6,3%) de aumento. Porém, torna-se necessária uma observação. No Projecto Pequim 2008 o COP não aplicou a totalidade do financiamento que tinha sido colocado à sua disposição. Não aplicou e teve de devolver o montante de 837.307€, circunstância que deu origem a uma execução de 91% do dinheiro que estava disponível. Se considerarmos apenas este projecto e o montante executado, corrigido com a inflação dos 4 anos, temos agora para Londres 2012 um generoso e significativo acréscimo de 16,5%.
Para terminar, a última diferença significativa: Os objectivos. Efectivamente o contrato programa Londres 2012 que transfere meios financeiros de avultado montante – 14,6 milhões de euros – contrariamente ao contrato homólogo Pequim 2008, não estabelece objectivos desportivos para serem alcançados. Todos temos objectivos nas nossas vidas e nas nossas profissões. Todos os funcionários públicos os têm. Todos os professores. Todos os gestores e comerciais nas empresas. Os presidentes dos institutos públicos também. A nossa Selecção Nacional de futebol também os tem, que consiste em concreto, ser apurada para a fase final do Campeonato do Mundo de Futebol 2010. Todo o desporto de alta competição, por lei, artigo 8.º, do Decreto-Lei n.º 125/95, de 31 de Maio, quando recebe apoios públicos, é obrigado a definir objectivos desportivos. Sendo a preparação e participação Olímpica o topo do desporto de alta competição, não se compreende esta opção de não fixar objectivos no início do programa desportivo. E não me venham com a demagogia, ainda por cima no mundo do desporto, de que os objectivos podem funcionar como uma pressão sobre os praticantes desportivos que é contraproducente para a obtenção de resultados.
Lembram-se do que faltou à nossa comitiva em Pequim: Um desígnio nacional, uma liderança forte e um objectivo comum capaz de mobilizar a motivação e a superação de todos.

Tranquilo à superfície,mas com agueiros no fundo

O futebol goza de uma exposição pública que poucas actividades do país merecem. O número de pessoas que o comentam é elevado; a imprensa especializada e generalista tem sobre o futebol uma cobertura muito superior a países com indicadores de desenvolvimento da modalidade mais elevados. Especialistas e não especialistas, profissionais do ramo e outros escalpelizam ao pormenor as diferentes peripécias da modalidade. Como é que com tanta gente a escrever, a falar e a discutir o futebol ainda existe um ónus de credibilidade a resgatar perante uma parte do país? Ora o problema começa precisamente por aqui. O facto de o futebol gozar de uma enorme exposição pública fragiliza-o em vez de o fortalecer. Mostra muitas das suas debilidades. E gere uma tendência não selectiva que leve a que se escreva ou comente tudo, incluindo o que nele é menor.
Talvez esse facto ajude a perceber como o número dos que gostam de futebol, mas não gostam do modo como o futebol “vive” ser provavelmente muito superior aos que pura e simplesmente não gostam de futebol. A afirmação é meramente especulativa. Não tenho como a confirmar. É uma intuição. Mas a ser verdadeira dá que pensar.
É que alguns dos que dirigem o futebol, queixam-se da incompreensão que, em sectores da sociedade portuguesa, existe relativamente à modalidade. E apresentam números que pretendem provar o contributo que a modalidade dá ao desenvolvimento do país e indicadores de sucesso internacional. Mesmo ficando por saber quanto o futebol recebe dos contribuintes -os que gostam e os que não gostam de futebol -, contas que ninguém faz, a questão verdadeiramente importante é outra: saber o que faz o futebol e aqueles que o dirigem para melhorar a imagem que está na origem do referido capital de queixa.
Se tomarmos como amostragem o que se passa nos espectáculos desportivos da modalidade o balanço não é propriamente o melhor. Nos escalões jovens a qualidade do espectáculo é na generalidade dos casos baixa e está longe de estar garantida a idoneidade etária e organizativa que empreste seriedade às competições. Nos escalões seniores joga-se pouco e mal e prevalece uma situação financeira grave. As intervenções dos protagonistas - dirigentes, árbitros, treinadores e jogadores - estão longe de serem um factor de valorização do próprio futebol. O espectáculo, mesmo nos campeonatos de topo, é pobre e não melhora com umas meninas a mostrar as pernas e o rabo mesmo quando esses atributos, como sucede ma maioria dos casos, sejam generosos.
Não deverá o futebol queixar-se dele próprio? Fará tudo quanto está ao seu alcance para melhorar a imagem que sobre ele se criou? É certo que em algumas instâncias superiores da modalidade existe um esforço de reformulação e regeneração da modalidade. Que existem sinais de mudança. Mas o que muitas vezes se constata é que os movimentos que perspectivam essas mudanças são insuficientes para as impor. Que uma espécie de “velha ordem” mantém uma força superior à renovação. Que, pesem embora os diagnósticos críticos existentes, a modalidade está num beco sem saída no plano financeiro, e que está longe de querer criar as condições basilares de sustentabilidade.
O país esta a férias e o futebol retoma o seu serviço já no próximo fim – de – semana. Aparentemente esta como o mar de verão quando a nortada não sopra: tranquilo à superfície, mas com muitos agueiros no fundo.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Justiça - A exigência da mudança


Entre apitos de metal duvidoso e outras patéticas e díspares decisões do foro da justiça desportiva, onde o inacreditável desfecho do caso relacionado com o triste jogo de futebol entre os juniores de Sporting e Benfica, por exemplo último, merece por direito contar para o dito role, muita matéria de relevo teríamos para comentar e lamentar. Infelizmente, mais do que pensarmos naquilo que consideramos justiça desportiva, quando a comparamos ou relacionamos com a outra, a mais abrangente, aquela que mexe com a nossa vida de todos os dias, facilmente compreendemos que tudo se conjuga, tudo se conforma numa simples constatação: a justiça actual em Portugal é miserável.

Por muito tempo, diria, em tempo a mais, nos contentámos com alívios e desabafos de momento, quando apenas nos lamentávamos da morosidade da justiça. Se essa verdade continua intocável e sem que se vislumbre qualquer melhoria, os últimos tempos vieram acrescentar um drama bem maior para todos os portugueses: a desconfiança que paira sobre quem nos julga e o modo como se chega a esse acto de julgamento. Um recente inquérito sobre o que os portugueses pensam da nossa justiça, com mais de 80% de desconfiados sobre o sistema, arrasa o edifício que todos os dias vemos louvar pelos mais altos responsáveis da matéria. Estes senhores, pilares de um sistema podre, retrógrado e desajustado da realidade, pintam e ajustam à sua dimensão um quadro negro, onde apenas percebemos as sombras desfocadas do que, em tempo próprio, foram figuras bem definidas, enquanto instrumentos protectores dos que andam por bem e penalizadores dos que prevaricam.

Se exemplos do que afirmo, pela sua escassez, foram no passado objecto de busca, a banalização dos actos hoje espelhados na comunicação social, pelo que vamos sabendo, traduzem por miúdos a motivação da revolta de quem não acredita no que se investiga ou julga. A impunidade, a troca de favores, as pressões políticas, as demissões provocadas, as alterações legislativas de conveniência, as nomeações de favor, e tantos outros factos que fazem parte do algo que é denunciado no nosso quotidiano, mostram bem o estado onde se chegou, não sendo difícil concluir que há um passo gigantesco entre a justiça que se serve ao cidadão comum e aquela que está à disposição dos poderosos e influentes. E, por aqui, pense-se em política, em associações diversas de indivíduos ou apenas no poder do dinheiro que tudo transforma e corrompe.

Ao perceber cada um de nós que, caso não faça parte de qualquer dos sistemas apontados, se vê por sua conta e risco, é hora para muitos de procurar abrigo em qualquer desses telheiros que albergam rebanhos disciplinados e obedientes, confrontados com as suas limitações de liberdade individual, mas cientes das garantias que a hierarquia superior transmite. Perante este cenário, onde o amiguismo, a cunha e a influência marcam pontos decisivos nos actos de cada um, começa o tecido social a deixar-se impregnar deste fedor intenso chamado promiscuidade. Está, por esta via, instalada a dependência, a falta de vontade própria, o medo de agir. Em suma, a aceitação tácita, dolosa e pacífica do que se passa neste e noutros campos da sociedade portuguesa.
Não é necessário fazer um grande esforço para constatar que a situação a que se chegou desqualifica a nossa democracia e fere com gravidade a nossa sociedade. Se não acreditamos na justiça, como é que podemos acreditar num país mais justo, seja qual for o prisma de observação, entre habitação, educação, saúde, bens de primeira necessidade, acesso à cultura, desporto, etc. Não estará indubitavelmente em questão a nossa liberdade?

Após 35 anos de democracia, não é minimamente aceitável esta desagregação da justiça, esta arena movediça em que todos nos vemos atolados, percebendo que só alguns conhecem as pedras sólidas do percurso salvador, seja ou mesmo ínvio ou não. Não podemos continuar a calar este desagrado, esta revolta. Em cada acto, em cada gesto, por mais simples, podemos e devemos protestar, escrever, anunciar o que nos vai na alma. Para que haja futuro e se possam continuar a escrever textos como este, por mais que ele possa soar a disparate ou ser alvo da maior contestação. A crítica ou a aprovação, mesmo que básicos, já são por si só actos voluntários manifestadores e valorativos da importância da justiça na sociedade.

E, até pelo espaço que aqui se utiliza e titula de cidadania desportiva, dada a volta ao tabuleiro com regresso à casa de partida, não deveríamos nós, homens do desporto, procurar ser exemplo desta justiça de bem? Na evolução e revolução que todos temos que fazer, a bem de uma sociedade mais capaz, mais séria e mais justa, podemos deixar as coisas como estão? Por mim, com ou sem incompatibilidades entre os magistrados que actuam na justiça desportiva ou fora dela, sejam estes ou outros, profissionais do ofício ou não, o que temos que exigir é pessoas de comportamento sensato, sentido de missão e honestidade inquestionável. Sem o tal fedor da promiscuidade que, também por aqui, tanto tem empestado o panorama desportivo português nas últimas décadas. Se nos livrarmos dessa cáfila, os tais que estão no rebanho, sempre na expectativa das benesses que o grupo de intenção duvidosa lhes acena e garante, poderemos ser exemplo a seguir para outras plateias da nossa sociedade, na busca da tal justiça que não olhará a credos, cores políticas ou outras, posses e classes sociais.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quando não as podes vencer, junta-te a elas

“ Encontrando-nos actualmente num período de reformulação legislativa ao nível da violência associada aos espectáculos desportivos recomendamos também a possível inclusão legislativa da utilização de engenhos explosivos e substâncias pirotécnicas no âmbito destes espectáculos quando asseguradas todas as condições de segurança para este efeito. Esta medida resultaria de um acordo oficial entre forças de segurança, clubes desportivos e adeptos, e prende-se com o reconhecimento da existência da subcultura ultra no seio dos grupos de adeptos de futebol no nosso país. Assim, tendo chegado à conclusão que apesar da utilização dessas substâncias estar proibida por lei esta continua a ter lugar nos recintos desportivos talvez seja mais eficaz conseguir pelo menos proceder ao seu controlo.”

Assim se expressa Tânia Maria Nogueira em revista bem a propósito [“ A violência associada ao desporto, em especial ao futebol”, Polícia portuguesa, nº 7, III Série, Abril/Junho 2008, (20-29), p.28]

Na Colectividade foi recentemente conferido espaço às claques.
Hoje damos conta de como um determinado sentido sociológico – bem patente na transcrição que operámos – continua presente na adopção das medidas legislativas relativas a essas organizações, mais ou menos formais, sempre numa postura quase que se diria desculpante das suas violentas e tantas vezes criminosas actividades.
Com efeito, não indo tão longe como o atrás recomendado, a Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho – Estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança –, não deixa de tratar excepcionalmente as claques.

Assim, após no seu artigo 23º se ocupar das condições de permanência dos espectadores no recinto desportivo, prevê, no artigo seguinte, as condições especiais de permanência dos grupos organizados de adeptos:


“1. Os grupos organizados de adeptos podem, excepcionalmente, utilizar os seguintes materiais ou artigos, no interior do recinto desportivo:
a) Instrumentos produtores de ruídos, usualmente denominado «megafone» e «tambores»;
b) Artifício pirotécnico de utilização técnica fumígeno, usualmente denominado «pote de fumo».”

Tudo, claro está, sujeito a autorizações prévias e monitorização.
Caro visitante, nem pense em levar para o recinto um tambor. Se assim o pretender, junte-se a uma claque. O mais certo é que com o tambor, os megafones e os potes de fumo, consiga introduzir e utilizar os engenhos explosivos e as substâncias pirotécnicas de que falava Tânia Maria Nogueira, mas que o Estado não pode acolher abertamente embora se mantenha, através dos seus múltiplos agentes públicos, de olhos bem fechados.

domingo, 2 de agosto de 2009

Mudar de tabuleiro

São recorrentes as tomadas de posição e os alertas sobre a descaracterização dos campeonatos profissionais e a desnacionalização das suas equipas, alinhando-se diversos argumentos desportivos, sociais, económicos, culturais, e até políticos, sobre os eventuais perigos que a liberalização do mercado do desporto profissional na Europa acarreta para a sustentabilidade dos vectores estruturantes do seu modelo de desporto, bem como para o equilíbrio financeiro deste negócio.

Bem recentemente sobre esta matéria foram conhecidas as preocupações do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, no estudo que publicou relativo à época transacta, bem como as últimas declarações do presidente Lula da Silva sobre a fuga dos activos futebolísticos a meio do campeonato brasileiro.

Face ao enorme ruído criado em redor desta questão, torna-se, por vezes, difícil situar o debate fora do plano ideológico dos actores em jogo e projectar uma outra dimensão, em nosso entendimento, mais profícua para garantir uma aproximação entre duas concepções distintas da regulação do desporto na Europa.

No momento actual o movimento desportivo, onde a FIFA tem assumido um papel de liderança arrastando outras autoridades desportivas supranacionais na prossecução dos seus intentos, procura retomar as quotas de nacionalidade como o aspecto essencial para preservar a identidade cultural e o vinculo nacional dos campeonatos europeus, viabilizando a sua competitividade, o reforço da formação e das selecções nacionais, e o equilíbrio no desenvolvimento económico do futebol profissional, através da regra 6+5.

Mas o desporto, enquanto actividade económica não escapa às normas dos tratados. Como tal, é matéria sujeita à regulação das instâncias guardiãs dos tratados, nomeadamente a Comissão Europeia e o Tribunal de Justiça das Comunidades. Conforme vimos dando conta neste espaço, a proposta do Livro Branco sobre o Desporto refere a este propósito que a justificação da natureza das normas desportivas discriminatórias em relação ao direito comunitário é apurada caso a caso, mediante a aplicação de um teste de proporcionalidade. E não um regime de excepção em grupo, conforme pretendido pelas autoridades desportivas, onde se definissem, à priori, àreas cuja excepção ao direito comunitário se justificasse, atendendo à especificidade do desporto.

Ora, no que respeita à regra 6+5 a interpretação comunitária é cada vez mais clara, e reafirmada amiúde. Recentemente, após o estudo encomendado pela FIFA ao INEA, aqui referido, e no qual se procura sustentar a posição da autoridade máxima do futebol, vários serviços da Comissão reuniram-se com a FIFA e organizações desportivas europeias para darem nota da incompatibilidade da regra face à legislação comunitária e desmontarem, um por um, os argumentos daquele estudo.

Aqueles que propõem medidas para salvaguardar o futuro do desporto profissional na Europa que põem em crise liberdades fundamentais que presidem à organização económica da União dificilmente podem encontrar nos reguladores comunitários organismos que sustentem as suas posições, a menos que provem que uma situação de excepção a estas liberdades se justifica no quadro de excepções que o Tratado prevê. Caso contrário o insucesso está garantido. Desde logo porque põe em causa o prestigio das instituições comunitárias, cujo sistema de governação assenta fortemente numa matriz reguladora, face a outras funções políticas.

Olhando para trás, nem se pode invocar uma insensibilidade ou indiferença das instituições comunitárias para as especificidades do desporto, ou uma regulação meramente económica no que respeita à livre circulação de trabalhadores, conforme, ainda recentemente, se pode apreciar nas conclusões da advogada-geral sobre o caso Olivier Bernard onde se justificam as compensações pela formação de um atleta aquando da assinatura de um contrato profissional - ainda que tal possa constituir uma restrição à livre circulação de trabalhadores -, pela necessidade de promover o recrutamento e formação de jovens atletas.

Hoje, ao contrário de outros momentos marcantes do passado, as políticas desportivas estão a ser jogadas na via reguladora, predominantemente técnico-formal e orientada pelo programa de acção definido no Livro Branco. Convém aos partidários de soluções claramente discriminatórias perceberem que as suas posições nesta via estão esgotadas e, caso queiram vingar os seus argumentos, necessitam de reformular este assunto na agenda europeia, ao mobilizar recursos e influências para o tornar visível e premente a fim de ser avocado como um problema real pelos líderes políticos, saltando da esfera reguladora comunitária para o tabuleiro da política intergovernamental.