terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Linguajar miúdo

Quando os políticos passam a usar uma linguagem que se aproxima mais do mundo das telenovelas do que do universo de autores clássicos, começa a ser de temer o pior.
Francisco Assis.

Mário Soares considera que não existem líderes políticos, como outrora. Não sei se tem razão. Os problemas do mundo e dos países são hoje incomparavelmente mais complexos que os de outrora. E vivemos um tempo conduzidos precisamente pelos líderes do passado. E onde gente muito bem preparada, culta e séria falhou. António Guterres terá sido o governante que reunia à partida as melhores qualidades e competências para as funções que exerceu e o resultado da sua governação falhou. As lideranças políticas não são redutíveis a qualidades pessoais e técnicas. E requerem características bem diferentes das de outrora. E a integração europeia e a globalização, ao diminuir as soberanias nacionais, reduziu muito a capacidade de intervenção no espaço nacional. Pelo que a comparação corre o risco de ser errada.
O certo é que os problemas, e a crise que lhes está associada, não nasceram hoje. São o resultado de anos de políticas que acrescentaram novos problemas aos problemas antigos. Vivemos um tempo, isso sim, de enorme confusão doutrinária e de bastante indigência retórica como escreveu o autor citado no início deste texto. (Público, 9/2/2011).E aí, de facto, há uma diferença substantiva. Hoje qualquer jovem político a quem a imprevidência deu um trabalho no Estado é capaz de teorizar sobre “as novas janelas de oportunidade” que constitui o desemprego jovem ou sobre o modo de “alavancar a economia” e o “empreendorismo” num ambiente semântico digno da literatura de autoajuda. Mas tem muita dificuldade em elaborar um pensamento como um mínimo de profundidade e de substância. Consegue apenas ser guia num Portugal dos pequeninos!
A crise da social-democracia e o ascenso do neoliberalismo só vieram acentuar a perda crescente de valores substituídos por uma cultura modernaça feita de navegações na net e de powerpoint, dispensando a leitura e a reflexão, ignorando as doutrinas que civilizacionalmente nos moldaram em nome de um falso pragmatismo e de um linguajar retórico de evidente pobreza.Se a coisa já não está famosa em relação a áreas nobres da política e da governação, o que dizer do desporto? Com uma tradição desportiva tardia, relativamente à Europa e uma prática importada, as consequências persistem no modo como socialmente o desporto nos marcou. E num país sem dinamismo económico tenderão a agravar-se. Para além dos problemas próprios do desporto junta-se um contexto desfavorável e gente com escassa experiência de vida e pouco preparada para a complexidade das tarefas da sua governação.
Saber alguma coisa do desporto - da sua história, das suas práticas e da sua governação – não é garantia segura para que se digam menos asneiras ou que se cometam menos erros. Mas ajuda a ter uma perspetiva menos confusa e a conhecer os limites do voluntarismo político. E para isso é preciso ler, estudar para saber agir. Nenhum país resolve os seus problemas de governação desportiva criando grupos de trabalho. E uma agenda politica que faz do seu anúncio um exercício de marketing só arranja lenha para se queimar.
Apesar de tudo, e de modo a que o tom deste comentário ganhe alguma positividade, saúde-se, num país onde a tradição de edição de obras sobre o desporto é escassa, o recente trabalho coordenado pelo José Neves, nosso companheiro dos primeiros anos deste blogue, e do Nuno Domingos intitulado Uma história do desporto em Portugal. Um trabalho em três volumes de que saiu o primeiro intitulado Corpo, Espaços e Média. Ao longo da sua leitura percebemos que a dificuldade de afirmação desportiva não é um problema de hoje. E que na história do desporto nacional se viveu uma permanente dificuldade em afirmar uma ideia desportiva para o país.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Será verdade?

1 .

Antes do arranque da digressão europeia “5x5”, que teve lugar esta terça-feira, dia 14 de Fevereiro no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, os Simple Minds visitaram o Estádio Nacional do Jamor, onde foram recebidos por Augusto Baganha, Presidente do Instituto do Desporto de Portugal, I.P.

O processo de fusão de instituições da administração pública terá também distorcido as funções dos seus dirigentes? Ou será que estará a caminho o Instituto do Desporto da Juventude e da Música?

2 .

Em entrevista a dois jornais, D. Manuel Monteiro de Castro defendeu que a mulher deve poder ficar em casa e que «não há melhor educadora que a mãe.

D. Manuel Monteiro de Castro assinalou ainda situações em que a «a mulher tem de trabalhar pela manhã e pela noite e depois chega a casa o marido quer falar com ela mas não tem com quem falar.

O melhor é nunca perguntarem ao novo cardeal se as mulheres devem praticar desporto ou até exercê-lo como uma profissão…sacrilégio será a resposta pela certa.

3.

Os jogadores não têm de apoiar o meu projecto, apenas preciso do apoio do dono [do clube]”, disse André Villas-Boas

Ler declarações desta natureza desacreditam tudo o que a vivencia desportiva ensina e tudo o que se estuda sobre treino, motivação ou liderança. Esperamos pelas memórias deste treinador para aprendermos coisas novas…

4.

"Um desvio de 40 mil euros esteve na origem da demissão de Henrique Torrinha da presidência da Federação Portuguesa de Andebol, apurou o Correio da Manhã."

A ser verdade, será que os órgãos federativos se ficarão pelos argumentos invocados de impossibilidades pessoais e de saúde? E a tutela do desporto que fará, face aos dinheiros públicos que estão em causa?

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

FC Porto pode poupar 20 mil euros graças a... Hulk, Hulk, Hulk

Um texto de Sérgio Monteiro, advogado, que a Colectividade Desportiva agradece.

A UEFA moveu ontem, como é sabido, um processo disciplinar ao FC Porto face à alegada “conduta imprópria dos adeptos” portistas no jogo com o Machester City, disputado a semana passada no estádio do dragão. A decisão de abertura do inquérito surge na sequência de queixa apresentada à UEFA pelo clube inglês, nos termos da qual os jogadores Mário Ballotelli e Yaya Touré terão sido alvo de insultos de índole racista por parte dos adeptos do FC Porto.
Não se olvida que a prova da ocorrência dos referidos insultos é susceptível de acarretar a punição do FC Porto. Com efeito, comprovando-se os referidos insultos, incorre o clube português numa multa de 20 mil euros, nos termos do artigo 11 bis do Regulamento Disciplinar. Independentemente de se ter ou não verificado na prática a conduta imputada pelo Manchester City aos adeptos do FC Porto, a experiência ensina-nos que não raras vezes os adeptos de futebol insultam jogadores de raça negra mediante gritos contínuos das expressões “u u u u u u u…”.

Não deixa, contudo, de ser curiosa a forma como o Vítor Pereira e Hulk vieram a público comentar os incidentes relativos ao processo instaurado ao clube. Negando ter ouvido qualquer comentário racista, o treinador do FC Porto afirmou que o que costuma ouvir são os adeptos do clube a dizer muitas vezes “Hulk, Hulk, Hulk”. As palavras do técnico viriam a ser confirmadas pelo próprio Hulk: “O que eu ouvi é o que escuto sempre no Dragão. Sobretudo quando bato cantos. Ouço sempre Hulk, Hulk, Hulk. Não há racismo nisso”.
À parte a realidade dos factos ocorridos no dragão, não podemos deixar de colocar em relevo o modus advocandi com que o treinador e o avançado brasileiro actuaram na defesa dos interesses do FC Porto. E na verdade – sejamos razoáveis – ambos vestiram bem a pele de advogados do clube ao indicaram publicamente aquela que pode qui ça vir a servir de prova bastante para obstar à condenação do clube pela UEFA.
Deste modo, a demonstração pelo FC Porto junto do processo disciplinar em causa de que são habituais cânticos em honor a Hulk (“Hulk, Hulk, Hulk…”) cujo registo sonoro se assemelha aos típicos insultos racistas (“u u u u u u u…”) é em tese idónea a conduzir, numa primeira fase, ao arquivamento do processo, por dessa forma não subsistirem indícios da prática de infracção disciplinar. Se assim não entender a UEFA, a prova da similitude entre os cânticos e os habituais insultos sempre constituirá uma dúvida insanável, que na falta de prova em contrário, conduzirá ulteriormente à absolvição do FC Porto, atento o princípio in dubio pro reo.
Assim sucedendo, é caso para dizer que o FC Porte poupará 20 mil euros graças a...”Hulk, Hulk, Hulk”.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A agonia do desporto madeirense

Texto publicado no Público de 19 de Fevereiro de 2012.


1. Poder-se-ia discutir o acerto da política desportiva da Região Autónoma da Madeira, em particular na sua forte aposta na participação nas competições nacionais.

Poder-se-ia controverter o nível de envolvimento público na efectivação dessa politica, mormente em encargos financeiros.
Pode-se mesmo marcar este tempo histórico, de dura realidade, para equacionar respostas regionais quanto aos modelos de competição das diversas modalidades.

Todo esse debate, porventura bem legítimo, parece-nos, porém, que não tem natureza estritamente regional. A mesma reflexão coloca-se, certamente, bem para além do oceano.

2. Sem prejuízo, o que se nos apresenta é algo dramático e de consequências ainda não totalmente previsíveis para – por ora – o desporto madeirense.

Sucedem-se os registos de faltas de comparência, mesmo de desistência de participação nas competições desportivas nacionais. No ténis de mesa, no hóquei em patins, no voleibol e quem sabe o que ainda está para vir.

Equipas, por via de regra, sempre de ato nível competitivo no quadro nacional, vêem-se afastadas das competições ou comprometem, semana após semana, o seu futuro desportivo. A participação dos clubes madeirenses a nível nacional vem sendo, assim, paulatinamente, negada.

3. Ponta do Pargo, São Roque e Estreito (ténis de mesa), Machico (voleibol), Porto Santo SAD (hóquei em patins) são evidências. No futebol, adensam-se as preocupações. Sucedem-se as reuniões dos dirigentes das modalidades desportivas.
O que está em causa?

Os encargos com as deslocações aéreas. Sempre estiveram em causa e, num momento de crise, é essa fatia do apoio financeiro público regional que lança na agonia o desporto madeirense.

As declarações dos agentes desportivos vão adiantando que os clubes não recebem tal apoio financeiro, titulado por contratos-programa firmados com a Administração Pública regional.

4. Perante esta situação, o movimento associativo madeirense solicitou mesmo uma audiência ao Presidente do Governo regional, facultando um diagnóstico: desde Outubro de 2011 que se assistem a atrasos nos pagamentos contratualizados; as deslocações ficaram sem cabimento orçamental; têm sido os clubes, dirigentes e amigos, a suportar as despesas de gestão diária das instituições e as inerentes às deslocações aéreas.

Mas indo mais além, frisando que são 30 anos de toda uma política desportiva – que colocou o desporto madeirense no mapa nacional e mesmo internacional -, o movimento associativo disponibiliza-se “para ajudar na definição do novo modelo desportivo para que, atempadamente, sejam encontradas as soluções que enquadrem a nova realidade financeira para o desporto Regional”.

5. Mas seja o que fizer (ou não) o Governo Regional da Madeira, há sempre uma coisa que me martiriza quando leio o Diário da República: a inutilidade da lei.

Da pena do Secretário de Estado Alexandre Mestre Picanço, em 2004, saiu esta base do desporto nacional: o princípio da continuidade territorial assenta na necessidade de corrigir as desigualdades estruturais originadas pelo afastamento e pela insularidade, e visa garantir a plena participação desportiva das populações das Regiões Autónomas, vinculando, designadamente, o Estado ao cumprimento das respectivas obrigações constitucionais.

Laurentino Dias, seu colega de «turma», embora noutra carteira, disse praticamente o mesmo: o princípio da continuidade territorial assenta na necessidade de corrigir os desequilíbrios originados pelo afastamento e pela insularidade, de forma a garantir a participação dos praticantes e dos clubes das Regiões Autónomas nas competições desportivas de âmbito nacional.

6. E,aqui, há muito tempo que tenho uma solução: se não é para cumprir, apaguem, usem a borracha legislativa. Tenham coragem e deixem-se de hipocrisias nas recepções e portos de honra (?).

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A bicicleta questiona desequilíbrios


Decorreu no passado dia 15 de Fevereiro, na FMH-UTL, um dia dedicado à Bicicleta para questionar (des)equilíbrios dos modos de vida , do corpo (exercício e saúde), da relação homem – natureza, da energia e economia sustentada . Em dívida para todos os que participaram decidi não fazer um resumo que seria sempre pobre face à riqueza das intervenções mas, ao invés disso, uma crónica inspirada pelas ideias deste dia.

Vou então começar, seguindo o mote de Joaquim Pais de Brito, pelo objecto físico, a bicicleta em si, agarrando o momento crucial da sua própria génese histórica que foi a invenção da corrente (em inglês o termo é mais bonito – the chain). Foi a corrente que permitiu dar velocidade ao movimento, criando uma cadeia de transmissão de força potenciando e impelindo a invenção das mudanças. Do mesmo modo, a conferência impeliu-nos, como a corrente, a pensar a bicicleta como lugar de invenção e mudança social. E o professor de antropologia mostrou como é que a bicicleta induz efeitos na mudança de mentalidades pela forma como nela nos tendemos a equilibrar e a comunicar uns com os outros.

A corrente devolveu à bicicleta o equilíbrio essencial ao deslocamento veloz, destronando o modelo de roda alta que literalmente, pelas quedas provocadas, tanta dor de cabeça deu. Vejam nesta alteração o valor, ainda que alegórico, de como a velocidade conseguida à custa do aumento de uma das rodas é tão perigoso. Pensem na China e na sorte do planeta caso a opção política siga o exemplo português e a cada chinês dê um carrinho. Foi também destes desequílibrios que Carlos Neto falou quando mostrou parques infantis fofos, afastados das casas das crianças que os utilizam de modo a que estas tenham sempre por perto o olhar dos pais e, ao cair, ter logo alguém para as amparar de modo a não rasparem os joelhos. E, depois, vamos querer que estas crianças andem de bicicleta? Mas isso cansaria os miúdos! Já para não falar do calor e do frio, coitadinhas das crianças e dos jovens. Vamos então, de imediato, dar-lhes já um carrito aos 16 anos. E a questão é se vamos todos, em uníssono, ajudar a crescer a roda da mobilidade automóvel e reduzir o mais possível a roda da mobilidade sustentada que, entre outros pormenores, até salva da queda o planeta por inteiro?

Voltando à história, a velocidade accionada pela corrente retira a bicicleta do espaço exclusivo da bizarria e do divertimento dos elegantes e vai ser dada a quem tem mais força para a mover, não que a intenção provenha de alguma democracia até porque este baixar de tronco e de cabeça na corrida, que evoca a postura do corpo operário fabril, levará a bicicleta a ser chamada de cavalo do pobres. Foi também sobre a pobreza que Joaquim Pais de Brito falou, algo endémico que vem desta distinção bacoca que, digo eu, procura no hipódromo e, logo depois, no autódromo uma identidade ansiada inspirada, primeiro, nas capas das revistas estrangeiras a que poucos tinham acesso e, nas últimas décadas, no variado e multiplicado escaparate de qualquer quiosque mostrando que não há herói, até desportivo, que não se espete numa curva da vida com o seu belo carrinho. O desequilíbrio entre os poucos ricos e os muito pobres que marcou gerações com memórias de fome passada na infância conduziu muitos portugueses mundo fora, numa mobilidade territorial de necessidade de sobrevivência mas também de afirmação. Na volta, ao país ou tão só da cidade às suas terras,os seus corpos excessivamente bem nutridos anunciam prosperidade e, como calculam, nada melhor que uma grande casa para condignamente mostrar e, nela, um espaço pequeno, até pode ser a garagem, para aconchegadamente viver. E, não esqueci, o carro para a aldeia atravessar pois todos os que nela ficaram também não se perderam nesta competição e já nem ao café vão a pé!

No equilíbrio promovido, a corrente ofereceu à bicicleta o território por inteiro pois já não há caminho que não percorra. Foi esta descoberta do território que Pais de Brito evocou para lembrar como, interpreto eu, o paradigma do turismo se alterou e o ícone, o móbil da visita, não é o arquitetado mas o vivido, são os corpos que atravessam as ruas, as relações de proximidade e convivência que atrai o turismo. Então, alertava o professor, há um grande trabalho a fazer não só da parte das autarquias mas também da academia com a arquitetura, a engenharia e o urbanismo a projectarem outras e novas alternativas. Aliás, como Mário Alves mostrou, muitas delas já pensadas e, como o “ovo de Colombo”, cuja implementação seria bem mais barata que as obras que sobem o nível dos passeios tornando as estradas verdadeiros fossos onde só faltam crocodilos, ou talvez não.

A história da bicicleta é fundamental para mostrar que as mudanças só aparecem depois desta articulação entre os vários elos, depois de criada a corrente. Foi a corrente que impulsionou a mobilidade humana e, do mesmo modo, é a junção de todas estas perspectivas e diferentes ideias que inspiram soluções para o incremento do uso da bicicleta. Foi a corrente que fez a bicicleta sair do espaço fechado do velódromo, do espectáculo de si, e a levou, estrada fora, para o imaginário da viagem, da volta ao mundo. E, desfecho, reforço a ideia de Pais de Brito, lembrando a necessidade de exploração por parte das escolas, das academias, das autarquias e das agências de turismo na busca inventiva de soluções para recuperar a energia gerada por estes corpos que pedalam de modo a usá-la na re-invenção do território tornando-o uma dimensão de brio da identidade local e pessoal.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Ir a jogo? - III

As preocupações, alertas e recomendações sobre a salvaguarda da integridade das competições desportivas no que respeita à regulação - jurídica e desportiva - do mercado de apostas online, vertidas na mais recente resolução do Parlamento Europeu sobre a dimensão europeia do desporto, bem como na conferência do COI dedicada ao tema serviram de mote para dar continuidade aos textos que aqui se tem trazido a este propósito.

Pretendia-se sublinhar algumas medidas fulcrais, elencadas nesses e noutros documentos, para preservar a conduta ética dos agentes desportivos (treinadores, atletas, dirigentes, árbitros, médicos, etc.) quando expostos aos riscos da viciação de resultados por meio de operadores de apostas ilegais e salientar a ausência destas medidas preventivas no nosso país.

Porém, hoje propõe-se “ir a jogo”, não através das palavras de textos políticos, mas de gestos e imagens.

Uns que pouco mais passarão do que uma mera nota de rodapé na opinião pública como o de Marta Godinho, atleta que no decorrer do Campeonato Nacional de pista coberta, classificada em segundo lugar na prova de salto em comprimento, mas cujo titulo lhe foi atribuído, de acordo com as normas regulamentares, pelo facto da melhor marca ter sido obtida por uma atleta estrangeira, a nigeriana Shaina Mags, lhe entregou a sua medalha no final da cerimónia protocolar.

Outros, ao mais alto nível, honrando aqueles que através do desporto, e da sua conduta ética exemplar, dentro e fora de campo, dignificaram o seu país, contribuindo para perpetuar o seu exemplo cívico no imaginário colectivo.


<a href='http://www.bing.com/videos/browse?mkt=en-us&vid=3911ca18-269f-4cd8-ba46-054079853126&from=sharepermalink&src=v5:embed::' target='_new' title='Medal of Freedom: Bill Russell'>Video: Medal of Freedom: Bill Russell</a>Link

Como profetizou Marshall McLuhan “o meio é a mensagem”. E quando se trata de ética a mensagem valoriza-se muito mais quando o meio são os gestos do que quando são as palavras, os planos ou os códigos.

A poucos dias de ser apresentado o Programa Nacional para a Ética no Desporto oxalá os gestos não sirvam apenas para capitalização política e as palavras para oportunidades mediáticas.

Assim, no que respeita à ética dos agentes e à integridade das competições no âmbito das apostas desportivas online, aqui fica graciosamente um contributo sério, com registo em vídeo para quem não quiser dispor de muito do seu tempo, que nos alerta com casos reais para o perigo da viciação de resultados em mercados de apostas desregulados e nos situa no ano zero de um longo trajecto a percorrer, tanto mais quando se multiplicam declarações que, por vezes sob a ameaça de greve, insistem na abertura deste mercado, simplesmente como uma mera fonte de receita num momento financeiramente critico, apenas na óptica da salvaguarda do negócio, sem uma perspectiva integrada e coerente sobre as diversas dimensões de regulação, essenciais para a sua eventual implementação com eficácia, num sector tão sensível para a ordem pública e para a credibilidade das competições.

Entre várias outras, registam-se o regime de licenciamento dos operadores, a incidência fiscal, o nível de tributação, o tipo de apostas e jogos a legalizar, os mecanismos de protecção e controlo dos consumidores, a regulação das comunicações comerciais, o combate ao branqueamento de capitais, os códigos de conduta, as medidas a aplicar nos regulamentos de competições e disciplina das federações desportivas, o impacto nos concessionários de casinos (com o eventual accionamento das clausulas indemnizatórias dos contratos de concessão) e nos jogos sociais (onde parte das receitas, originalmente destinadas à “promoção e desenvolvimento do futebol”, estão a pagar as dividas fiscais dos clubes inscritas no totonegócio). Uf...

Para evitar uma decisão ao sabor do momento urge definir uma posição estratégica no quadro de um modelo regulador, com uma abordagem coerente sobre tudo isto, no respeito pela ordem jurídica interna e europeia. Para tal há que fazer o “trabalho de casa” como anteriormente aqui se referiu, e estudar, investigar e aprofundar com detalhe o fenómeno, emergindo nos trabalhos que já se produziram em diversas áreas (jurídicas, sociológicas, económicas e médicas), analisando as experiências de outros países e procurando compreender os interesses dos organismos que legalmente exploram jogos de fortuna e azar em Portugal.

Mas quando aqueles que mais reclamam a necessidade de regulação primam pela ausência nos momentos decisivos para vincarem a sua posição - refiro-me aos organismos desportivos nacionais e ao próprio governo português que não apresentaram qualquer contributo na consulta sobre o Livro Verde, onde até a Paróquia de São José de Ribamar se dignou a relevar junto da Comissão Europeia o inestimável apoio social do Casino da Póvoa - não deixa de causar perplexidade e apreensão quanto ao futuro, num momento onde se fala em concessão de jogo online como uma medida avançada para cobrir a despesa publica extraordinária.

Capitalizam os operadores actualmente no mercado que não desperdiçaram o ensejo para marcarem claramente a sua agenda e, sem contraditório e sem rebuços, exporem desta forma junto da UE os seus argumentos em relação ao que se passa em Portugal:

«Ou seja, os “sites” de jogo online, genericamente sediados em paraísos fiscais, só têm capacidade para ser uma poderosa fonte de financiamento para clubes de futebol, pelo facto de acumularem recursos financeiros através da sistemática prática da evasão fiscal. E a aplicação desses recursos financeiros em publicidade no futebol e em outras modalidades desportivas permite-lhes, adicionalmente, realimentar-se com mais recursos e acrescida clientela.

Acresce que um eventual reforço da afectação de verbas a Clubes de Futebol significará, previsivelmente, que os mesmos poderão persistir, por mais algum tempo, na efectivação de contratações milionárias, bem como na manutenção das elevadíssimas remunerações pagas aos respectivos jogadores e treinadores. Tratar-se-á apenas de um paliativo para o inevitável descalabro financeiro a que está votado este sistema desfasado da realidade.

E será sempre amargo observar que o aumento do jogo em linha, com a inerente perda de receitas dos Casinos concessionados e consequente descapitalização de Actividade Turística, traria, unicamente, como pseudo-vantagem, a possibilidade de os Clubes de Futebol persistirem nas despesas insanas que os caracterizam.»

PIM!

sábado, 18 de fevereiro de 2012

De bicicleta, por aí... a ver montras!

Iniciei a colaboração neste blogue no dia 8 de Março do ano passado com um texto de elegia à relação de género tal foi o impacto da leitura do livro de Lodge “Um Almoço Nunca é de Graça”. Ora serve este mote para, de novo, voltar ao blogue porque senti que os dois textos que na época escrevi nunca pagaram o convite que me haviam feito. Eu saí do editorial quando, após a segunda crónica, senti falta de rumo para a minha própria escrita porque não dizer para a minha própria vida. Tomei então a decisão radical de trocar o carro pela bicicleta e andar por aí a ver montras buscando a inspiração.


Louca, sim, e sendo mulher, ao quadrado, mas pensem na vantagem que é poder parar a qualquer instante para ver as montras. Nesta mobilidade prazenteira descobri mais tempo de leitura, outras pessoas que nunca tinha escutado como o Mário Alves que, logo, me alertou para a vitória estatística das mulheres nas mortes por atropelamento. Ora, pensei eu, mudar sim mas pila nunca terei, até porque sempre me senti confortável no corpo de mulher; ora, só os átomos é que se mantêm “na sua” alheios às leis da física e à tabela periódica em que enfiados depois de julgados. É, de facto, um problema de método pensar que se podem estudar pessoas como se estudam os átomos e eu sou a prova disso porque na estrada sou agora um homem a quem outros homens assobiam. Bizarro, a situação faz lembrar um pouco as tabernas da aldeia onde os homens se juntam assiduamente numa proximidade corporal de cuspe a salgar orelha mas que na hora do aperto, leiam falar de homossexualidade, se rebelam e gritam “eu cá gosto é de mulheres”. Deixo a dúvida com as mulheres com quem vivem!


Voltando a mim, a minha masculinidade traduz-se por interpretar um código de estrada que me esqueceu enquanto ciclista e tem “a lata” de me proteger enquanto motorista. Foi com o César Marques que descobri que na cabeça eu só devia enfiar a ideia de que o capacete é uma falsa protecção porque este excesso de equipamento, motivador de muitas possibilidades de negócio e de consumo, induz todos pensarmos que o ciclista, assim protegido, fica em pé de igualdade com o motorista quando, na realidade, nem se trata de David contra Golias porque, no carro, pouco nos sobra de humanidade! Resumindo, se um carro me bater “estou feita” mas, depois desta experiência de quase um ano, descobri que sem capacete e de blazer não há motorista que não me admire e, ao mesmo tempo, se assuste com os movimentos nervosos que muitas vezes faço para mostrar a instabilidade da minha Brompton, uma bicicleta que se encolhe e quase se mete no bolso na hora de andar de comboio, de metro ou até à boleia de carro com amigos.


Vivi na Holanda no início dos anos 90 e tinha, como todos, uma bicicleta velha para não ser roubada. Andar de bicicleta nesse tempo e nesse espaço nem sequer dava uma crónica destas porque é tão corriqueiro que não haveria mote para a animar. Ah, mas a Holanda é plana enquanto que Lisboa tem sete colinas. Não vos critico por estarem enganados porque eu há mais de 40 anos que digo que sou da Beira Alta até alguém me lembrar que Oliveira do Hospital é do distrito de Coimbra e, por isso mesmo, sou da Beira Litoral. Doeu, não o facto de ser de outra Beira mas, sim, o engano, o convencer-me de algo que jamais questionei. Ora, oiçam o Paulo Guerra dos Santos que, antes de mim, resolveu buscar rumo ao curso de engenharia de estradas e resolveu fazer 100 dias em Lisboa de bicicleta e, depois, 100 dias numa enorme volta a Portugal para descobrir e a todos nós lembrar que não só as estradas são óptimas para andar de bicicleta como a geografia não é nenhum empecilho. Da parte que me toca é tudo verdade porque eu moro não muito longe de Cascais e trabalho na Cruz Quebrada, lugares bem servidos de estradas e sem relevo de monta para a minha idade. Então afinal quantos são os portugueses que vivem no Castelo e trabalham na Praça do Comércio? E, desses abençoados, quantos se lembrariam de fazer esse percurso de carro? Ora, experimentem e vejam que o problema da mobilidade para além de estar no imobilismo das nossas ideias também reside, a montante, na vontade ináudita de transformar o Cacém, Loures, Torres Vedras, Cascais e outros afins em lugares parecidos aos filmes americanos, nos quais os carros são a lenha que alimenta o fogo da velocidade da acção do Arnold. E, de modo não muito inteligente, criámos nós próprios o nosso filme passando boa parte da nossa vida fechados dentro do carro, um espaço limpo à custa de mandar toda a porcaria borda fora, uma sala ambulante à qual já nem a TV-Vídeo falta, um sofá espantoso no qual repousamos e com o qual competimos, sem esforço porque basta carregar no pedal. Com grande bisga chegamos à próxima fila e nunca ao Colorado anunciado pela marca. Com grande velocidade nos pomos em casa e cheios de vontade reparamos, de repente, que nos falta o papel higiénico e nesse momento, olhando a sanita como grande invenção da história da humanidade, amaldiçoamos a falência da mercearia do Sr. Arnaldo que ficava mesmo ali na esquina onde se poderia mandar o puto comprar o dito, enquanto calmamente se tratava do harvest na Farmville.


Neste filme há algo louco, uma (des)organização urbana que é um paradoxo, andamos sempre de e um lado para o outro, mal nos mexemos, é certo, mas temos a vida toda presa a lugares como Freixo Sem Espada Nem Cinta numa casinha paga a prestações ao banco e à oficina do Sr. Vítor. Ah, pois é, tendemos ao oblívio deste tipo de despesa, falo das revisões a que o desgaste do carro obriga e, feitas as contas, andamos quase metade do mês a trabalhar para pagar o deslocamento para o trabalho. Corei porque também eu, tarde, fiz essas contas. E nesta separação de tudo e de todos até os putos ficaram sem área para brincar por causa do lugar para o carro. O carro passa 80% do tempo de vida parado ocupando um espaço que podia ser utilizado de outro modo mas, venha lá o Duarte Mata (arquicteto paisagista que trabalha na CML) propor um espaço em cada bairro para as crianças e, aí sim, verão o que é motim! Austeridade, troikas e coisecas dessas ainda “vá que não vá” mas tocar nos direitos dados aos carros por políticas públicas tão jeitosas é revoltante e mesmo paradoxal. E, deste modo, os putos têm mesmo de olhar para a playstation em vez de meter o punho no olho do filho da vizinha que, de tão mimado, mal cresça e lhe coloquem um carro nas unhas vira um tirano, desses que na estrada acelera sem ter medo.


A velocidade da minha bicicleta não mete medo a ninguém e é tão atraente que puxa conversa com muitos desconhecidos. A principio, a medo, ainda andei sobre os passeios mas farta de tanto carro encontrar vi que era na estrada que me sobrava mais lugar. O salto que dei para a estrada foi um salto de fé, e o medo face a este mundo familiar mas desconhecido era tanto que me lembrou o momento ímpar em que o meu pai tirou de vez a mão que me segurava o selim. Estava por conta própria e foi uma alegria, tinha vencido o medo que mais não era do que vencer o desconhecido. Depois de 400 km por mês, com o desenho das estradas de Cascais nos gémeos, já digo como o outro: “o medo é uma cena que não me assiste”.


Em suma, andar de bicicleta deu-me mais tempo para ver montras, ie, inspiração para colaborar neste blogue com uma linha editorial política, deliberadamente assumida, porque tenciono escrever sobre a estrada desta minha nova vida. E, para exorcizar a desigualdade de poder que diariamente nela vivo, vou mensalmente à Massa Crítica de Lisboa - todas as últimas 6ª feiras de cada mês no Marquês de Pombal às 18h. A Massa Crítica é uma manifestação festiva, muitos dirão um pequeno Carnaval porque já junta três centenas de pessoas, repito, mensalmente. E, para quem nem sonha, o Carnaval preserva a ordem estabelecida porque é uma data de escape que permite, numa agenda marcada que escapa aos acasos mas não ao controlo, o excesso e a inversão de valores e de poderes revelando, desse modo e publicamente, as hierarquias que perturbam a mudança social. Foi tendo a bicicleta como mote para pensar os desequilíbrios da vida que organizei um encontro na FMH julgando eu que, desse modo, saldaria uma dívida para com toda esta Massa Crítica da qual já faço parte mas, como todos sabem, dívidas atraem dívidas e sobraram para mim os juros do lucro arrecadado por uma discussão plural sobre a potencialidade contida na conjunção “mobilidade e lazer”. Será então sobre essa montra que a seguir escreverei.




terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Valor desportivo e formação de treinadores

Em alguns dos comentários aos textos publicados no blogue apresentam-se, por vezes, perspetivas importantes sobre a realidade desportiva nacional ou modos diferentes de ver este ou aquele problema. A questão que, a seguir, abordo, foi suscitada há algum tempo atrás, precisamente, por um desses comentários.
A questão estava em saber se a qualidade da formação dos nossos técnicos estava à altura das exigências da situação desportiva nacional. Ou se limitações críticas a essa situação deviam ser da responsabilidade de outros factores (o financiamento, por exemplo). É uma questão de difícil resposta.
A formação dos técnicos é muito heterogénea e a sua inserção no mercado de trabalho muito diferente. O grau de exigência muito distinto. E não tem sido fácil estabilizar um modelo de formação. Pelo que não devemos avaliar este problema sem reconhecer a heterogeneidade das situações e de realidades muito diferenciadas. O problema da formação do jovem praticante é distinto do alto rendimento. As modalidades apresentam situações muito diferentes. Importa ainda ter presente que a formação de técnicos desportivos sempre mobilizou algumas modalidades, que algumas apresentam níveis de associativismo interessantes e que existe trabalho e reflexão importantes ao nível das estruturas representativas dos treinadores nacionais. O problema está sempre nas dificuldades em replicar e aproveitar muita dessa reflexão para o trabalho diário dos treinadores. Porventura, por responsabilidades próprias, mas também, em muito, por constrangimentos dos contextos organizacionais em que operam os muitos treinadores nacionais.
Em tempos idos, na ressaca de um desaire na participação olímpica, apelou-se à importação de técnicos estrangeiros. Sem resultados visíveis. Afinal essa estrangeirização não teve qualquer resultado com significado. Porque muito do sucesso do desporto nacional no contexto internacional tem a assinatura de treinadores nacionais. E, as poucas exceções, têm mais a ver com a dupla função de treinadores/agentes de carreira, razão fundamental pelas suas escolhas.
No sistema desportivo as suas variáveis não são independentes. Mas há variáveis que, em certos contextos, são mais dominantes do que outras. A formação dos quadros (treinadores e outros agentes) tende a reflectir, em parte, a realidade desportiva. Os seus sucessos e as suas limitações. E não é exclusiva desta ou daquela categoria de agentes. Porque podemos colocar a questão de um outro modo: tem o sistema desportivo sabido aproveitar o conhecimento e o saber dos nossos treinadores? Com exceção do futebol e de uma realidade muito singular como é o hóquei patins, o que vale o sucesso de um treinador nacional em termos de uma carreira internacional? Não tenho como o demonstrar mas sou levado a pensar que a explicação está menos nas capacidades e competências profissionais e mais no valor do desporto nacional e das suas diferentes modalidades têm no contexto internacional. E, para esse valor, o contributo dos treinadores é importante, mas pode não ser decisivo.