domingo, 31 de março de 2013

Habemus Constantino



Texto publicado no Público de 31 de Março de 2013.


1. No dia seguinte à vitória de JMC nas eleições para presidente do Comité Olímpico de Portugal, a minha mulher, chegando mais cedo ao café, logo de manhã, presenciou a seguinte cena. Um cliente olhava para a televisão e, dando conta da notícia dessa vitória eleitoral, com imagens de JMC, adiantou: este é que tem uma tarefa fácil. Pior do que o anterior não pode ser.
2. Este texto não é fácil de escrever para quem, como eu, nem dele próprio tem uma óptima opinião e, por via disso, não é nada pródigo ao elogio de terceiros.
Difícil se torna também por ter uma relação de respeito e de admiração – há uns anos a esta parte – para com JMC.
Mas acho que devo dizer algo neste momento que, para muitos, se vê como de verdadeira revolução no associativismo desportivo nacional.
Palavras ainda justificadas pelo manifesto desagrado da nomenclatura dominante e do Secretário de Estado Mestre Picanço. Tudo foi tentado, até ao último momento, para que JMC não viesse a colocar em crise a paz podre reinante.
3. Dito isto, será de concordar com o senhor que vive na nossa rua? É assim tão fácil a tarefa de JMC?
Não o creio. Tem razão esse senhor quando estabelece a comparação pois o argumento prova em demasia.
O que se encontra em causa não é o juízo a obter dessa comparação, a qual, se formos rigorosos, nem é possível fazer, tal a diferença abismal entre as formas de encarar o exercício do cargo e o portefólio de competências e saberes dos dois termos da comparação.
4. JMC é um dos pensadores do desporto em Portugal e eles escasseiam. Os seus registos escritos e falados dão conta de um conhecimento profundo e não dogmático de todos os segmentos que compõem o universo desportivo.
É esse capital de conhecimentos, a ser aplicado agora no comando de tão importante instituição que constitui verdadeiramente o seu termo de comparação.
5. Aqui chegados, não antevemos uma tarefa facilitada. Bem pelo contrário.
JMC “entra” em ambiente que que se move num quadro de registos bem específicos, muitos deles que não tenho por positivos. Mas essa é a minha opinião.
De todo o modo, como vejo as coisas, com JMC é uma nova maneira de pensar o desporto que chega ao Comité Olímpico de Portugal e não tenho a certeza que se encontre devidamente interiorizada em todos os seus membros.
6. Não avaliarei JMC pelo número de medalhas alcançadas em 2016.
O meu balanço coloca-se noutro patamar: na evolução da forma de agir, em conformidade ou não com aquilo que é e vale JMC, pelos membros do Comité Olímpico de Portugal.

quinta-feira, 28 de março de 2013

“O conhecimento é universal”: João Boaventura


Serei breve neste registo, mas não poderei deixar de expressar sentidas palavras para um dos homens que muito me sensibilizou nos últimos tempos e com o qual estabeleci uma relação invulgar de nobre cordialidade e amizade.
Recebi o seu último email em 4 de fevereiro deste ano, não nos despedimos, mas também nunca nos apresentamos. Conhecemo-nos neste blog e paulatinamente estabelecemos laços que se iniciaram por partilhas de informações de índole desportiva e jurídico-desportiva e se fortificaram com a troca de poesia, de música, de paisagens, de livros, de fotografias, enfim, momentos repartidos muito bonitos, muito ricos que nos levaram a sorrir, a refletir, a contemplar e até a chorar como, sem qualquer pejo, ambos confessamos.
Infelizmente, não sou a pessoa mais habilitada para falar de João Boaventura, do seu percurso e méritos profissionais, da sua personalidade e carácter. Não lhe conheci sequer o sorriso, o olhar ou a voz, mas conheci, ainda que uma ínfima parte, a sua delicadeza, a sua elevação no trato, a sua bondade, a sua cultura, a sua vontade em partilhar o conhecimento, pois entendia que este é universal.
Vai ser difícil, e sobretudo muito triste, abrir continuamente o correio electrónico e não voltar a ter as surpresas do João, o meu bom amigo dos dois últimos anos!

quarta-feira, 27 de março de 2013

Compreender o momento de José Manuel Constantino como Presidente do COP


Publica-se texto de Fernando Tenreiro que muito se agradece.

 
Foi voltada uma página importante do desporto português por escolha democrática bem marcada do colégio eleitoral da principal instituição desportiva nacional, o Comité Olímpico de Portugal.

Ao longo do processo eleitoral as federações rejeitaram os representantes da continuidade e preferiram a alternativa JMC. Esta alternativa não esteve só porque à partida havia outras duas, trabalhando na mesma área dos princípios, uma mais ligada ao núcleo das federações e a outra mais ‘pura’ do ponto de vista de um partido. As duas opções também foram afastadas pelo colégio eleitoral.

Há uma alegoria do cineasta Pasolini, através do western spaghetti, em que o protagonista, o próprio Pasolini, refere que o chefe da quadrilha é aquele que é mais rápido a disparar do que os outros e que em qualquer momento pode deixar de o ser, havendo outro mais lesto.

A dificuldade do desporto português está não só na eleição de líderes adequados à resolução dos desafios mas também na criação de instituições de correcção dos resultados menores surgidos ao longo do tempo. Sem esta última capacidade os resultados menores transformam-se em maiores e também em desfechos de imensa dimensão e as maiores anormalidades tornam-se aceitáveis.

A eleição de José Manuel Constantino, que saúdo inequivocamente, é um desafio para o desporto português na preservação do que de melhor a candidatura vencedora trouxe e é um desafio não menos importante na compreensão do que pode ser feito ainda melhor para bem do desporto português.

Vivemos um momento de esperança face não só aos desafios próprios do desporto português mas também aos desafios ainda maiores que a política e a economia portuguesa têm introduzido no desporto nacional.

Foi muito importante ter sido voltada esta página da história do desporto português.

Por fim, recorde-se o momento da libertação e de chegada ao poder de Nelson Mandela e que hoje sabemos como ele teve o saber de nos anos seguintes contrariar posicionamentos de toda a nação sul-africana, relatados no filme Invictus.

José Manuel Constantino é o protagonista da enorme esperança de um futuro melhor que o desporto português interiorizará neste momento.


domingo, 24 de março de 2013

Não é que não acredito nisto?


Texto publicado no Público de 24 de Março de 2013


1. Quinta-feira passada o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança.
Reza o comunicado oficial, entre outros aspectos, que a proposta promove uma maior responsabilização dos promotores dos espectáculos desportivos, agravando-se o regime sancionatório, nomeadamente pela possibilidade de recurso à punição directa, solução que é decalcada das melhores práticas internacionais. Reveem-se as responsabilidades individuais dos adeptos e as regras relativas à possibilidade da interdição de acesso a recintos, bem como o regime aplicável aos grupos organizados de adeptos e à sua relação com os clubes, associações e sociedades desportivas. Estabelece-se ainda um mecanismo que permitirá que se proceda a uma mais adequada contenção de adeptos desportivos condenados noutros países, por aplicação de medidas de interdição de entrada em recintos desportivos ou sanção equivalente. Neste âmbito, o ponto nacional de informações sobre futebol assumirá um papel fundamental.
2. Na mesma reunião aprovou-se, na generalidade, uma alteração ao regime de policiamento de espectáculos desportivos realizados em recinto desportivo e de satisfação dos encargos com o policiamento de espectáculos desportivos em geral.
Esta alteração determina que os espectáculos desportivos integrados em competições desportivas de natureza profissional, como tal reconhecidas nos termos da lei, devam sempre, obrigatoriamente, ser objeto de policiamento.
Quanto a este último texto ele representa mais um acto de uma trágico-comédia normativa do Governo e insere-se, por outro lado, num beco sem saída a que tinha chegado a segurança nas competições profissionais de futebol. A ver vamos se desta o Governo acerta e não repete o espectáculo que iniciou com a publicação do “novo diploma” sobre o policiamento, em parte afastado posteriormente por “instruções administrativas”.
3. No que respeita à “lei da violência”, ainda a aprovar pela Assembleia da República, conseguimos fazer um prognóstico antes do fim do jogo, quanto à sua ineficácia.
Como é possível adiantá-lo sem conhecer o texto da proposta, questionará legitimamente o leitor?
Eis, no essencial, a minha explicação.
4.Coube ao Decreto-Lei nº 339/80, de 30 de Agosto, concretizar as primeiras medidas tendentes a conter “ a curto prazo” (como afirmava) a violência nos recintos desportivos.
Esse diploma veio a ser alterado pela Lei nº 16/81, de 31 de Julho e, mais tarde, pelo Decreto-lei nº 61/85, de 12 de Março.
5. Sucede-lhes o Decreto-Lei nº 270/89, de 18 de Agosto.
6.Depois veio a Lei nº 38/98, de 4 de Agosto.
7. Depois (II) a Lei nº 16/2004, de 11 de Maio.
8. Depois (III) a Lei nº 39/2009, de 30 de Julho.
9. Agora, algures no tempo próximo, uma lei “nova” em 2013.
10. Todas as leis anteriores foram apresentadas, em manifesta propaganda política, como encerrando um ponto final miraculoso nesta matéria. Sempre de acordo com as melhores práticas internacionais.
Todavia, sempre “morrendo”, alguns anos depois, por não lograrem atingir os objectivos a que se propunham.
É desta? Não, claro que não.
Enquanto não se cortar a seiva negra que liga os clubes às claques, bem podem fazer periodicamente novos diplomas.
Enquanto o Estado – e toda Administração Pública – não fiscalizar rigorosamente o cumprimento da lei – de qualquer lei, velha ou nova – e omitir-se do exercício dos seus poderes/deveres, eu acertarei sempre nos meus prognósticos neste domínio.

domingo, 17 de março de 2013

Assim se “fazem” sociedades desportivas em Portugal


Texto publicado no Público no dia 17 de Março de 2013.

1. Não julgue o leitor, menos dado a esta “coisa” das leis, que o registo é exclusivo do legislador desportivo. Longe disso. Apenas sucede que olho mais para as performances das leis do desporto. Outros detectarão sinais de como o legislador – seja a Assembleia da República, Governo ou assembleias legislativas regionais – leva a cabo a sua função.

2. Dispõe a Lei nº 5/2007, de 16 de Janeiro – Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto -, no seu artigo 27º, nº 1:são sociedades desportivas as pessoas colectivas de direito privado, constituídas sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é a participação em competições desportivas, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada no âmbito de uma modalidade.
Ou seja, uma sociedade desportiva só pode ter uma forma: a de sociedade anónima. Ou seja 2: essa sociedade desportiva só pode ter, como «objecto» uma modalidade desportiva.

3. O Decreto-Lei nº 10/2013, de 25 de Janeiro, veio estabelecer novo regime jurídico das sociedades desportivas.
Duas questões se me colocam. Vejamos a primeira.
De acordo com o seu artigo 2º, nº 1, entende-se por sociedade desportiva a pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima ou de sociedade unipessoal por quotas cujo objecto consista na participação numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espectáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades que estas sociedades têm por objeto. E o nº2 completa: um clube desportivo que constitua uma sociedade para mais do que uma modalidade desportiva só pode ter uma única sociedade desportiva.

4. O confronto – entre a lei de bases e o seu diploma de desenvolvimento – e o resultado parece-nos claro: o novo regime não respeita a lei de bases em dois momentos nucleares. Alarga a forma de constituição e possibilita que uma mesma sociedade se dedique a mais do que uma modalidade desportiva.
Onde fica o valor reforçado da lei de bases?

5. Por outro lado, o artigo 33º do novo diploma determina que as normas entrem em vigor no dia 1 de Julho de 2013, sendo aplicável às sociedades desportivas que pretendam participar em competições profissionais (só as há no futebol) na época desportiva 2013/2014.
A época desportiva do futebol inicia-se, precisamente a 1 de Julho.
Isto é, impõe-se que os participantes tenham nesse dia uma forma societária, sendo que só a partir daí a podem adquirir. Espectáculo.

6.Mas, a respeito deste último aspecto, o legislador já deu pelo erro de Janeiro.
 Na passada quarta-feira, o Conselho de Ministros aprovou um diploma que vem alterar o diploma.
Vejamos a informação dada: o Conselho de Ministros aprovou uma alteração ao diploma que veio estabelecer o regime jurídico das sociedades desportivas a que ficam sujeitos os clubes desportivos que pretendem participar em competições desportivas profissionais. Mantendo-se a intenção de aplicação do novo regime às sociedades desportivas que pretendam participar em competições profissionais na época desportiva de 2013/2014, opta-se por antecipar a entrada em vigor para 1 de maio, de modo a que as sociedades desportivas em causa adaptem as suas estruturas atempadamente sem qualquer perturbação à época desportiva de 2013/2014, especialmente tendo em conta os respectivos prazos de inscrição. Eufemismos no reconhecimento de um erro crasso

domingo, 10 de março de 2013

O Presidente da República, o Desporto e a Justiça


Texto publicado no Público em 10 de Março de 2013.


1. Sei que o momento que se vive, em termos económicos e sociais, a «crise», ocupará, por certo, muito do tempo e da reflexão da Presidência da República. Tenho consciência de que falar de desporto, referir algo que se entende importante nesta área de vivência social, representa para uma boa parte das nossas elites (?) – incluindo a política – algo de valor diminuído, como se o desporto fosse apenas divertimento, espectáculo e, em alguns casos, somente conversa de café ou instrumento de arremesso às segundas-feiras.
Não nos escapa ainda o entendimento de que, para as mesmas elites (?), desporto é, desde logo, o futebol. E, assim sendo, sem mais, é “para levar na desportiva”.
2.Na passada 6ªfeira a Assembleia da República aprovou a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto.
Algumas das minhas leituras são públicas e encontram-se mesmo na página do Parlamento. Ao seu lado – no mesmo local – outras análises existem, por exemplo as dos órgãos de gestão e disciplina das magistraturas.
Muitas delas são negativas quanto a um aspecto central: a imposição legal – com exclusão do acesso aos tribunais do Estado – de uma arbitragem.
3.Porventura inserida num processo de “privatização” dessa função soberana – a aplicação da Justiça – do Estado, a solução encontrada para o desporto pela Assembleia da República, levanta legítimas dúvidas da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa.
A resposta da lei, de uma arbitragem necessária com os contornos que apresenta, irá operar “sobre”milhares de organizações desportivas e muitos e muitos milhares de agentes desportivos (praticantes, dirigentes, treinadores e agentes de arbitragem).
Em causa estarão, sobretudo, os direitos fundamentais da “sociedade desportiva” a reclamarem um exercício pleno da função jurisdicional.
4. Chegados aqui, independentemente das nossas próprias opiniões, o que nos parece fundamental é que um significativo e impressivo – pela sua origem – conjunto de opiniões advoga a inconstitucionalidade do modelo alcançado no Parlamento.
Por outro lado, interessa, a nosso ver, perante este quadro, alcançar – o mais cedo possível – um juízo que dote o modelo de justiça desportiva da necessária segurança jurídica, o qual, bem vistas as coisas é muito pouco alternativo aos tribunais e muito mais excludente.
5. Não solicitando o Presidente da República a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto da Assembleia da República, que aprova a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, o Desporto, mas também a Justiça, arriscam-se a que, mais tarde ou mais cedo, o erigir deste novo edifício se veja afectado nas suas fundações com juízos de inconstitucionalidade, alcançados “a posterior” pelos tribunais e, depois, pelo Tribunal Constitucional.
 6. Seria bem melhor para o Desporto e para a Justiça que tal juízo, positivo ou negativo, fosse obtido ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto começar a gatinhar.
Dessa forma, ganharíamos todos: o Desporto, a Justiça e este infeliz País.

domingo, 3 de março de 2013

Brincar à violência



Texto publicado no Público de 3 de Fevereiro de 2013.

1. A violência nua e crua. Das agressões aos árbitros aos “distúrbios” provocados por espectadores.
Esta realidade surge agora embrulhada numa discussão tendo por base um diploma sobre o regime de policiamento de espectáculos desportivos. É uma desculpa para fugir à assunção das responsabilidades públicas e privadas, estatais e associativas.
2. Não deixando de enfatizar que graves situações de violência se verificam bem para além das competições profissionais, é nestas que se tem projectado a ausência, no recinto desportivo, das forças de segurança.
Se o Governo pode ser criticado certo é que, num aspecto, o Decreto-Lei nº 216/2012, de 9 de Outubro, nada alterou àquilo que era lei (conselho?) neste infeliz país, desde 1992: a responsabilidade pela ordem e segurança no interior do recinto desportivo e pelos resultados da sua alteração é dos promotores dos espectáculos, ou seja, dos clubes. Só assim não será se houver lugar à requisição de policiamento, no respeito dos critérios determinados pela lei.
3. Mas pode o povo deste infeliz país descansar.
Vem aí, lesta, a obrigatoriedade do policiamento nas competições profissionais.
Não tardará, ainda, uma nova lei sobre a violência no desporto, apresentada como a última das maravilhas e, agora sim, depois de tantas outras, com sucesso garantido na sua eficácia. E os jornalistas trarão essa iniciativa do Governo para as manchetes. Tolerância Zero. Para acabar de vez com a violência. Não se pactue. E tantas outras frases de propaganda serão lançadas no mercado.
4. Voltaremos, isso é seguro, alguns tempos depois, a brincar com a violência.