sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O Sporting e o poder paternal

Na quarta-feira “A Bola” publicava um trabalho do jornalista Miguel Cardoso Pereira sobre a vivência dos formandos da Academia do Sporting nas escolas públicas que frequentam em Alcochete. Recuperando o sucedido, há bem pouco tempo, numa dessas escolas – um formando foi agredido com arma branca –, o jornalista dá-nos conta de um sempre presente clima de tensão vivido nesses estabelecimentos de ensino.
Os formandos do Sporting (quase quarenta), segundo se noticia, chegam de autocarro próprio (já apedrejado), têm dinheiro (roupas, telemóveis, etc.), fama e popularidade.
Usufruem de horários especiais.
Há jogadores que têm 14 anos de idade e parecem ter 18. Os “outros miúdos olham de lado”.
Um formando, que não cumpriu as instruções de um professor, lembrou a este agente de ensino que ganhava mais do que ele.
Segundo professores da escola, o Sporting sempre fez um esforço na integração, mas a situação está longe da perfeição.
A notícia avança ainda que um jogador começou a chorar numa aula porque era dia de aniversário da mão que estava longe.
E não é um bom sinal que, contactados pelo jornalista, os responsáveis do Sporting não tenham adiantado nada ao trabalho jornalístico.
Quem vai, após a feitura dos tpc, reeducar o aluno que afirmou ter um “ordenado” superior ao do professor, o que parece legitimar o desvalor da escola?

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

De um gestor...

Balance scorecard, KPI’s, SWOT, PERT, marketing mix, fluxogramas, cronogramas, são todos vocábulos que já se cruzaram com muitos dos que trabalham na Administração Pública.
A introdução de instrumentos de management na gestão pública é uma realidade com décadas na maior parte dos Estados europeus, os quais iniciaram a reforma da sua Administração com a crise do Estado Providência, no que viria a ser apelidado de New Public Management. Não se pretende aqui fazer qualquer crítica sobre este paradigma.

A familiaridade com estas ferramentas de trabalho propiciou um nicho de mercado de emprego público potencial junto daqueles com formação em gestão, desde logo em gestão desportiva.
Com especial destaque no sector autárquico, o quadro de pessoal técnico, maioritariamente formado por profissionais de educação física, foi sendo preenchido por colaboradores com formação e/ou especialização nesta área.

Acontece que a implementação de instrumentos de gestão empresarial no domínio público – mesmo no seu sub-sector empresarial – obedece a uma lógica de racionalidade bem diferente do âmbito privado, onde a maior parte daqueles mecanismos foram criados.
E isso faz toda a diferença. À partida porque é impossível decalcar para o sector público a sua aplicação imediata sem os necessários ajustamentos.
Ajustamentos que devem ter em conta um conjunto de princípios orientadores a que obrigatoriamente estão sujeitos os agentes públicos, os quais, como refere a célebre metáfora, apenas podem (ou deviam puder) fazer o que a lei lhes permite, ao contrário dos agentes privados que podem fazer tudo, desde que a lei não lhes proíba.

Por outro lado, há uma outra variável que escapa a muitos dos técnicos que, sedentos de aplicar o seu repertório de técnicas de gestão, se esquecem que a gestão pública não está apenas condicionada pela lei, mas também pela tutela política.
E a política transforma muitas vezes a racionalidade em discricionariedade. Adaptando as regras e o processo de tomada de decisão aos interesses pessoais políticos, com tudo o que isso representa no favorecimento de posições que lhe são próximas e possam maximizar os seus proveitos. No desporto isso é manifesto em inúmeras situações que vão desde as benesses no financiamento de associações, escolha de entidades parceiras na dinamização de eventos desportivos públicos, cedência da gestão de espaços desportivos de uso público, flexibilidade na cobrança de utilização de infra-estruturas desportivas públicas...É, foi e será assim um pouco por todo o país.

A gestão pública desportiva age sobre uma complexidade de agentes sociais (grande parte sem vocação económica ou empresarial, é bom lembrar) que se interpenetram e cristalizam interesses, tendo de governar em rede com esses parceiros. E governar significa estabelecer compromissos e tomar opções por entre esta teia de interesses muitas vezes divergentes ou antagónicos. Opções essas que nem sempre são as desejáveis, ou as possíveis, ou até as tecnicamente recomendáveis nos instrumentos de gestão estratégica. Ao contrário da gestão privada a sua racionalidade não se esgota na satisfação do cliente e na procura do lucro, mas no serviço público que presta e devolve ao cidadão.

A realidade social local não é uma folha em branco sobre a qual se desenhe um modelo de gestão estratégica com base na aplicação de instrumentos de diagnóstico que, numa versão maniqueísta, indiquem ao decisor político o que está bem e o que está mal, o que há a manter e o que há a expurgar.
A realidade social desportiva preexiste e a intervenção pública sobre ela não se resume à mera justaposição de linhas de acção estratégica com vista a objectivos pré-definidos para se chegar a um cenário previamente traçado. A volatilidade social encarrega-se de deitar por terra este estereotipo ainda hoje vendido em bancos de muitas instituições de ensino.

Nesta época de preparação de planos de actividades convém os técnicos terem em mente que o planeamento e a visão estratégica não são fins em si mesmo, mas processos contínuos, em permanente mutação e recalibragem, e quadros de orientação ideais-tipo que em muito transcendem uma simples visão estática e asséptica do território social.

Como nos ensinou Bourdieu, é relativamente fácil traduzir um fenómeno social em indicadores, mas o seu conhecimento não se resume apenas a nexos de causalidade ou a deduções com base em modelos que prevejam as diversas combinações possiveis entre as variáveis.

Se não há vento que governe um barco sem rumo, convém ter em conta que o caminho faz-se caminhando...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A insustentável leveza orçamental

O actual governo recebeu em 2005 um orçamento para o desporto que não era suficiente para cobrir os compromissos transitados. O mesmo tinha ocorrido em 2002.Com uma vantagem e uma agravante. A vantagem é que estavam contabilizados os valores a descoberto, coisa que em 2002 se desconhecia particularmente por força das ocorrências para os lados do Jamor. A agravante é que em 2005 o sistema de financiamento público ao desporto estava tecnicamente falido. Baseava a receita na arrecadação dos jogos sociais não prevendo qualquer contributo do então novo jogo (Euromilhões). Este jogo cresceu de forma significativa e desviou apostadores dos restantes jogos. A solução encontrada (novos critérios de distribuição das receitas das apostas mútuas) foi, não mexendo no modelo de financiamento público, uma boa solução. E o crédito vai todo para o actual governo que corrigiu uma asneira do anterior. Mas ultrapassada esta questão, que foi importante, subsiste uma outra que está para alem do modo como se orçamenta e como se garante o controle orçamental: o modelo de financiamento do Estado (central).
O que se vem assistindo, diga-se de modo crescente, é a uma redução das verbas que têm origem nas chamadas receitas gerais do Estado, a favor das que tendo carácter aleatório têm origem nos jogos sociais. Para 2009, em termos simplistas, em cada 100 euros da despesa com as politicas publicas do desporto cerca de 80 pretende-se que sejam garantidas pelos jogos sociais. Como esta é uma receita flutuante a sustentabilidade das políticas sofre da aleatoriedade da receita que a suporta. Esse financiamento não chega sequer para manter em funcionamento a máquina da administração pública desportiva situação, contudo, que não é de hoje.
Em sentido oposto o financiamento público ao desporto por parte do poder local, cujo valor exacto se desconhece mas que é seguramente superior ao do Estado (central), vive na exclusividade da arrecadação fiscal das autarquias e das transferências do Estado em percentagem bem maior da primeira.
Compreendo, mas não concordo, com os que acham que é positivo para o país que os impostos dos portugueses paguem cada vez menos as políticas públicas desportivas no âmbito do financiamento público do Estado central. Registo até a originalidade do precedente ideológico numa matriz socialista ou social-democrata ou em que, pelo menos, existem preocupações sociais. Num momento em que até os mais liberais se voltam para o papel do Estado, não apenas como regulador dos mercados mas até com operador financeiro de certos tipo de entidades comerciais privadas (caso dos bancos), é questionável o papel que se pretende que o Estado cumpra como garante de um direito constitucional .
Em defesa dessa tese “minimalista”pode advogar-se que a situação é fruto de uma conjuntura restritiva e que exige a adopção de politicas de redução do défice público e de controlo da despesa pública corrente e primária. Mas o problema é que a diminuição do contributo das receitas do Estado atinge sobretudo o investimento, parte do qual passa também a ser suportado com as receitas dos jogos.
Estas observações não contrariam a opinião, já aqui expressa, de que a situação desportiva nacional tem, antes do problema do financiamento público, um outro problema por resolver: o do “modelo desportivo”.Este consome parte significativa do financiamento com origem no Estado (central) que se concentra nas áreas de menor procura desportiva (federações desportivas e afins) o que provoca um desequilíbrio entre o financiamento público e o retorno que esse esforço potência em “termos do desenvolvimento dirigido para o aumento dos índices de prática desportiva dos portugueses, frequentemente desvalorizado pela preponderância do desporto de rendimento”, que era, e bem , um objectivo do governo.
Mas isso são contas para um outro rosário.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Um ano de colectividade

No rigor das coisas, foi na tarde de 27 de Outubro de 2007 que, com um texto da Maria José de Carvalho, se abriram as portas da Colectividade Desportiva.
Decorrido este tempo a Colectividade apresenta números que são gratificantes para os associados de uma pequena agremiação desportiva: 89 textos em 2007 e mais de 140, até à presente data, em 2008.
Atingimos perto de 65.000 visitas. Ultrapassámos os 900 comentários, sendo que os últimos 25 textos recolheram 191 deles.
Cometemos erros.
A Colectividade, como qualquer outra congénere, vai reunir os seus “órgãos sociais” e, sem apego ao poder – aqui bem diferente de outras colectividades –, procederá às suas eleições, aprovado que seja o relatório e contas.
O programa eleitoral, já adiantado pelas listas concorrentes, só apresenta um denominador comum: a manutenção, por tempo indeterminado, da Colectividade.
Quem quiser visitar as instalações da nossa sede, conviver, será sempre bem-vindo.
Mesmo aqueles que discordem honestamente das “nossas cores” (sejam elas quais forem) e o expressem com sentido e rigor.
Os tempos não são, infelizmente, de discussão. Bem vistas as coisas, nunca o foram ou serão.
O tempo é das pessoas e, essas, são rectas ou não e, assim, nessa combinação e ponderação, fazem o tempo que vivemos.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O CND e a bandeira nacional

Em primeiro lugar, devo dizer que quase me sinto obrigado a pedir desculpa por colocar o post anterior um nível abaixo, retirando-lhe com este breve apontamento o seu patente protagonismo.
De todo o modo, porque no que antecede se fala muito em (muito) dinheiro, dir-se-ia que este texto vem, em alguma medida, a propósito.
Sobre o Conselho Nacional do Desporto, seus normativos, composição, funcionamento e resultados, já muito escrevi noutro local.
Hoje, algo motivado pelos resultados alcançados no último plenário, realizado terça-feira passada, destaco o seu logotipo.
Esse sinal distintivo do CND usado em cartazes, na página da Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, em pastas, cadernos de rascunho(??), folhas e for aí fora, é - não se duvide - apelativo, de bom gosto.
Adivinha-se uma inspiração, um ponto de partida, dado o carácter nacional do órgão: a bandeira nacional.
Nada mais adequado.
Contudo, uma visão comparativa mais atenta constata uma diferença.
O leitor verá com facilidade.
Terá sido opção consciente ou erro inconsciente? Ou vice-versa?
Ou será mais um sinal de que aquilo que nasce torto, tarde ou nunca se endireita?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Pecados orçamentais

Não passou de um susto. A pen, afinal, tinha conteúdo. O orçamento de Estado estava lá. E o desporto veio a saber com o que contava. E conta ainda com mais recursos financeiros do que já teve este ano? Depende do que compararmos. Se compararmos com o previsto em OE/08, aumenta. Se compararmos com o orçamento corrigido em 2008,diminui. Quando for publicada a conta do Estado de 2008 e a de 2009 se perceberá em que ficamos. É confuso mas é assim. E se o leitor não tiver paciência para números aconselho-o a que não passe daqui!
O OE/09 cresce em relação ao OE/08 cerca de 3%.Passa de 79 milhões de euros para 81.600.Mas como o orçamento de 2008 foi corrigido por sucessivas alterações orçamentais passou para 89 milhões e 595 mil euros. Milagre das rosas no crescimento da receita de 2008? Nada disso. Apenas integração de saldos na qual se deve incluir parte da verba resultante da venda(?) à Estamo do Complexo Desportivo da Lapa. Mas como se trata de uma verba consignada não está disponível para ser utilizada. O seu uso joga-se noutros palcos. E por isso aparece no conjunto classificada organicamente “como na posse do serviço”: 7milhões e 155mil euros. Para já, não conta.
O relatório que acompanha o OE/09 estima que até final do ano a taxa de realização se fique pelos 75.8 milhões o que equivaleria a uma taxa de execução efectiva de 84%, face ao valor corrigido. Só que á data de apresentação da proposta do OE/09 a taxa de execução da despesa estava em 55,91 (cerca de 50 milhões). Se retiramos a verba que estando no orçamento está cativa sobe para cerca de 90%.Seria excelente.Mas para os anunciados 75,8 milhões de realização falta a diferença.
Das previsões dos cerca de 55 milhões previstos como arrecadação de receita dos jogos sociais, até Outubro, tinham entrado apenas 37 milhões. É expectável que para além das receitas dos jogos ainda hajam outras arrecadações? Quais?
À data de apresentação do OE/09 o grau de execução da receita (67,81) era aparentemente bem melhor que o da despesa (55.91). Mas se retiramos a dotação que não pode ser utilizada os valores equivalem-se. Entretanto entre a despesa paga e os compromissos já assumidos havia uma diferença de 14 milhões de euros.
O crescimento previsto para 2009 resulta de uma perspectiva de arrecadação de receitas próprias em cerca de 77%, das quais 93% dependem das transferências dos jogos sociais. O esforço nacional do OE não passa dos 20%.O resto é FEDER. Qual é milagre das rosas previsto para 2009?
Para que orçamento seja cumprido as receitas de 2009 terão que crescer em relação ao orçamentado em 2008 cerca de 5% qualquer coisa como 3 milhões de euros. Mas em relação á esperada realização (75.8) o valor sobe para 5,8 milhões conforme se lê no relatório do OE/209.Mas nesta receita o contributo dos jogos sociais teria de aumentar 11%, um valor perto de 5 milhões. Como a arrecadação da receita em 2008 nos jogos sociais vai ser inferior ao orçamentado, aquele valor peca por defeito. No final do ano se saberá quanto teriam que crescer conhecendo o que se orçamentou e o que se recebeu.
A expectativa de receitas “extraordinárias” é esperada? Integração de saldos com certeza. A engenharia de fazer passar a receita do COP relativa à cunhagem das moedas (que se aplicou no JO e se pode voltar aplicar nos Jogos da Lusofonia) ajuda a “compor” a receita mas não chega. Até porque é dinheiro que entra e sai. E a parte que falta entrar da venda (?) do Complexo Desportivo da Lapa andará por cerca de 2 milhões (?). Aguardemos como e onde vão ser contabilizados até porque uma parte é receita do Estado e não do IDP.
O orçamentado para apoio ao associativismo desportivo no âmbito do desenvolvimento da prática desportiva aumenta em 2009,cerca de 2% (+350 mil euros) ou seja abaixo do valor de 2.5 previsto para a inflação. Mas o orçamentado para alta competição (orçamento privativo+PIDDAC) desce 11% (cerca de 1milhão e 600 mil euros).
As transferências para os organismos desportivos com a soma dos dois programas caem 2% (cerca de 500 mil euros) sem entrar em cálculo com o valor estimado para a inflação.
A formação que em 2008 tinha previsto 400 mil euros, mas depois “corrigiu” para 1050 mil desce para 50 mil o que é uma quebra no orçamentado inicial de 87,5%.
Cresce o investimento (+-78%) com especial destaque para o Jamor que vê a sua dotação aumentada em 4 milhões em 200 mil euros. Mas atenção: no orçamento corrigido de 2008 já lá esta uma verba de 7milhões e 700 mil onde no OE/08 inicial só estavam 1.400mil.Mas dotação que tem uma taxa de execução de 0,54.A verba está lá mas não foi “mexida”.De onde surgiram 6.300mil que não estavam na proposta inicial do OE? É só pensar no que fez aumentar a receita.
Uma novidade: no OE de 2009 três universidades ganham dignidade orçamental e são designadas pelos seus nomes e sabem com o que podem contar: FMH (100 mil), Universidade de Évora (50 mil) e de Trás-os-Montes (50mil). As outras devem aguardar por uma qualquer alteração orçamental.
Sendo fraco - e menor que em relação a 2008- o contributo das receitas gerais do OE a execução orçamental vai estar dependente do comportamento dos jogos sociais. Nesta fonte a receita arrecadada tem vindo a diminuir desde 2005.Nâo é conhecida qualquer projecção que estime um aumento. Mas o governo continua a construir os seus orçamentos numa ilusão contabilística como se o comportamento da receita fosse de crescimento. Num ambiente geral de retracção financeira e com o aumento de endividamento das famílias o governo espera que os portugueses tenham mais dinheiro disponível para as apostas. Será um milagre. Mas para que ocorra é preciso que se acredite nele. E o governo acredita. Oremos, pois.

sábado, 18 de outubro de 2008

Às voltas pela Europa

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) teve esta semana algum destaque noticioso devido ao Processo C-42/07 - em mais um dos inúmeros processos que circulam no Luxemburgo relativos ao mercado de apostas - sobre a compatibilidade com o direito comunitário da legislação nacional que prevê a exclusividade de organização e exploração de jogos de apostas mútuas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, devido à impugnação pela Bwin e pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional das coimas que lhe haviam sido aplicadas por terem proposto apostas pela internet e disso terem feito publicidade numa novela que fez correr muita tinta.


Mas sem ecos noticiosos um acórdão no dominio da fiscalidade no desporto pode vir a assumir relevância na tributação sobre serviços desportivos e merece algumas linhas. Resumidamente, trata-se de um recurso interposto por dois clubes ingleses de hóquei em campo em relação à decisão das autoridades fiscais britânicas segundo a qual as suas quotizações à England Hockey – por outras palavras, a federação inglesa da modalidade – deviam ser sujeitas a IVA.


Ora, interpretando a Sexta Directiva IVA, a qual estabelece um regime de harmonização legislativa dos Estados-Membros sobre o imposto sobre o valor acrescentado, e prevê isenções no que respeita à prática desportiva (al. m), n.º1, art. 13.º-A), o Tribunal vem considerar que as “prestações de serviços efectuadas no âmbito, designadamente, de desportos praticados em grupos de pessoas ou no âmbito de estruturas organizacionais instituídas por clubes desportivos são, em princípio, susceptíveis de beneficiar da isenção do IVA.”


Tal entendimento aponta para uma isenção de IVA a um conjunto diverso de serviços de cariz organizacional e administrativo, estritamente conexos e essenciais à prática de uma modalidade desportiva, os quais não é possível a um particular efectivar sem uma estrutura organizacional de suporte. E nestes termos podemos incluir serviços indispensáveis à prática desportiva como o aluguer de instalações, quotizações federativas, cedência de árbitros ou inscrição de atletas.


E sobre a inscrição de atletas termina este périplo europeu. Desta vez em território nacional e para regressar a um tema que infelizmente se mantém bem presente. Trata-se da discriminação de atletas em função da nacionalidade. Não para referir mais um atropelo à cidadania europeia na regulação do desporto profissional, mas para incidir na formação de jovens praticantes.


O caso de Tamas Kees, já mencionado pelo associado JM Meirim na sua crónica dominical no jornal Público, é apenas mais um de muitos jovens que por opções profissionais da sua família em vir trabalhar para o nosso país se deparam com profundas desigualdades na sua transferência do país de origem (neste caso a Alemanha), inscrição e participação em competições oficiais reguladas pelas nossas federações desportivas.


É evidente que as taxas aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol incidem sobre o tipo de transferência e não sobre a nacionalidade do atleta. Isto é, diferenciam as quotas de transferência entre clubes nacionais das quotas de transferência de clubes estrangeiros para clubes nacionais. A desproporcionalidade de valores é abissal, na ordem de diferenças percentuais na casa dos milhares ( Kees pagou 1320 euros, um jogador português pagaria hoje 37,50 euros). Com o preciosismo – claro está - de aos jogadores nacionais que se transfiram do estrangeiro para clubes nacionais ser aplicada quota equivalente a transferência entre clubes nacionais. Tudo isto num simples Comunicado Oficial.


A recomendação do Provedor de Justiça só peca por tardia face ao proliferar de situações de jovens estrangeiros que se vêm privados dos mais elementares direitos de cidadania europeia em matéria desportiva. E assistem na bancada aos jogos dos seus colegas portugueses com os quais treinam durante a semana.


É um facto que nesta matéria o poder político-desportivo não se manteve alheado !?. E uma década após Bosman o polémico Despacho n.º 1/SEJD/2005 viria a reconhecer as situações discriminatórias nas regras e disposições de algumas federações desportivas.
O actual titular da pasta do desporto demandou no referido despacho o Instituto do Desporto de Portugal oficiar as federações desportivas titulares do estatuto de Utilidade Pública Desportiva no sentido destas expurgarem tais disposições.


A ver por este caso no futebol, não podia ter sido mais eficiente.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Avessos à norma

Grande parte da conflitualidade social e da litigância judicial existente na nossa sociedade decorre dos hábitos de muitos portugueses na persistência pelo incumprimento da norma, pelo desrespeito pelos outros e pelos acordos livremente celebrados.
Infringir ou postergar as normas legal ou socialmente instituídas faz parte da cultura de desleixo, do “espertismo saloio” e da incompetência de muitos para alcançarem os seus objectivos com o menor esforço possível e desprezando o mínimo ético para vivermos bem connosco e com os que nos rodeiam.
É frequente assistirmos à complacência e até ao aplauso daqueles que, tanto no sector público como no sector privado, actuam na inobservância dos procedimentos legais e administrativos, saindo a maior parte das vezes incólumes dos erros, incorrecções e ilegalidades que cometem. Os recentes exemplos de muitos autarcas ou dirigentes da banca são mais do que evidentes para o que acabo de referir.

Ora, no sector desportivo, como não podia deixar de ser, já que o desporto é apenas um espelho fidedigno dos malsãs e das benignidades da nossa sociedade, a norma, em muitas situações, em vez de ajudar, atrapalha, em vez de organizar, complexiza, em vez de nortear, confunde. Que tolice a minha, dirão alguns ou algumas leitores/as.
Não será tanto assim, se reflectirmos sobre o que se passa no domínio laboral, por exemplo com contratos de trabalho, segurança social ou situação fiscal de muitos praticantes desportivos; se nos inquietarmos com o esquecimento das regras instituídas em diversos estatutos e regulamentos das entidades desportivas; se nos revoltarmos com as impossibilidades de transferências de clubes por parte de tantas crianças e jovens; se nos preocuparmos com inúmeras instalações desportivas cuja manutenção é renegada e nem se encontram cobertas por qualquer seguro de responsabilidade civil. Enfim, não pararia de enunciar desassossegos e constatações do mundo real que evidenciam o desrespeito e a aversão à norma.

Para finalizar, uma última constatação e interrogação que agradeço comentário a quem me elucidar:
- como é do conhecimento geral o nosso ordenamento jurídico-desportivo determina que para existirem competições desportivas profissionais, tem de existir um despacho ministerial a reconhecer essa competição como tal. Assim se passou na modalidade de Futebol, Basquetebol, e Andebol. Face à “falência” da Liga de Clubes de Basquetebol, qual a qualificação da competição que substituiu a anterior e que ora se vive no basquetebol?

Despachos, Portarias, Estatutos, Regulamentos, Contratos, Leis … que maçada … quando se cria o hábito de cada um se reger pela norma que mais jeito lhe dá!!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Caldos de galinha

Seria interessante conhecer o quadro desagregado da despesa com o funcionamento da administração pública desportiva. E avaliar entre 2005/2008 as “economias” ganhas com a “reforma “ da administração pública desportiva. E perceber até que ponto o esforço de consolidação orçamental que o actual governo empreendeu, teve, naquele sector da administração pública, o respectivo acolhimento. Esse conhecimento permitiria interpretar os números e chegar às políticas. E comparar o que se orçamentou, o que se recebeu e o que se gastou.
Num momento em que se aguarda a apresentação do orçamento para 2009 importa também verificar se a tendência de sobreavaliação das receitas próprias com origem nas apostas mútuas se vai manter. A engenharia financeira que no ano anterior permitiu apresentar um crescimento, contrariando as próprias previsões da entidade gestora das apostas mútuas, resultou de um empolamento das receitas próprias, que a realidade, como era previsível, veio a demonstrar como insustentáveis. As dificuldades de tesouraria com atrasos significativos nos pagamentos quer a fornecedores, quer a organismos desportivos atestam-no. Os compromissos sem adequada cabimentação orçamental uma natural consequência. Os pedidos de adiantamento por conta deixaram de ser um acto normal de gestão para se transformarem num exercício de descontrolo orçamental. A venda de património (Complexo Desportivo da Lapa) um exercício perigoso - nos termos acordados ,no valor da alienação, na desafectação ao património desportivo de um activo significativo e na busca de um encaixe financeiro que permita encontrar liquidez para outras frentes - cujo exacto alcance o futuro ajudará a esclarecer face à opacidade e ao silêncio com que toda esta operação tem sido conduzida.
A criação de expectativas e de compromissos têm uma factura alta cujo incumprimento não pode ser explicado pela importação da crise externa. O que é facto é que roda livre da despesa corrente, parte da qual em actos de mero conforto e representação institucional contrariando as próprias directivas do governo, vai exigir um encarar sério dos problemas do financiamento do sector e ultrapassar a fase da despesa descontrolada. E os sinais de incomodidade, em alguns sectores governamentais, perante esta situação são iniludíveis.
Qualquer cenário que pretenda iludir as dificuldades ou que as não iludindo pretenda responsabilizar a situação do próximo orçamento para o desporto com a crise internacional não é um exercício sério. Mesmo contando com um pensamento dominante “incriticado”, quer à direita, quer à esquerda e um movimento desportivo mais dado à genuflexão que à reflexão. O que é facto é que o actual governo resolveu o impasse orçamental que herdou em 2005 e quando seria de esperar que consolidasse os exercícios orçamentais seguintes fascinou-se pelo aumento rápido de receitas e desprezou a necessária disciplina orçamental. E depois prometeu, prometeu e prometeu. Fez do verbo fácil um modo de governar.E governou gastando e endividando. As facturas foram chegando.Os pagamentos esperando. Quando se destapar a situação concluir-se-á que os resultados não são meritórios. Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Mas parece que o aforismo não foi recordado.

domingo, 12 de outubro de 2008

O Mundial 2018 e as aulas do ensino superior

A semana que findou ofereceu-nos um bem diversificado universo de notícias.
Delas seleccionamos três que, aparentemente desligadas, formam não só uma unidade coerente, como nos possibilitam (pensamos nós) ir mais além do imediatismo ditado em Outubro de 2008.
Uma reportagem de um jornal desportivo deu-nos conta de como algumas turmas do ensino básico passaram a ter as suas aulas no Estádio do Algarve EURO 2004, num dos aproveitamentos possíveis daquela infra-estrutura desportiva.

No dia 9, foi a vez de a Lusa difundir a indignação dos dirigentes do Sport Clube Leiria e Marrazes, face ao montante exigido pela Leirisport – empresa que gere o Estádio Municipal de Leiria EURO 2004 – pela utilização daquela infra-estrutura desportiva para a realização de um jogo da divisão distrital da divisão de Honra da Associação Distrital de Futebol de Leiria.
Segundo adiantaram tais dirigentes, o clube vai ter de pagar “quase o dobro” do que é exigido à União de Leiria Futebol SAD.
Os montantes exigidos pela empresa, ainda de acordo com os mesmos dirigentes, são de € 1.250 por jogo e € 500 por treino, “cerca de metade” do que paga a sociedade desportiva, em virtude da existência de um protocolo com a empresa municipal.
Os preços do estádio, esclareceu o presidente da empresa “são ajustados a cada realidade”.

Enquanto isto se passava – passa e continuará a passar –, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol vibrou de contentamento com as palavras de Blater: uma candidatura ibérica à organização do Mundial de Futebol 2018 seria fortíssima.
Laurentino Dias acorreu, de pronto, com satisfação, afirmando que os Governos, quando chegar a altura, não deixarão ficar mal as duas federações. Hermínio Loureiro, por seu turno, revelou-se bem mais cauteloso.
Esta diferença de atitude, a nosso ver, é sintoma de que as eleições para a Federação Portuguesa de Futebol entraram em fase de pré campanha eleitoral, para os protagonistas, de um ponto de vista pessoal, bem mais importantes do que a catarse eleitoral de 2009.

Laurentino Dias julga-se dotado de “uma esperança de vida futebolística” quase sem limites. Hermínio Loureiro já lá está e aspira ao lugar de presidente da federação.

E assim se constrói Portugal, estádios e ambições.



quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Autonomia à vontade do freguês

Os ecos noticiosos da visita da Sepp Blatter ao Parlamento Europeu na passada 2.ª feira para discutir o futuro do futebol profissional no Velho Continente deram primazia ao entusiasmo na putativa candidatura ibérica o Mundial de Futebol 2018 e à resolução dos problemas internos no futebol polaco devido a uma suposta intervenção governamental na autonomia da federação de futebol daquele país co-organizador do Euro 2012.

Mas a agenda trazida a Bruxelas pelo mais alto dirigente da hierarquia do futebol mundial não se ficou por aqui e merece uma leitura mais atenta.

O processo de tomada de decisão em políticas públicas e disposições reguladoras é, na tradição da escola da Escolha Pública, um processo de maximização de benefícios. Do lado da oferta encontram-se os poderes públicos representados pelos eleitos políticos, burocratas, autoridades reguladoras e instâncias judiciais. Do lado da procura encontram-se as organizações e agentes do sector social em apreço. O bem transacionável são as politicas e os mecanismos reguladores a aplicar.

Ora neste mercado – um mercado político, com algumas diferenças face aos mercados económicos – todos se mobilizam em face dos seus interesses, investindo recursos próprios até ao limite onde esse investimento não supere os benefícios a obter com decisões políticas favoráveis. Tudo depende da capacidade de acção colectiva e do potencial de mobilização dos actores em jogo

O teatro europeu, onde a representação de interesses é aberta e instituída no seio do seu sistema de governação é o palco por excelência para se ver este cenário. O desporto aqui não é excepção.

Neste quadro de análise importa salientar que o Parlamento Europeu tem vindo a ser no triângulo institucional da União Europeia a sede privilegiada para Blatter ir às “compras” dos seus propósitos na governação do desporto, uma vez que no passado várias foram as posições daquele órgão que se manifestaram sensíveis e se aproximaram dos argumentos das autoridades do futebol.

Não é pois estranho que Blatter regresse a esta sede para defender novamente o limite de cinco jogadores estrangeiros nas equipas europeias, insistindo em convencer os deputados europeus do mérito da proposta 6+5 mesmo depois de todo o revés: "No nosso Mundo, nada é definitivo, nem mesmo as leis. Não vou desistir porque estou mandatado pelo Congresso da FIFA para esta iniciativa e tenho o apoio do Comité Olímpico Internacional e numerosas federações de desportos colectivos”.

Outro tema na ordem do dia que Blatter fez questão de alertar o Parlamento Europeu foi a necessidade de intervenção - leia-se bem, intervenção - dos poderes públicos sobre a propriedade de clubes europeus por investidores estrangeiros. No entanto, não invoca como motivo para essa intervenção a perda de identidade e afiliação cultural e simbólica do clube, e assim abandona a reiterada especificidade sócio-cultural do desporto - tão brandida no longo caminho de disputas políticas com a UE -, para socorrer-se da actual crise financeira mundial, mudando oportunamente o diapasão. Manifesta a sua particular preocupação com o futebol inglês, onde se acentua mais este fenómeno de compra de clubes.

Convém lembrar que o futebol inglês é aquele que dispõe da liga profissional com maior dimensão económica e onde o vinculo afectivo dos adeptos ao seu clube, e deste à comunidade local, talvez seja dos mais enraizados.

Por outro lado é importante atender ao facto de que os adeptos se globalizaram, tal como os investidores. Existem milhões de adeptos do Manchester United, Liverpool, Arsenal e Chelsea em todos os continentes. Será que Blatter também quer evitar que tal aconteça? Ou ainda sustenta o grande empresário, a clique familiar e o cacique local que perduram décadas nos destinos do clube, como o seu modelo de referência?

No meio de tudo isto age com a habitual mão de ferro quando exige uma solução imediata para a destituição dos corpos gerentes da federação polaca devido aos sucessivos escândalos de apostas e corrupção desportiva no país, a qual teria violado o principio de autonomia das federações desportivas devido à intromissão dos poderes públicos.

Não reconhece a autoridade do administrador judicial nomeado e ameaça com a saída da Polónia da organização do Euro 2012 caso não se verifique a devolução de poderes à direcção destituída.
Ocorre que o referido administrador judicial não foi nomeado por qualquer decisão governamental, mas sim por decisão de um suposto, independente e autónomo, tribunal arbitral do Comité Olímpico Polaco.

Sobre este ultimo ponto – agora que o Tribunal Arbitral do Desporto Português está em incubação – por certo que os juristas desportivos, nomeadamente os fervorosos adeptos da lex sportiva e da resolução de conflitos por via arbitral, alinharão as suas posições em torno deste possível estudo de caso.

Por cá vai-se acompanhando, com maior ou menor destaque noticioso, as manobras no teatro político desportivo europeu, algures entre uma concepção do desporto como um mero mercado económico ou como um bem demasiado precioso para se democratizar e socializar na sua regulação. Tudo isto, claro está, com uma dose de autonomia à vontade do freguês.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Em tempo de nova visibilidade

Volto ao assunto já aqui tratado por outros companheiros: o anúncio por parte de Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes e do governo (!) da criação do Comité Paralímpico de Portugal. Mas para reflectir para alem do facto anunciado.
É consensual que a problemática dos cidadãos portadores de deficiência pede à sociedade, politicas de discriminação positiva, que atendam à sua situação especial e que procurem reduzir os factores de desigualdade de oportunidades quanto à sua vida em sociedade. É um problema complexo porque a população portadora de deficiência é extremamente heterogénea, com graus de autonomia diversos e colocando tipos de problemas distintos. Mas é também um problema que tem tido soluções satisfatórias em outros países. Aprender com eles não custa muito.
O desporto e as actividades físicas em geral são reconhecidamente um meio excepcional no contributo ao trabalho com cidadãos portadores de deficiência. Ajudam à sua integração enquanto pessoas, mas também são um meio preventivo e terapêutico na redução de algumas das sequelas resultantes de patologias existentes. É, por isso, uma questão que está para além do problema do rendimento desportivo. O caso dos jogos paralimpicos e o aproveitamento que é habitualmente feito, corre o sério risco de secundarizar as razões fundamentais para a presença do desporto junto destes cidadãos. As organizações representativas dos cidadãos portadores de deficiência são as primeiras a aproveitar o balanço dos “paralimpicos”.É natural. Sabem que ao fazê-lo ganham uma visibilidade que jamais alcançariam, mesmo que o seu trabalho fosse, como o é na grande maioria dos casos, socialmente relevante. Mas, a prazo, os possíveis efeitos perversos desta situação impõem-nos prudência e algum distanciamento crítico.
O reconhecimento da importância das práticas do desporto para os cidadãos portadores de deficiência coloca um quadro de exigências que pede responsabilidades a todos. Poderes públicos, associativos e privados devem caminhar no sentido de se criarem condições que permitam aproveitar as enormes potencialidades do desporto a favor dos cidadãos portadores de deficiência. Mas também a reduzir os factores que impedem uma adequada assunção do princípio da igualdade de oportunidades perante o direito de todo o cidadão ao exercício da prática do desporto. O que requer, não apenas a aceitação da diferença entre indivíduos, mas também a aceitação de diferenças perante as várias dimensões da prática do desporto.
A adopção de modelos de desenvolvimento desportivo centrados prioritariamente na dimensão competitiva do desporto, corre o sério risco de acentuar novas formas de discriminação. Ao se acolher os melhores numa lógica selectiva, rejeitam-se a grande maioria, porventura, e apesar de tudo, os mais necessitados de usufruírem de uma prática desportiva sistemática. As políticas desportivas construídas e centradas predominantemente na obtenção de resultados em competições, serão sempre poucas em relação aos restantes, que são muitos.
Uma atenção especial à prática desportiva de competição não deve prejudicar o objectivo essencial de generalizar e democratizar a prática do desporto. Não apenas no plano da competição, mas também nos domínios da recuperação, da recreação e do lazer. Pede-se, neste particular, uma nova cultura e sensibilidade desportivas, percebendo que também no desporto para cidadãos portadores de deficiência muito se decide no domínio da dimensão cultural do desporto e do entendimento que ele deve estar ao serviço de todos.
Na situação actual sabemos que não é fácil às organizações representativas evitarem uma prática do desporto que procura copiar os modelos dominantes. É este modelo que as mobiliza porque é um modelo que, apesar de tudo, lhes dá visibilidade. Mas a prazo serão confrontados com objectivos alcançados, que não corresponderão aos interesses daqueles que representam. Os vícios e os excessos que passam pelo desporto contemporâneo transportar-se-ão para o desporto para deficientes agravando a sua própria possibilidade de desenvolvimento. O que agora é um ganho ( o aumento da visibilidade)pode transformar-se a prazo num problema maior ( o aumento da exclusão).E esse é um risco que deve ser evitado. Dando atenção aos que pretendem competir ao mais elevado nível desportivo mas nunca esquecendo o desporto para os restantes. Que são afinal a maioria.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Janelas de oportunidade

Uma breve leitura ao Programa de Preparação Olímpica 2012-2016 e a noticia de uma primeira reunião de balanço dos Jogos de Pequim ontem realizada no COP convocam uma chamada de atenção a um tema recorrente em alguns textos anteriores. A prestação de contas e a avaliação de estratégias de financiamento público ao desporto.

A avaliação de Pequim no seio do movimento olímpico é um processo que se deseja profundo e amplamente discutido, no qual se trace um diagnóstico exaustivo dos aspectos mais relevantes da nossa participação.

Mas quando se tratam de dinheiros públicos no valor de dezenas de milhões de euros o Estado não se pode eximir das suas responsabilidades de fiscalização e controlo e aguardar pacientemente que o movimento olímpico, no âmbito da sua sacrossanta autonomia, reporte os resultados apurados entre pares. Ou confiar apenas no labor da Administração Pública Desportiva nesta matéria e nos frágeis mecanismos de controlo interno ao seu dispor, desde logo na sua permeabilidade a influências políticas.

Na maior parte dos regimes democráticos existem órgãos independentes de controlo financeiro externo, com a missão de informar os cidadãos e os seus representantes da forma como são administrados os dinheiros e demais recursos públicos, apurando responsabilidades e definindo recomendações no domínio da gestão financeira pública. Em Portugal esse desígnio incumbe ao Tribunal de Contas.

Várias são as noticias neste país desportivo sobre a forma como são administradas as bolsas de atletas olímpicos, ou como são geridas por cada federação desportiva as verbas que estão ao seu dispôr na preparação de cada ciclo olímpico.

As questões que se levantam é saber se os cidadãos se sentem bem informados da boa gestão dos fundos públicos na preparação olímpica. Não apenas no final, mas também durante o ciclo olímpico?
A Administração Pública confia no rigor dos dados que recolhe? As federações desportivas dispõem de mecanismos de contabilidade que permitam um escrutínio apurado da sua gestão e a sua divulgação pública?

Por motivos académicos – que me levaram a ausentar durante algum tempo deste espaço – há alguns anos que acompanho as publicações do National Audit Office, ou seja, o tribunal de contas do Reino Unido.

A produção de auditorias de acompanhamento à gestão de fundos públicos no desporto é diversificada e poderá ser consultada gratuitamente no seu sitio da internet.

No entanto termino como comecei. A preparação dos próximos ciclos olímpicos.
Enquanto em Portugal se inicia o balanço – espera-se profícuo – dos jogos de Pequim, e se apresenta um anteprojecto para os jogos de 2012 e seguintes. O Reino Unido encontra-se a auditar aquilo que no nosso país é ainda um anteprojecto.

É evidente que as escalas são diferentes, acrescendo a responsabilidade de organização de Londres 2012. É evidente que as trajectórias de desenvolvimento são diferentes. Sabemos disso.

O desporto português encontra-se há muito aprisionado numa trajectória de ineficiência alimentada por um excesso de juridificação da vida desportiva criada para colmatar as consequências não desejadas e não previstas dos ajustamentos a normas anteriormente produzidas. Num processo que se auto alimenta e ganha vida própria.

O exemplo escolhido não pretende realçar boas práticas de prestação de contas, porque esse é um valor mais ou menos intricado na matriz cultural de cada sociedade.
O que ele pretende sublinhar é a aplicação de um paradigma de nova gestão pública das políticas desportivas, em particular a consolidação e sustentabilidade de mecanismos de avaliação das estratégias de financiamento desportivo e algo que ainda se questiona a pertinência. A definição de objectivos, aferição do risco e a avaliação do desempenho como instrumentos a implementar nas poucas janelas de oportunidade que surgem para alterar a trajectória.

A preparação de uma olimpíada é talvez uma dessas janelas oportunidade.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Uma marca estatal indelével

Foi esta semana noticiado a criação do Comité Paralímpico de Portugal.
O anúncio coube ao presidente da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes que na conferência de imprensa se encontrava ladeado pela Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação e pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto.
Depois de agradecimentos múltiplos, endereçados por aquele dirigente desportivo, Laurentino Dias tomou a palavra afirmando – e passamos a citar o despacho da Lusa – que este era "um momento necessário para o futuro do desporto adaptado em Portugal" e sublinhou o "enquadramento que a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (LBAFD) dá ao desporto para deficientes, colocando-o no patamar mais elevado do desporto paralímpico, através do CPP".

Precisou ainda que "era este o caminho e não fazia sentido não consagrar o CPP na LBAFD, apesar de na altura o Comité Paralímpico ainda não estar sido criado".
"Ficam tranquilizados agora aqueles que na altura ficaram um pouco eriçados por estarmos a incluir na lei uma realidade que ainda não existia", ironizou o secretário de Estado, garantindo que o Governo "será um parceiro e continuará ao lado da FPDD e agora do CPP".
Laurentino Dias reiterou que o Governo é "parceiro nesta aventura", mas sem esquecer que "lhe cabe também o papel de fiscalizador", pelo que deve "sair de cena e deixar o movimento encontrar as suas soluções".

Estas palavras governamentais merecem (?), por ora e neste espaço, duas observações.
Em primeiro lugar, deve-se dizer que Laurentino Dias se tranquilizou a ele próprio, pois aquando do debate da Lei de Bases do Desporto – que já adiantava a “realidade” Comité Paraolímpico –, o então deputado da oposição, “eriçou-se” com a sua consagração na Lei de 2004. À época era um absurdo.
Em segundo lugar, e para além da afirmação do papel fiscalizador sempre despida de efectividade, dizer que se sai de cena e que se deixa o movimento desportivo encontrar os seus caminhos, é de uma hipocrisia gritante.
Só sai de cena quem esteve em cena. E Laurentino Dias sempre foi o actor principal desta história, desde logo ao nível formal e normativo.
Não será fácil a qualquer ente associativo remar em sentido contrário de uma realidade virtual proclamada bem cedo – desde a proposta de lei que veio dar origem à Lei de Bases de 2007 – e que tem à sua espera um lugar cativo no Conselho Nacional do Desporto, estabelecido também por via legal.

Mas se houver questões difíceis, como existem ou existiram em algumas federações desportivas, a reclamar o “papel fiscalizador”, dependendo do peso da organização desportiva em causa, surgirá, uma vez mais, a proclamada autonomia do movimento associativo desportivo para justificar a omissão governamental.
É, nitidamente, um governante adaptado.