quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Voando sobre um ninho de euros

A Câmara Municipal do Porto, a Câmara Municipal de Gaia, a Junta Metropolitana do Porto, os deputados do PSD/Porto, estes que me recorde, insurgiram— se quanto ao facto de o Red Bull Air Race ter migrado para Lisboa e Oeiras. Vêem nessa mudança mais um sinal do centralismo da capital em desfavor de outras regiões do país. E a discussão por aqui andou. Mal, a meu ver.
A colocação da questão nos termos que são publicamente conhecidos, Porto ou Lisboa, passa ao lado do essencial. Dá por adquirido o que não está discutido: qual é o valor, do ponto de vista do interesse público, que tem um evento com aquelas características que justifique a afectação de significativos recursos públicos e a concorrência ente cidades/regiões para o acolherem? O acalorado debate político tem pertinência do ponto de vista do interesse do país? Tenho muitas dúvidas. Gostava que demonstrassem o que perde o país em a corrida dos aviões ir voar para outros céus. Ou se é difícil com o mesmo dinheiro público optar por uma outra iniciativa com maior retorno para o país. Coisa que, para quem tudo faz para a acolher, deve ser fácil de explicar.
Bem sei que colocar a questão nestes termos fará reunir o coro dos habituais pirómanos e festivaleiros políticos e de quem lucra com a eventomania. E que este tipo de acontecimentos - a que se pode juntar a titulo exemplificativo as corridas de pópós na Boavista no Porto, o Rock in rio em Lisboa, o Dakar.os festivais de rock no Verão e um sem número de eventos musicais, culturais, desportivos, etc, que de norte a sul do país sobrevivem à custa do dinheiro público - animam o comércio local ,a hotelaria e “dão nome “ e visibilidade à terra. Também sei que, alguns , são eventos que atraem multidões e televisões. E que têm muitos entusiastas. Tudo bem. Que paguem o seu entusiasmo. Mas não peçam que quem não gosta ou frequenta essas iniciativas seja solidário com a despesa. A menos que o custo tenha óbvias vantagens para a comunidade no seu todo.
Os efeitos deste tipo de eventos são efémeros. Esgotam-se em poucos dias. E os benefícios económicos para o país decorrentes da sua realização não são óbvios. O país não vive com folga financeira para se dar ao luxo de pagar festas que servem de divertimento a muitos e de lucro a uns poucos. Operações desta natureza, ligadas a interesses comerciais privados de muito difícil escrutínio, exigiriam uma extrema cautela na colocação de dinheiro público. Por isso, discutir se o dinheiro público dever ser gasto mais em Lisboa ou no Porto é interessante. Mas sê-lo-ia ainda mais se, antecipadamente, se discutisse, se vale a pena gastá-lo.
O centralismo político existe. A concentração de grandes investimentos públicos em eixo geográficos de maior proximidade com a capital é óbvia. Mas a luta contra o centralismo (ou a defesa da regionalização por exemplo…) não pode ser feita sem uma discussão sobre a redistribuição de poderes em ordem ao seu uso e aplicação. Se a descentralização (ou desconcentração, ou a regionalização …) se traduzir, apenas, numa multiplicação de pequenos poderes que imitam os hábitos e práticas dos poderes centrais é desastre à vista. Seria mais do mesmo.
Os tiques centralistas não se combatem com causa menores e pífias como a corrida dos aviões. Combatem-se com políticas alternativas que ajudem a desenvolver as regiões, criando empresas, trabalho e riqueza e ajudando a melhorar a qualidade de vida das comunidades e das populações. Gastar mal o que é público, infelizmente, não é pecado apenas do poder central. E ter muitos mais a imitá-lo é um risco a evitar. Que me desculpem os que pensam de modo diverso. Mas a boa noticia seria que os aviões iriam para outros céus. E que, nos de cá, a brincadeira não nos custava um cêntimo. No Porto, em Lisboa, em Évora ou no Funchal.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Retrocesso civilizacional

Eles comem tudo… - era assim a passagem de uma das muitas e justas canções do cívico protesto de Zeca Afonso, entoadas às escondidas da polícia do regime anterior ao 25 de Abril de 1974. Ela fazia todo o sentido naquela época, mas ainda o faz mais nesta conjuntura de uma democracia pervertida e putrefacta. Só que vai rareando a coragem para a assumir.
Como se dizia na minha aldeia do Nordeste Transmontano: "o Céu é de quem o ganha e o mundo é de quem mais arrebanha". Ora, como se sabe, nos tempos que correm o mérito para ganhar o Céu não faz parte da ordem do dia; em vigor está o arrebanhar o mais que se puder, por todo e qualquer meio. Vê-se à vista desarmada e às escâncaras que o país foi abocanhado até ao tutano; a fractura entre os muito ricos e o cada vez maior número de pobres é abissal. Estamos entregues a dois clãs: um é o do dinheiro arrebanhado às carradas nas fraudulentas operações bancárias; o outro é o dos lucros e dízimos cobrados em negociatas sujas, envolvendo relações promíscuas entre a política e o polvo das obras grandes e pequenas, do ferro novo e velho, entre o sector público e o privado e vice-versa. Os dois clãs fingem que são antagónicos e não se estimam, mas é apenas até um certo ponto; no fundo têm que suportar-se, cultivar a empatia e selar pactos de cumplicidade, não vá o diabo tecê-las e atear um fogo que queimaria os dois lados.
Para que a crítica seja contida, convém multiplicar e diversificar os beneficiários. Vai daí, ambos os clãs tratam de meter muita gente dentro do mesmo saco: distribuem cargos, prebendas e sinecuras aos companheiros de caminhada e aos amigos de ocasião; às remunerações milionárias inerentes a nomeações por compadrio seguem-se indemnizações do mesmo teor em caso de alternância de lugar, para não falar nas escandalosas reformas de nababos, auto-atribuídas após poucos anos ou meses de permanência numa função.
Esta elite esperta e inteligente, para não sofrer grandes arranhadelas, fabrica leis de encomenda ajustadas aos interesses dos tubarões do comércio e da indústria e das falências por grosso e atacado. Para cúmulo é toda esta amálgama de barões ilustres que, sem qualquer pingo de decência e rebate de uma sã consciência moral, tem garantido o acesso diário aos jornais e canais de rádio e televisão, para perorar sobre a gravidade da crise, para falar sobre a necessidade de impor sacrifícios a quem já é sacrificado, para ditar receitas e soluções de dor aos que nascem e crescem no meio dela. Os tartufos da desmedida abastança e ganância querem sujeitar ainda mais à míngua e à noite quem nunca descolou delas.
Por este andar, fazendo fé na pressa, no ímpeto e fervor dos reformadores que nos comandam e tendo em atenção a alta cotação atingida pela trampa e porcaria que nos cercam, veremos aprovada, não tarda nada, uma lei a decretar que os pobres passarão a nascer sem ânus. Assim se cumprirá a profecia antiga.
O decoro desapareceu completamente. Aumentar o ordenado mínimo é um crime de lesa-pátria. Para conter o défice público é preciso cortar nos serviços públicos e nos vencimentos dos respectivos funcionários. Para debelar a crise económica é inevitável ‘flexibilizar’ ainda mais os despedimentos dos trabalhadores, acrescentar as horas de labor, reduzir os feriados e dias santos, encurtar ou acabar com o tempo de recriação e lazer, abandonar noções civilizacionais e humanistas acerca do trabalho e dos seus agentes. A besta de carga, o escravo e o servo da gleba estão de volta. A albarda, as molhelhas, o chicote, o jugo e a vara com ferrão surgem em novo formato ao sabor da moda. É este o sentido de várias medidas e reformas tão saudadas pelos bufarinheiros, senhores e bobos da corte. Regressamos ao passado, num desespero que se afoga no rufar dos tambores da revolução francesa e na saudade do grito que a inflamou.
Eles comem tudo… e a maioria consente desiludida e silenciosa. Paga os ordenados e as reformas obscenas, as nacionalizações das bancarrotas e fraudes bancárias, as comissões e corrupções imundas, os desleixos, juros e moras da ‘justiça’, a festa, o sol, o fausto e a vida regalada dos mandarins do regime. Paga tudo com a exploração do seu corpo, com a amargura do rosto, com a tristeza dos olhos e o acabrunhamento da sua alma.
Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar – proclamou e intimou à revolta Sophia de Mello Breyner. Porém há quem assista a este deprimente espectáculo, sem levantar a mão e a voz. E devia fazê-lo por dever de ofício! Trai e vende-se por um prato de lentilhas; contenta-se em apanhar as migalhas que caem deste festim infame. De um jeito que avilta e se cola ao nome e à pele como nódoa indigna, colabora no retrocesso civilizacional. É esta conivência que hoje constitui a missão e marca o destino de não poucos dirigentes e quadros da Universidade. Instituição erigida para reflectir e visionar os caminhos e o devir da sociedade, está a ser reorganizada, conformada e metida nos trilhos neoliberais, para deixar de pensar, de criticar e reclamar, enfim, para servir os poderosos e valentes, donos desta hora que o presente sente e o futuro confirmará como inditosa e desumanizada.
Qual será a cara do deus Jano predominante no novo ano?

Jorge Olímpio Bento

domingo, 27 de dezembro de 2009

Navegar

" O problema não é salvar Portugal, mas salvarmo-nos de Portugal"
Jorge de Sena

São os indicadores desportivos que nos colocam na cauda da Europa. São os resultados dos níveis desportivos de excelência que nos comprometem quando comparados com países de semelhante estatuto socioeconómico. São as oportunidades perdidas na organização de grandes eventos para gerar uma nova dinâmica de desenvolvimento desportivo. É a crise no associativismo voluntário, ou no desporto escolar. A falta de rigor técnico e de critérios de eficiência nas opções de investimento no parque desportivo. O débito legislativo inconsequente. As disfuncionalidades organizacionais das federações desportivas. As carências de estudos que confirmem, ou infirmem, tudo isto e avaliem o impacto das politicas desportivas…

Dobram-se anos - décadas até - onde os actores políticos e desportivos, respigam convenientemente, ao sabor da agenda política e mediática, estes e outros problemas, para salientarem a necessidade de mudança, expiarem os pecados do passado, ou realçarem a importância de uma medida específica, pomposamente anunciada como estruturante para um novo rumo.

Neste cenário, muito não passa do papel e de wishfull thinkings. Mesmo as medidas mais meritórias têm um efeito pífio e pontual. Têm-no porque aqueles são problemas que se deparam e florescem pela ausência de um quadro de referência na produção de políticas públicas desportivas. Por falta de uma abordagem estratégica e conceptual do sistema desportivo que atribua sentido e sustentabilidade a cada política, a cada medida concreta.

A carência de um plano de desenvolvimento que atribua um sentido, um desígnio, estabeleça compromissos, defina responsabilidades e se comprometa com medidas concretizáveis em objectivos mensuráveis, torna o país desportivo cada vez mais refém de interesses políticos circunstânciais e happenings mediáticos. A ausência de uma matriz sólida de bem comum para o desporto transforma a sua governação num roteiro casuístico ao sabor da espuma dos dias, afastando-se de vínculos duráveis e do compromisso no tempo com as diferentes perspectivas de cada interveniente, na opção por uma estratégia clara e escrutinada pelos cidadãos. Neste contexto não admira que Portugal seja dos países da União Europeia com maior produção normativa para o desporto e dos poucos sem um programa estratégico abrangente para esta área, com os custos que tal acarreta. Não deixo de ficar curioso se um dia aplicarem-se instrumentos de avaliação do impacto da regulação na legislação desportiva. Talvez aí se venha a ter uma mínima noção do custo e do tempo perdido nestes anos.

Aqui chegados poder-se-à dizer que o sucesso do planeamento estratégico e de um quadro de orientação das políticas públicas depende mais dos mecanismos institucionais e dos valores, regras, crenças e padrões éticos dos seus actores, do que propriamente dos objectivos concretos que nelas se expressam.

E o quadro de valores descredibiliza as instituições, debilita a intervenção cívica no espaço político e transforma-o num contexto de promoção social, oportunismo e carreirismo profissional, marcado pela superficialidade no debate democrático e ideológico, onde o poder é cada vez mais um mecanismo de diluição da responsabilidade política. Contribui para uma Administração – a todos os seus níveis - pouco transparente, pouco flexível, negligente no cumprimento da lei, pouco independente, desorganizada e ineficiente, na qual medram os clientelismos que cativam o Estado a interesses particulares, onde a legitimidade funcional – negociada entre parceiros - se sobrepõe à legitimidade processual – sufragada pelo voto. Desmobiliza os cidadãos e aliena os corpos sociais intermédios de um ethos de rigor e trabalho, para florescer uma cultura de vitimização e dependência do Estado que o corrompe a partir das micro relações sociológicas do quotidiano. Do pequeno favor, da "cunha", do "empurrãozinho" no processo, de mais "meia horinha" de treino no pavilhão...

Assim, neste cenário, quiçá hiperbolizado, e não exclusivo do nosso país, é evidente que a ausência de um modelo de desenvolvimento protege os interesses políticos, mais preocupados em adaptar-se e resistir à situação - cavalgando sobre soundbytes e administrando habilmente benesses pelos interesses instalados -, do que em evoluir, assumir riscos e se comprometerem a chegar a bom porto neste mar revolto. E protege-os na mesma proporção com que agrava o acentuar das debilidades sistémicas sujeitas a meros paliativos, ou à inacção completa.

Cabe aos demais intervenientes desportivos – à sociedade desportiva - saber até quando pretendem continuar a navegar neste mar à vista onde o conforto de uma mão "amiga" é um valor seguro quando o barco se está a afundar.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

As elites:do yuppismo cavaquista ao socialismo armani

Quem são as elites? O grupo de pessoas que exerce uma dominação política sobre a maioria? Ou grupos posicionados em lugares de topo de diferentes instituições públicas, partidos ou organizações de classe, ou seja, aqueles que têm capacidade de tomar decisões? Ou aquelas pessoas capazes de formar e difundir opiniões que servem como referência para os demais membros da sociedade? As interrogações sobre o conceito poderiam multiplicar-se. Qualquer que seja o entendimento uma questão se coloca. Como se formam? Como atingem as posições de destaque que levam a ser entendidos como elite? Que critérios presidem à sua constituição?
Se as elites fossem constituídas pelos mais capazes, os mais aptos, os mais talentosos seriam o resultado natural do mérito, da inteligência, do esforço, do trabalho, do conhecimento, da competência. E a ser assim as sociedades livres e democráticas legitimariam este desenvolvimento natural. Mas não. As sociedades democráticas são sociedades prisioneiras de outros poderes onde a valorização do mérito carece de outras instâncias legitimadoras. A um ponto em que a legitimação formal pode ser obtida à custa da des-legitimação substantiva.
É o que se passa com os partidos políticos que para alem do seu espaço natural de representação tendem a invadir o espaço público e mediático ocupando, com os seus elementos ou afins, as posições hierárquicas que assegurem a sua dominação.
É que o que se passa com organizações de carácter religioso ou iniciático, que ausentes de qualquer sindicância pública protegem os “seus” atribuindo-lhes cargos e prebendas que de outro modo não alcançariam.
Uns e outros tendem a ocupar o Estado hegemonizando as zonas de exercício público e privatizando a seu favor a respectiva dominação. Há, infelizmente, cada vez mais pessoas que só têm o emprego que têm ou a função pública que exercem por terem quem as “apadrinhe”. Que tanto pode ser um partido, uma igreja ou uma loja. Em alguns casos acumulando filiações. O que em tempos foi a entrega a uma causa ou a determinados valores está transformado numa entrega na expectativa de favores, de lugares, de posições. Funcionam como máquinas de conquista e de distribuição do poder. Que nem sempre assim se passará não custa reconhecê-lo. Mas que é regra em elevado número de situações não pode deixar de ser motivo de preocupação.
No passado, muitas destas organizações cultivavam o elitismo e eram severas e muito rigorosas na captação e formação dos seus membros. Mas nos tempos presentes abriram-se, baixaram os critérios de selecção e deixaram que as adesões deixassem de ser por razões espirituais ou políticas e o fossem por motivos materiais e de ambição pessoal. O resultado está aí, nem sempre à vista mas mais presente do que se imagina.
A percepção desta situação é muitas vezes difusa. E a denúncia pública ainda pior. Os “esquemas” são subtis e a produção de prova bem difícil. Sabe-se, aqui e acolá, de um concurso de pessoal em que entrou quem “politicamente” convinha. Da designação para um cargo público “empurrado” por este ou aquele lobi. Das dificuldades de acesso a cargos públicos de quem não tem quem o “proteja”.
Esta observação não envolve qualquer crítica apriorística aos partidos ou outro tipo de organizações. Mas ao modo como resvalaram para espaços de pouca doutrina e de uma ambição pelo poder sem critérios de qualidade ou de mérito. Situação bem testemunhada pela ascensão à profissão de politico de jovens cuja única escola de vida são as “jotas”.
A política deixou de ser uma discussão sobre “modelos de sociedade”para ser uma luta pela conquista do poder. A geração que deu rumo à democracia e que foi forjada na resistência à ditadura tende aos poucos a acabar. E com ela o idealismo que a marcou. Com a mudança de paradigma e de geração uma nova cultura e novas elites levam anos a consolidar. O que hoje temos é um produto híbrido da modernização iniciada com o yuppismo cavaquista e bem protagonizado no hibridismo socrático da esquerda armani. As ideologias “pragmatistas”, livres de debate e discussão associados a gente “positiva” e “empreendedora”,muito “cool”, muita “rede social” mas que só consegue subir na vida através de lógicas aparelhísticas ou de seita. São o inner circle eleito. Não nutrem pelo mérito, pela seriedade e pela competência mais do que a simples retórica. Que explicam escolhas, lugares e alianças.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Quem ganha com a morte da economia do desporto?

Um texto de Fernando Tenreiro que, mais uma vez, se agradece.
O desporto é um sector extraordinário em múltiplos aspectos e o mundo assume-o com entrega, convicção e interesse.
Já o desporto português tem inúmeras fragilidades e necessita de as compreender sem o qual não as resolverá.
A economia do desporto em Portugal tem inúmeras lacunas:
1. É entregue a economistas das faculdades de economia para que justifiquem as acções os líderes desportivos esporadicamente e visando os megaprojectos nacionais do futebol.
2. É feita por juristas que revolvem instrumentos económicos na sua perspectiva jurídica e deixam o mercado do desporto empobrecer e falir.
3. Os professores de educação física e os gestores que trabalham com funções técnicas, onde deveriam assumir instrumentos de análise económica, estão tolhidos por instrumentos legais que estão mal feitos e prejudicam a actividade económica dos agentes do desporto.
4. As funções que faço podem ser feitas por administrativos e contabilistas embora seja economista há mais de trinta anos e a capacidade de realizar funções económicas observa-se no meu currículo e nas solicitações que recebo da Europa. Que outras razões haverá para aqui continuar?
5. Há cursos que retiram a economia e as ciências sociais dos seus curricula.
6. A Europa investe em estudos económicos para compreender as suas limitações e possibilidades no desporto enquanto Portugal nem sempre os acompanha nem com a mesma dinâmica e quando existem não são divulgados nem debatidos publicamente com consequências para a eficiência dos comportamentos privados e públicos.
7. A racionalidade económica por detrás das leis é prejudicial aos agentes privados desportivos.
8. O Tribunal de Contas, Ministério das Finanças, Assembleia da República e Instituto Nacional de Administração cumprem essas leis do desporto. O Presidente do TC já o referiu, cumprem as suas responsabilidades. É o desporto que não sabe avaliar o mercado do desporto, conceber boas leis visando o bem-estar da população e não ter medo de prestar contas do trabalho realizado. A acção das instituições está limitada pelo trabalho do desporto e do material que este lhes coloca nas mãos.
9. O medo da prestação de contas como em Pequim surge, ou porque houve e há erros económicos no projecto, ou porque nem sequer houve estudos económicos ou de qualquer outra área técnica, e que prejudicam atletas, treinadores e clubes e empresas.
10. Organizações desportivas sonham com megaeventos e não com o desenvolvimento desportivo que ninguém lhes pede ou lhes dá instrumentos para criarem.
11. Não se percebe porque é que os agentes desportivos privados se satisfazem com 30 euros quando poderiam ganhar 100 euros. Veja-se os 30 e os 100 euros em proporção do que existe e do que poderia existir.
12. Se ganhassem 100 euros existiria mais de 30% da população que não pratica desporto, porque não pode nem tem dinheiro, e passaria a beneficiar de desporto. Esses trinta por cento da população são cidadãos portugueses, votam e podem ser mais produtivos se lhes oferecerem desporto.
13. Um atleta disse-me que abandona a competição porque não tem condições para treinar e chegar ao fim da vida olímpica com um curso ou com condições para tirar o curso.
14. …
Quem perde e quem ganha com a crise económica do desporto?
Uma Análise Custo Benefício permitiria monetarizar em milhões de euros as perdas do desporto português e os ganhos, afinal escassos, dos ganhadores.
Quem ganha são os juristas e os políticos, os únicos capazes de responder à confusão do lado da produção das leis, do lado do cumprimento e face às inúmeras hipóteses de interpretação e criatividade que a ineficácia legislativa faculta.
Quem perde são a população e os produtores desportivos com menor produtividade, desemprego e racionalidade do tecido social.
À economia é indiferente que a riqueza nacional seja aplicada no desporto, na cultura ou no TGV. O desporto para alcançar a média europeia tem de ir buscar recursos aos restantes sectores conquistando a população para os benefícios do consumo de desporto.
O trabalho de convencimento da sociedade e de criação de uma economia desportiva competitiva faz-se para além dos instrumentos de política actualmente existentes.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Palavras leva-as o vento... nas asas da Red Bull

Numa semana em que domina a negociação mundial tendo em vista um acordo climático global, é curioso ter disparado entre nós a discussão em torno da disputa de um evento que tanta poluição ambiental produz.

Abstraindo-nos, por ora, deste problema ecológico, e reportando-nos ao campeonato internacional da Red Bull Air Race é sabido que nos últimos três anos, a prova portuguesa decorreu no Porto, sobre o rio Douro, entre a Ponte da Arrábida e a Ponte Luís I.
Embora nunca me tenha deslocado para assistir in loco a tal prova, é público que se tratou de um evento que mobilizou a cidade e atraiu na última edição um milhão de espectadores, mas em concreto pouco mais se pode invocar quanto aos impactos turísticos, sociais, económicos produzidos, pois não são conhecidos estudos que os certifiquem.

Para a edição de 2010 a organização da “Fórmula 1 dos Céus” terá procurado outras paragens:
“Estávamos seguros de poder manter Portugal no calendário e Lisboa conseguiu preencher todos os requisitos necessários para receber a corrida, levando a Red Bull Air Race World Championship para o próximo nível. Nós estamos ansiosos por esta parceria com a Capital portuguesa e por poder ter uma corrida numa nova e espectacular localização,” (Bernd Loidl, o CEO da Red Bull Air Race)

E logo várias vozes portuenses, quais milhafres feridos nas asas ecoaram pelos media:

- "As coisas foram feitas com um tal secretismo extraordinário que até parece que tinham alguma coisa para esconder"... "é uma falta de respeito atroz com a região Norte e com as instituições que, ao longo de três anos, assumiram a projecção do evento (Melchior Moreira, presidente da Entidade de Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal);
- "Será paga com as ajudas dos compadres do costume, como é o caso do Instituto de Turismo de Portugal e das empresas públicas e parapúblicas sedeadas em Lisboa" (Filipe Menezes, Presidente da Câmara de Gaia);
- “É mais um factor negativo” do caminho trilhado por um país “que não tem juízo” por “tudo acontecer na capital” (Rui Rio, Presidente da Câmara do Porto).

Mas ainda existem dúvidas quanto ao macrocefalismo e à atractividade financeira das entidades sediadas na capital (leia-se multinacionais, empresas e organismos públicos) e quanto ao carácter centralizador do nosso Estado?

Para os menos atentos à realidade do Porto, recordemos a recente campanha eleitoral autárquica e a posição de Teixeira dos Santos (na qualidade de cabeça de lista à Assembleia Municipal do Porto na lista de Elisa Ferreira) “o Porto não pode continuar a ser uma cidade que se esvazia, que perde importância, que não tem capacidade de atrair investimento, actividade económica, emprego, …, é por isso que nós cá estamos”.

O que têm a dizer agora este portuense, na veste de ministro das finanças, e demais responsáveis políticos?

Oh Porto como estás distante…

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Preparar o terreno

Coincidindo com a recente entrada em vigor do Tratado de Lisboa foram conhecidos os 18 projectos seleccionados pela Comissão na 1.ª fase de candidaturas no âmbito das acções preparatórias no domínio do desporto.

O novo comissário responsável pelo desporto, Maroš Šefčovič, não deixou de registar o número (207) de propostas apresentadas, as quais reflectem as expectativas elevadas dos actores desportivos na acção comunitária.

Os projectos – envolvendo 150 organizações em toda a Europa – iniciar-se-ão em Março de 2010 e deverão findar em Março de 2001.

Trata-se, assim, de identificar e testar redes de trabalho e boas práticas nos domínios da saúde, educação, igualdade de género e de cidadãos portadores de deficiências, com vista a estabelecer – de acordo com os mecanismos politico-institucionais de governação da União Europeia (UE) – as bases para um programa experimental da UE para o desporto, criando valor acrescentado através do reforço de parcerias e mecanismos de cooperação entre actores transnacionais e do financiamento de iniciativas piloto, conforme bem reporta Bart Ooijen da Unidade de Desporto da Comissão, numa lógica de incrementalismo de oportunidade, bem típica dos processos de empreendedorismo político da Comissão.

Avalia-se o impacto das medidas, fomentam-se sinergias, atraem-se mais parceiros, recolhem-se ensinamentos durante o processo, aprofunda-se o conhecimento, afinam-se estratégias, negoceia-se um denominador comum e moldam-se políticas de acção concreta. É fundamentalmente esta a receita das low politics e do caldo político da acção comunitária onde se movimenta o desporto na esfera da União nos últimos cinco anos

Simultaneamente à consulta aos Estados membros e aos intervenientes no desporto europeu com vista à implementação das provisões para o desporto aludidas no art. º 165.º do Tratado de Lisboa, a Comissão começa a recolher elementos importantes – fruto de um quadro de agenda permanente institucionalizado desde 2004 – para elaborar, desde já, um primeiro esboço do programa da UE, cujas políticas se ancoram nas orientações do Livro Branco sobre o Desporto, em cinco vectores:

  1. Promoção e salvaguarda dos valores do desporto europeu;
  2. Fomentar as funções sociais e educacionais do desporto;
  3. Estimular a divulgação do conhecimento, inovação, diálogo e boa governança no sector;
  4. Contribuir para a promoção de um estilo de vida activo;
  5. Fomentar a cooperação com países terceiros e organizações internacionais.

Acresce que o dispositivo normativo do Tratado abre portas ao estudo de áreas não cobertas por aquele Livro as quais estão na ordem do dia, como sejam os direitos de propriedade intelectual e a fixação de resultados no desporto. Prevê-se, pois, que a Comissão as aborde na sua comunicação sobre o impacto do Tratado de Lisboa sobre o desporto e defina a sua posição.

Tendo em mente o percurso interinstitucional do Livro Branco sobre o Desporto, atente-se à agenda que se desenha para a consolidação de um programa europeu para o desporto:

  • Dezembro de 2009: Entrada em vigor do Tratado com uma competência da UE sobre o desporto
  • Fevereiro de 2010: Adopção do programa anual de 2010 sobre as acções preparatórias no domínio do desporto
  • 25-26 de Fevereiro de 2010: Reunião dos Directores Gerais do Desporto da UE (Barcelona)
  • Primeira metade de 2010: A Comissão consulta os Estados membros e os parceiros em relação à implementação das provisões do Tratado de Lisboa sobre o desporto
  • 19-20 de Abril de 2010: 2.º Fórum Europeu do Desporto, acompanhado por reunião informal dos ministros do desporto da UE (Madrid)
  • Abril/Maio de 2010: Lançamento das candidaturas para as acções preparatórias de 2010
  • Primavera de 2010: Audição no Parlamento Europeu sobre a competência da União no desporto
  • Maio de 2010: Primeiro Conselho da UE do desporto
  • Meados de 2010: Comunicação da Comissão sobre o impacto do Tratado de Lisboa no desporto
  • Meados de 2010: Decisão preliminar da Comissão sobre o programa e orçamento da UE para o desporto
  • 3-5 de Junho: Congresso do Desporto no âmbito da presidência espanhola (Madrid)
  • 2010, 2011: Acções preparatórias para o desporto
  • 2012: Previsão para o arranque do primeiro programa da UE para o desporto

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Da beleza e da verdade ausentes

O que me sustenta é a beleza. (...) Rezo a tudo o que floresce e frutifica. Nada que cante ou que dance me é indiferente. Nada que fira ou destrua me é semelhante.
Faiza Hayat

Diz-se que a beleza é a sombra de Deus na terra. E Platão definiu a verdade como a beleza no seu máximo esplendor. Ambas as asserções estabelecem uma ligação de reciprocidade causal entre a beleza e a verdade, a estética e a ética, o bom e o bem, o moral e o belo; e, por outro lado, relacionam a mentira e a fealdade, sugerem que estas saem da barriga uma da outra, que há um cordão umbilical a unir as duas. Mentira e fealdade são coisas do demo, do ‘cão’ e do ‘chifrudo’.
Ora isto suscita-nos muitas inquietações e interrogações, sobretudo quando olhamos ao nosso redor e observamos o panorama cívico que nos cerca. Assenta nos pilares da beleza o Mundo imundo – logo não mundo - que está a crescer e a impor-se à nossa volta? São o belo e o verdadeiro que constituem as marcas evidentes deste tempo de neblina e cerração em que vivemos? Irradia beleza e verdade o País que estamos a construir?
Nem o Mundo nem o País são uma entidade resultante de golpes de magia, de sonhos de grandeza, de anseios, desejos e ideais utópicos e generosos ou da abstracção fantasiosa. Um e outro são a expressão concreta dos modos de acção, de comportamento, empenhamento e funcionamento dos diferentes actores, sectores e actividades que os perfazem.
É de beleza e verdade o contexto social que, já não na calada da noite ou na vergonha do lusco-fusco, mas à luz do meio-dia, se implanta com armas e bagagens e toma posse absoluta, despudorada, obscena e desumanizante da nossa vida?
É de beleza e verdade o comportamento da economia, da banca e dos demais segmentos económico-financeiros? É bela a conduta fiscal das empresas, das associações comerciais e profissões liberais?
São belos os princípios que subjazem às propostas e reformas formuladas e recomendadas em nome e no interesse dos beneficiários do pensamento neoliberal? É de beleza e verdade a indiferença com que são encarados hoje os trabalhadores por conta de outrem, os desempregados, reformados, pobres e idosos? São a beleza, a verdade e a recta intenção que presidem ao reformismo em curso nos mais diversos campos, às leis de trabalho, à flexibilização dos vínculos laborais, à liquidação dos direitos e garantias sociais e dos laços de solidariedade, à destruição do que é sólido, à exaltação do que é líquido, à instauração e exploração do capital do medo, das inseguranças e ansiedades, à produção consciente e objectiva de danos colaterais, à liberalização dos despedimentos e às demais medidas tão reclamadas e enaltecidas pelos arautos do mercado selvagem?
São edificantes, éticos e estéticos os fundamentos oficiais da convulsão provocada no domínio da educação básica e secundária, bem como no ensino superior? Inspiram-se na verdade e beleza a caça e a campanha de descrédito movidas aos professores, à sua honorabilidade e autoridade, tal como os regimes e regulamentos impostos à organização e ao governo das universidades públicas?
Se fossem ditadas pela beleza e verdade as intenções propaladas e as finalidades encobertas, haveria necessidade de recorrer a máquinas de propaganda tão gigantescas, alienantes e manipuladoras?
São a verdade, a beleza, a independência e a isenção que determinam a conduta da comunicação social face aos diversos poderes e tutelas e o seu relacionamento com o universo dos consumidores? São belos os motivos e justas as razões que levam os media a conceder tempo de antena aos prevaricadores, dando-lhes oportunidades aumentadas de atirarem areia para os olhos dos cidadãos ingénuos e incautos? Chama-se a isto deontologia profissional?
Inspiram-se na verdade e beleza a actuação dos políticos, a repartição de prebendas e sinecuras entre si, a vinculação a interesses e privilégios ocultos e dissimulados, a administração e legislação da coisa pública a favor de lobies, coutadas e corporações privadas?
É o apego à verdade, à transparência e à obrigação de equidade que comanda o nosso sistema judicial de cima a baixo, em todas as suas estruturas? Terão todos os cidadãos direitos iguais e possibilidades reais de acesso à justiça? É esta cega, surda e muda face aos diferentes estatutos sócio-económicos dos indivíduos?
É belo o futebol? Sim, é bela a coreografia das suas acções. É belíssimo como jogo balizado pelo ideal desportivo e como palco de representação simbólica da trama da vida e da tentativa denodada de superação e sublimação dos instintos que moram dentro de nós. É belíssimo enquanto campo de respeito e cultivo de princípios e normas de civismo que a todos nos obrigam. É belíssimo quando a ética ganha forma resplandecente e corpo levitante com a ajuda do esmeril apurado da estética das emoções.
Mas é assim belo todo o universo do futebol? Não, não é; simplesmente porque nem todo tem nascedoiro no berço da verdade. No plano da sua organização, do seu negócio e mediatização muito do futebol é mentiroso, feio e falso. Algum é até cobarde; tão cobarde que vive escondido e não tem coragem de mostrar às claras o seu rosto de desdouro. Outro, pelo contrário, já assimilou de tal maneira a fealdade como natureza intrínseca que não tem qualquer rebuço em exibi-la publicamente, ufano e orgulhoso das suas vilanias. Enfim há dimensões do futebol que parecem dispensar noções claras e firmes de demarcação entre verdade e mentira, beleza e fealdade, limpeza e sujeira.
O que se diz do futebol aplica-se inteiramente à política. Que contributo pode dar a maneira vigente de fazer política para um País e um Mundo moldados pela beleza e verdade? Nenhum; ninguém pode dar o que não tem. Por isso o lado mais visível e badalado da política comanda, avaliza, legitima e reforça a versão que está a ser edificada pelos outros configuradores da Nação. Estão bem uns para os outros. No País do sucesso e na política tragicómica que o suporta a beleza e a verdade são, pouco a pouco, categorias ausentes.
Paulatinamente, o carácter é forçado à emigração e ao exílio. Então falar na sua formação e apontar a retomada do caminho dos deveres – isso tornou-se objecto de chacota e sinónimo de ingenuidade! O mesmo vale para a invocação da seriedade e honestidade.
Mas… ainda esperam os cidadãos pela verdade? Não estão já completa e inexoravelmente conformados ao ludíbrio, à farsa e falsidade? No País e no Mundo - eis um facto incontornável - está a perder-se a verdade da palavra e do compromisso assumido. A inverdade tornou-se existencial; estamos cada vez mais instalados na mentira, é dela que se parte e é ela que entretém e vende. É da mentira que se tece o novo tipo de vida e está contaminado por ela o ar que se respira. Contudo a sociedade finca-se e constitui-se na verdade; a que pratica a mentira condena-se à destruição e a desaparecer ou, no mínimo, agrava as dificuldades para resolver os seus problemas.
Neste Natal recriemos a verdade e a beleza dos sentimentos, exigências e procedimentos, das palavras, das intenções, das atitudes, dos gestos e juramentos. Façamos disto o berço do nascimento do Deus Menino, do imaginário mais lindo e sublime que os humanos conseguem sonhar para embelezar e redimir a sua vida. Pode ser que, deste jeito, ainda consigamos reencontrar a nossa identidade.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A mudança e o subsídio

Tal como a estória da águia mexicana nos transparece, a mudança pode ser um processo desconfortável, de introspecção, de exigência pessoal, por vezes solitário...e que quando se muda, não se volta para o mesmo local e para fazer a mesma coisa.

A tal mudança, ou melhor, as tais mudanças que aguardamos em diversos sectores da nossa sociedade vão sendo adiadas pelas mais variadas razões, especialmente se analisarmos o desporto e um procedimento que antigamente (?) se usava como regra e não excepção, que era a utilização e solicitação dos subsídios como forma de sobrevivência de pequenas associações, clubes de pequena, média e porque não, grande dimensão, de ONG's, etc.

Com o passar dos anos, tentou-se implementar uma cultura algo diferente - as parcerias -, as tais visões win-win em que as entidades que possibilitavam os subsídios/apoios negociavam e abordavam as entidades sobre cedências, prestações de serviços, etc., em que era necessário recuperar o investimento feito através do subsídio, recuperação que podia ser analisada consoante indicadores de participantes, de imagem, de eventos, repetições das actividades, etc.


Afirmo "tentou-se" por que considero que ainda é uma realidade longe de ser atingida em primeiro lugar. Segue-se a seguinte pergunta: "Quem faz mais força para que a cultura do subsídio e/ou subsídio-dependência permaneça? O que recebe ou o que dá?".

Se ao que recebe, saberá bem este estímulo, esta fonte de receita que com menos ou mais esforço, pode ser considerada uma receita 'fácil', ao que dá, proporciona um sentido de poder à volta do seu ego que transforma o acto em algo não importante, mas essencial. Diria que observando este caso com um 'olhar' mais relacionado com as teorias da psicologia, aparecia perto da base na pirâmide de Maslow.

A cultura de subsídio-dependência permanece. Permanece sem controlo dos seus retornos, mesmo que sejam benefícios, porque também os há. Não existem indicadores, padrões de análise. Para isto contribuem todos, uns disponibilizando ao 'desbarato', outros permitindo que a mudança não aconteça, outros fornecendo através dos impostos as verbas necessárias para manter este hábito.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O poder da outra face

“O insulto ao árbitro é apenas um escape, uma evasão química…”
António Bagão Félix,à época ministro, em entrevista à Grande Reportagem,
27.3.2004


Uma imagem, diz-se, vale por mil palavras. Se a profecia mcluhaniana estiver certa, então, um bom exemplo vale o dobro. E um mau exemplo desgasta o triplo das palavras. Há os que conseguem controlar a “evasão química”. E os que não conseguem. Bagão Félix pertence aos segundos. A tribuna presidencial do estádio da luz é disso testemunha. Mas o descontrolo sobre a evasão química não o inibe de perorar sobre a ética no desporto. Como Marques Mendes sobre a ética na política. Como Carolina Salgado sobre “toda a verdade”do apito dourado. E quem sabe, um dia, Paulinho Santos sobre o espírito desportivo.
O estudo sobre os sistemas políticos de organização social e respectivos programas é conhecido. Bem mais que os estudos sobre os homens e a natureza humana. O que explica a incompreensão da presença de fenómenos e condutas independentes do modo como a sociedade se organiza, a religião que se professa ou o partido a que se pertence.
As aventuras do homem em tempo de mutações e de crise, reagenda o tópico da natureza humana muito para além dos sistemas políticos, dos partidos ou dos governos. E obriga-nos a procurar a filosofia mais do que a ciência. E a encontrar explicação para desvios sociais de valores a que atribuímos importância: a verdade, a lealdade, o respeito pelo outro, a valorização do mérito. E no limite o reconhecimento sincero, que ,como seres humanos, temos imperfeições.
É espantoso o à vontade com que se abordam certos temas sem cuidar de olhar para o interior de nós mesmos. O estatuto de “aparecer” e de “ser notícia” desvincula-se de qualquer decência moral. E se alguém procura o primeiro não se importa de abrir o flanco no segundo. As aspirações de afirmação e ascensão social não encontram qualquer cumplicidade numa base valorativa de pretensões morais. Pior. A responsabilidade pessoal, ética e moral, são marginalizadas e a inconsequência moral socialmente recompensada. Diz-se como os outros devem ser e se devem comportar numa lógica de aparente superioridade moral que a vida própria desmente. E se estes tópicos são importantes na vida em geral assumem ainda maior relevância quando no exercício de funções que caem no domínio do espaço público.
A corrosão do valor da coerência é equivalente ao desdém com que se avaliam os que optam por um estatuto de independência. Colocados permanentemente no fio da navalha correm à sua própria custa não beneficiando da protecção de qualquer grupo ou facção.
O que se está a passar no país está muito para além da agenda mediática dos casos que têm feito grandes títulos na comunicação social. A sucata e os negócios e as faces ocultas são outras. A probidade está prisioneira de uma consciência individual vendida a retalho .
É um fenómeno de corrupção moral que está a minar a sociedade e que está longe de ser menos funesto que o de natureza financeira. E que poucos ousam enfrentar. O que revela a liberdade e independência para abordar certo tipo de poderes que atravessam a sociedade portuguesa.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Três leis, três formas de ver o desporto?

No passado dia 2 foi publicado o Decreto Legislativo Regional nº 21/2009/A, que veio definir o regime jurídico de apoio ao associativismo desportivo na Região Autónoma dos Açores.
Sendo este o título do diploma, a verdade é que, substancialmente, ele vai muito mais além.
Por exemplo, dedica espaço aos recursos humanos no desporto, ao alto rendimento, à promoção de actividades física e desportivas, à actividade física e desportiva adaptada, à protecção dos desportistas e às infra-estruturas e apetrechamento.
Significa este estado de coisas legislativo que Portugal passa a contar com três diplomas legais que, independentemente da sua designação formal, recolhem as soluções primárias para o desporto da República, da Região Autónoma dos Açores e da Região Autónoma da Madeira.
Com efeito, já vigoravam o Decreto Legislativo Regional nº 4/2007/M, de 11 de Janeiro, que estabeleceu as bases do sistema desportivo da Região Autónoma da Madeira, e a Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro, a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.

Este tríptico legislativo vive num ambiente constitucional em que assumem especial relevância as normas constantes do artigo 228º da nossa lei fundamental.
Adianta esse preceito constitucional, sob a epígrafe “Autonomia legislativa”:

“1. A autonomia legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.
2. Na falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania, aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor”.

Algumas das respostas que se alcançam nos diplomas regionais não se compaginam com as inscritas na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. A temática do financiamento do desporto profissional é só um exemplo.
Está aberta, pois, uma nova “competição” em que o próprio Tribunal Constitucional pode, eventualmente, apresentar-se como árbitro.
Por outro lado, bem para além da questão jurídica, os três actos oferecerão, uma mesma visão do desporto?

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Da corrupção

1. Como é notório, a corrupção recrudesce, dia-a-dia, em Portugal. O País está a ficar corrupto e putrefacto. Consequentemente cheira a podre; é nauseabundo e pestilento o ar que nele se respira.
A situação é grave, porquanto a corrupção e a putrefacção não acontecem apenas na ordem económica e financeira. Também avançam nos costumes e hábitos que se vão estabelecendo; e, sobretudo, na ordem legal. Esta última, normalmente esquecida, é deveras preocupante, até porque se multiplicam as pressões, os insultos, as calúnias, ameaças e intimidações, os convites e insinuações, as sugestões e as chantagens de todo o tipo para que o entendimento das leis seja distorcido e flexível, para que o seu espírito e teor normativos sejam driblados, para que a sua aplicação se acomode a interesses espúrios e opostos aos que elas devem acautelar e defender. Estes sinais vêm de muitos lados, mesmo de onde não se esperam. A subserviência aos grandes e poderosos está em alta.
Resistir à avassaladora onda de corrupção legal é dever de todos e, particularmente, de quem está investido em funções institucionais. Mas não é tarefa fácil, tanto mais que, não raras vezes, se introduz a tentação de desistir, à medida que faltam ou se calam as convicções, as vozes da ética, da justiça e da rectidão, os apoios e estímulos, as cumplicidades e as solidariedades com que se julgava contar. O fardo torna-se, nestas alturas, muito pesado e quase insuportável. Todavia, nestas horas doridas e duras, há que abafar o lamento e sobrepor, à amargura e desilusão da sensação de abandono e solidão, a coragem de resistir. É este o legado que fica. De resto quem assim age colhe uma incomparável recompensa: a companhia da gente honrada do passado, do presente e do futuro, das qualidades e virtudes que enaltecem o carácter.

2. Num país a sério, os jornalistas, bloguistas e comentadores não são paus-mandados de ninguém, seja ele pessoa ou instituição, organização ou corporação de face exposta ou oculta. Nem escrevem ou falam sobre o que desconhecem, com o intuito de atiçar e explorar os instintos mais baixos e rasteiros que sustentam o populismo e desencadeiam alinhamentos emocionais e irracionais.
Num país a sério, não se calunia, insulta e persegue os cidadãos que pautam a sua conduta por princípios e valores éticos, morais e legais, pela decência e independência, pelo apego ao bem público e à obrigação de zelar por ele, sem receio e temor de enfrentarem as consequências da sua acção politicamente incorrecta e contrária aos comportamentos na moda.
Num país a sério, não são louvados e venerados nem tampouco saudados, com faixas e nomeações honrosas, os batoteiros e escroques, os espertos e oportunistas, os farsantes e mistificadores que aproveitam o estado de alienação e manipulação, de anestesia e demissão gerais para levarem por diante os seus mais sórdidos intentos. Para as suas espertezas e safadezas, num país a sério, não haveria contemplação e protecção nem sequer tolerância e compreensão.
Mas… não estamos num país a sério, onde se preze a claridade, dignidade, exemplaridade, nobreza, transparência e verticalidade das atitudes. Neste país, aqui e agora, andar de cabeça levantada e ser civicamente aprumado, livre, irrepreensível e limpo custa muito, é um acto de coragem e heroicidade, um bem muito caro, merecedor de hostilidade, de desprezo, de inveja e perseguição pela crescente horda de lambe-botas, de anões e corcundas acuados, dependentes e imbecis. O nosso antigo e amado país está a caminho de se transformar, pouco a pouco, num hospício de internamento de sonhos e ideais, num demente e ignóbil valhacoito de aquém-gente e de infra-homens.

3. Antes o país era pobre, mas possuía um enorme e inestimável capital: tinha em alta conta a honradez, a seriedade, a honestidade e a vergonha na cara e ferviam-lhe nos olhos, no rosto, no peito e na alma as inquietações da consciência. Hoje tem indivíduos muito ricos; caiu nas mãos de uma elite diversificada e instalada nas cúpulas de vários poderes. Essa elite fria e calculista engorda e medra na apatia, no cansaço e indiferença com que os cidadãos de bem, desiludidos e perplexos, olham o despudor que a anima.Porém nada é permanente. Resta deitar mão à luz da utopia e da esperança para não naufragar e sucumbir neste tempo de escuridão e neblina, de fealdade e imoralidade.