quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Compromisso

Um amigo já com grande experiência de vida e muita sabedoria costuma dizer-me com alguma frequência que já tem idade suficiente para ser verdadeiramente intolerante com determinadas coisas. Lembrei-me deste seu dito ao ver um anúncio de um Seminário que ocorrerá na próxima quinta-feira.

Na verdade, sempre pensei que com o avançar da idade eu acumularia tolerância para situações que eventualmente me irritassem. Nada mais falso.
 
Após mais de 15 anos a refletir e a atuar no domínio das mulheres no desporto, ou melhor, a identificar e a combater as discriminações a que estão sujeitas, assim como acerca das parcas oportunidades que lhes são concedidas, já sou pouca tolerante para as ações que espelham ser apenas mais do mesmo e que pouca progressão cunham à luta que se deve travar neste âmbito.
Dito por outras palavras, admito que há uns bons anos a esta parte a reflexão e discussão desta problemática eram o primeiro passo para a sua consciencialização crítica e consequentemente para ulterior intervenção dos diversos responsáveis políticos, associativos e empresariais. Sendo bem verdade que deste exercício esteve sempre afastado o poder público e os sucessivos governos, assim como as principais organizações da cúpula e do mercado desportivo, o mesmo já não se pode dizer da Associação Portuguesa Mulheres e Desporto, basta consultar as conclusões dos seus seminários, dos seus congressos e da diversa obra publicada.
   
Consequentemente, um Seminário promovido pela tutela do desporto nacional – Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude – e apoiado por três entidades de grande relevo nacional, quais sejam, o Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P., o Comité Olímpico de Portugal e a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, teria de ser um acontecimento estratégico e de claros sinais de profundas mudanças no estado empobrecedor da participação das raparigas e mulheres em todos os níveis e esferas de intervenção desportiva. Teria de ser diferenciador das múltiplas ações de diagnóstico, de reflexão e de discussão realizadas até ao momento, teria de ter subjacente uma estratégia e um objetivo que denunciasse um querer transformador da realidade em causa. Nada disto se torna evidente através dos objetivos e do cardápio anunciado. Não desmerecendo a competência e o conhecimento dos/as intervenientes, em nada se distinguirá de idênticos realizados anteriormente.  Pelo contrário, sem intervenções de palestrantes estrangeiros/as, com painéis que concedem pouco mais de 10 minutos a cada um/a dos/as participantes e com a abordagem de temas recorrentes será uma ação que certamente ficará aquém de anteriores e cujas consequências não farão história.

Oxalá esteja equivocada e sejam clarividentes os propósitos do governo com esta iniciativa, intitulada “Um Compromisso com a Igualdade no Desporto”, mesmo ao arrepio do seu programa que nem uma linha dedicou a objetivos estratégicos e a medidas no tocante às mulheres e ao desporto. Oxalá mobilize para esta causa esforços idênticos aos dedicados, por exemplo, para a criação do Tribunal Arbitral do Desporto ou ao Plano Nacional de Ética no Desporto. Afinal, a dignificação da participação das raparigas e mulheres portuguesas na atividade desportiva não é mais do que uma questão ética, de justiça e de salvaguarda de direitos humanos. Haja um efetivo compromisso!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Separar o trigo do joio




O Conselho de Ministros aprovou uma alteração à composição do Conselho Nacional Desporto com a agregação de novos membros, nomeadamente representantes de entidades do setor empresarial. A alteração, em abstrato, não suscita qualquer reserva quanto à sua pertinência. No sistema desportivo existe um conjunto de operadores privados organizados sobre a forma empresarial que prestam serviços e produzem bens para o sistema desportivo. Alguns cuja ação empresarial se circunscreve ao território nacional, outros que operam também em mercados externos. É positivo para a economia, para o País e para o desporto. É natural que esse setor esteja representado num órgão de aconselhamento do governo em matéria de política desportiva.
No desconhecimento do critério de escolha/designação dos representantes do setor importa, no entanto, acrescentar algo mais. Existe também uma espécie de operadores privados, sobretudo ligados á organização de eventos, que de “privados” têm pouco e que vivem sobretudo na orbita da dependência dos favores e dos dinheiros públicos traficando influências e apoios políticos diversos. As eleições nacionais e locais são de resto um excelente observatório para estudar o modo como se alinham e distribuem os apoios aos candidatos numa lógica aberta de troca de favores. Por razões que a razão ignora são este tipo de empreendedores que o poder político normalmente escolhe para valorizar o empresariado desportivo.
Importa separar o trigo do joio. E fazê-lo com a coragem de denunciar uma narrativa governamental, que não é de hoje- e que infelizmente é acompanhada por entidades que deveriam pautar a sua ação por um outro distanciamento- que faz a promoção do empreendedorismo empresarial no desporto, com o recurso a exemplos de quem faz o que faz parasitando os dinheiros públicos, mesmo em casos em que o panorama fiscal dos visados justificaria outras cautelas. E este alerta vale também para cenários em que se admite a concessão de significativas parcelas de património público, sem qualquer procedimento concursal, a empresários da área do desporto.
Um sistema desportivo forte e desenvolvido é também um sistema com uma economia do desporto onde exista um setor empresarial dinâmico e ativo. Onde as políticas publicas estimulem o seu crescimento e incentivem a iniciativa, a criatividade e o empreendedorismo. E naturalmente onde ocorram eventos e outras iniciativas desportivas. E em todas elas não se defende que os poderes públicos desertem, virem as costas ou ignorem o serviço que é prestado à comunidade. Mas os poderes públicos têm a obrigação de ser isentos, rigorosos e transparentes nos apoios que prestam e não o fazerem em clara desigualdade de oportunidades concorrenciais ou favorecendo quem vive sistematicamente de mão estendida ao Estado.
A captura das elites, mediáticas e políticas, para genufletirem a certos interesses instalados prejudica em primeiro lugar o País. Mas prejudica também um sector empresarial privado que arrisca, que investe e que, muitas vezes, a única coisa que pede ao Estado é que não atrapalhe, que não burocratize e que facilite a vida das empresas. Não é isso contudo o que tem acontecido. E mudam os governos mas mantém-se um certo mimetismo procedimental, acrítico e obediente, que no fundo revela uma enorme falta de respeito por quem, vivendo com riscos próprios e não beneficiando das prebendas públicas, sofre a concorrência desleal de quem sistematicamente se abriga na órbita e com a proteção do poder.
Numa economia de mercado o que se espera do Estado é a exaltação e proteção da livre concorrência. Não é a cobertura aos empresários do regime.

domingo, 25 de novembro de 2012

Uma nova Liga?



Texto publicado no Público a 25 de Novembro de 2012.

1. Há semanas em que, não obstante a vivacidade do desporto, sempre implica algum esforço a busca de um tema para este espaço de opinião. Não é o caso.
2. O Governo aprovou novas normas relativas às sociedades desportivas e ao seu regime fiscal específico. A FIFA começa a ponderar o fim dos fundos de investimento em “jogadores”. A Assembleia da República aprecia as duas iniciativas legislativas sobre a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto, disponibilizando na sua página contributos provenientes de diversas entidades. O Governo recebe estudo sobre a nossa “capacidade olímpica” e o futuro das modalidades desportivas federadas. O presidente do Comité Olímpico de Portugal afirma, após dezenas de anos de pertença à elite dirigente do “regime desportivo”, que o deporto em Portugal está obsoleto e teme pelo futuro. O que, nele, não é novidade. O receio pelo futuro prende-se, naturalmente, com o facto de não continuar a ser presidente dessa instituição. A «coisa» mexe, o que para os políticos, numa sociedade de espectáculo e de brevidade, é bem positivo.
3. Mas vamos um pouco, não muito, atrás.
Foi noticiado que o Conselho Nacional do Desporto enviou ao seu presidente, Mestre Picanço, uma proposta de portaria visando definir os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas. Já aqui demos conta que Laurentino Dias e Mestre Picanço «devem» esta portaria há quase quatro anos.
Mas tanto tempo só poderia dar bom resultado.
4. Movendo-se, em geral, nas soluções do passado – o que justifica o atraso pois a cópia é demorosa –, esta proposta apresenta, todavia, algumas novidades. Centremo-nos numa que, valha a verdade, só faz com que se perca tempo.
A fim de garantir o cumprimento de normas essenciais, o artigo 8º do texto obriga à criação – é mesmo assim – pela liga profissional de uma Comissão de Auditoria, onde em cinco elementos, um é designado pelo sindicato ou por estrutura representativa dos praticantes e dos treinadores.
Isto é, um acto de natureza regulamentar impõe a uma pessoa colectiva de direito privado – embora exercendo poderes públicos – um determinado órgão. Assim, desde logo, não há liberdade de associação e artigo 46º da lei fundamental do País que possa resistir.
5. Por outro lado, esta “criação obrigatória” de órgão na Liga Profissional, nem se deu ao trabalho de ler a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e o regime jurídico das federações desportivas.
De acordo com o artigo 22º, nºs 3 e 4, do primeiro diploma, as ligas são integradas obrigatoriamente pelos clubes e sociedades desportivas que disputem as competições profissionais, podendo ainda, nos termos da lei e dos respectivos estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos. Por seu turno, o artigo 27º, do segundo diploma, reafirmando a obrigatoriedade, precisa – bem ou mal, agora não interessa -, que a liga profissional pode, ainda, nos termos definidos nos seus estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos.
Ou seja, também por esta via, se pode aquilatar do absurdo da proposta. Não haverá juristas no Conselho Nacional do Desporto? Não haverá apoio jurídico ao Conselho Nacional do Desporto? Assim, coitados dos Laurentinos Dias e dos Mestres Picanço. Só podem não cumprir prazos.
6. Mestre Picanço, sem dúvida. Sempre atento à realidade em que se move, patrocinou e participou num evento, em espaço público, organizado por uma sociedade advogados, para debater as iniciativas legislativas sobre o Tribunal Arbitral do Desporto. Esperemos que dedique igual tratamento a todas as sociedades de advogados que entendam promover “debate aberto e uma reflexão crítica” e a todos aqueles que, não sendo sociedades de advogados anseiam um espaço público para falar sobre o desporto nacional. Neste último caso, nem precisa de estar presente.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O lado oculto dos números




No estado de necessidade a que o país chegou existe uma preocupação, que é compreensível, com tudo o que envolve despesa com impacto na vertente pública. E como corolário desta constatação uma espécie de culto dos números em que se olha para o país como se de uma empresa se tratasse. De um lado a despesa e do outro os proveitos. O resultado, positivo ou negativo, definirá as políticas e o rumo a seguir. Neste exercício o risco de ficarmos pela evidência superficial dos factos é enorme. Acresce que os momentos de crise não são os mais disponíveis para a reflexão e a interpretação dos problemas. Transformar coisas complexas em equações simplistas é, por isso, um perigo que nos persegue.
Ciclicamente somos abalados pelos nossos resultados olímpicos. Consciências adormecidas durante quatro anos acordam e descobrem que não somos tão competitivos quanto devíamos. E toca de apresentar soluções. E para que as soluções sejam credibilizadas nada melhor que alinhar números, despesas, rankings e comparar resultados. E se a tudo isso se juntar o selo de uma qualquer entidade externa, mesmo pouco habituada a lidar com o desporto, mas que manobra números, cria-se a ideia de que o sucesso, afinal, está ali ao dobrar da esquina. É só querermos. O que trocado por miúdos quer dizer ir aos Jogos Olímpicos e regressar de lá com umas medalhas. Se assim é, então que assim se faça. Só que o problema não fica pelo simplismo do seu enunciado.
Desde logo porque o conceito de competitividade externa em matéria desportiva se não circunscreve à participação olímpica. Se assim fosse o ranking internacional da nossa modalidade mais cotada internacionalmente, o futebol, não podia ser o que é. Por outro lado, a maioria das modalidades desportivas não fazem parte do programa olímpico. E as que fazem participam em outros quadros competitivos internacionais. Medir o nosso grau de competitividade externa requer necessariamente uma extensão do cenário avaliativo para além da participação olímpica. Mas o assunto não fica por aqui. Qualquer pessoa minimamente informada e esclarecida sabe que o conceito de competitividade é multifatorial e a vertente financeira é apenas uma das suas variáveis. E uma variável que não pode ser medida exclusivamente por aquilo que é despendido na chamada preparação olímpica.
Nos sistemas desportivos estabilizados a relação sistémica entre os diferentes subsistemas explica o sucesso desportivo do alto rendimento e a respetiva competitividade externa. Em sistemas onde os diferentes subsistemas estão dispersos e sem relações de complementaridade é sempre possível o êxito temporário através de soluções mais ou menos imediatas: naturalização de atletas por razões de interesse desportivo; afrouxamento nos processos de despistagem da dopagem; processos intensivos de preparação desportiva; deslocação/emigração de atletas para outros sistemas de preparação; contratação de especialistas externos; etc. Ou até o êxito em alguns segmentos competitivos por razões culturais, de historia desportiva local ou até contingenciais sem que esses resultados sejam o reflexo de qualquer sistema desportivo minimamente sustentado. Isto para dizer que se pode procurar produzir resultados desportivos de elevado nível através de várias soluções. Para todas é preciso dinheiro, podemo-lo dizer simplificando a argumentação, mas para nenhuma delas basta o dinheiro.
É um equívoco a ideia de que tudo se resolve arrumando de forma diferente a despesa, concentrando porventura mais meios financeiros em modalidades desportivas que potencialmente apresentem indicadores de maior grau de competitividade externa. Porque a simples definição de prioridades competitivas e alocação de meios financeiros não é um imperativo de sucesso. O resultado desportivo é o reflexo do talento dos atletas com as condições sociais e desportivas disponibilizadas para o poder exprimir ao mais elevado nível competitivo. E essas condições estão para além da vertente financeira embora, muitas delas, por ela sejam condicionadas. Os números,que nestas ocasiões se alinhavam,  ajudam a fazer perguntas. Mas não constituem respostas. Porque existe um lado oculto dos números. Seria, por isso, prudente não ficar refém de uma perspectiva contabilística e entender que o sucesso desportivo requer o aperfeiçoamento de outros factores críticos abundantemente descritos na literatura da especialidade.
Uma nota final: não é o governo que decreta qual é estratégia para aumentar a competitividade desportiva internacional. Não é para o desporto, como não é para a cultura, para a investigação, sequer para a economia. No desporto são as organizações desportivas; na cultura os agentes e produtores culturais;na investigação as agências do setor; na economia os  empresários. Mas os governos devem articular as suas políticas públicas no sentido de convergirem com as necessidades e expectativas desses parceiros. Outra coisa não faz sentido. O que requer capacidade de diálogo e de construção de soluções. Nestes casos não basta ouvir. É mesmo preciso entender o que se ouve.

 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Sporting (e os outros) e a arbitragem

Artigo publicado no Público a 18 de Novembro de 2012.

1. Na sequência do jogo recentemente disputado entre o Sporting e o Sporting de Braga assumiu relevo reunião (encontro) entre o presidente do Sporting e o presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, que ocorreu antes dessa partida.

Não vi o jogo mas mesmo que o tivesse visionado a minha opinião não mudaria neste texto.

2. Como é do conhecimento público, foram tecidas duras críticas à actuação do árbitro por parte da equipa de Braga, incluindo o próprio presidente do município. O “encontro” não deixou de ser referido como tendo dado “resultado”. Seguiram-se afirmações, comunicados, leituras “lógicas”, etc.

3. Nada me move – quiçá, bem pelo contrário – contra os intervenientes desse encontro, mas deve ser referido que tal situação, em face das circunstâncias envolventes, não foi a mais correcta, revelando mesmo alguma imprudência.

4. Devo dizer que não sendo ingénuo, acredito que o bom e o mau existem no global do futebol, como no da sociedade. O malévolo não está em exclusivo nos agentes de arbitragem. Longe disso.

Por outro lado, não olvido que vivemos num mundo prenhe de telemóveis e outras máquinas que possibilitam audiências ou encontros bem mais privados e longe do conhecimento público, como sucedeu agora neste caso.

5. O que propugno é, pois, bem simples: respeitar escrupulosamente os regulamentos de arbitragem existentes – o da Liga e o da FPF – que admitem a intervenção de clubes que se sentem prejudicados pelas actuações da arbitragem.

Dispõe, a esse propósito o artigo 12º, em sede de designação dos árbitros: “6. A Secção Profissional pode retirar temporariamente das designações os árbitros ou árbitros assistentes que hajam incorrido nas seguintes situações, comprovadas pela Secção Profissional oficiosamente ou mediante denúncia apresentada pelos Clubes intervenientes no jogo em causa: a) Haver cometido graves erros técnicos, devidamente comprovados, podendo haver recurso a meios audiovisuais quando se trate de questões com implicação de natureza disciplinar; b) Haver cometido sucessivos erros técnicos e/ou disciplinares, mesmo que não constantes do relatório do observador; c) Apresentar deficiente condição física, devidamente verificada através do relatório do observador ou de testes realizados para o efeito, a nível nacional ou internacional; d) Ter posto em causa, por qualquer forma, sobretudo através de declarações públicas, a estabilidade, isenção e dignidade da arbitragem globalmente considerada, bem como dos seus órgãos hierarquicamente superiores; e) Violar culposamente as obrigações constantes das alíneas k) e l) do n.º 2 do art. 10º;f) Sempre que, por violação grave dos seus deveres, tenha sido objecto de denúncia disciplinar pela Secção Profissional.

Por outro lado, não podem ser retirados das designações os árbitros e árbitros assistentes que tenham sido objecto de denúncia disciplinar apresentada pelos Clubes, salvo se a Secção Profissional do Conselho de Disciplina ordenar a sua suspensão preventiva (nº7). Por seu turno, estabelece o artigo 13º (reclamação): os Clubes que se sintam lesados nos seus jogos por decisões da equipa de arbitragem podem, no prazo de cinco dias após a realização do jogo, reclamar para a Secção de Classificações que decidirá após parecer da Comissão de Análise e Recurso.

E, nas mesmas águas, navega o Regulamento de Arbitragem da FPF (artigos 82º, 88º e 89º).

6. Nada mais, nada menos. Nem audiências, nem telemóvel.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Desporto e Segurança - Um caso de "law in Portugal"


Em termos conceptuais o apoio público à prática desportiva justifica-se pelo facto de os benefícios daí decorrentes não se esgotarem no individuo/praticante e estenderem-se à comunidade em diversos domínios de cariz social, cultural, educativo e económico. 

No que concerne ao desporto federado compete à sua hierarquia associativa organizar e desenvolver os quadros competitivos, dotando o Estado os recursos e os poderes necessários para tal actividade, a qual funciona num regime distante de um mercado convencional, atendendo a um conjunto de especificidades. 

Partindo, por parcimónia de espaço e tempo para mais desenvolvimentos, destas duas premissas, um dos recursos que o Estado assegura no apoio ao normal desenvolvimento das competições tem sido, há longos anos, o policiamento dos espectáculos e manifestações desportivas, atendendo às competências que a lei fundamental lhe atribui em matéria de segurança pública e de prevenção da violência no desporto.

Para o efeito dispõe de uma percentagem das verbas provenientes das receitas dos jogos sociais, que a lei afecta anualmente à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI), para posterior transferência para as forças de segurança. Ou seja, o dinheiro não provem do bolso dos contribuintes, via Orçamento de Estado - como por vezes, e já neste espaço, se refere -, mas dos apostadores nos jogos sociais.

Ora, o novo quadro regulador sobre esta matéria traz, em relação ao regime anterior, importantes alterações, as quais, é sabido, têm suscitado controvérsia pela eventual redução do âmbito da comparticipação do Estado nos encargos com o policiamento de espectáculos desportivos, a qual se prioriza nas selecções nacionais e “provas de campeonatos nacionais de escalões etários inferiores ao do escalão sénior e dos campeonatos distritais”, sendo que “nos espectáculos referentes a competições de escalões juvenis e inferiores, quando realizadas em recinto, em regra, não deve ter lugar o policiamento”. 

Isto é, o Estado apenas comparticipa regularmente as competições no escalão entre juvenis e seniores, ficando ao critério do promotor do espectáculo (clube) requerer o policiamento nos restantes escalões, salvo nos casos legalmente obrigatórios, sendo este “inteiramente responsável pela ordem e segurança no interior do respetivo recinto…”. 

Importa também ter em atenção que estas alterações surgem com a época desportiva a decorrer e têm um impacto assinalável nos orçamentos dos clubes: 


Depois, cumprindo as novas disposições, são obrigatoriamente destacados, no mínimo, três agentes, sendo normalmente um deles graduado. 

A isto acresce o facto das autoridade policiais, a quem incumbe garantir o cumprimento da Lei (!?), considerarem competições desportivas de natureza profissional diversas competições organizadas por associações distritais e regionais - quiçá adiantando-se à regulamentação do art.º 59.º da lei deste país onde se tipificam os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas - , cobrando aos clubes o policiamento de acordo com os valores, naturalmente mais elevados, definidos na tabela  remuneratória para essas competições. 

Por fim, as referidas tabelas cobram um período mínimo de policiamento de quatro horas, sendo raras as competições com essa duração, aqui incluindo o policiamento prévio e posterior à sua realização. Para atestá-lo o leitor poderá deslocar-se, por exemplo, a um pavilhão e verificar o tempo que as forças de segurança aí permanecem para um jogo de voleibol, andebol, futsal ou basquetebol… 

Perante este cenário, num contexto de elevados condicionalismos financeiros, não se fez esperar a contestação, organizada ou pontual, de vários agentes desportivos, nomeadamente árbitros e dirigentes, ou de encarregados de educação. Tendo sido suspensas competições.

Nas competições de natureza profissional, clubes há que dispensaram o policiamento em estádios com lotação de dezenas de milhar de espectadores… 

Confrontado com tudo isto, de acordo com informação disponível comunicada aos clubes, “por parte do gabinete de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, foram transmitidas instruções às forças de segurança no sentido de que (…) sejam aceites sem qualquer encargo para os promotores, em conformidade com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 216/2012, de 9 de Outubro, as requisições para o policiamento dos jogos referentes aos escalões de formação, devendo o pagamento dos serviços ser suportado pela Secretaria Geral do MAI…”. "Este regime transitório de adaptação (…) não tem lapso temporal definido (…)”

Ou seja, assim, tão simples, em mais um feliz exemplo que alguém em tempos definiu como “law in Portugal”, volta-se à casa de partida, retomam-se as competições, e voltam a ter policiamento nos escalões onde o diploma considerava, que, em regra, não deviam ter lugar… 

Aqui chegados não se questiona se o legislador mediu o impacto desta regulação e acautelou o normal funcionamento das competições, nomeadamente nos escalões de formação iniciais, e as responsabilidades, anteriormente mencionadas, que a Constituição confere ao Estado em matéria de segurança e prevenção da violência associada ao desporto. Disso se ocupará o Tribunal Constitucional, a fazer fé no ponto 4 da deliberação da Direcção da Associação de Futebol de Lisboa

Não se questiona também se tal medição do impacto aferiu o aumento exponencial nos encargos de policiamento e o reflexo que isso tem, no contexto actual, não só na gestão de clubes de pequena e média dimensão mas, complementarmente, noutros poderes públicos aos quais estes inevitavelmente recorrem nestas circunstâncias, em particular os Municípios e as Freguesias. 

A pergunta que aqui fica é apenas esta: Desconhecendo-se um aumento substancial nos quadros competitivos federados face à época desportiva anterior, e sendo os encargos de comparticipação do Estado provenientes da distribuição dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o que justifica a decisão de limitar o policiamento, e por essa via a comparticipação pública, quando a verba destinada ao policiamento de espectáculos desportivos tem vindo a aumentar nos últimos anos, conforme atesta a tabela de distribuição de receitas dos jogos sociais a páginas 168 do Relatório e Contas de 2011 da Santa Casa e se mantém em 2013 a mesma repartição para este fim face a 2012

Pelo que aqui se alinhou suspeita-se a resposta. Oxalá não fique sem confirmação oficial… 

Por certo, sendo a parceria entre as entidades federativas e as estruturas das forças armadas e de segurança uma realidade bem vincada ao longo de décadas, não só pelo trabalho no terreno, mas também na representatividade em cargos dirigentes em várias federações e órgãos de topo do nosso sistema desportivo, estas questões estarão em cima da mesa no seminário “Desporto e Forças Armadas”, numa ocasião, feliz e oportuna, para se debater o tema e esclarecer os interessados.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Semear ilusões



Um antigo professor dizia aos seus jovens alunos, futuros profissionais, que não era possível ser professor de educação física sem ler o Jornal A BOLA. Referia esse jornal, porque à época era o mais significativo na imprensa desportiva, mas o que pretendia transmitir era o facto de nenhum aluno poder levar a sério o seu professor de educação física se ele não demonstrasse uma cultura de conhecimento que o colocasse ao corrente do que sobre as incidências do desporto ia sendo noticiado. Esse professor chamava-se (….ainda se chama) José Esteves.
As coisas ditas assim podem parecer irrelevantes. Mas se tivermos presente a história da educação física e as suas diferentes conflitualidades com o desporto, percebemos que é importante. Não tenho elementos comparativos entre o que se passava na altura e o que se passa hoje. Recordo este facto por a educação física e o desporto escolar por um lado, e o desporto federado (ou de rendimento) por outro, terem sempre mantido um conflito, com raízes profundas na filosofia da educação nos países do Sul da Europa em que a escola, tradicionalmente, olha com pouca simpatia e alguma reserva para o que se passava para além dela. E embora o desporto e o ter praticado desporto fosse a motivação essencial para optar pela formação em educação física, a partir de determinada época ser formado em educação física era criticar o desporto e os seus dirigentes.Exagero? É verdade que não terá sido assim em muitos casos. Mas foi-o em muitos outros. Algumas escolas de formação, então já com o estatuto de escolas superiores e universitárias, como que se instituíram como as primeiras e principais críticas do desporto, elencando outros temas mais nobres do universo da motricidade humana.
Abandonei a profissão há muitos anos e o ultimo contacto que tive com a disciplina foi na qualidade de pai. Ignoro por isso o que é hoje a realidade concreta da educação física nas escolas portugueses salvo que o tema da saúde tem sido elencado como uma das principais preocupações do grupo profissional ou, pelo menos, das suas estruturas representativas. Mas esse afastamento não significa desinteresse. Apenas prudência de modo a que não construa raciocínios assentes em falsas evidências.
Entre o apelo do velho professor e hoje decorreram quase quarenta anos. Em que todo mudou. O mundo e o país. A educação física e o desporto. Saber o que dessa mudança é definitivo ou transitório ou o que apesar da mudança permanece é um exercício complexo. Mas tem de ser feito. Sob pena de sucumbirmos à aparente severidade de argumentos que se constroem no culto dos custos e dos números. O que é uma ilusão para a qual temos de estar preparados.
O governo iniciou os trabalhos tendentes à elaboração de um Plano Nacional do Desporto para o período 2012-2024 (três ciclos olímpicos).Encomendou a uma consultora externa a avaliação dos impactos financeiros respeitantes aos últimos três ciclos olímpicos. E distribuiu pelos seus conselheiros diversa documentação sobre como o governo brasileiro está a programar os próximos ciclos olímpicos. Independentemente do mérito destas iniciativas e qualquer que seja o desfecho dos trabalhos uma pergunta se coloca desde logo: qual o contributo que se espera da escola com vista à elevação da qualidade do desporto nacional? Que o mesmo é perguntar qual o papel reservado à educação física e ao desporto na escola? Vai a escola participar nos processos de mobilização e deteção de jovens com aptidões especiais para o desporto? Pode a escola ser um local de valorização desportiva? Ou o desporto nacional não pode contar com a escola?
Da resposta às perguntas anteriores depende, em parte significativa, o sucesso de qualquer plano (uso o termo mas desconfio do conceito) cujo objetivo seja articular meios e harmonizar programas com vista á elevação da qualidade desportiva nacional. Escrevo em parte significativa porque não penso que a resposta da escola seja imperativa para ultrapassar todos os fatores de constrangimento desportivo. Mas é parte da solução. Uma solução que é anterior às dinâmicas escolares e tem também muito a ver, no plano da formação profissional, com o lugar e o papel formativo que é reservado ao desporto. Por melhores intenções e programas se não há professores envolvidos, mobilizados e motivados pelo desporto não há volta a dar. E a se a sua formação não vinca esta dimensão do problema o papel reservado à escola no plano do desporto nacional será meramente lateral, quando muito retórico.
Nos últimos anos, algumas experiências de ligação da escola a modalidades desportivas tiveram resultados positivos. Importa, por isso, aprofundar essa ligação e aproveitar o que ela potencia. Para a escola e para o desporto. A menos que se pense que alterar a qualidade do desporto nacional é uma questão de fé para além da realidade das experiências desportivas que se proporcionam às crianças e aos jovens. Se assim for o que o país precisa não é de mais desporto e de mais competências na sua administração e organização mas apenas da inspiração divina e da presença de um qualquer avantar semeador de ilusões.





segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Lisboa sem futebol: Porquê?

Texto publicado no Público de 11 de Novembro de 2012.

1. Esta semana o futebol lisboeta viveu em efervescência.

Na sequência das recentes medidas sobre o policiamento nos espectáculos desportivos – que aqui elogiámos na vertente não futebolística –, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 216/2012, de 9 de Outubro, a Associação de Futebol de Lisboa, admitindo não ter as condições mimas de segurança para a realização das suas provas e campeonatos, decidiu suspendê-las, até ao dia 25 de Novembro, em todas as suas categorias e vertentes (futebol e futsal).

Mais deliberou essa associação decretar o “Luto Institucional do Futebol Amador de Lisboa”, suscitar a inconstitucionalidade do diploma e ainda, entre outras acções, promover uma manifestação no dia 17 de Novembro, com a prática simbólica de jogos a disputar pelos seus mais jovens jogadores, seguindo-se uma marcha em direcção à sede da Federação Portuguesa de Futebol. Para 24, uma manifestação, a deslocar-se para o sítio do costume (Assembleia da República).

2.O que está em causa?

Vamos restringir a um aspecto: jogos dos escalões de juvenis e iniciados.

Agora, a requisição do policiamento deixou de ser obrigatória, o que vale por dizer que a responsabilidade pela ordem e segurança no interior do respectivo recinto e pelos resultados da sua alteração é inteiramente dos promotores do espectáculo e ainda que a responsabilidade pelos encargos com o policiamento – que venha a ser requisitado – é suportada pelos respectivos promotores.

Se adicionarmos as situações de violência existentes (e ainda as potenciais) nesses escalões aos valores dos encargos policiais, compreende-se o custo acrescido para os clubes.

3. Façamos, a este respeito, apenas duas considerações, sem formular nenhum juízo sobre a validade do argumentário e a adequação das acções anunciadas pela associação lisboeta.

Em primeiro lugar, assinale-se que parecem ter chegado ao desporto federado as formas de protesto – contra a austeridade – que já são, neste tempo, habituais à nossa vivência social. Também o desporto, também o futebol. E num momento ainda anterior aos significativos cortes no financiamento público do desporto a ocorrerem em 2013. Viver-se-á uma instabilidade desportiva? Que estratégias e respostas já estão trabalhadas pelo Governo e pelas federações desportivas?

4. Em segundo lugar, perguntar-se-á pelas razões que levam a que ocorram situações de violência – a exigir policiamento – nos jogos de futebol de escalões jovens, ao nível das competições distritais.

E quando aqui chegamos é todo um outro mundo de questões, sendo que, acima de tudo, relevam as de natureza formativa e educacional.

Bastará ao leitor vivenciar alguns desses jogos e, por exemplo, observar a postura dos pais.

E não é ainda despiciendo um dos axiomas do futebol – que bem “ajuda” a educar e formar as crianças –, que muitos intelectuais e integrantes de “elites” têm orgulho em frisar: na vida pode mudar-se de cônjuge, de religião, de sexo, de nacionalidade, etc; só não se muda de clube.

Citando declarações de Litos, ex-jogador do Sporting, a propósito da crise do clube: "O meu filho, de 12 anos, perguntou-me se podia mudar de clube. Como pai e sportinguista, claro que tudo farei para que isso não aconteça.”

5. Vamos ver no que isto dá.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

As eleições na Federação Portuguesa de Atletismo


Um texto de Luís Leite que se agradece.


Conheço e frequento a FPA há mais de 40 anos, desde os tempos do velhinho edifício na Rua do Arco Cego, junto a o Campo Pequeno, onde funcionavam quase todas as Federações até aos anos 70, no mais completo amadorismo.

As eleições federativas nunca foram minimamente relevantes para evolução da modalidade.

O órgão estatutário com poderes executivos, a Direção, que me lembre, nunca teve poderes executivos, já que uma elevada percentagem do elevado número dos seus membros, além de reconhecerem o facto de pouco perceberem da modalidade e não a acompanharem de perto, primaram sempre pela falta de assiduidade.

O poder executivo esteve sempre na mão do Presidente, que sempre se limitou a pôr os “dirigentes” presentes ao corrente das decisões que entretanto já tinha tomado.

 
Há duas eras completamente diferentes na FPA.
A era pré-Fernando Mota e a era Fernando Mota.

Da primeira não vale a pena falar, já que a modalidade era 90% Benfica-Sporting, com dirigentes amadores (poucos) e umas dúzias de falsos atletas amadores.

Fernando Mota tomou a FPA em 1983 e rapidamente se percebeu que a sua atitude profissional e dedicação total iriam deixar marcas e revolucionar completamente o Atletismo Português.

Fernando Mota mandou sempre sozinho durante quase 30 anos e foi estruturando a Federação de acordo com a sua maneira de pensar a modalidade.

As eleições nunca interessaram para nada.

Começou por escolher dois presidentes às suas ordens e quem dirigia as reuniões da Direção era ele próprio, que nem fazia parte da mesma.

As mais de 200 medalhas entretanto ganhas e tudo o resto que deu um prestígio relativo ao Atletismo português devem-se, em parte, ao monarca Fernando Mota.

Mas sobretudo aos atletas, seus treinadores e agentes de apoio direto.

Sempre num contexto de controlo total e manipulação de toda a estrutura, numa gestão que se pode caracterizar de absolutista, Fernando Mota contou sempre com 3 ou 4 personagens fiéis e obedientes que eram indispensáveis para que a estrutura funcionasse à sua maneira.

Durante estes 30 anos, Fernando Mota ganhou três tipos de relacionamentos pessoais na estrutura: os veneradores, os calados interesseiros e os inimigos.


 
Jorge Vieira, seu discípulo, ganhou as eleições para o próximo quadriénio.

Tudo indica que será um continuador do estilo de Fernando Mota, sem metade da capacidade de trabalho e de dedicação do anterior presidente.

A sua Direção já revela, pela quantidade e origem dos escolhidos, que conseguiu cumprir um sonho: imitar Fernando Mota no essencial, sem o ter como patrão.

Em tempo de vacas magras.

Não. Magríssimas.

O Atletismo português, na atual conjuntura financeira, irá regredir, a prazo de 2/3 anos para os níveis de há 4 décadas atrás.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Perder por falta de comparência


Em todas as organizações há momentos de mudança na liderança. Por opção. Por cumprimento estatuário. Ou por qualquer outra razão. O simples fato de mudarem as pessoas, muda seguramente o modo de dirigir. Porque ninguém é igual. E o modo de dirigir marca as organizações.
Os momentos de mudança são propícios aos debates e avaliações sobre o estado das organizações. E permitiriam abrir as organizações à sociedade, no sentido de que a discussão interna se externalize e não fique confinada aos elementos que integram a organização. Quantas vezes aa organizações se queixam de que não existe na opinião pública uma adequada compreensão dos processos de decisão? Ora muitas vezes, são as próprias organizações as primeiras a não abrir os seus debates internos.
Um conjunto significativo de organizações desportivas passou, ou vai passar, por eleições. Seria muito útil para o desporto nacional que este processo fosse aproveitado para animar o respirar de ideias e de projetos para o futuro. Num momento particularmente difícil do País beneficiariam as organizações envolvidas, mas também todos quantos acompanham e se interessam pelo desenvolvimento do desporto nacional. E sobretudo num momento em que na sociedade portuguesa está na agenda do debate político a refundação do papel social do Estado o desporto não pode ficar fora dessa discussão. Desde logo porque sendo o desporto um bem público que carece para a sua vitalização da assunção do apoio do Estado não lhe pode ser indiferente o rumo desse papel. Mas também porque esse debate não pode ficar refém dos partidos políticos e todos são intimados a não o permitir em nome do exercício da cidadania. A ausência do desporto desse debate fragiliza-o. E torna-o, aos olhos da opinião pública, como um ente sem opinião e voz própria, tolhido na sua capacidade de pensar e influir as decisões que vão pesar no seu futuro.
O desporto tem-se ausentado para parte incerta quando se discutem temas como o sistema público de televisão, o regime fundacional, os sistemas de apostas on-line, a tributação fiscal sobre bens e serviços desportivos, o policiamento dos espetáculos desportivos, como se tratasse de matérias que lhe não dizem respeito. Esta apatia torna o desporto prisioneiro de uma impotência que espanta.
Obviamente que os dirigentes desportivos não podem ficar isentos da responsabilidade de não discutirem estes temas. Mas interrogo-me sobre o que têm feito as universidades ou as diferentes associações profissionais sobre a situação do desporto nacional. Todos os dias chegam informações de debate nos círculos académicos sobre os mais diversos temas da vida pública nacional e no desporto parece que só a prega adiposa e os papers mobilizam os nossos académicos.
A discussão do papel do Estado em relação ao desporto é um tema central. Abordámo-lo em diversos momentos nos últimos dez anos. O que pensamos está publicado. O que pretendemos é enfatizar que se torna imperioso a capacidade das organizações desportivas, das universidades, das associações profissionais em refletirem e debaterem o papel e a presença do Estado no sistema desportivo nacional. A alternativa é deixar que essa discussão ocorra sem que o desporto sinalize o seu entendimento do problema e deixe de dar o seu contributo à construção de uma solução. O risco é deixar que essa discussão se faça sem o contributo do desporto por simples falta de comparência.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

É tudo muito lento


Texto publicado no Público de 4 de Novembro de 2012.

1. Poder-se-á afirmar que é uma questão de pormenor ou um excesso de perfeccionismo. Com o devido respeito, não vejo as coisas desse modo. Atribuo relevância para o alcançar de uma eficácia do sistema desportivo nacional. Falo-vos da publicação, na passada 2.ª feira, da portaria n.º 345/2012, que veio aprovar o modelo de requerimento que deve ser apresentado para efeitos do pedido de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, definindo ainda os documentos que devem acompanhar esse mesmo requerimento. Exactamente uma página do Diário da República. Quatro artiguitos e um modelito de requerimento. Um esforço hercúleo assinado por Mestre Picanço.
2. A publicação desta bem modesta portaria encontra-se prevista no artigo 16.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, constante do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro. Se estivéssemos no Brasil, falaríamos em “Lei Laurentino”.



Ora o anterior Governo e o actual levaram, nada menos, nada mais, do que quase quatro anos para “produzir” tão preciosa, complexa e extensa portaria. Durante este período qualquer entidade que quisesse requerer a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva não tinha nenhum enquadramento, por omissão do(s) Governo(s).

3. As “coisas” passam-se assim.

Publica-se uma Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto em 16 de Janeiro de 2007. Esta lei de bases prevê que toda a sua regulamentação - que não exija a intervenção da Assembleia da República – seja publicada no prazo de 180 dias. Entendeu – mal ou bem – Laurentino Dias que seria um decreto-lei. Publicado em 31 de Dezembro de 2008. Este, por sua vez, exigia uma portaria – a já referida –, que surge a 29 de Outubro de 2012.

Do topo à base, pois, caminhamos para os seis anos da regulação neste domínio. Como dizem os miúdos: “É mau, é muito mau.”

4. Mas, já agora, que estamos a falar de portarias, sempre se aditará um outro exemplo de omissão, em nossa opinião de redobrado relevo.

Não é crível – mas as coisas acontecem –, mas suponhamos que numa dada modalidade desportiva ganha espaço a vontade de organizar uma competição de natureza profissional. Na nossa lei, desde 1993 até ao dia 1 de Janeiro de 2009, sempre o Estado teve, de uma forma ou de outra, a última palavra sobre a concretização dessa vontade. É um exemplo clássico do grau (elevado) de intervenção pública no desporto federado. Ora, todo o quadro jurídico existente veio a ser revogado pelo artigo 66.º da “Lei Laurentino”. O que existe, agora, para os operadores desportivos? Uma mera esperança de portaria, como previsto no artigo 59.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas: os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas são estabelecidos, ouvido o Conselho Nacional do Desporto, por portaria do membro do Governo responsável pela área do desporto, a qual igualmente estabelece o procedimento a observar para tal reconhecimento.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Novas oportunidades

Já muito se escreveu da crise. Dos tempos difíceis da nossa sociedade e das consequências a vários níveis.
 
Uma delas, que deve ser transversal a quem lê, porque lecciona, porque é estudante ou porque acaba por sofrer alguns ou muitos efeitos colaterais, é a gritante ausência de oportunidades para quem quer iniciar ou explorar o mercado desportivo em termos de produtos ou serviços. Claro que isto não é exclusivo do desporto, mas ultimamente é do conhecimento que diversos colegas e ex-alunos que querem dinamizar actividades, eventos, perceber que produtos ou serviços criarão interesse e consumo encerram os seus passos na falta de oportunidades e capacidade financeira para adquirir ou participar em acções desportivas.
 
 
Nesta discussão entrarão diversas temáticas: a continuidade de formações e licenciaturas em desporto que não têm saída; se o mercado e contexto ainda tem capacidade para absorver quem sai formado; se as licenciaturas, mestrados ou formações não apresentam os conteúdos necessários e prementes; ou se o desporto com a crise social e financeira voltará às ruas e as pessoas irão consumir o exercício físico apenas na rua, a correr, andar de bicicleta ou a caminhar.
 
 
E ao nível dos que dinamizam, oferecem ou criam momentos de espectáculo, oferta de serviços desportivos ou actividades, como irão os clubes (grandes, médios e pequenos) sobreviver à ausência de patrocinadores e espectadores. E como irão resolver os ginásios a falta de clientes num mercado que já é gerido por pequenas margens de lucro e com a presença de 5 ou 6 ginásios em pequenas áreas de metros ou kms’.
 
 
Dentro deste campo há algumas luzes ao fundo do túnel. Entre elas a crescente procura dos trail's runnings ou corridas na natureza. Com provas de pequenas distâncias até à centena de km's. Fruto disso, a RTP na passada semana passou em horário nobre uma reportagem da procura da sociedade por esse tipo de corridas e exercício físico e alguns dos portugueses que recentemente começaram a conseguir alguns resultados interna e externamente. Fica aqui a reportagem que aconselho.