quinta-feira, 31 de março de 2011

A Quinta das lágrimas e a esperança

Este cantinho à beira mar plantado está em depressão. Sente-se o povo assustado, amedrontado, amordaçado, incrédulo, insatisfeito, e mais não digo porque ando cansada, triste, com uma tendinite muito aborrecida, mas não deprimida. As elites, depois da derrocada final e sucessiva de mais 30 anos de falências, pensam em emigrar e levar com eles (apenas) os filhos talentosos, aqueles prodígios naturais, os outros podem ficar, alguém cuidará deles.

Se me permitem a ousadia, o desporto está igual! Um pouquito melhor, diria eu, se não tivesse raízes nesta atividade humana tão maravilhosa. Solidária, sofredora, mas tão enriquecedora, pedagógica e humanizante. Pena ter sido, ou ser, também, maltratada, mal gerida e culturalmente pouco assumida entre nós.

Vida esta tão estranha,

Mas eis que surge a esperança. E tal como a primavera vem tímida, mas a florir.

Então não é que os brasileiros amigos, irmãos, e sei lá mais eu o quê (que até me convenceram a aderir ao acordo ortográfico), os outrora colonizados, estão dispostos a dar uma ajuda e a comprar a divida aos “tugas”? Vivam o Lula e a Dilma..., pum! A ver vamos. Contudo, Coimbra rendeu-se aos seus encantos e fê-lo, certamente,

com um brilhozinho nos olhos...

Pode ser que escapemos desta, que o “banco mundial” não entre por aí e possamos continuar a conviver, a aprender, a partilhar o mundo - também desportivo. E sobretudo a vivermos mais uns anitos na paz do senhor e da senhora! Não tenho muitas dúvidas que terá de ser a trabalhar muito (mas não de sol a sol como diz a minha mãe, isto será apenas para alguns), a ouvir música, a ler (quiçá poesia, romances ou drama), e a fazer o que gostarmos – obviamente DESPORTO!!!

Cada um/a será livre, dentro de limites e condicionalismos, de fazer as suas escolhas, de tomar decisões e de lutar pelos seus interesses e aspirações.

Mãos à obra, que se faz tarde!

terça-feira, 29 de março de 2011

Ignorância e atrevimento

O governo não procedeu a qualquer alteração dos valores que determinam os procedimentos na aquisição de bens e serviço públicos. Limitou-se a alterar os montantes de quem pode autorizar a despesa na celebração de contratos públicos. O que são coisas substancialmente diferentes. O secretário-geral do PSD levou o fim-de-semana a afirmar que a alteração efectuada era para subtrair a aquisição de bens e serviços às regras do concurso público a favor do ajuste directo. Pura ignorância e demagogia barata. Num registo, de resto, que lhe não é incomum. E que o leva a falar de tudo e mais alguma coisa incluindo o que não conhece. E quem assim procede não está em condições de receber confiança para o exercício de funções públicas. Menos ainda de ser porta-voz de um partido que aspira a sê-lo.

O Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) sobre o “caso Carlos Queiroz” anulou a decisão de uma instância administrativa nacional. Neste caso, como em tantos outros, não é a primeira vez que uma instância de recurso aprecia os mesmos factos de modo distinto das decisões das instâncias primárias. Assim ocorreu com a Adop que avocou e alterou a decisão do Conselho de Justiça da FPF.E agora com o TAS que alterou a decisão da Adop. O caso só é diferente porque houve uma excepcionalidade: uma clara e indisfarçável politização e governamentalização da decisão nacional. Dispensável e a todos os títulos injustificável. Não vale a pena perder muito tempo com o assunto. Apenas dizer que a um responsável político cabe garantir que as instâncias administrativas cumpram as suas obrigações no âmbito das competências que lhes estão atribuídas. Não lhe cabe interferir. Menos ainda pronunciar-se publicamente sobre o conteúdo dessas decisões. È dos livros. E da elegância e cortesia públicas. Coisa que o titular do cargo tem, manifestamente, dificuldade em aceitar e respeitar.

Estes dois exemplos, recentes, ilustram o drama do país: a ignorância e o atrevimento. A ausência de recato e de prudência. Que não são um mal localizado em este ou aquele agente político. Mas um comportamento transversal. E, mais grave que isso, incensurável e portanto legitimado. Imaginar que os problemas do país se resolvem através do rotativismo partidário é ignorar que muitos dos nossos problemas são um pouco de tudo isto: vaidade, ignorância e abuso do poder. Que não é doença de uns e imunitário para outros.

A entropia para que o regime caminha decorre da mesma ausência de valores, do mesmo modo de gerir a coisa pública, dos mesmos truques comunicacionais, do mesmo autoritarismo, da mesma indisponibilidade para rupturas com este estado de coisas. È pura invenção dizer-se que entre os partidos do poder há divergência estratégica ou confronto ideológico. Ou que o modelo de governação do PS é pior/melhor que o do PSD. Ou que uns defendem o estado social que outros querem acabar. Enganam-se os que assim pensam. Nem PEC’s a mais ,nem PEC’S a menos O que existe é luta pelo poder. O que é bem diferente. E vale tudo. Incluindo a mentira e o autoritarismo.

Não há sociedades puras. Em todas democracias existem patologias. O que as diferencia é o modo como são tratadas. A incompetência e o abuso são letais para a saúde democrática. Lesam o bem mais precioso que é o da confiança entre representantes e representados. E numa democracia em que quase tudo se joga no espaço comunicacional o que se diz e como se diz é vital. E aí não basta censurar os órgãos de comunicação social. Porque muita do fogo que ateiam tem lenha que lhes é colocada à disposição por agentes e actores políticos e respectivas assessorias. E portanto não se podem depois queixar. Nem da comunicação social. Nem dos cidadãos.

sábado, 26 de março de 2011

Leis por simpatia

Num momento em que Portugal vive o ineditismo de Laurentino Dias ter sido demitido duas vezes, no mesmo dia (com os seus colegas de Governo e com a decisão do Tribunal Arbitral do Desporto), estando algures em África, tema que, por certo, irá ocupar outros espaços de análise, demos conta de um aspecto de como – neste consulado ou em outros – se legisla para consumo interno e se exporta soluções.

Sabem os juristas – e os não juristas nos seus espaços próprios – que o exemplo estrangeiro (muitas vezes erradamente denominado por “Direito Comparado”) – é tido como uma bíblia de referência de solução, numa visão dogmática e facilitadora da criação (?) normativa.

Quando se olha as normas existentes em outros países procura-se, acima de tudo, um «copy paste» tranquilizador e legitimador. Não se olha, bem longe disso, para a realidade bem diversa da externa. Se os outros assim o dizem, quem somos nós para o dizer de outro modo?
E, desta forma, da absorção acrítica de modelos, resulta, a mais das vezes, a tentativa de aplicação de respostas normativas desfasadas da nossa vivência. No desporto, bem como para além dele.

Se o procedimento é este – de recepção quase plena e automática da visão estrangeira – para o interior, na vertente da exportação de modelos e de normas para outros países, nada se modifica, com a agravante de se estar a impor a terceiros soluções que são as nossas (pelo menos aparentemente), sem cuidar de acautelar os efeitos que delas necessariamente vão irradiar.

Dois exemplos.
A 16 de Fevereiro passado, o Conselho de Ministros do Governo de Timor-Leste aprovou o Decreto-Lei que aprova o Estatuto da Utilidade Pública Desportiva das federações desportivas.

Por outro lado, o Governo da República de Cabo Verde aprovou o Decreto-Lei nº 10/2011, de 31 de Janeiro (Aprova as bases do sistema desportivo cabo-verdiano e define os objectivos e princípios que enformam as bases das políticas de desenvolvimento do desporto).

Quanto de «português» há aqui e quanto de nacional?

quarta-feira, 23 de março de 2011

No desporto como na política

As eleições no Sporting surpreendem. O número de candidatos, o que fazem, o que dizem de uns e de outros. Mas só à primeira vista. Porque se pensarmos bem é no Sporting mas podia ser em qualquer outro emblema. No Benfica já ocorreu exercício semelhante. E é no futebol, como na política. É o país. E aqui reside, a meu ver, o trágico da situação. Não estamos apenas perante uma dimensão apaixonada, localizada e algo irracional resultante de um filiação clubista. Estamos perante em estado geral de incapacidade. Alguém já escreveu (José António Saraiva) que se trata de teatro de revista. Do mal, o menos. Mas receio que seja bem pior.
As eleições desportivas -e não apenas em clubes de topo mas até em federações desportivas - estão cada vez mais parecidas com as eleições para cargos políticos. Mandatários, comissões de honra, assessores, empresas de comunicação, jantares e sondagens. E muito espectáculo mediático. E muitas declarações/promessas. De jogadores, de treinadores e de fundos. Tudo aparentemente fácil. Sobretudo o dinheiro. Sem diferença entre o que se anuncia e aquilo que é possível. Tal como na política. Seguramente que, como na politica, também há, nestes ambientes, gente séria, pessoas empenhadas, propósitos meritórios e vidas respeitáveis. Mas o que mais impressiona nesta luta eleitoral é haver tanta gente com uma solução para um problema tão difícil: o que o clube custa é bem maior que aquilo que são os seus proveitos. E em que todos, pelo que leio, não invocam primeiro trabalho e sacrifício e depois sucesso. Mas soluções rápidas e de sucesso garantido, sem, pelo menos aparentemente, criarem condições para que tal ocorra. O que requereria dificuldades, trabalho e tempo. E convergência em vez de divisão.
O desporto - e o futebol em particular - não são um oásis nos contextos sociais em que ocorrem. Nem são a terapia ou a salvação dos males que uma sociedade padece. Mas também não têm necessariamente que ser um espaço sem verdade e sem rigor. No sucesso de uma organização desportiva joga-se muita coisa. Joga-se prestígio, poder e negócio. O que em si mesmo não constitui qualquer anátema. Tudo está no modo como se joga. E empenha a palavra. E com ela, a honra.
Voltamos de onde nunca saímos: ao país. Nos tempos que correm é difícil ganhar uma eleição falando de trabalho e de dificuldades. Mesmo que essa seja a verdade para alcançar o sucesso. Os tempos não estão para se ouvir juntar mais dificuldades às que já existem. Vivemos uma crise que é económica e financeira. Mas também de valores e de comportamentos. A generalidade dos analistas e o comum dos cidadãos reconhecem-no, mesmo que a forma como o verbalizam seja diferente. A resposta a essa dimensão dos nossos problemas é equivalente à sua natureza. Não é uma resposta exclusivamente do domínio da política e da governação. Mas de comportamento. De quem governa pelo exemplo que deve transmitir. Mas de quem é governado pelo grau de exigência que deve colocar a quem é responsável. Mas também a si próprio. É de todos. Sem cair no risco da lamechice retórica. Mudar este estado de coisas só é viável se cada um der o seu contributo para um país mais responsável. É que não há solução que disponha de qualquer efeito mágico, que dispense o investimento individual de cada um de nós no seu aperfeiçoamento. Sem ironia às Igrejas e às religiões. E sem qualquer resgate, por mais leve que seja, aos construtores do Universo. Porque nisto estamos de acordo.

terça-feira, 22 de março de 2011

IVA o golfe

No último texto que escrevi, onde reportava uma notícia sobre a redução de IVA para o golfe, estava longe de pensar que a mesma teria um fundamento sólido, uma vez que no dia em que saiu, apenas num jornal (JN), a tratava em mera nota de rodapé. Por certo, dada a conjuntura que o país atravessa, e as recentes medidas fiscais aplicadas em relação ao desporto, rapidamente se tornaria numa não-noticia, senão mesmo uma informação ultrapassada por estes acontecimentos supervenientes.

Porém, tal não aconteceu. Ao invés, surgiram as habituais petições, pró e contra, e diversos órgãos de comunicação foram ao longo da semana dando nota das intenções do Governo.

Comece-se pelo menos relevante neste caso - o desporto e a sua fiscalidade. Esqueçam-se todas as peripécias recentes que levaram o Estado a cobrar actualmente mais IVA a quem pratica «actividades físicas e desportivas» do que àqueles que, passivamente, assistem a "espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos". Contrariando tudo o que são recomendações da União Europeia no que respeita à promoção da actividade física, bem como disposições da 6.ª Directiva IVA.

Esqueça-se o aumento da carga fiscal e, em particular, de vários dos designados bens de primeira necessidade, que constitui um garrote sobre as famílias e bloqueia o crescimento económico através do consumo privado.

Esqueça-se o congelamento de investimentos em áreas tidas por prioritárias, como o financiamento público no novo parque escolar e em vários projectos tecnológicos.

Esqueçam-se as dificuldades de diversos PIN’s, com relevante interesse turístico para o país, conseguirem obter o financiamento necessário para a sua concretização.

Esqueça-se tudo isto, e muito mais do que aqui se poderia evocar em relação a medidas de austeridade, e considere-se - dada a relevância do turismo no PIB nacional - imprescindível promover a competitividade económica do sector, assegurando o contributo dos 500 milhões de euros anuais de volume de negócios da indústria do golfe no país, e assim, por puro contorcionismo, garantir a redução do IVA através da “inclusão do golfe na categoria de «provas» e não de «actividades físicas e desportivas»”.

Não esperando reacção distinta daquela que foi tomada por organizações desportivas e relacionadas com o fitness, sublinha-se, de novo, mais um exemplo do desporto ao serviço de interesses alheios. O turismo, como havíamos afirmado, concorre com a saúde nessa agenda de instrumentalização. Aliás, o affair Tiago Monteiro ainda está bem presente…

Vale a pena, contudo, questionar outros aspectos, nomeadamente porque motivo não foram tomadas iguais medidas de estimulo fiscal em clusters tão ou mais importantes que o golfe para a competitividade do turismo e valorização do potencial exportador neste sector?

No domínio específico do desporto - já que é por essa via que se resolve desagravar a tributação do golfe - e das actividades de recreio e lazer, valeria a pena questionar porque não se deu semelhante tratamento, por exemplo, à náutica de recreio, ou a outras actividades tradicionalmente relacionadas com o turismo, como o ténis, o ciclo…turismo, a caça, o mergulho ou actividades de recreio desportivo em áreas naturais?

Por fim, fazendo jus à retórica vigente em que “o essencial é o conteúdo e não a forma”, não será conveniente explicar - com números que o sustentem - o conteúdo desta medida de excepção aos portugueses, que actualmente suportam as finanças públicas? Bem como os seus eventuais benefícios para a nossa economia? Ou é preferível acentuar a sensação de clientelismo e de que os jogadores de golfe pagam menos a crise do que o comum dos mortais?

Quanto à forma, estamos entendidos, “bastará uma informação vinculativa do Fisco a estabelecer uma nova interpretação jurídica para a tributação aplicada aos campos de golfe voltar a ser de seis por cento”.


domingo, 20 de março de 2011

O tempo esse grande corredor

Todos nós corremos contra o tempo e, claro, todos nós perdemos, mesmo aqueles que sobem ao pódio.
O tempo do pódio é um tempo síntese, breve e intenso como aquele que Youcernar concede a Adriano no leito de morte. É nessa réstia de vida que Adriano conta as suas Memórias, uma obra que demora à autora 10 anos a escrever e mais 20 para alcançar o reconhecimento por parte da Academia francesa mas que, hoje, seria tão só uma linha no currículo. Anos de consulta de fontes, de reflexão, de treino e ensaio da escrita, tal como é necessário treinar muito tempo e correr quilómetros para ganhar os 100 metros. É este tempo, essencial à reflexão, que a academia agora recusa e, por via disso, finta com nome colocado em escrito alheio dando ciência ao ditado do “meter o nariz onde não é chamado”. São estes tempos de treino que o deslumbre do pódio também parece negar.
Adriano teve uma vida plena de acção e não teve, por isso, tempo para escrever um diário ou, como o fazem os atletas a meio da vida, uma biografia. Adriano é, ou nesse fim de vida talvez não, um Imperador a quem a autora concede todo um escrito sobre as suas Memórias. Contrário ao tempo longo da autora, o tempo estrito de meditação de Adriano não deixa de fazer dele um visionário do mundo e de si próprio porque ele narra o que viveu. É pela descrição da dor, do desfazer do seu corpo, que sentimos o seu tempo esgotar-se. E, como o atleta, aspira com esse tempo breve, de narrativa e memória, de subida ao pódio, alcançar um outro tempo maior, o da eternidade.
O quê, a eternidade? Este é o título de outra obra de Yourcenar, uma questão premente já discutida na interpretação das fontes que a inspiram a escrever sobre Adriano. Nesta luta contra o tempo a autora recusa o suícidio do Imperador, descrito nas fontes, e faz de Adriano um modelo de humanidade que aceita os limites do seu corpo e, até ao fim, despreza o desespero e, com igual serenidade, a esperança. Adriano sente o corpo no seu fim e sabe que as suas Memórias só serão eternas enquanto existir alguém para as lembrar!
É dessa relação com o outro, que nem sempre nos entende ou lembra, que trata A obra ao negro. Esta obra retrata Zenão, um homem que vive a época medieval com um conhecimento e uma liberdade de espírito pouco plausível com o obscurantismo que ele acha que o rodeia. Ele é um herói criado pela autora, sem vitórias conhecidas porque a ele lhe resta apenas a clarividência do mundo que o rodeia, dos perigos que corre por dizer não e, também, por dizer sim! Este herói do quotidiano não espera pela hora da morte para refletir sobre a sua condição. Sem o poder de Adriano ele é obrigado a sobreviver no contexto adverso de um mundo que não sente seu e que, não obstante a sua tolerância face ao desconhecimento dos outros, ninguém lhe tolera uma outra visão, um outro modo de ver a estátua que, digo eu, sobre Adriano se ergueu. Eu colocaria Zenão a refletir sobre todos aqueles que durante horas e anos correm e que, apesar desse esforço inaudito, nunca ao pódio sobem. É também nesses outros anónimos que a comunidade se revê e por isso lhes ergue a estátua, ora dedicada ao soldado desconhecido ora, como na de Alpiarça, dedicada aos ciclistas, ao “Primeiro entre os primeiros”, lembrando que o mérito de ser primeiro é diferente de ser o único.
Em o tempo esse grande escultor Yourcenar mostra como até uma estátua, perene e inerte, se altera aos olhos que quem a vê, tal como a vitória desportiva que este fim de século inflamou e sobre os atletas uma forte pressão instalou, como se o mundo, ou a vida deles, apenas dependesse desse mísero instante. São estas vitórias, mais as que Adriano teve na construção de todo o Império, que Zenão questiona. Zenão é homem, alquimista, anatomista, viajante entre outros atributos que fazem dele uma múltipla identidade, aparentemente um ser como todos nós. E nenhum de nós, mesmo o atleta mais afamado, não deixa de ser filho e, quando pai, será também motorista, cozinheiro, arrumadeiro, conselheiro e contará até 100 antes de erguer a mão a um filho por causa de uma petulante e chocante observação sobre um seu ensinamento da vida. Por parte dessa nova geração, que nos desafia e nos questiona na razão que julgamos dominar, esperamos a recriação, e porque não a invenção, de um novo olhar sobre a estátua e, já agora, sobre o desporto de competição e o significado das suas vitórias.

sábado, 19 de março de 2011

Clubes “portugueses” brilham na Liga Europa

Texto de Luís Leite cujo envio agradecemos


Pois é, o Futebol português está de parabéns.
Três clubes passaram aos quartos-de-final da Liga Europa, uma espécie de Taça para descobrir o melhor dos clubes europeus que não são muito ricos.
Só é pena que, sendo os clubes indiscutivelmente portugueses, quase todos os que jogam são estrangeiros, 90% sul-americanos.
Ou seja, clubes portugueses mas jogadores estrangeiros.

Pergunta 1:
Será que acontece o mesmo com os outros clubes de Futebol estrangeiros que andam nestas lides?
Resposta 1:
Não. Há em quase todos uma maioria de jogadores nacionais.

Pergunta 2:
Somos um país rico, que pode importar e gastar dezenas de milhões de euros por ano em jogadores estrangeiros?
Resposta 2:
Não. Somos um país pobre e à beira da bancarrota. Mas também exportamos grandes craques. Uma coisa dá para a outra.

Pergunta 3:
Os clubes portugueses são ricos?
Resposta 3:
Não. Estão sempre tecnicamente falidos.

Pergunta 4:
Os jogadores portugueses não prestam?
Resposta 4:
Temos muitos jogadores de qualidade a jogar no estrangeiro, mas para jogarem em Portugal, os nossos não servem.
As escolas dos clubes servem para descobrir jogadores para exportar.
O mercado manda que tenham nomes esquisitos, mesmo que desconhecidos. Senão não são verdadeiros “reforços”.
Se um desgraçado é português, desconfia-se e tem que correr o dobro dos outros, como o Fábio Coentrão, o João Moutinho, o Carlos Martins, etc.

Pergunta 5:
Os guarda-redes portugueses não prestam?
Resposta 5:
Alguns não são maus, mas têm o azar de ser portugueses.
Os estrangeiros devem ser melhores de certeza, porque são estrangeiros.

Conclusão:
Os clubes portugueses são bons demais para jogar com jogadores portugueses.

terça-feira, 15 de março de 2011

O desporto pode esperar

Nos anos da minha formação em educação física só tive um par de sapatilhas.Que na altura chamávamos de ténis. Umas Sanjo. E um fato de treino. Sem marca. Feito à medida e vendido na cantina do INEF.O primeiro fato de treino de “marca” só o comprei quando comecei a trabalhar numa escola. E as primeiras “adidas”foi a prenda de uma viagem a Andorra. Paga a alimentação na cantina e o alojamento no lar dos estudantes tinha por mês 30 escudos algo equivalente aos actuais 15 cêntimos. O que poupava era para comprar livros e ir ao fim-de-semana ao cinema ou ao teatro. O que já era um enorme avanço em relação aos meus pais. Onde não houve estudos, livros, cinema ou teatro. Nem sequer telefone ou televisão em casa. Mas havia algo em comum: a luta pela liberdade. E a revolta à injustiça.
Em Abril de 1974 não imaginava que havia tantos portugueses contra o regime. Recordava as dificuldades tantas vezes sentidas quer na luta estudantil, quer na luta laboral para a mobilização das pessoas. Conhecia o trabalho clandestino e, muitas vezes, a falta de apoio daqueles que supostamente seriam os beneficiários da queda da ditadura. E ouvia o que se dizia em relação a algumas iniciativas de luta armada. E essa surpresa transporto-a até hoje. A mudança rápida das circunstâncias muda radicalmente também as pessoas.
Em 24 de Abril 74 eram poucos os que se revoltavam. Mas um dia depois a surpresa era a de haver tantos revoltados. E meses depois era quase tudo revolucionário. Socialista, marxista e social revolucionário. O PS descia a avenida a gritar ”partido socialista, partido marxista”.E a JSD fazia o seu congresso com a parede ostentando as fotografias de Marx, Bernstein e António Sérgio. Todos queriam o socialismo. Como passagem para o comunismo para uns (PCP), personalista para outros (PSD) e em liberdade para outros ainda (PS). E à esquerda da esquerda a coisa ainda fiava mais fino. Eram tempos interessantes. Gente que queria mudar o mundo.Com muita generosidade e idealismo à mistura. Os tempos mudaram. Antes, tudo parecia claro. Hoje tudo é confuso. E o cepticismo tomou conta das nossas vidas. Hoje temos gente enjoativa que quer salvar o país. Dando cabo da vida aos portugueses. Eu, os meus filhos, temos vários pares de sapatos de desporto.E fatos de treino. E telemóveis. E computadores. E muita net. E muito consumo prescindível. Temos liberdade. Mas o futuro é incerto. Talvez tão incerto como nunca o foi. E, pela primeira vez, sentimos que amanhã vai ser pior que hoje.
Quem hoje está à rasca não é apenas a geração jovem, urbana, escolarizada e chique. Somos todos. E são, acima de todos nós, os reformados, os pensionistas e demais idosos com uma vida de trabalho, muitos deles com um historial de privações, que subsistem com baixas reformas, com acentuada degradação das suas condições de vida e sem qualquer expectativa de melhoria nos curtos anos de vida que ainda podem ter.E os desempregados. E de quem uma esquerda instalada e snob se esqueceu.
O que se assistiu no passado sábado foi mais do que um manifestação contra o governo. Foi uma manifestação contra o situacionismo partidário que nos conduziu a este estado de coisas. De gente, de todas as idades, que está farta. Por boas e más razões. Mas onde já não há pachorra para aturar os protagonistas habituais. Bem sei que o que desceu à rua não é, nem tem, qualquer projecto alternativo. Mas desceu para dizer basta!!! De um modo tão significativo que hoje, neste habitual espaço de comentário, o desporto pode esperar.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Governabilidade e eficiência - II

Se faltassem exemplos actuais que estimulassem a concluir o escrito que em tempos iniciei sobre o tema em epígrafe, a forma como foi apresentado aos portugueses(?) o novo pacote de medidas de austeridade levado a Bruxelas e o texto precedente de Luís Leite não poderiam constituir melhor tónico. O primeiro por espelhar o que havia abordado no texto inicial, ou seja, a responsabilidade no exercício do poder, a prestação de contas, a cultura democrática e o respeito pelas suas instituições, por quem as representa e elege; o segundo por traduzir, no que concerne à realidade desportiva, uma marca impressiva desse quadro de valores.

A colonização do desporto, com o beneplácito do Estado, por uma agenda higienista e salutogénica, com um assinalável suporte financeiro e lobby político, da indústria farmacêutica, de cadeias comerciais e de uma miríade de empresas que gravitam em torno dos conceitos de recreio activo, fitness, wellness, etc.., expressa um problema no domínio dos valores do desporto que se encontra a montante desta discussão, mas com uma influência decisiva sobre a forma de praticar, consumir e programar politicamente este bem público.

Talvez sem o impacto e visibilidade destes casos que pululam pelo país de pôr o desporto ao serviço de objectivos de saúde pública, que, naturalmente, lhe são estranhos, o desporto navega ao sabor de outros interesses, desde o urbanismo, ao turismo, à economia regional, passando pela educação, até à inserção social. Para todos eles o desporto é um valioso contributo. Como se fizesse pandan com todos.

Mas e os objectivos específicos do desporto? Os resultados desportivos no alto rendimento? O esforço, a medida, a regra, a repetição, a perseverança, a superação? A generalização da prática desportiva regular nos vários segmentos populacionais? A qualidade da formação desportiva? A funcionalidade e gestão do parque desportivo? Esses parecem ficar para segundo plano se atestarmos aos indicadores europeus. Quanto mais se aproxima de outros interesses, mais se alheia daqueles que constituem a sua essência.

A tendência premente - quer ao nível governamental, central e local, quer no próprio movimento federativo - de se apoiarem fortemente eventos desportivos de elite, sempre que possível mesclados com uma agenda ou uma causa social a preceito e uma participação massiva de cidadãos anónimos, com o objectivo de capitalizar apoios políticos e, por outro lado, angariar patrocínios e acordos comerciais cada vez mais relevantes pode ter um impacto potencial devastador.

Desde logo por não ser segura a relação directa entre o aumento de competições desportivas de alto nível no nosso país e os resultados desportivos alcançados no alto rendimento. Possivelmente ocorrendo, por vezes, até o inverso.
Depois, naqueles eventos abertos à participação de todos os cidadãos, por não existir qualquer indicador que comprove o seu inquestionável contributo para a generalização de hábitos de prática desportiva.
Também nas instalações sub-utilizadas e com elevados custos operacionais se faz sentir o peso do desporto ser uma preocupação política residual, instrumental e sem imputação política relevante pela sociedade civil, como o atestam um e outro caso recente. Isto, no actual contexto, para não qualificar, a ser verdade a noticia, a redução de IVA para o golfe.

Mas se estes são argumentos críticos que por vezes se invocam, já não tendem a ser equacionadas as consequências do facto dos poderes públicos - e aqui com especial incidência no poder local - ao tomarem estas opções em torno de eventos de cariz mediático, se substituírem à oferta desportiva privada, associativa ou empresarial, e com isso debilitarem os mecanismos de apoio à actividade regular dos clubes, ou a eficácia da resposta que o município deve dar aos que efectivamente procuram serviços públicos desportivos fora daquelas estruturas, devido à idade, à condição económica ou a outros factores.

Ora, mirando os seus instrumentos de gestão previsional destinados ao desporto, facilmente se constata um generalizado crescimento exponencial no apoio autárquico a eventos e competições, de maior ou menor impacto mediático, numa desproporcionalidade gritante em relação ao apoio regular ao movimento associativo desportivo local, subvertendo aquilo que são as suas competências em matéria de desenvolvimento desportivo e valorização da autonomia do tecido associativo.

É tentadora a ligação do desporto - ou, melhor, do que se julga tratar de desporto - à saúde, ao turismo, à regeneração urbana ou a outros sectores que supostamente o podem “valorizar”, com projectos chave na mão em troca de um envelope financeiro, nomeadamente num período de crise; porém, normalmente paga-se caro andar apenas atrás do dinheiro sem uma política sustentável, uma vez que não há almoços grátis.

O desporto tem sido um elemento valorizador para todos estes sectores, sem conseguir, contudo, obter a devida reciprocidade e retorno. E aqui também se inclui o desporto profissional. Poder-se-à, a partir deste diagnóstico, reduzir o problema a elementos de escala e à disparidade de recursos disponíveis e, convenientemente, ficar-se por aqui. O célebre “É da vida”.

Contudo, caso se pretenda aprofundar, quiçá reverter o processo, e optimizar os apoios provenientes destes sectores, internalizando valor e eficiência no desporto português, não é possível as opções e prioridades políticas dos seus intervenientes persistirem em desvirtuar a sua missão, seja ao abrigo de projectos pessoais ou de interesses conjunturais alheios, ainda que financeiramente apelativos, os quais - é bom ter bem presente - progressivamente delapidam a identidade cultural do desporto e o património civilizacional e humanista que edificou ao longo de gerações.

Tudo isto por entre discursos laudatórios que proclamam à exaustão os valores do desporto que importa preservar. Brecht não o faria melhor!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Mini-caminhadas, sardinhadas e T-shirts

Texto enviado por Luís Leite que se agradece

Não posso deixar de continuar a pugnar pela demonstração de quão falaciosa pode ser a política de apoio financeiro público a actividades supostamente desportivas mas que não passam de fingimento “politicamente correcto”.
Uma das características mais vincadas destes últimos Governos é a necessidade de efectivar políticas eleitoralistas.
O eleitoralismo levado ao extremo, passa pela propaganda (sobretudo) e efectivação (mascarada) de actividades que, sendo em tese politicamente correctas, se limitam a enganar o cidadão eleitor médio, naturalmente pouco culto e ainda menos informado.
Refiro-me à combinação, em determinados “eventos desportivos” de corrida pedestre com impacto nacional, distrital ou regional, de competições desportivas para federados, muitos deles profissionais, com outras pseudo-competições de massas em que o conceito de corrida se esbate progressivamente até chegar às denominadas “caminhadas” e, mais recentemente às “mini-caminhadas”.
Ao Poder e às organizações que vivem do financiamento público, interessa misturar tudo e vender o produto como se de uma mesma “coisa” se tratasse, já que o que interessa é a quantidade de pessoas envolvidas nos eventos, sendo a qualidade claramente secundarizada e apenas um pretexto para lançar a confusão falaciosa de que o povo agora já se “mexe”.
A corrida pedestre, tal como qualquer outra disciplina do Atletismo, tem níveis diferenciados de qualidade, resultado de diversos factores como o talento natural, a dedicação ao treino, o espírito de sacrifício, a vontade de auto-superação.
É completamente diferente “correr” uma meia-maratona a ritmos (por Km) de 2 minutos e 40 segundos, 4 minutos, 6 minutos ou 10 minutos.
Tal como correr os 100m em 10.20s, 12.00s, 15s ou 25s.
Ou saltar em altura 2,25m, 1,80m, 1,40m ou 0,60m.
Curiosamente, o populismo das organizações associa o “desporto” à “saúde” em tudo o que seja andar a pé, mesmo que a ritmos baixíssimos e de modo eventual, muito espaçado no tempo, com ou sem pretextos de atravessar pontes, etc. Mas não o faz com outras especialidades de pista, a um nível qualitativo semelhante mas muito menos visível.
É urgente esclarecer de uma vez por todas que mini-caminhadas, com ou sem sardinhadas, T-shirts e medalhas para todos não é Desporto.
É anti-Desporto. É a desconstrução do conceito de Desporto, que envolve necessariamente níveis competitivos de qualidade razoável. Valorizando e premiando os melhores.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Vidas díficeis

Os percursos desportivos de Vanessa Fernandes e Albertina Dias são diferentes. E as suas situações de vida também. Mas há algo comum: o modo como construíram a carreira desportiva. A qual comportou sempre um elevado grau de risco. E com ela a insegurança. No caso da Vanessa uma suspensão desportiva precoce. No caso da Albertina a ausência de um projecto de vida pos-carreira desportiva. E, em ambas as situações, há o risco, mais numa que em outra, de procurar no Estado a solução para os problemas descritos. Ora, quer um, quer outro dos problemas, têm razões a montante do Estado. E essas razões bem podem ser evidenciadas pelo testemunho, também recente, de um jogador internacional de futebol júnior, Taira, aluno brilhante no ensino secundário e de notas elevadas numa das mais exigentes universidades portuguesas em economia e gestão.
Este último recusa-se a deixar de ser o aluno brilhante que é para ser jogador de futebol. Mas também não quer deixar de continuar a ser um excelente jogador de futebol correndo risco de deixar de ser o aluno que é. E, portanto, quer estudar ao mais elevado nível de exigência académica e treinar ao mais elevado nível da sua modalidade.
Os casos Vanessa e Albertina foram o inverso. Deixaram tudo para fazer desporto. A Vanessa fê-lo de tal modo que, como era expectável, se saturou. E pediu para parar. A Albertina teve uma vida pessoal e familiar adversa e é hoje confrontada por uma situação em que não tem recursos para viver com um mínimo de segurança.
No caso do jovem futebolista provavelmente há uma família que o prepara e que o orienta.O paraíso do desporto é apenas uma possibilidade sem descartar outras preparações para a vida. Nos outros dois casos, as opções de “só” desporto, teriam sido, suponho, solidárias com as respectivas famílias. Na expectativa, porventura, de uma mobilidade social ascendente e proveitos bem mais difíceis de alcançar se a opção fosse outra. Quantos casos existirão com situações idênticas mas de menor peso mediático? Provavelmente muitos. Ao lado de outros, com percursos semelhantes e que conseguiram, no final das carreiras desportivas, com maior ou menor dificuldade, uma inserção no mercado trabalho ou outro e têm as suas vidas organizadas.
Mas vejamos o assunto pelo lado de quem organiza a vida desportiva dos atletas. Está a vida desportiva organizada para poder ser conciliável com a preparação para uma outra actividade profissional? Fazem tudo quanto está ao seu alcance para evitarem a “profissionalização” desportiva precoce? Preocupam-se com a escolaridade e a progressão dos jovens desportistas nos estudos? Os quadros competitivos, os estágios e as selecções levam em consideração os calendários escolares? Persuadem os jovens talentos de que precisam de qualificações profissionais que se não podem esgotar no desporto? Não creio haver apenas uma resposta. Haverá seguramente quem se preocupa e quem diga que se preocupa.
Nestes tempos, um jovem, com habilitações profissionais, corre igual risco de ausência de emprego que um outro que as não tem. Mas, apesar de tudo, está preparado para uma profissão. Quem as não tem, nem isso está. Ora a ausência dessa preparação não pode ser imputada ao Estado. E não é ao Estado que tem de se pedir responsabilidades pelo facto de a opção pelo desporto ter sido feita com prejuízo de um outra preparação para vida para o pos-carreira desportiva. Ao Estado deve-se pedir mecanismos de conciliação entre a preparação desportiva e a preparação escolar/profissional. No limite condições de facilitação profissional no pos-carreira.E reconhecimento por elevados serviços desportivos prestados ao país quando é caso disso. Mas não é á porta do Estado que se tem de ir bater quando voluntariamente se optou por uma carreira desportiva com a exclusão de tudo o resto. E em que o sistema desportivo ignorou por completo que há mais vida para além do desporto.
A resolução deste problema não está no prolongamento de bolsas ou criando fundos de apoio financeiro. Resolve, a curto prazo, o problema de alguns. Mas não resolve o problema de fundo. E esse não é da exclusiva responsabilidade do Estado. Pertence também às famílias, aos clubes e às federações desportivas. Pensando que a vida se não esgota numa carreira desportiva e que é preciso estar preparado/habilitado para o que vem a seguir. Que é sempre bem maior.

terça-feira, 8 de março de 2011

Dia da Mulher, uma história de relações

Hoje é Dia da Mulher e a história das mulheres é uma história de relações, de relações de género, de relações de produção, de relações familiares, de relações institucionais, de relações de poder entre todas estas relações. Acabei de ler um livro de David Lodge, um homem que escreve um romance no qual trata este emaranhado de relações através de um argumento, que tem tanto de hilariante e cómico como de cínico e gozão, no qual explora o encontro forçado de uma feminista com um gestor de uma fábrica numa pequena cidade inglesa, nos idos anos 90.

Só David Lodge para ver nas chaminés das fábricas os símbolos fálicos do capitalismo industrial que, nos anos de pujança, proliferaram e entraram céu adentro. Só Lodge para colocar uma feminista, professora universitária de literatura, a viver um dia por semana numa dessas fábricas que nem sabe bem onde ficam e que, desorientada na rede viária urbana e não querendo chegar atrasada no 1º dia, olha em volta em busca da tal chaminé esquecendo que a fonte de energia se alterou e, com ela, o símbolo também se quedou. Lodge coloca-a perante o hiato insanável entre os muitos homens que dia a dia lidam com máquinas sujas e barulhentas e uns poucos que, nos escritórios de ar condicionado, norteiam estratégias com vista à redução de custos de modo a ganhar a competição face a outros sectores de idêntica produção para, deste modo, manter o emprego de todos, ou então não. Sim porque a aquisição de novas máquinas, como ela ingenuamente dará conta, procura reduzir o número de homens necessário ao seu manuseamento e, com isso, as despesas.

Só Lodge para colocar a fábrica face à universidade, a produção de objectos face à produção de ideias, a objectividade de uns face à subjectividade de outros. E quando chega a vez do gestor da fábrica viver um dia por semana na Universidade então sim a questão da utilidade do saber académico toma acuidade e, aos seus olhos, tudo é estranho, para não dizer improdutivo, desde a colegialidade na tomada de decisões até ao tempo gasto em conversa na sala dos professores, para não falar nas discussões de gabinete nas quais professora e alunos debatem, durante horas, produções de significado de textos escritos no início do século passado. O sistema baralha-o e o director, meio surdo, também não o elucida do paradoxo que ali se vive: ela é a professora que mais alunos tem e mais livros escreve e que, no fim do ano lectivo, vai para a rua porque há excedente e ela não tem "vínculo". Afinal o que é que a universidade produz e como é que se avalia essa produção? É este pragmatismo fabril que chega à universidade inglesa nos anos 90, trazido pelas reformas da Srª Tactcher, que hoje aplicamos na academia sem grandes alardes.

Lodge diverte-se e diverte-nos a explorar nas relações de género as relações de produção, com as hierarquias perante a natureza do trabalho, as relações familiares, com a diferença entre as gerações, as relações orgânicas institucionais, com a academia a ensinar literatura a alunos enfastiados e a fábrica a carburar graças à força do trabalho de emigrantes asiáticos.

E agora perguntam todos, que tem Lodge a ver com o desporto? Nada e tudo. Nada porque a obra se chama "Um almoço nunca é de graça", i.e., alguém tem sempre que o pagar, uma alusão ao custo benefício, à dávida que nunca é gratuita e requer retribuição! Tudo porque estamos no território das relações de troca e também da competição.

Concretamente, na obra a prática desportiva entra no quotidiano dos personagens muito discretamente. O facto do desporto não ser o palco da luta indica já um outro tipo de relação que, no presente, com o corpo establece. A professora tem a prática desportiva entranhada na rotina e, não obstante a sua posição precária na universidade e a sua baixa remuneração, não deixa de ir ao health club jogar com a sua parceira de squash, com quem também faz sauna para relaxar da intensidade do exercício e com quem desabafa as agruras vividas. Para a professora feminista o corpo é central na sua preocupação porque é um terreno ideológico de lutas pela indepêndencia, nomeadamente sexual, podendo até tornar-se um problema semiótico quando se trata de vesti-lo e, por isso, se demora na selecção da roupa para a sua primeira visita à fábrica.

Para a mulher do gestor, doméstica que cuida da casa a rigor e dos filhos com primor, um trabalho demorado que levará a obra inteira para finalmente ser por todos valorizado, a idade do corpo mede-se na consistência do redondo das ancas e o exercício físico entra na sua vida por reacção ao alheamento sexual do marido. É ela quem compra a bicicleta de interior e se fecha num quarto iludida, segundo o marido, pelas receitas das revistas e magazines que, digo eu, mostram corpos ideais e felizes, supostamente, depois de sujeitos a umas horas de exercício, a umas dietas de toranja e, ainda, uns depurativos feitos de flores decorativas (este último ingrediente escutei num anúncio da rádio e adorei). É nesta mulher que recai toda a obsessão moderna da estética do corpo, quer a da gordura que com o tempo se acumula, quer a da cor leitosa dada pela genética e pela a invernia. É também esta mulher, que compra a máquina solar, a mãe de uma filha para quem o corpo é um panfleto no qual se inscreve a sua identidade por inteiro. Sobre esta filha pouco sabemos e, para além das suas dúvidas sobre o que fazer à vida ou aos estudos, o texto sobra na descrição sobre o seu vestuário negro e imagino também que trata o cabelo como uma onda paralisada por um flash fotográfico.

É com estes personagens de ficção que David Lodge ajuíza sobre o grande emaranhado de relações de poder que caracterizam a nossa vida quotidiana. É neste dia de Carnaval - um dia de inversão do poder por excelência - que, por ironia, também se celebra, e celebro, o Dia da Mulher.

domingo, 6 de março de 2011

Os efeitos pigmaleões de José Couceiro

Não sou do tempo de José Couceiro enquanto jogador. Conheci-o quando ele deambulava uns dias pela Faculdade de Motricidade Humana. Conheci-o enquanto um misto de gestor desportivo, director do Alverca FC, enquanto a figura mais próxima que existe em Inglaterra, de Manager.

Era e é uma figura moderna na óptica de um gestor desportivo. Continuará a ser um exemplo enquanto gestor desportivo. E por isso não se consegue perceber como alguém que possui a posição dele (não falo de clubes, apenas de responsabilidades transversais e competências que lhe são reconhecidas) quando vem dizer que interessa que a Liga esteja nivelada por baixo. Que a competividade não interessa aos outros clubes. Que não é na adversidade que se evolui. Que a competição entre mais clubes qualitativos não consegue proporcionar melhoria. Que interessa ao Benfica e Porto que o Sporting continue por baixo para não competir? A única liga que se assemelha a isso é a Escocesa e os dois clubes grandes passam a vida a querer sair porque Liga competitiva equivale a mais receitas e vem José Couceiro defender que se quer isso por parte do Benfica e Porto?

Para alguém como José Couceiro ou outro qualquer dirigente que se encontra na posição dele, parece-me que fomentar a mediocridade como o nível desejado para que não se tenha de evoluir é estranho. Menos estranho é verificar que estas declarações apenas aparecem enquanto treinador. Enquanto director esteve sempre isento nestas 'polémicas'.

Parece que quando se chega ao papel de treinador, o que esperamos deles é mais forte do que os seus hábitos. É um saco, onde cabe este ou aquele. Triste que se fomente o clubismo assim. Dizia Covey que quando se considera que o problema são os outros, esse em si é o grande problema.

Gostaria que José Couceiro fizesse parte das soluções, não apenas no seu clube, mas em todo o desporto/futebol nacional. Esperemos que ainda se consiga preservar.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Os melhores do Mundo

Quando Jorge Mendes afirmou, momentos antes de ser eleito o melhor Agente FIFA do ano de 2010, que Cristiano Ronaldo e José Mourinho iriam ser considerados o melhor jogador e treinador de futebol de todos os tempos, quem terá beliscado, o Maradona jogador ou até mesmo o Maradona treinador?

Aparentemente nenhum deles.

Em 24 de Fevereiro, os jornais desportivos Record e A Bola davam conta de que Diego Maradona, em entrevista ao jornal Marca, tinha afirmado que sendo ele o Presidente do Boca Juniors, ou de outro grande clube, Contratava Mourinho em vez de Guardiola.

Aparentemente, tal afirmação teria tanto de inocente como de descomprometimento, não fosse surgir no dia seguinte a notícia de que a Gestifute, empresa detida por Jorge Mendes, e que representa José Mourinho (a par de C. Ronaldo), passaria a representar Maradona na Europa.

Tanto quanto foi avançado na comunicação social, esta ligação teria começado com a visita de Maradona a Valdebebas, após a qual, José Mourinho, Jorge Mendes, Diego Maradona e C. Ronaldo se reuniram em casa do treinador português para alinhavar a nova “contratação” da equipe Gestifute, como consta da edição impressa do jornal Record de dia 25 de Fevereiro.

Se por um lado Jorge Mendes ganha um enorme aliado no “recrutamento” das jovens pérolas argentinas, adiantando-se aos demais Agentes FIFA, por outro, fica-se a perceber que a Team Gestifute é bastante vasta, fixando-se um pouco por todo o lado, com orientações bem definidas e em que nada parece suceder por acaso.

Uma lei para todas as modalidades desportivas?

De um nosso visitante, Victor Martins, publica-se um texto que vivamente se agradece.

O litígio que dura há cerca de dois anos em relação ao Regime Jurídico das Federações Desportivas tendo como principal interprete as associações regionais de futebol terá razão de ser?
O RJdFD é uma lei consentânea com todas as modalidades desportivas ?
São estas as interrogações que hoje mais que nunca importa colocar a todo o associativismo desportivo.
O diploma legislativo publicado no último dia do ano de 2008, há mais de dois anos, no seu preâmbulo cita claramente os seus objectivos pelo que logo se adivinha o seu destinatário directo.
O RJdFD foi feito para o futebol e aplicado de maneira generalizada e, talvez, cega, sem ter em conta as especificidades e a maneira de vida das outras modalidades.
A intenção de impor a democratização e a ética às federações desportivas para a resolução de problemas naquele âmbito são contra-natura de uma coisa que devia ser natural e não necessitar de imposições.
Porém, no que concerne à democracia a lei deixa algumas dúvidas na sua implantação, pois, estipula a concentração de poderes e permite para diversas situações tratamentos diferenciados, que merecem ser no mínimo avaliadas.
O seu texto merecia uma apreciação e uma nova forma seria importante.
Porque:
O teor da lei nasce de uma filosofia legislativa assente na organização e funcionamento das federações, de associações de clubes e de sociedades desportivas e, ainda, no modelo de associações territoriais de clubes baseado num único conceito comum estendido a todas as modalidades que perfazem mais de sessenta.
A existência de uma outra perspectiva seria útil para a criação de uma legislação que enquadrasse todas as modalidades, diferenciando-as e integrando-as, nas seguintes vertentes:
- Desporto Negócio (não há que ter medo da palavra) e Desporto profissional.
(No desporto negócio devem ser incluídas as “escolinhas” de futebol por nada ter a haver com a formação tradicional do jogador de futebol e das outras modalidades).
- Desporto não Profissional (Modalidades de Alto Rendimento/Alta competição).
- Formação Desportiva (Formação Geral e sob Contrato de Formação Desportiva).
- Desporto Amador.
- Desporto Escolar.
- Desporto Lúdico.
Com este sistema, isto é, com as federações integradas correctamente na vertente da sua actividade, é presumível que passasse a haver para cada modalidade a sua verdade, impedindo as “habilidades” que andam por aí.
Também é importante evitar-se a concentração num só órgão do poder legislativo e de execução de cada modalidade, bem como a discrepância entre a e a não obrigatoriedade de ratificação em assembleias gerais de regulamentos internos.
Exposto isto, voltamos a perguntar:
O RJdFD é uma lei consentânea com todas as modalidades desportivas ?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Sozinho vais mais rápido, em equipa vais mais...

Longe! Li este lema no outro dia. Algo que em poucas palavras resume a razão de estarmos 'perto'. A ideia de se trabalhar em equipa é contagiante, talvez pela moda, pela imagem positiva que passa, mas que esconde as dificuldades de conjugar os inúmeros processos de grupo que compõem as equipas e as diferenciam de grupos ou aglomerados de pessoas.

Possivelmente em Portugal o local onde mais e melhor se trabalha em equipa é no desporto, especificamente, nas equipas desportivas. Mesmo em desportos individuais, em que um conjunto de técnicos trabalha para o objectivo comum, nem que se resuma a um atleta. Infelizmente, com o mediatismo de algumas modalidades desportivas vamos observando que alguns dirigentes desportivos pretendem sempre que o seu objectivo individual esteja à frente do seu grupo e utilizam estes canais como promoção apenas pessoal.

O próprio desporto na parte mais administrativa e de gestão não consegue seguir os exemplos das equipas desportivas e é difícil de perceber o 'porquê' de equipas a desenvolver processos claros e os seus dirigentes desportivos a remarem para locais diferentes, quando não opostos.

Robbins (2001) afirma que 80 % das organizações americanas fazem uso da equipa como forma de desenvolver as suas actividades enquanto na Europa a percentagem ronda os 84 %. Provavelmente o estudo Europeu não incluiu alguns países como Portugal ou então, a média indica-nos que em alguns países a média tem de ser bastante mais alta para compensar os outros valores inferiores em alguns países mais latinos, onde a prática é de uma menor inclusão das pessoas no trabalho desenvolvido e onde o compromisso entre as tarefas e as pessoas é baixo. As recentes formas como alguns assuntos têm sido debatidos, ou reformulando, como essa informação chega até ao público pelos meios de comunicação, faz-nos pressupor que se de democracia mas algumas entidades estão longe de praticar.

O desporto em Portugal – se for possível denominar todo um movimento desportivo em redor de algo semelhante a um sistema – podia e devia ser o sistema ou área social onde menos deveríamos observar comportamentos egoístas, desalinhamento, falta de comunicação e incapacidade para lidar com conflitos.

Mais na modalidade de Futebol, é verdade, resta saber se apenas por ter mais notoriedade, mas sendo um ‘mal’ transversal no desporto, assistimos a corridas tresloucadas de dirigentes em fuga para atingirem vitórias pessoais. Aqui fica a minha dúvida se conseguem ir mais rápido e se para algum lugar.
Um voto que perante alguns desafios a curto prazo, os dirigentes possam aproveitar os momentos mais complexos e dar um passo sustentável em frente. Para que nada possa voltar atrás e muitas vezes, mais atrás do que se estava.