Os ecos noticiosos da visita da
Sepp Blatter ao Parlamento Europeu na passada 2.ª feira para discutir o futuro do futebol profissional no Velho Continente deram primazia ao entusiasmo na
putativa candidatura ibérica o Mundial de Futebol 2018 e à resolução dos
problemas internos no futebol polaco devido a uma suposta intervenção governamental na autonomia da federação de futebol daquele país
co-organizador do Euro 2012.
Mas a
agenda trazida a Bruxelas pelo mais alto dirigente da hierarquia do futebol mundial não se ficou por aqui e merece uma leitura mais atenta.
O processo de tomada de decisão em políticas públicas e disposições reguladoras é, na tradição da escola da Escolha Pública, um processo de maximização de
benefícios. Do lado da oferta encontram-se os poderes públicos representados pelos eleitos políticos,
burocratas,
autoridades reguladoras e instâncias judiciais. Do lado da procura encontram-se as organizações e agentes do sector social em apreço. O bem
transacionável são as politicas e os mecanismos reguladores a aplicar.
Ora neste mercado – um mercado político, com algumas diferenças face aos mercados económicos – todos se mobilizam em face dos seus interesses, investindo recursos próprios até ao limite onde esse investimento não supere os benefícios a obter com decisões políticas favoráveis. Tudo depende da capacidade de acção colectiva e do potencial de mobilização dos actores em jogo
O teatro europeu, onde a representação de interesses é aberta e instituída no seio do seu sistema de governação é o palco por excelência para se ver este cenário. O desporto aqui não é excepção.
Neste quadro de análise importa salientar que o Parlamento Europeu tem vindo a ser no triângulo institucional da União Europeia a sede
privilegiada para
Blatter ir às “compras” dos seus propósitos na governação do desporto, uma vez que no passado várias foram as posições daquele órgão que se manifestaram
sensíveis e se aproximaram dos argumentos das autoridades do futebol.
Não é pois estranho que
Blatter regresse a esta sede para defender novamente o limite de cinco jogadores estrangeiros nas equipas europeias, insistindo em convencer os deputados europeus do mérito da
proposta 6+5 mesmo depois de todo o revés: "
No nosso Mundo, nada é definitivo, nem mesmo as leis. Não vou desistir porque estou mandatado pelo Congresso da FIFA para esta iniciativa e tenho o apoio do Comité Olímpico Internacional e numerosas federações de desportos colectivos”.
Outro tema na ordem do dia que
Blatter fez questão de alertar o Parlamento Europeu foi a necessidade de
intervenção - leia-se bem, intervenção - dos poderes públicos sobre a
propriedade de clubes europeus por investidores estrangeiros. No entanto, não invoca como motivo para essa intervenção a perda de identidade e afiliação cultural e simbólica do clube, e assim abandona a reiterada especificidade sócio-cultural do desporto - tão brandida no longo caminho de disputas políticas com a UE -, para socorrer-se da actual crise financeira mundial, mudando oportunamente o diapasão. Manifesta a sua particular preocupação com o futebol inglês, onde se acentua mais este fenómeno de compra de clubes.
Convém lembrar que o futebol inglês é aquele que dispõe da liga profissional com maior dimensão económica e onde o vinculo afectivo dos adeptos ao seu clube, e deste à comunidade local, talvez seja dos mais enraizados.
Por outro lado é importante atender ao facto de que os adeptos se globalizaram, tal como os investidores. Existem milhões de adeptos do Manchester
United, Liverpool, Arsenal e
Chelsea em todos os continentes. Será que
Blatter também quer evitar que tal aconteça? Ou ainda sustenta o grande empresário, a
clique familiar e o cacique local que perduram décadas nos destinos do clube, como o seu modelo de referência?
No meio de tudo isto age com a habitual mão de ferro quando exige uma
solução imediata para a destituição dos corpos gerentes da federação polaca devido aos sucessivos escândalos de apostas e corrupção desportiva no país, a qual teria violado o principio de autonomia das federações desportivas devido à intromissão dos poderes públicos.
Não reconhece a autoridade do administrador judicial nomeado e ameaça com a saída da Polónia da organização do Euro 2012 caso não se verifique a devolução de poderes à direcção
destituída.
Ocorre que o referido administrador judicial não foi nomeado por qualquer decisão governamental, mas sim por decisão de um suposto, independente e autónomo, tribunal arbitral do Comité Olímpico Polaco.
Sobre este ultimo ponto – agora que o Tribunal Arbitral do Desporto Português está em incubação – por certo que os juristas desportivos, nomeadamente os fervorosos adeptos da
lex sportiva e da resolução de conflitos por via arbitral, alinharão as suas posições em torno deste possível estudo de caso.
Por cá vai-se acompanhando, com maior ou menor destaque noticioso, as manobras no teatro político desportivo europeu, algures entre uma concepção do desporto como um mero mercado económico ou como um bem demasiado precioso para se democratizar e socializar na sua regulação. Tudo isto, claro está, com uma dose de autonomia à vontade do freguês.