Pensemos o mercado desportivo segmentado em três clusters.
Classifiquemo-los como “
desporto amador de competição”, “
desporto de alto nível” (englobando o desporto profissional e de alta competição) e “
desporto, saúde e lazer”.
Definam-se quatro tipologias de fontes de financiamento - O Estado, as autoridades locais, as empresas e o consumo dos agregados familiares -, e tome-se em consideração as prioridades destes actores face aos segmentos de mercado desportivo anteriormente definidos, da seguinte forma:
· O Estado privilegia o financiamento do “
desporto de alto nível” através das federações desportivas, com um importante contributo dos jogos e apostas sociais.
· As autoridades locais – no caso português, as autarquias locais – apontam as suas prioridades para o “
desporto amador de competição” através do apoio ao movimento associativo local e edificação de espaços desportivos.
· O consumo das famílias privilegia a compra de bens e serviços no segmento “desporto
, saúde e lazer” e no “
desporto de alto nível” (consumo do espectáculo desportivo).
· As empresas financiam o “
desporto de alto nível”, nomeadamente as modalidades e eventos desportivos com maior exposição mediática e retorno publicitário.
Salvaguardando as especificidades da governação desportiva de cada Estado membro e a simplificação, porventura excessiva, mas indissociável a uma abordagem superficial, este foi, em traços gerais, durante várias décadas, o quadro de referência sobre a estrutura e dinâmica do financiamento do desporto na UE
Porém, importa ter uma perspectiva compreensiva sobre estes mecanismos no contexto sócio-desportivo actual. Aqui são várias as tendências que questionam a sua
sustentabilidade no âmbito do modelo europeu de desporto, entre elas:
· A evolução das receitas dos jogos sociais como um dos pilares de financiamento do desporto europeu;
· A explosão do segmento “desporto, saúde e lazer” nas suas diversas vertentes de “
fitness”, “desporto na natureza”, “desporto e turismo”, etc;
· A concentração do financiamento privado apenas nos desportos mais mediatizados;
· A insuficiência e o
plafonamento do financiamento estatal, agravada num cenário de crise financeira;
· A fragilidade do trabalho voluntário no desporto.
Este cenário inevitavelmente reconfigura as estratégias e o papel dos vários actores que dão corpo ao modelo europeu do desporto, evidencia as debilidades e as potencialidades por explorar nas políticas públicas desportivas e instrumentos de governação que têm vindo a ser comummente utilizados, desde logo o abuso da via legislativa como fim em si mesmo, sem cuidar de avaliar
ex-ante e
ex-post o impacto das normas reguladoras no desenvolvimento dos vários segmentos desportivos.
É bom ter-se a noção que os constrangimentos orçamentais irão condicionar cada vez mais a acção financiadora do Estado, o que exigirá uma maior dinâmica e
proactividade dos demais actores do sistema desportivo, bem como um maior rigor e “
value for money” no desenho e na gestão das políticas públicas, caso se pretendam gerar impactos duradouros e criar valor desportivo na sociedade.
Num contexto de risco e instabilidade, as abordagens verticalizadas e sectoriais de comando e controlo, circunscritas numa lógica de mera racionalidade económica e rigidez normativa, onde o Estado se limita a distribuir
acriticamente envelopes financeiros, reproduzem as
disfuncionalidades criadas durante anos e em nada contribuem para mudar a trajectória de depredação do modelo europeu de desporto. Estados há que já o perceberam e inflectiram esta tendência.
Perceberam a urgência de
novos instrumentos de governança e regulação financeira do sistema desportivo. Viram o Estado como um mediador de interesses na comunidade. Um agente
capacitador dos demais, ao focar a sua acção na procura de novos recursos e correcção dos desequilíbrios gerados pelas tendências acima mencionadas, através de processos de regulação flexíveis, positivos, multi-laterais e interdependentes.
A urgência de maximizar a eficiência das politicas públicas através do desenvolvimento dos diversos segmentos desportivos e rentabilização dos seus recursos - suportado na parceria entre o Estado, as autoridades locais, comunitárias e desportivas, com o envolvimento de parceiros privados -, na edificação de uma estrutura solidária entre os vários níveis de formação desportiva não se compadece com meras palavras de circunstância, mas exige a definição de propostas políticas concretas.
Enquanto não surge uma abordagem com uma análise de dados mais consolidada - que se prevê para este ano com o estudo encomendado pela Comissão sobre as bases de financiamento do desporto europeu -,
o trabalho coordenado pelo professor Andreff, apresentado durante a presidência francesa, avança com um leque de medidas de suporte e financiamento público e privado com vista a reposicionar o modelo de desporto europeu face aos desafios que hoje enfrenta, num conjunto de sete factores críticos. Procura apresentar soluções para o problema transversal do desporto na Europa em reter e fixar na sua órbita as receitas que gera.
Ainda que o Estado assuma uma posição axial no desenvolvimento desportivo de cada país, as múltiplas consequências da fragmentação do conceito de Estado-Nação tornam cada vez mais relevante equacionar as suas limitações e considerar o potencial de outras esferas de regulação, não estatais e supra nacionais. No desporto, a intervenção da UE, que se prevê mais acentuada após a ratificação do Tratado de Lisboa, apenas vem dar corpo ao vaticínio seminal de Daniel
Bell: “
o Estado a que chegámos é, ao mesmo tempo, pequeno demais para os grandes problemas da vida e grande demais para os pequenos problemas da vida". E o desporto tem grandes problemas que exigem instrumentos e estratégias de acção que transcendem os limites de cada Estado.