Este texto da autoria de Fernando Tenreiro foi publicado no Jornal Público de 26 de Setembro.
O desporto vive sem uma liderança com um rumo reconhecido pela sociedade. As PT do mercado desportivo restringem a concorrência sem uma autoridade independente e sem a percepção do prejuízo do mercado. As principais instituições desportivas privadas e públicas "limitaram a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico e o investimento relativos aos serviços em causa, em prejuízo da concorrência e dos consumidores", usando as palavras da Autoridade da Concorrência. Sem uma "banda larga" na prática desportiva, recriando o modelo europeu, os resultados são decepcionantes.
O associativismo desportivo tem uma liderança pluricéfala e produz resultados menores do que a expectativa e o potencial nacional no contexto europeu. O nosso futuro e o das novas gerações são prejudicados pelo modelo de produção desportiva vigente há trinta anos. Em termos relativos somos os mais pequenos na Europa do desporto e constituímos a população nacional que menos desporto consome e cujo impacto no produto nacional é menor. A manter os índices actuais de crescimento de produção e consumo desportivos levaremos décadas a alcançar a actual média europeia, o que sugere que com o modelo português actual, uma cópia truncada do europeu, não a atingiremos. Produzimos pouco desporto e fazemo-lo com demasiado envolvimento público para o produto obtido sem que o Estado e a sociedade reinventem a sua parceria no sector abrindo-a ao "saber fazer" europeu.
Existem duas instituições privadas, o Comité Olímpico de Portugal e a Confederação do Desporto de Portugal, e uma instituição pública, o Conselho Nacional do Desporto, reunindo uma, duas e três vezes os mesmos líderes desportivos, personalidades do PS, PSD, PCP e PP e professores do ensino superior. Esta liderança faz política desportiva como se Portugal pudesse ser competitivo na Europa sem referência aos indicadores do sucesso global do desporto europeu.
A política desportiva portuguesa não tem sucesso porque falha nas características da produção e do consumo desportivos. Tanto falhou ao longo do século XX como agora. No século XX os países iguais a Portugal no PIB e na população acumularam centenas de medalhas olímpicas e nós apenas 15. No século XXI, somando as de Sydney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008, conquistámos 7 medalhas e temos um total de 22. Nos restantes indicadores desportivos praticantes, clubes, técnicos, financiamento os valores absolutos e relativos não dão a substância e a massa crítica do sucesso europeu. Numa palavra, assim, no desporto nunca chegaremos à média europeia e o impacto no país é um peso morto para os restantes sectores da actividade.
O consenso dos líderes políticos e dos desportivos sobre o modelo de produção baseia-se em resultados desportivos casuísticos e sem uma relação de interesses com a sociedade. É um consenso fechado que se abre com as vitórias sofridas e esparsas que celebram o sucesso das políticas de feição liberal incapazes de colocar o desporto como um dos centros do combate à diferenciação da população segundo a idade, a riqueza, a literacia, o sexo e a idade que a sociedade portuguesa genericamente tem prosseguido.
O desporto necessita de uma revolução desportiva, cultural, científica, política, económica, social e ética que os líderes actuais ou não reconhecem ou não querem protagonizar.
O monopólio que os líderes políticos e desportivos gerem tem receitas privadas baixas por insuficiência de resposta às necessidades desportivas do país em relação ao potencial europeu que deveria promover. No longo prazo os líderes asseguram o preço acima do custo marginal sem competir no mercado através da respectiva produção desportiva. A racionalidade económica da produção desportiva não é uma variável relevante da regulação vigente. O modelo de produção desportivo, sendo viciado na subsídio-dependência, atingiu os limites do envolvimento público e da sociedade civil aos projectos desportivos. Dito de outra forma: o modelo de produção vigente gera menos produto e menor lucro para os produtores do que faria o modelo europeu. Ao contrário do que afirmam os seus líderes, a via que o desporto português prossegue não leva a uma média europeia contemporânea.
Os acontecimentos de Pequim 2008 sugeriam que ou o desporto português tinha um sobressalto e emendava a mão de três décadas de políticas tradicionais, ou a moeda tradicional substituiria o modo de fazer desporto europeu. Passado um ano é claro que a última hipótese foi a preferida pelos líderes desportivos e políticos nacionais e a próxima legislatura começará no desporto sem novos princípios de ética, bom governo, objectivos europeus, empenhamento e equidade social, estatísticas e estudos, transparência e prestação de contas.
Aos atletas e aos treinadores exige-se-lhes que cumpram a sua obrigação. Pena que os líderes desportivos e políticos se escusem de igual compromisso ético e cívico e não se comprometam e envolvam nos índices desportivos que os líderes europeus produzem. O acontecido em Pequim 2008 é o alerta de uma situação que contamina o futuro de gerações de portugueses.
Refira-se de novo que se o problema é a segurança do dinheiro sem risco recebido do Estado, então a liderança do desporto português está profundamente equivocada, porque ganharia muito mais com o modelo europeu do que com os "negócios do costume" que actualmente prossegue.
Economista, ftenreiro@clix.pt