terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Hoje falamos de coisas sérias

Texto publicado no Público de 29 de janeiro de 2012

1. Desengane-se o leitor, pois não vamos escrever sobre as dívidas dos clubes de futebol ao fisco e as (aparentes) palavras duras do Ministro Relvas – somente para o povo ouvir – e das mais do que possíveis medidas frágeis do mesmo sobre essa questão.
2. O Decreto-Lei nº 100/2003, de 23 de Maio, aprovou o regulamento das condições técnicas e de segurança a observar na concepção, instalação e manutenção das balizas de futebol, andebol, hóquei e de pólo aquático e dos equipamentos de basquetebol existentes nas instalações desportivas de uso público.
Este diploma foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 82/2004, de 14 de Abril.
Depois, temos a Portaria n.º 369/2004, de 12 de Abril, que veio estabelecer o regime de intervenção das entidades acreditadas em acções ligadas ao processo de verificação das condições técnicas e de segurança a observar na instalação e manutenção das balizas de futebol, de andebol, de hóquei e de pólo aquático e dos equipamentos de basquetebol existentes nas instalações desportivas de uso público. E ainda a Portaria n.º 1049/2004, de 19 de Agosto, que fixou normas relativamente às condições técnicas e de segurança a observar na concepção, instalação e manutenção das balizas de futebol, de andebol, de hóquei e de pólo aquático e dos equipamentos de basquetebol existentes nas instalações desportivas de uso público. E temos a ASE desportiva para fiscalizar.
3. Na passada quarta-feira uma criança de 12 anos – como o Zé Pedro lá de casa – foi atingido por uma baliza que caiu e, conduzido ao Hospital Pediátrico de Coimbra, entrou em coma profundo.
De acordo com o noticiado, o acidente ocorreu em Brasfemes, quando a criança brincava com amigos no campo desportivo de um centro recreativo desta freguesia. Ainda e sempre de acordo com essas fontes, o rapaz ter-se-á pendurado no equipamento que acabou por lhe cair em cima.
4. Para o presidente Centro de Recreio e Animação Cultural de Brasfemes, o acidente no polidesportivo gerido pela instituição ter-se-á devido a «utilização anormal» do campo.
O jovem terá removido a segurança da baliza, presa por arames (?) à vedação do campo, e depois terá arrastado a estrutura para o centro do polidesportivo, pendurando-se nela e ficando ferido quando ela tombou. «Foi alertado pelos colegas para não o fazer».
O presidente do CRAC adiantou que «era costume miúdos furarem a rede para entrarem no campo» e que a própria fechadura «estava estragada», adiantando que estas situações vão ser reparadas mas não adiantando em que prazo.
5. São diversas as questões jurídicas que este acidente coloca, fundamentalmente no domínio do apuramento de responsabilidades, impossíveis de receber resposta segura neste espaço e com os elementos de que se dispõe. Mas que fique claro, pelo menos, uma coisa: está-se longe de imputar uma culpa (ou responsabilidade) exclusiva à criança, mesmo tendo em conta a sua idade.
6. O Diogo faleceu ontem.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Miopia do desastre

Sempre que a irracionalidade triunfa fá-lo em nome da razão.
Roger Scruton, in As vantagens do pessimismo


Por que razão o governo faz desta maneira e não de outra? O que explica que defina esta e não outra prioridade? Por que motivo se escolhe esta pessoa e não aquela? Quando procuramos responder a estas interrogações fazemo-lo com os elementos de que dispomos. Porque a construção da decisão política é um exercício opaco. O que é público é a decisão. O modo como se chega a ela, escapa-nos. Quando interpretamos a decisão os dados disponíveis são apenas uma parte dos que estiveram na construção da decisão. Normalmente a parte que é disponibilizada por quem decide. O que comporta a possibilidade de erro ou de ter uma opinião diversa caso fosse possível ter todos os elementos que contextualizam a decisão. Obviamente que isso não é possível, embora a gestão democrática de decisão politica recomende que quem governa, explique, em nome dos governados, os fundamentos das decisões que toma. Mas mesmo este procedimento tem naturais limites.
O governo quis fazer da contabilidade dos ministros e da constituição dos gabinetes uma marca política distintiva em relação ao anterior governo. Fez mal. Porque ficou prisioneiro de algo que o tempo pode não aconselhar como recomendável. E depois porque a solução tem sido inventar modos de iludir que se está a cumprir o que se anunciou. Mas fez mal também porque o problema que interessa ao país não é o da quantidade de membros dos gabinetes ou do governo: é o da necessidade e qualidade do serviço que prestam. Que importa serem menos e a despesa ser menor, se o serviço que prestam é pior?
A juvenilização do recrutamento político para organização do governo e dos respetivos gabinetes de apoio tem riscos na qualidade da governação. Pessoas com reduzida maturidade, de conhecimento político e até de experiência de vida. Recrutados, em muitas circunstâncias, em gabinetes de advocacia e designados como especialistas, adjuntos ou assessores, os seus currículos e méritos profissionais não casam, em número significativo de casos, com os conhecimentos e competências exigíveis às responsabilidades públicas assumidas. O que prejudica a qualidade da decisão politica que preparam ou influenciam
O que se está a passar para as bandas do Instituto Português do Desporto e da Juventude deveria fazer pensar quem tem responsabilidades políticas e se encontra comprometido em encontrar a melhor solução para o país. E a pergunta é apenas esta: estão seguros de que é o caminho certo para salvaguardar a boa governação do desporto?
A tarefa de fundir vários organismos num único seria sempre, em quaisquer circunstâncias, um exercício complexo. No plano estritamente normativo, no plano funcional e no da gestão dos recursos humanos. Acresce que tudo isto ocorre num contexto de enorme crise financeira e institucional. E em que a vida do pais não para e pede intervenções constantes. E em que o legado recebido é pesado. Pelo que era enorme a tarefa que os responsáveis governamentais e dos institutos a fundir tinham pela frente. Para essa tarefa o governo tem escolhido quem entende ter as condições profissionais e humanas para o bom cumprimento dos objetivos. Sabendo-se que não há soluções positivas com as pessoas erradas é ao governo que têm de ser pedidas contas se as coisas não correrem bem.
A opção escolhida e o modo como se vai estruturar o novo organismo – que ainda não entrou em funcionamento pleno e já vai na terceira versão normativa para a composição do respetivo Conselho Diretivo-é o de uma megaestrutura. Reúne todas as condições para o desenvolvimento de entropias organizacionais e conflitos de competência tal é a sua pesada estrutura organizacional. A proliferação de unidades orgânicas aumenta o grau de dispersão e dificulta a qualidade da decisão. No plano formal e substantivo o desporto não sai bem tratado. A solução de um problema- ganhar economias de escala com a fusão- pode ser o início de um outro bem maior. É a miopia do desastre, patente sempre que se desvaloriza algo que sentimos ainda longe que possa acontecer. Mas que reúne todos os ingredientes para que aconteça.

É indiferente se as pessoas escolhidas são do partido A ou B; se pertencem à influência desta ou daquela personalidade; ou se a respetiva orientação sexual é hétero, homo ou bi. O que interessa provar é que são competentes e que são sérios na missão de serviço público. E que o novo organismo ganha em eficiência à situação anterior. A tarefa que têm pela frente, bem conseguida, merecerá justificados elogios. Afirmo-o sem ironia e com a perceção da complexidade da tarefa. Mas também com a convicção de que o caminho escolhido e as soluções já conhecidas não auguram um desfecho feliz.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Políticas desportivas comparadas: Portugal vs. Reino Unido (III)

Mais um texto de José Pinto Correia, que se agradece.


(Esta é a primeira parte do terceiro e último dos textos, originalmente publicados em Setembro de 2007 no Jornal “O Primeiro de Janeiro”, nos quais se procurava estabelecer uma comparação entre o nível da fundamentação e concretização das políticas públicas desportivas do Reino Unido e de Portugal até aquela data).


Vamos apresentar hoje, em conclusão, a visão de desenvolvimento desportivo constante do documento “A Sporting Future for All” (Um Futuro Desportivo para Todos), que constituiu, como dissemos anteriormente, a primeira manifestação formal de política desportiva do partido trabalhista do Reino Unido, e foi publicado no ano 2000.

Passemos então a analisar, seguidamente, o conteúdo do referido documento britânico no que respeita à visão que presidia aquele novo instrumento de política desportiva. Esta visão estava depois devidamente detalhada para implementação num plano de acção que não é aqui, por vantagem simplificativa, objecto de referência – e ambos compunham a denominada estratégia de desenvolvimento do desporto no respectivo horizonte temporal de referência. Vejamos então:

A Visão
Esta visão, é uma das duas partes da estratégia sendo a outra o plano de acção que a concretiza, e apresenta-se subdividida nos seguintes cinco níveis:

Um primeiro nível desta visão respeitava ao “Desporto na Educação” onde se assume desde logo o objectivo de aumento da participação dos jovens. A educação física e o desporto são considerados como parte fundamental na educação dos jovens, não apenas pela participação mas também pela ajuda no desenvolvimento de valores importantes como a disciplina, o trabalho de equipa, a criatividade e a responsabilidade.

E embora exista uma tradição de as escolas Inglesas fornecerem educação física e desporto de alta qualidade, assume-se que nos últimos anos essa provisão tinha decaído em muitas delas. Por isso, se impunha uma reviravolta nesse estado de coisas, através de uma nova abordagem que criasse mudança sustentável e de longo prazo, apoiando os professores, os pais e os jovens.

A nova ambição era, assim, a de aumentar os padrões da educação física e do desporto escolar em todas as escolas permitindo-lhes alcançar os níveis das melhores delas. Para tal estava previsto um plano dividido em cinco partes com a ambição de dar um novo fôlego ao desporto escolar e que incluía:

• Reconstrução das instalações desportivas escolares, através de uma nova iniciativa dotada de 150 milhões de libras para reconverter as piores instalações desportivas e artísticas escolares nas escolas primárias; ao mesmo tempo o Sport England afectaria 20% dos fundos da lotaria ao desporto juvenil para ser atribuído sobretudo às escolas; e seriam incentivadas as federações desportivas a investirem uma parte dos seus rendimentos provenientes dos direitos televisivos em instalações desportivas escolares;
• Criação de 110 “Colégios Desportivos Especializados” em 2003, que corresponderiam a escolas secundárias com um foco especial na educação física e desporto, para liderarem a prática inovadora e trabalharem com escolas secundárias e primárias parceiras na partilha das boas práticas e no aumento dos padrões desportivos; trabalhariam também com a profissão da educação física para ajudar os professores a melhorarem a qualidade e a quantidade da educação física e do desporto em todas as escolas;
• Extensão de oportunidades para além do dia escolar encorajando as escolas a prover um leque de actividades extra-escolares para todos os alunos independentemente da sua idade; previsão do dispêndio de 240 milhões de libras para apoiar as escolas a fornecer um leque destas actividades de aprendizagem extra, incluindo as de educação física e desporto;
• Estabelecimento de 600 coordenadores de desporto escolar nas comunidades mais necessitadas, baseadas em grupos de escolas ligados pelas “Autoridades Locais Escolares” aos “Colégios Desportivos Especializados”; esses coordenadores fomentariam oportunidades de competição regular para os jovens num leque alargado de desportos, envolvendo nos três anos subsequentes 150 grupos de escolas que juntassem cerca de 600 escolas secundárias e 3000 escolas primárias;
• Assegurar que os jovens mais talentosos dos 14 aos 18 anos tivessem acesso ao apoio de treino que os competidores de elite necessitam para serem campeões mundiais no futuro; criação de uma “Rede de Colégios Desportivos Especializados” explicitamente focados no desporto de elite.

Um segundo nível desta visão respeitava ao “Desporto na Comunidade” onde se destaca a perspectiva do fomento da participação desportiva ao longo da vida.

Considera-se que o desporto não acaba, por isso, no portão da escola, ele é a actividade de lazer mais popular – com mais de metade dos adultos a participarem semanalmente num leque alargado de actividades, desde as caminhadas ao hóquei, o futebol e natação. O desporto representava ainda 12 biliões de libras de despesas de consumo e empregava cerca de 420.000 pessoas.

Todavia, enuncia-se a existência de diferenças marcadas na participação entre homens e mulheres, grupos étnicos e nas diversas classes sociais – os profissionais qualificados participam mais que os trabalhadores não especializados e são em maior proporção membros de clubes desportivos, por exemplo.

O objectivo era, por isso, o de reduzir a desigualdade de acesso ao desporto ao longo dos próximos dez anos, investindo para tal nas instalações para o desporto de base e incentivando todos os envolvidos no desporto a concertarem esforços para darem oportunidades de prática aos actualmente dela excluídos. Seria também realizado um esforço para evitar o desmantelamento de campos desportivos existentes nas localidades e escolas, reforçando as “Orientações de Política de Planeamento sobre Desporto e Recreação”. E seriam feitos investimentos em diferentes tipos de instalações desportivas comunitárias, através de fundos provenientes da “Lotaria Nacional”, baseados numa auditoria de âmbito nacional que permitisse determinar quais os locais com maiores carências – este trabalho de avaliação foi, então, solicitado ao Sport England e à “Associação do Governo Local”.

Por outro lado, foi anunciado também um montante de 125 milhões de libras do “Fundo das Novas Oportunidades” para a criação de novos espaços verdes. E o Sport England investiria 75% do rendimento proveniente da “Lotaria” no desenvolvimento do desporto comunitário, por exemplo na construção de instalações de “indoor” para ténis, instalações multiusos, e no desenvolvimento de programas de treino para jovens em cidades do interior. Isto tudo constituiria uma melhoria massiva nas instalações desportivas significando entre 1.5 e 2 biliões de libras dispendidas ao longo dos próximos dez anos no desporto comunitário, especialmente nas zonas mais carenciadas do país.

Ao mesmo tempo, esperava-se que os desportos com significativos rendimentos de direitos de transmissão tivessem uma especial responsabilidade neste desenvolvimento desportivo e dedicassem pelo menos 5% desse rendimento, mesmo 10% a médio prazo, às instalações do desporto de base. Sempre que possível este novo investimento nas instalações do desporto de base deveriam ser direccionados para as escolas, melhorando essas infra-estruturas e aprofundando o compromisso do Governo de colocar as escolas no coração da vida comunitária.

Considerava-se que o trabalho de inclusão social estava bem para além das instalações e implicaria a acção conjunta das autoridades locais, das federações desportivas e das organizações financiadoras – pois sabia-se que o desporto constituía um dos melhores mecanismos de quebra de barreiras sociais. As autoridades locais teriam o seu destacado papel na promoção destas oportunidades de acesso e inclusão, usando cada vez mais os respectivos “Agentes de Desenvolvimento Desportivo”.

Também se exigiria uma estrutura de clubes mais profissional que complementasse devidamente o papel das escolas – sendo reconhecido o elevado número e a tradicional predominância dos clubes amadores baseados em voluntários –, pois os clubes são um elo vital entre as escolas e a competição de alto nível. Queria-se, por isso, desenvolver com apoio das federações desportivas e das autoridades locais uma mais eficaz estrutura de clubes, incentivando os clubes com potencial para desenvolverem várias equipas que oferecessem oportunidades para progresso para níveis mais elevados de competição, bem como a promoverem a gestão profissional de todas as suas actividades.

Ao longo dos próximos dez anos queria-se, por conseguinte, transformar o panorama do desporto de base do país – o qual era considerado um meio insubstituível para aumentar a participação e de melhorar a respectiva competitividade internacional.

(A Continuar)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O mercado desportivo português: procura e oferta

Um texto de Luís Leite, que se agradece.


Como qualquer outra actividade humana, o desporto não foge à realidade estrutural e conjuntural do MERCADO.

Em Portugal, a PROCURA é fortemente condicionada por factores culturais e por fatores de marketing e imagem.
Os fatores culturais são de difícil e lenta mutação, são precisas décadas para se sentirem transformações significativas.
Os fatores de marketing e imagem funcionam numa base de forte investimento naquilo que “vende”.
Analisando a realidade portuguesa, tendo em atenção o exposto, verifica-se uma fortíssima procura da modalidade Futebol, assente fundamentalmente no clubismo e na clubite.
Essa procura, assenta cada vez mais na componente espetáculo, através das transmissões televisivas e da presença nas bancadas dos estádios e cada vez menos na prática desportiva.
O fenómeno futebolístico é pois, essencialmente passivo na procura, já que o interesse se manifesta maioritariamente através da participação do português como espectador/comentador e, consequentemente, como consumidor de produtos diretamente associados e não como praticante desportivo.

O peso do Futebol é de tal forma vincado, que as restantes modalidades são vistas, ao nível da procura, apenas como curiosidades e mesmo assim, por uma relativamente pequena percentagem da população.
Esta realidade é fortemente condicionante do desenvolvimento desportivo global, assistindo-se, de alguns anos para cá a uma estagnação do nível de qualidade da prática desportiva, com consequências no fraco desempenho desportivo no contexto internacional nas restantes modalidades. Com particular evidência nos resultados olímpicos, muito àquem do aceitável para um país europeu com mais de 10 milhões de habitantes.
Na última década, acentuou-se fortemente a procura desportiva na componente saúde/imagem física, sem que essa realidade contribua em nada para o desenvolvimento desportivo federado, de verdadeira competição.

A OFERTA desportiva, entre nós, evoluiu nas últimas décadas de forma significativa ao nível das instalações para a prática desportiva, embora sejamos obrigados a reparar na importância relativa muito significativa que foi dada à construção de grandes estádios para o Futebol.
A oferta de locais para a prática desportiva foi fortemente financiada por fundos comunitários, embora se tenha verificado uma espantosa falta de planeamento estratégico no que respeita à resposta à procura existente ao nível concelhio, distrital e regional.
Assim, foram construídos milhares de equipamentos desportivos a pretexto de motivações políticas ou financeiras laterais, sem atender à realidade da procura.
O parque desportivo nacional de propriedade do Estado não corresponde, portanto, na maioria dos casos, a uma oferta com verdadeiros objectivos de desenvolvimento integrado, sendo comum a existência de equipamentos em avançado estado de degradação por falta de uso.
A questão da sustentabilidade dos equipamentos desportivos raramente foi tida em linha de conta no momento das tomadas de decisão, verificando-se assim, de uma maneira geral, a incapacidade de manter a esmagadora maioria dessas instalações.
Por outro lado, a oferta desportiva tem-se vindo a submeter, cada vez mais, a uma lógica económico-financeira despesista e insustentável por parte dos clubes em geral e dos grandes em particular.

Em Portugal, o desporto foi consagrado na Constituição como um direito de todos os cidadãos e isso foi sempre sendo interpretado como razão para a gratuitidade na utilização de instalações públicas.
A maioria do público aceita sem reservas gastar, num único espetáculo futebolístico, uma quantidade de dinheiro que nunca aceitaria gastar, durante um mês, na prática de uma modalidade num recinto adequado e com um técnico especializado.
A exceção são os ginásios de “fitness”, em que a preocupação com a imagem física se sobrepõe à preocupação com as eventuais vantagens para a saúde do exercício físico.
Hipocritamente, o Estado financia, direta ou indiretamente, manifestações populistas isoladas e sem retorno na área do desporto, de que se destacam as caminhadas e as mini-maratonas, que mais não são que oportunidades de convívio de multidões, com fins eleitoralistas “politicamente corretos”.

Enquanto esta lógica de MERCADO se mantiver, Portugal não terá qualquer possibilidade de evoluir desportivamente.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

E, no entanto, elas andam aí

Texto publicado no Público de 22 de Janeiro e 2012.

1. A imprensa deu devido eco ao facto da Liga Portuguesa de Futebol Profissional ter-se visto obrigada – por decisão de tribunal – a retirar todas as menções à Bwin da sua página e da denominação de uma das competições que organiza, a Taça da Liga (bwin cup).
Sucederam-se, naturalmente, as declarações sobre o impacto negativo desta decisão judicial quanto ao financiamento do futebol profissional. O presidente da FPF referiu que "são cerca de 20 milhões [euros] que estas casas investem no futebol português. Numa época de dificuldades em obter sponsors e receitas, é uma machadada muito significativa no futebol em Portugal". Por seu turno, a Bwin “pondera acção contra o Estado português”. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, monopolista, ainda de acordo com as notícias, através dos seus advogados, manifestou a sua tranquilidade: "A nossa posição é de imensa tranquilidade, até porque a questão jurídica não se revela complexa, mas de enorme simplicidade: esta actividade contraria a lei portuguesa". Por "lucros cessantes", a Santa Casa pediu uma indemnização no valor aproximado de 27 milhões de euros.

2. Estamos perante mais um episódio – sem dúvida dos importantes – de uma questão legal que tem já muitos anos de tribunal (ou de tribunais).
Entretanto, por boa parte da Europa, os Estados regularam o mercado das apostas on line, pondo termo aos monopólios públicos existentes, e recolhendo daí proveitos directos (receitas fiscais, combate aos jogos ilegais e protecção do consumidor) e indirectos (financiamento ao desporto).
Por cá, como sempre, os ventos europeus chegam bem mais tarde.

3. Não se descura que há uma questão jurídica, mais complexa do que o referido pela SCML, mas há, bem se induz, uma questão política: deve ou não haver em Portugal um mercado aberto (regulado) neste sector?
O anterior Governo estudou a questão, mas depois o silêncio imperou.
Este Governo, como em muitas outras matérias, herdou esse silêncio.
Estará à espera que o problema se revolva nos tribunais?

4. Num recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, abordaram-se questões de natureza criminal respeitantes a duas sociedades que operam neste sector, Uma, com sede nos Estados Unidos, especializada em apostas desportivas on-line, prestando serviços como “betting advisor”, que passa pela gestão de “apostas e contra-apostas”, concomitantes e relativas ao mesmo evento desportivo, cobrindo dessa forma todos os resultados possíveis, usando um método matematico-lógico, com base em casas de apostas on-line. A outra é uma sociedade com sede em Malta, dedicada às apostas desportivas on-line e o seu papel é servir de intermediária entre apostadores, que pretendam fazer ofertas a outros jogadores. As sociedades são controladas por cidadãos portugueses, residentes em território nacional.

5. Tal actividade originou fundos superiores a 3 milhões de euros e, em cerca de três meses, tal montante rodou por diversas instituições financeiras.
Por isso, e outras razões adicionais, foi-lhes aplicada a medida de controlo de contas bancárias, com suspensão de movimentos a débito pelo prazo de três meses. O Tribunal, em recurso, marcou um limite temporal: manter por três meses, tempo suficiente para conclusão da investigação, a contar da data desta decisão, findo o qual a medida caducará.

6. Alguém anda a dormir. Resta saber a razão para tanto joão-pestana. Porque há razões para tudo. Umas são confessáveis; outras, nem tanto.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Fazendo de conta

Quem chega ao desporto por via da educação física, como é o meu caso, há uma impureza que sempre contamina: o ter do desporto uma visão militante, pedindo-lhe o resgate sobre as suas permanentes adulterações. Esperando dele, porventura, o que ele não está em condições de dar. Porque, provavelmente, de adulterações se não trata mas apenas da sua realidade nua e crua. A ser assim, o mal é meu que resisto a não querer ver o que está à vista.
O desporto como forma de musculação moral do homem era um desígnio coubertiniano. Gosto da formulação. E não me incomoda o poder ser um registo idealista e retórico. Se o confronto e a competição não obedecerem a regras livremente aceites e cumpridas o duelo desportivo (a escolha da palavra duelo é intencional…) deixa de ter sentido formativo. E, ao deixar de o ter, não perde a sua dimensão e importância social. Mas não pode invocar a referida responsabilidade formativa.
O adestramento corporal e a performance desportiva têm valores próprios no que significam do desenvolvimento e domínio de capacidades motoras e fisiológicas. Mas para se avaliarem carecem de confronto. Ninguém treina sem um objectivo. Por norma, o de se medir, comparando com outros. É óbvio que há quem treine com outro tipo de objectivos mais centrados em si próprio. Mas na sua génese treina-se com o objectivo de competir. O que dá sentido a tudo o que fazem é precisamente a competição. Sem a competição, para quê treinar?
Aqui chegados importa interrogarmo-nos se a competição tem sentido educativo? E se o tem para vencedores e vencidos ou apenas para um deles. A resposta é ambígua: depende das condições e dos valores que contextualizam a competição. E a resposta é tanto mais difícil quanto nos tempos presentes o resultado de uma competição não tem apenas um valor desportivo. Encerra também um valor financeiro e em algumas casos um assumido valor político. Quando o titular de um cargo público se fotografa de cheque na mão a entrega-lo a um atleta (como recentemente ocorreu com o titular da secretaria de estado do desporto), não se elogia o mérito desportivo de alguém, mas procura-se autoelogiar o poder político. O mérito desportivo do atleta é instrumentalizado para um exercício de propaganda. Neste ambiente procurar uma dimensão educativa para o desporto e a competição é como procurar o norte viajando para o sul.
Uma boa parte dos desvios do desporto a uma matriz comportamental socialmente aceitável estão para além do desporto e da competição. São jogos para além do jogo. O que explica, muitas vezes, a dificuldade do desporto, por si só, lhes poder fazer frente. Associado a este facto está o de nem sempre se entender essas externalidades. E se carregar o desporto de responsabilidades cujo fardo ele não consegue suportar. Neste sentido parece mais razoável o realismo crítico que o optimismo ingénuo e assumir que não é possível ao desporto carregar a responsabilidade de uma dimensão educativa e social enquanto os valores sociais dominantes que o contextualizam, forem os que são.
O que dizer de quem autoriza a colocação de imagens de clara glorificação de símbolos racistas e violentos num dos túneis de acesso aos balneários em Alvalade? Pouco. Porque afinal é apenas o prolongamento para os balneários daquilo que se autoriza e estimula nas bancadas.Com que todos semanalmente convivem na grande festa do futebol. Os factos são graves, pois são, mas não são novos. O que pensar do silêncio das autoridades governamentais e da federação respetiva? E do sindicato dos jogadores e do provedor dos adeptos da Liga? E de todos aqueles que um dia destes se juntarão para celebrarem mais um qualquer plano a favor da ética no desporto? O mesmo que se pensa em anteriores situações: optam pelo silêncio enquanto for mediaticamente aceitável e até que o assunto morra por si. E quando for necessário apelam à ética no desporto do mesmo modo que se benzem quando para isso são chamados.E participarão, sem qualquer rebate de consciência, em qualquer seminario ou conferência que sobre o tema se realiza.
O país discutiu nos últimos tempos a deriva de algumas lojas maçónicas. Trouxe-se para a praça pública o que todos sabiam e sabem mas ninguém ousa assumir publicamente: a captura de uma instituição que relevantes serviços prestou à democracia, uma casa que devia albergar homens bons e íntegros, exemplos de cidadania, por pessoas que a utilizam para tráfico de influências, acesso ao poder e gestão de negócios.Portugal prefere viver assim. Ignorando o que de facto se passa e fazendo de conta que faz alguma coisa para mudar este estado de coisas. O desporto não escapa a esta atitude demissionária.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O Sporting vai jogar à porta fechada com o Beira-Mar

Artigo publicado no Público de 15 de Janeiro de 2012.


1. Depois de tornadas públicas imagens criteriosamente colocadas no corredor de acesso aos balneários da equipa visitante, no Estádio de Alvalade, que retratam adeptos das claques em poses agressivas, desafiando os seguranças, outros de cara tapada e com tochas na mão, e ainda poses que sugerem uma saudação fascista ou tatuagens com a cruz de ferro, um símbolo que está muito associado a movimentos da extrema-direita, teve lugar uma oportuna e urgente reunião do Conselho para a Ética e Segurança no Desporto.
2. Tal órgão, presidido pelo insubstituível Presidente do Comité Olímpico de Portugal, é composto, ainda, entre outros, por Fernando Seara, Augusto Baganha, ex-presidente do defunto IDP, Carlos Cardoso, presidente da Confederação do Desporto de Portugal, Fernando Gomes, Joaquim Evangelista, Mário Saldanha, Nuno Delgado, Rosa Mota e Salomé Marivoet.
3. Vicente Moura, que convocou essa reunião, relembrou palavras proferidas enquanto membro do Conselho Leonino, ao Público: “tenho dificuldades em acreditar que as fotografias que me enviou tenham sido colocadas nos corredores de acesso aos balneários onde se equipam as equipas visitantes no estádio do Sporting. [] Estou convicto que a direcção do SCP, na senda das tradições do clube as mande retirar.” Falou ainda em «formas de pressão dispensáveis.”.
4. Mais longe foi Salomé Marivoet, especialista em violência no desporto: “ As imagens falam por si. O painel de fotos veicula uma imagem dura de adeptos, seguramente uma minoria dos adeptos do Sporting, expressando uma hostilidade violenta para com as equipas visitantes, que contrasta com a mensagem escrita de “bem-vindos”. “Trata-se de um painel numa zona de acesso reservado e, por isso, certamente sujeita a uma decisão dos órgãos directivos. Não posso deixar de concluir, como socióloga, que esta enfatiza a sublimação de uma subcultura de adeptos hostil e violenta por parte dos responsáveis do clube comprometidos com tal escolha, denotando conivência e exaltação da mesma. O caso assume ainda maior gravidade dada a selecção de fotos veicular símbolos nacionalistas de extrema-direita.”
5. Perante tão firmes posições, os membros do CESD deliberaram, de acordo com o disposto no artigo 14º, nºs 4, 6 e 7, da Lei nº 39/2009, propor ao IPDJ a aplicação da sanção de realização de espectáculos desportivos à porta fechada, enquanto a situação se mantiver, sem prejuízo da aplicação de outras sanções, disciplinares ou outras, que venham a ter lugar.
6. O IPDJ agiu em conformidade.
7. Também o Conselho de Disciplina da FPF se apressou a instaurar um processo disciplinar.
Declarações de vivo repúdio foram proferidas pelo presidente da FPF e pela LPFP.
8. Tudo, aliás, na linha, das declarações de viva censura proferidas no próprio dia do conhecimento público, pelo Ministro Relvas e pelo seu Secretário Alexandre Mestre.
Outra coisa não podia deixar de ser, ou não tivesse o Secretário pré-lançado, a 2 de Dezembro, as Linhas Gerais do Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED).
9. Ineficaz, a UEFA pediu ao Sporting que removesse ou tapasse as imagens de cariz violento. Parece que «as imagens contrariam os valores de respeito e tolerância que a UEFA promove. A UEFA tem uma política de tolerância zero em relação à violência e as imagens mostram, no mínimo, uma posição ambígua quanto à violência provocada por adeptos”.
10.Em 2007, numa comunicação que tive a honra de apresentar em Espanha, iniciei o meu texto dando conta que o combate à violência no desporto e o posicionamento das entidades nacionais, face à lei portuguesa e às directrizes da UEFA/FIFA, fazia-me lembrar o tempo em que eu ia à bola. Quando os jogos eram nacionais, os bares serviam cerveja com álcool mas, aquando de competições europeias, a cerveja era sem álcool.
11.Infeliz pais. Pura ficção.

"Quando não se sabe para onde vamos, qualquer caminho serve"

Sobre a representação olímpica em Pequim e os rocambolescos episódios ocorridos antes, durante e após o evento já muito se falou e escreveu.

Foi também nesta colectividade desportiva um tema candente, analisado sob diversos ângulos no tempo próprio. Não se pretende voltar a ele, nem tão-pouco recensear posições pró e contra a definição de objectivos desportivos, mas tão só relembrar os ensinamentos recolhidos por quem mais activamente participou na contratualização com o Estado da participação portuguesa em Pequim 2008 e, neste ano, em Londres 2012:

«Depois do fracasso em Pequim2008 quanto às metas traçadas para a conquista de quatro a cinco medalhas -- o que chegou a estar escrito e contratualizado com o Instituto do Desporto de Portugal -- Vicente Moura diz que já não comete o mesmo erro.
“Desta vez isso não acontece: o programa que assumi com o governo não prevê lugares de pódio, prevê boa representação, condigna, etc... mais atletas, talvez mais modalidades, mas não mais do que isso”, justificou o presidente do COP.
O passado foi pedagógico e Vicente Moura referiu que não cairá no mesmo erro, depois da experiência em Pequim, onde acabou por ver apenas Nélson Évora (medalha de ouro no triplo salto) e Vanessa Fernandes (prata no Triatlo) conquistar medalhas.»


As palavras prudentes parecem reter a aprendizagem dos tempos vividos. Não repetir o mesmo erro (!?). Não mais falar em medalhas ou qualquer outro objectivo desportivo. Apenas uma “representação condigna”. Foi esse o compromisso assumido com o Estado português num valor global de 14,6 milhões de euros.

Quando não se sabe para onde vamos, qualquer caminho serve”.

Este célebre adágio popular não é qualquer critica sobre uma aprendizagem que tende a renunciar a objectivos desportivos precisos sobre a nossa participação em Londres, antes consta da recente proposta de um Plano Integrado de Desenvolvimento Desportivo 2012 -2022 apresentada ao Governo.

Nela se pode ler:

Este desiderato estratégico deve constituir o eixo central da política desportiva para a legislatura, implicando o envolvimento colectivo de diversas entidades intervenientes no sector ou com este relacionadas, desde federações desportivas aos Municípios e ao Sistema Educativo, a fim de promover estudos técnicos que garantam um verdadeiro e credível diagnóstico da realidade actual e estabeleçam objectivos de médio e longo prazo para aproximar Portugal da vanguarda do conhecimento e do valor ambicionados pela comunidade

Continua assertivamente:

Nestas circunstâncias, anima-nos a convicção segundo a qual é decisivo que o Governo assuma o compromisso de encetar estudos e alocar os recursos susceptíveis de enformarem os objectivos do desporto português para a próxima década”.

Concluindo firme:

Estabelecido o Plano Integrado do Desenvolvimento Desportivo 2012-2022, onde se encontrassem vertidos os objectivos gerais e intermédios, dando-lhes ampla divulgação junto da opinião pública, importaria que todos os intervenientes assumissem o compromisso de concretizar as metas traçadas

Ah! Esta proposta, por certo fruto de uma profícua aprendizagem com os erros do passado, foi apresentada ao Governo Português pelo COP, e assinada por alguém que em tempos formalizou um compromisso com o Estado de concretizar os objectivos desportivos expressos num contrato programa, e que, não repetindo duas vezes o mesmo erro, define agora para metas em Londres 2012 a objectivável “representação condigna”.

De facto, “quando não se sabe para onde vamos, qualquer caminho serve”…

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Votos para 2012 - Projecto "O Jogo das Raparigas"

Ao reler o pensamento de Albert Einstein, “Insanidade é fazer sempre as mesmas coisas , esperando resultados diferentes”, veio-me à memória quem afirma que não existe discriminação e desigualdade de oportunidades entre mulheres e homens, ou raparigas e rapazes no desporto e na educação física em Portugal, e se escuda apenas na mentalidades e na cultura predominantes para justificar os níveis que a todos envergonham da participação desportiva feminina. E claro está, perpetuando-se as mesmas mentalidades e culturas não esperemos resultados diferentes. Para os irredutíveis nesta matéria basta investirem algum tempo na leitura para se renderem às tristes evidências.

No passado mês de Dezembro disputou-se o mundial de andebol feminino no Brasil e mais uma vez me “enfureci” a ver países que há 20 anos estavam no nosso patamar competitivo, (e.g. a Espanha e a França), ou ainda pior, como o Brasil, e que agora nos fazem morrer de inveja marcando presença nas finais de todas as maiores competições mundiais e europeias. Contudo, tal não obsta a que os dirigentes responsáveis por estas e outras situações análogas, sejam galardoados e recebidos pela tutela do Desporto com pompa e circunstância.

Isto para dizer que sem planos de ação de médio e longo prazo, assim como de medidas concretas específicas, que esbatam as mencionadas desigualdades de oportunidades (a nível financeiro, logístico, material, de recursos humanos, entre outros) não saímos da estagnação e de níveis organizacionais que, por vezes, em tom de brincadeira digo que são próprios da idade da pedra e muito visiveis na modalidade do futebol/futsal feminino.

Neste sentido destaque para o Projeto “O Jogo das Raparigas” que tem o objetivo de “contribuir para o aumento da participação das raparigas e mulheres no futebol/futsal através de três eixos interligados e complementares de intervenção:

1.º o combate à invisibilidade, às barreiras culturais e aos estereótipos, através de uma campanha centrada na apropriação e na prática deste desporto pelas raparigas, procurando influenciar positivamente as jovens adolescentes, mas sobretudo as suas famílias, os órgãos de comunicação social e agentes desportivos, nomeadamente do futebol/futsal;
2.º o empoderamento das raparigas e mulheres, numa perspetiva de consciencialização dos seus direitos, promovendo oportunidades de participação, de organização e de desenvolvimento das suas competências de liderança, bem como o aumento da prática desportiva;
3.º a sensibilização de públicos estratégicos: dirigentes de clubes, de associações distritais de futebol, de eleitas/os do poder local, para a necessidade de promover medidas e programas específicos que apliquem o princípio da igualdade e da não- discriminação; o projeto é também dirigido às escolas e docentes de Educação Física para a necessidade de apoiar as jovens alunas na aprendizagem do futebol/ futsal e apoiar a sua prática continuada."

E não deixem de ver e, se possível, se solidarizarem com os votos deste projeto para 2012:

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Com todos e para todos ou só para alguns?

"It is not the creation of wealth that is wrong, but the love of money for its own sake."
Margaret Thatcher


Os tempos actuais são propícios a derivas fundamentalistas liberais ao ponto de ser tentador apontar o falhanço do modelo social europeu como uma das principais causas para o momento que a Europa atravessa. Aquele que foi um dos maiores contributos da Europa para o progresso da modernidade nunca esteve tão em causa como hoje.

Não é preciso ler muito Keynes, estudar a biografia dessa figura conservadora, Bismark, que no final do sec. XIX fundou as bases desse Estado Social tantas vezes replicado pelo mundo fora, ou consultar os indicadores estatísticos disponíveis, para se ter a noção que o atestado de sobrevivência de uma economia de mercado se encontra na sua coesão social. Ou seja, na capacidade do Estado garantir, eficientemente, as suas obrigações sociais na saúde, segurança social, emprego, qualidade de vida e, também, no desporto, particularmente junto daqueles que mais carecem, uma vez que ainda está por se descobrir uma economia de mercado desenvolvida sem uma força de trabalho qualificada.

Fazer crer que não se produz o suficiente para o Estado garantir tais obrigações constitucionalmente consagradas e isolar o debate entre a fraca produtividade e as elevadas prestações sociais trata-se, num cenário de austeridade, da demissão da política na sua dimensão mais nobre de conduzir os destinos de uma nação. Tanto mais tentador quanto se cede perante o dinheiro fresco que provem dos regimes de leste (aqui o futebol europeu é um bom exemplo) reduzindo o acto de governar à ditadura dos números. Afinal não se chegou ao Fim da História, mas á derrota de uma geração, servida a frio pelo muro de Berlim.

A Europa produz mais do que o necessário para garantir aquelas obrigações e sustentar um modelo de desenvolvimento e prosperidade que se tornou um desígnio e referência para inúmeras economias mundiais. Contudo, não produz o suficiente para sustentar um serviço nacional de saúde onde o custo per capita de uma consulta num centro de saúde é mais do dobro do que num privado. Não produz o necessário para sustentar uma rede viária com fluxos de trânsito ridículos ou equipamentos sócio-desportivos às moscas, edificados pelo populismo irresponsável de quem não pensou um segundo nas gerações vindouras. Não produz o necessário para alimentar um mastodonte na 5 de Outubro tão distante da realidade escolar e da sua missão de valorização da escola pública. Não produz, também, o necessário para suportar programas olímpicos com os resultados que obteve durante décadas, quando outros países, de menores condições, continuadamente alcançaram melhores resultados com menores apoios, colocando o nosso país, aí sim no topo dos rankings, de rácio de despesa pública por medalha olímpica conquistada.

Não haja ilusões, o risco da ortodoxia neoliberal tomar conta da ocorrência será tanto maior quanto mais se adiar reformular o papel vital do Estado em assegurar - o que não significa prestar - as obrigações sociais junto dos seus cidadãos, com eficiência, justiça, transparência, responsabilização e equidade, sob pena da ortodoxia do mercado se impor à politica e, como a história tantas vezes o comprova, cortar a eito e aniquilar progressivamente os fóruns de mobilização cívica e os corpos intermédios que em tantos domínios sociais, são um suporte essencial para a concretização de politicas públicas.

Neste contexto, não deixa de ser sintomático que estes corpos intermédios, emanação da sociedade civil, e motor essencial para “promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto” deste país, consagrados no texto constitucional citado como associações e colectividades desportivas, não tenham merecido a devida prioridade na reflexão e acção dos poderes públicos, ao nível do poder central, quando sinaliza uma clara preferência em regular o desporto profissional e a modalidade com menor dependência de apoios públicos, mas plasma como principal opção para o quadriénio “… uma política de desporto com todos e para todos, recordando, designadamente, que tudo começa na fase infanto-juvenil e que as mulheres e a população sénior não podem ser descuradas”.

Mas também, ao nível do poder local - e aqui quiçá mais preocupante - quando, num quadro de austeridade, cede ao imediatismo da empresarialização de iniciativas municipais eivadas da vacuidade do folclore salutogénico da actividade física, desistindo de qualificar o labor do seu tecido associativo, de criar interdependências entre este e a comunidade escolar, e de escrutinar com rigor a criação de valor desportivo gerado com os recursos públicos que lhe são afectos (numero de praticantes, qualificação técnica, resultados competitivos, dinâmica organizacional, etc).

Nada melhor do que um exemplo reformista da liberal Grã-Bretanha para elucidar que nesta, como noutras equações, o problema reside na qualidade da acção do Estado para envolver, responsabilizar, capacitar e valorizar a acção daquelas entidades daLink sociedade civil que, lá como cá, fizeram e fazem o desporto acontecer todos os dias alimentando a cadeia de valor cujo topo o Estado Português se apressa em reflectir.

Tudo isto, ironicamente, através de um simples conceito anglo-saxónico difundido pela insuspeita senhora Thatcher e inculcado no desenho de qualquer política pública naquele país.
Value for Money!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A verdadeira natureza das coisas gosta de ocultar-se

Se um país é rico e o seu povo pobre, algo de estranho se passa. Se numa família os pais são ricos e os filhos vivem com dificuldades alguma coisa corre mal. O que pensar de uma federação desportiva que tem avultadas quantias em depósitos bancários, remunera os seus dirigentes e demais trabalhadores muito acima de média do país, mas os seus filiados estão falidos? A resposta a esta questão não sei se vale a constituição de um grupo de trabalho, mas, a meu ver, é bem mais importante que outras que o agendamento político do governo selecionou. Porque coloca em risco a própria sobrevivência da modalidade.
Os clubes de futebol, com esta ou outra designação jurídica, vivem, à sua escala, o mesmo problema que os países ou as famílias. Se, continuamente, gastam mais do que têm chegará um momento em que são obrigados a parar. Ou porque não têm liquidez ou porque o que pediram emprestado para viver acima das possibilidades já não tem modo de ser pago, ou ainda porque não há quem lhes empreste. Qualquer pessoa com um módico de bom senso o reconhecerá. Então porque não é encontrada uma solução? Porque o empobrecimento dos clubes de futebol é feito em paralelo com o enriquecimento de segmentos superiores da modalidade. Que sendo gerida num espaço global tem inúmeras dificuldades em encontrar soluções de equilíbrio. E, deste modo, os que enriquecem tendem a ignorar os que empobrecem.


Ao futebol chegam rios de dinheiro com origens diversas (geográficas e de proveniência). E se chegam é porque existem. E se vão para o futebol é para se reproduzirem em mais-valias financeiras ou para se limpar a sua forma de obtenção. E neste tsunami se há uns que se queixam, há outros que beneficiam.
A solução global que tem sido sugerida é o de uma espécie de acordo sobre os limites financeiros das compras/vendas de jogadores, fator onde parece residir a razão do défice dos clubes. Não duvido da bondade da solução. Duvido da sua eficácia. Não por razões ou fundamentos técnicos, mas pela lógica do negócio do futebol. Que é claramente um negócio especulativo. E como tal está desprovido de racionalidade, de bom senso e que não pode sobreviver na base de entendimentos.
O fair-play financeiro (proposto pela UEFA) é um equívoco. Fair-play significa jogo limpo. Ora não há jogo limpo, nem racionalidade financeira quando na gestão global de uma modalidade uns têm custos com pagamentos de impostos sobre mais valias da mobilidade dos ativos e outros escapam a esses pagamentos. Por outro lado, a competição que se faz dentro do campo não é a única que está em jogo. Existe também uma competição económica que vive da especulação do valor dos ativos nos exatos termos em que o capital financeiro especula. O valor dos passes de alguns jogadores face à economia real do futebol é tão virtual como o valor de alguns produtos financeiros face à economia real em geral. São produtos especulativos.
Em Portugal, todas as soluções do passado (bingos, bombas de gasolina, promoção imobiliária, sad’s, totonegócio I e II, regimes fiscais especiais, etc.) foram insuficientes para estancar o risco de falência. Cada nova solução é uma miragem que o tempo se encarrega de destruir.
O problema é que do lado de quem governa a modalidade a coisa nunca esteve tão boa. Dinheiro existe e bastante. Para os dirigentes, jogadores e treinadores, os mais bem pagos, não tem por onde se queixar. Os agentes, vivem da especulação com a mobilidade dos jogadores.Com a crise financeira na Europa abrem-se outros mercados em economias emergentes e com fraco escrutínio público sobre a origem do dinheiro. As marcas e os patrocinadores estão atentos às novas oportunidades desses mercados. Quem carece de respiração assistida são apenas os clubes que entre ventos e marés lá vão fabricando a contabilidade criativa que permitiu chegar até hoje. Num percurso que, apesar de difícil, chega a ser impressionante como foi possível. Quantos não pensarão: se chegámos até aqui, alguma solução há-de ser encontrada. Para quê mudar de vida?
Contrariamente ao que por vezes se diz o problema, só em parte é do futebol ou das pessoas que o gerem. O problema é de outro âmbito. O futebol foi capturado pela lógica do capital e pelos interesses financeiros que o controlam. Não vale a pena perder tempo a tentar encontrar soluções de tipo desportivo. Em Portugal, que dizem, tem a legislação mais avançada da Europa, os sucessivos governos, não se dando por satisfeitos, adoram legislar sobre o futebol. Não faz grande mal. E, por um tempo, sentem-se felizes. Mas o problema estará na legislação? Como afirmava Heraclitoa verdadeira natureza das coisas gosta de ocultar-se”.O fato não residirá em o capital não ter pátria e precisar de circular livremente para se reproduzir? E essa circulação tender a não ter limites e ser imune à intervenção e governação dos Estados?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Um bom 2012?

Artigo publicado no Público de 8 de Janeiro de 2012.


1. E voltamos à casa de partida, sem ganhar 2.000$00, porventura directos para a casa da prisão.
Alexandre Mestre Picanço fez um «balanço positivo de 2011». É certo, afirmou, que o Governo não teve tempo (?) para se dedicar a "questões de fundo do ponto de vista sectorial".
Coitado, teve que “acautelar aqueles que ficaram defraudados” pelo Governo anterior. Desviou-se do essencial. Mas, mesmo assim, ninguém ouse dizer que o desporto [nã0] vai ser uma das molas de desenvolvimento do país". É assim mesmo. Valente governante (?). Valente demagogia.
2. Uns dias mais tarde veio o Ministro Relvas, na apresentação das conclusões dos grupos de trabalho sobre matérias relacionadas com o futebol, aditar na «hola» demagógica governamental: «Estes três temas são incontornáveis para a consolidação de um modelo de desenvolvimento desportivo que se pretende leal, ético e assente em práticas de boa governação e de responsabilidade, atendendo ao propósito do desenvolvimento integral dos jovens nas suas dimensões cívica, educativa, cultural e ética». Mas “Não vou apontar prazos, mas espero que no mais curto espaço de tempo [sejam aplicadas as conclusões dos relatórios] ”. “Três alavancas para consolidar a qualidade do desporto em Portugal”. Três, quando as recomendações do grupo dedicado à protecção do jovem praticante e das selecções nacionais, não é mais do que um juntar – aqui e acolá atabalhoado – de “ é preciso reflectir”, “ deve se equacionar-se”, “haverá que pensar”?
Qualidade do desporto nacional? Do futebol, muito eventualmente, somente do futebol.
3. Nada de novo nos aguarda em 2012 se olharmos as políticas desportivas deste Governo. Em bom rigor, o que vamos ter é muito mais do mesmo, sombreado com a asfixia financeira ao associativismo desportivo, em particular às pequenas e médias associações desportivas.
O que vamos ter, miradas agora as autarquias locais, principal sustentáculo financeiro de milhares de pequenos clubes e colectividades, é o apelo ao fim daquilo que vêm referindo como “subsídio dependência”.

Como se essas entidades públicas – bem como as outras – não tivessem o dever – consagrado, desde logo, no texto constitucional – de apoiar esse associativismo desportivo.
Como se todas as entidades públicas não tivessem, no passado recente, esbanjado fortunas em eventos e infra-estruturas desportivas de mais que duvidoso retorno.
E, neste bem difícil momento, a sua resposta aos pequenos clubes e colectividades desportivas, verdadeira essência do desporto nacional, é que é necessário encontrar fontes de financiamento para além do público. Só podem estar a brincar com o esforço de milhares de pessoas que trabalham voluntariamente e de muitos mais milhares de praticantes de todas as idades.
4. Tudo será igual em 2012, mas sempre polvilhado de intensa demagogia.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Em tempo de poupanças...

Pensa-se, muitas vezes, que os governos podem tudo. A verdade é que um governo pode menos do que aquilo que muitas vezes se supõe poder. Dizer que se vai criar um certo número de empregos ou aumentar numa determinada percentagem a prática desportiva dos cidadãos é prometer algo que não depende exclusivamente da vontade de quem governa. Quem cria empregos é a economia; quem aumenta a prática desportiva são as organizações desportivas. Obviamente que as políticas do governo são importantes porque podem ou não facilitar aqueles objectivos. Mas não bastam. Em todos os governos também há coisas que se podem fazer, que seriam úteis que fossem feitas e não se fazem. Umas por opção política, outras por inércia. Porque a política é um actividade mais comum do se imagina. E também cria rotinas e inércias. Fazem-se muitas coisas porque sempre se fizeram. Independentemente da avaliação sobre o mérito substantivo delas. É o caso do funcionamento do órgão de consulta do governo em matéria de política desportiva.
O Conselho Nacional do Desporto é o sucedâneo de entidades equivalentes que com diferentes designações existem, salvo erro, desde 1977 (Conselho Superior de Educação Física e Desportos). O actual acolheu também competências do anterior conselho nacional contra a violência no desporto. Agora, o programa do governo, pretende reformular a missão e a composição desse Conselho. È positivo que o faça.
Conselhos com este tipo de características existem em vários sectores da actividade pública. Na administração central e local. Muitos deles, valem mais pelo que se lhes atribui, que o que produzem. No desporto reconheço a tradição legislativa da sua existência. E numa actividade que é essencialmente civil é importante obter opinião e pareceres dos representantes de diferentes sectores para as diferentes políticas públicas. Mas as condições de trabalho propiciadas e o contexto em que decorre o funcionamento deste tipo de órgãos, por norma, acrescentam muito pouco, à definição e concretização dessas políticas. E quando dizemos muito pouco é para sermos generosos. Por outro lado, muitas das matérias que requerem pareceres prévios podem e devem ser obtidas em contextos de relações bilaterais com os parceiros desportivos, ou outros, evitando-se a burocracia e a tramitação de instâncias formais onde têm presença entidades de escassa representatividade face aos interesses globais do desporto.
O actual Conselho Nacional do Desporto estabilizou em 34 membros. Pode bem funcionar com metade. E respeitando a representação do ensino superior, do desporto escolar, dos treinadores, dos árbitros e juízes, dos municípios e das regiões autónomas. Se a sua função essencial é a de um órgão de consulta, de uma actividade (o desporto) que embora de interesse publico é basicamente civil, deve ser o mais desgovernamentalizado possível. A começar pela presidência, (que bem pode ser eleita entre os designados) e que deveria continuar pela eliminação de representantes de entidades governamentais sectoriais. A cooperação governamental sectorial, em matéria de políticas públicas desportivas, deve fazer-se em outras instâncias e modelos e nunca num órgão deste tipo. Que para ter alguma eficiência tem de ser pequeno, se quer ser funcional. Não faz sentido que o governo indique mais de metade dos membros. O que somado a outros entes públicos perfaz quase dois terços de representantes públicos.
A representação associativa bem podia estar limitada às duas estruturas representativas do movimento federado. E chegava. É uma sobreposição de obediência corporativa ao futebol que para além daqueles representantes outras entidades, que reflectem interesses sectoriais da modalidade, tenham de estar representadas. O resultado como se tem visto é desproporcional. Como a maioria das matérias que o Conselho aborda não são referentes ao futebol há um claro desequilíbrio entre a representatividade da modalidade e os assuntos tratados. E nada impede que quando existam assuntos do futebol essas entidades não sejam auscultadas. Mas não precisam de fazer parte do órgão. E as personalidades de reconhecido mérito desportivo bem podem ser menos que as actuais nove. Um critério cuja elasticidade se foi alargando (começou em seis…)à vontade do freguês detentor do poder político, para encaixar quem o não era nos critérios originais.
Mas se a composição não é inócua, face ao que se pretende, o funcionamento e as condições que se garantem a esse funcionamento são decisivas. Um órgão de consulta e de pareceres vive ao ritmo, às rotinas e às ordens de trabalho da agenda governamental. Mas sendo também um organismo de propositura ganharia em ter vida própria. O que não é fácil, não tanto por resistência ou responsabilidade de alguém em particular mas pela dinâmica (ou ausência dela) da generalidade da entidades representadas.
O governo, que faz do anúncio do emagrecimento das estruturas e dos organismos do aparelho de Estado uma marca da governação, tem pela frente um desafio interessante. E, provavelmente, ao pedir aos actuais conselheiros propostas e sugestões de alteração ao actual Conselho Nacional de Desporto não espera que daí venham indicações naquele sentido. Se vierem, será uma agradável surpresa!