terça-feira, 30 de novembro de 2010

Mito e tabu

Não é difícil encontrar consensos a propósito da necessidade de elevar o grau de eficiência do Estado. Consensos, porventura menores, relativamente ao facto desse ganho de eficiência passar por o Estado se dedicar a menos coisas. A questão complica-se quando se passa à fase de concretizar: que menos “coisas” são essas? E atinge o seu paroxismo se alguém defende que algumas dessas “coisas” são precisamente aquelas que desde sempre foram feitas. Que moldaram um modo de funcionamento. Que, em parte, são a razão de ser de um organismo. Que, por isso,habitualmente nem se discutem. É o caso, nas políticas públicas do Estado, dos apoios financeiros às federações desportivas.
O financiamento público do Estado às federações dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva é a matéria mais sensível, mais delicada e também a que maior tempo ocupa das tarefas da administração pública desportiva. E é por causa dela que se apanham as maiores dores de cabeça. A maior parte do tempo “gasto” a governar o desporto tem origem em matérias ligadas ao financiamento das federações desportivas. O que se replica nas estruturas administrativas de suporte. Na legislação. Nas auditorias. Nas reuniões. No contactos. Nos telefonemas. Nas movimentações.No lobbying. E numa infindável teia de procedimentos burocráticos. Que todos os anos, em vez de diminuir, aumentam. Porquê? É um mito: sempre foi assim. E um tabu: não se discute. Para o Estado e para as federações desportivas. O que explica que tradicionalmente se procure aumentar o grau de burocratização dos procedimentos sempre em nome da celestial música do “bom uso dos recursos públicos”.
Convém começar por esclarecer que estamos a falar não de recursos que têm origem nos impostos que os cidadãos pagam, mas numa percentagem das receitas que são absorvidas através das práticas dos chamados jogos sociais. É uma receita que está no orçamento do Estado consignado a um objectivo claro: o desenvolvimento desportivo. E nem passava (presumo que actualmente ocorre a mesma situação..) pelas estruturas de gestão das finanças públicas: sai directamente da santa casa da misericórdia de Lisboa para o IDP. Aí é repartido por várias fatias. Ninguém, a não ser os apostadores, “determina” qual o valor do bolo. E o modo de o repartir é um misto de “histórico” do último ano e dos recursos que estão disponíveis no presente. E o “histórico” do último ano obedeceu ao mesmo exercício. É uma espécie de razão da razão anterior. Porque o “histórico” que num ano é ponto de partida foi de chegada no anterior. E assim sucessivamente. Com mais toque aqui e ali o resultado não é, no essencial, diferente. E digo isto com à vontade de quem não tem sequer um critério diferente para apresentar. Apenas uma solução de método distinta. Tirar esse exercício das funções do Estado.
Por que razão deve ser a administração pública a definir os montantes da parcela que cada entidade (federação desportiva) anualmente recebe para as suas diferentes actividades? Ou para o programa de preparação olímpica? Porque se não limita o Estado a definir o montante global sob a forma de percentagem do valor das verbas para o efeito consignadas? E a deixar a gestão desse recurso, a sua administração e divisão, que, repete-se, não são impostos dos portugueses, ao critério dos organismos representativos das entidades apoiadas? Por que se não limita, estabelecendo regras, a sindicar, no plano financeiro e fiscal, o modo da sua aplicação?
Podemos ensaiar várias respostas. Umas técnicas e outras políticas. Mas há uma constatação simples: a esquerda, o centro e a direita nunca colocaram em causa o método actual. Nem o vão fazer. Qual a razão? Porque no dia em que isso acontecesse esvanecia-se o poder que a governação do desporto comporta. E a ultima coisa que quem governa (ou pretende vir a fazê-lo) está disposto a abandonar é a razão de ser de governar. Bem sei que as razões aduzidas possam ser outras: a de quem está profundamente convicto que essa e a melhor forma de o fazer.Com mais equilíbrio, mais justiça, maior isenção. Mesmo que não tenha como o demonstrar. É uma mera convicção.Pode defender-se que tendo as federações desportivas competências delegadas ,cabe ao delegante definir as prioridades.Mas quem conheça a realiade sabe que isso é conversa fiada. Pode também dizer-se que a natureza das entidades representativas não assegura as competências necessárias à equidade no tratamento dos representados. Nem nunca assegurará se sobre elas se não aumentar o grau de exigência e responsabilidade públicas. E embora se saiba que essa é uma forma de não responsabilizar as entidades apoiadas que encontram sempre no critério de apoio do “Estado” um álibi desculpabilizante.
Uma coisa temos como certa: no dia em que quem governa retirar o ónus do financiamento às federações desportivas das rotinas da administração pública ganha tempo para estudar, pensar, avaliar e construir uma política pública de apoio ao desporto. Coisa que manifestamente não consegue enquanto se não libertar da ideia de que pensar e desenvolver o desporto é gastar a parte mais importante do tempo a financiar e a resolver os problemas das federações desportivas. É que mesmo que o não pense, o que, em tese, se concede, não tem como fugir.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O desporto na revisão constitucional

Já demos conta, neste espaço, das propostas do PSD em sede do presente processo de revisão constitucional.
Mirados, agora, todos os projectos apresentados, é possível determinar o ponto de partida do desporto neste processo.
Assim, só o PSD adianta expressas alterações.
No artigo 79º elimina-se a menção à cultura física:

"Artigo 79º
(Desporto)
1. Todos têm direito ao desporto.
2. Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão do desporto, bem como prevenir a violência no desporto".

Por seu turno, no artigo 64º, sobre o direito fundamental à saúde, o seu nº 4, quanto aos meios da sua realização, também se assiste à supressão da referência – hoje vigente – à cultura física.
Dispõe a proposta alínea b) desse nº 4:

"Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento de práticas de vida saudável.
Para além deste registo, o CDS-PP, no texto preambular do seu projecto, a respeito da organização judiciária, refere a necessidade de “limitação severa da possibilidade de magistrados judiciais ou do Ministério Público serem nomeados para comissões de serviço fora das funções estatutárias – v.g., para funções políticas ou desportivas.”
Contudo, mesmo aqui, o texto proposto para os artigos 216º, nº 4 e 219º, nº6, não é de todo evidente, não obstante marcar o carácter excepcional de todas as comissões de serviço, sendo certo, que a presença de magistrados em órgãos sociais de federações desportivas, não tem lugar ao abrigo de qualquer comissão de serviço.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ver o que está à frente do nariz


Ver o que está à frente do nariz requer uma luta constante.
George Orwell


A “mística” do socialismo (na sua versão social-democrata ou comunista) reside no ideal de igualdade. Sacrificando a democracia e a liberdade na versão comunista. Na versão social-democrata sacrificando a igualdade em nome da democracia e da liberdade. Com a implosão do comunismo soviético tudo se baralhou. O capitalismo passou a ser a única forma de vida económica compatível com qualquer regime: ditadura de direita, ditadura de esquerda, monarquia constitucional e república democrática (Tony Judt). À esquerda, à direita ou ao centro. E o ideal de igualdade ficou nos textos e na retórica discursiva. O exemplo mais claro dessa implosão é a China comunista (!!!) cujo grau de desenvolvimento económico é feito à custa de baixos salários e de baixos direitos que não penalizam apenas os trabalhadores chineses mas as economias (e os trabalhadores) dos países com quem competem no mercado global.
Nas democracias ocidentais o modelo socialista/social-democrata procurou demonstrar a sua superioridade ao modelo comunista através de um Estado que garantindo a liberdade e a democracia mais do que regulador era sobretudo distributivo e se encarregava de garantir direitos. Que foram crescendo ao longo dos tempos.
Durante muito tempo criou-se a ideia de que o Estado era a boa solução para qualquer problema. Estamos a viver um momento em que, por força da falência do modelo económico em que se sustenta o Estado-providência precisamos de não cair no oposto: a de que o Estado é sempre a pior opção. Porque a única coisa pior que Estado a mais, é Estado a menos(Tony Judt).
Como não podemos viver sem Estado a melhor solução é melhorá-lo. Para esse efeito a discussão não deve ser entre mais/menos Estado. Mas entre um Estado eficiente/ineficiente.
Para ter melhor Estado, é preciso menos governo. Quanto mais governo houver pior será o Estado. Nos Estados fracos a tendência natural é para a sua governamentalização. E para que os trabalhadores e chefias do Estado se transformem em trabalhadores e chefias do governo. Os Estados fracos tendem a servir os governos e as suas clientelas. Contrariamente nos Estados fortes os governos avaliam-se por bem cumprirem as obrigações do Estado. E os programas partidários são modos alternativos de melhor cumprirem essas obrigações.
Os Estados só são fortes quando a sua missão e funções decorrem de uma contratualização politica e social que torna as suas obrigações perenes às mudanças e oscilações governativas. Quando os Estados são fracos uma qualquer mudança governativa abre o caminho á sobreprodução legislativa, às chamadas reformas estruturais, num processo imparável e que se vai alimentando por si próprio. E a constantes mudanças de rumo. Ora na vida dos Estados como das instituições a estabilidade é um valor. Que, se assente em bases socialmente contratualizadas, dá segurança às comunidades.
A crise do Estado - que não é um problema exclusivamente português –não é apenas de natureza financeira. É a crise do próprio modelo e de uma cultura política que tende a reduzir o interesse público à presença do Estado. O assunto acompanha toda a história do pensamento e da doutrina política.
Pensar nos tempos actuais o desenvolvimento desportivo a partir das políticas públicas é pensar num Estado diferente. Um Estado seguro, que se centre no estratégico e que deixe o circunstancial. Que tenha como aliado o conhecimento. Que não passa a vida a desconfiar. E que acredite que a sua força reside na capacidade de tornar mais fortes os seus parceiros. O que requer uma ordem distinta de governo. Um governo que não perde tempo a gerir piscinas, pavilhões desportivas, centros de estágio, refeitórios e ginásios. E ousa enfrentar um dos seus mitos mais arreigados: o chamado financiamento público. É dele que falaremos no próximo texto.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Omeletes sem ovos

“A UE deve fazer um uso mais activo dos seus poderes no Tratado de Lisboa para promover os benefícios sociais e educativos do desporto de massas”.

Esta foi a tónica comum dos deputados europeus e peritos presentes na recente audição pública no Parlamento Europeu sobre “Uma futura política europeia de desporto”.

Num período onde a Comissão ultima uma comunicação sobre o impacto do Tratado de Lisboa sobre o desporto e define as suas prioridades de acção para o primeiro programa da UE para o sector, a lançar em 2012 - em versão limitada, prévia ao novo quadro de apoio em 2014 -, o falhanço das negociações entre os Estados Membros e o PE sobre o orçamento da UE para 2011 , onde se previa um envelope financeiro específico de € 7,5 milhões, veio gorar as expectativas em relação à implementação das competências conferidas à UE no art.º 165.º do Tratado.

Aliás, a comissária Vassiliou havia alertado recentemente que, dado o actual contexto económico, até ao próximo período programático não haveria nenhum novo programa dedicado ao desporto. Isto significa, desde já, que só em 2014 se poderá pensar num programa de financiamento comunitário, não sendo sequer claro se haverá verba para continuar a financiar as acções preparatórias no próximo ano, as quais vinham, desde 2009, a conduzir o labor da UE para consolidar uma nova competência ao apoiar vários projectos transnacionais em domínios estratégicos do desporto, coordenados em parceria por autoridades desportivas, organizações não governamentais e organismos públicos nacionais.

Sem os recursos necessários para implementar uma nova competência política, o foco da Comissão sobre as áreas onde a UE pode acrescentar valor à acção dos Estados Membros, em particular o contributo do desporto para a estratégia UE 2020, terá necessariamente de ser cada vez mais preciso na posição formal que vai tomar até ao final deste ano. Por outro lado, em relação à outra dimensão da iniciativa europeia - a regulação dos desafios transfronteiriços do desporto e seu enquadramento com os princípios do mercado interno - os objectivos que possa propor, seja nas medidas de protecção e controlo de direitos de propriedade intelectual de organizadores de competições desportivas, seja na regulação do mercado de apostas desportivas, no combate ao doping ou a manifestações racistas no desporto, na livre circulação de desportistas, ou no fomento do voluntariado não podem deixar de ficar comprometidos sem uma base orçamental consistente.

A 16 e 17 de Dezembro na cimeira de chefes de estado e de governo em Bruxelas, na qual será apresentado um novo esboço de orçamento, ficaremos a saber se a politica desportiva da UE terá apenas uma base jurídica ou não, bem como as reais intenções da Comissão para passar ao exercício efectivo das suas competências e operar no terreno as medidas concretas para a prossecução dos objectivos de acção diagnosticados em diversos estudos recentes, definindo, desde logo, a sua posição em relação a várias propostas pertinentes lançadas pelos peritos na audição parlamentar. Caso contrário tudo permanecerá no plano discursivo, conceptual e na interpretação jurídica dos mecanismos do Tratado.

Gorado o processo de co-decisão - tão incensado com o Tratado de Lisboa - e as limitações de recursos deste novo contexto orçamental em vários programas de educação e cultura até ao novo pacote programático, tudo está agora nas mãos dos governos nacionais e seus decisores políticos. Contudo, no que ao desporto concerne, os ecos provenientes do Conselho são de algum optimismo e vontade política.

Na mesma data em que no Parlamento o representante da Comissão repetia não haver dinheiro específico para o desporto no orçamento da UE até ao final do presente programa plurianual, os responsáveis governamentais do desporto dos Estados Membros, reunidos no Conselho da União Europeia, davam corpo a um assinalável esforço político da presidência belga, e adoptavam uma resolução sobre a consolidação do processo de diálogo estruturado e duas conclusões, sobre o papel da UE no combate internacional ao doping e sobre o papel do desporto como fonte de inclusão social activa, onde, no caso desta última, convidam a Comissão a considerar a inclusão social no e através do desporto como uma prioridade, não só nos programas da UE para o desporto, mas também no âmbito de vários fundos estruturais existentes.

Uma das principais conquistas com a actual competência expressa no Tratado foi, conforme já aqui sublinhámos, o fim das restrições ao financiamento directo da UE ao desporto. Curiosamente, depois de uma longa batalha política, não deixa de ser irónico que tal financiamento possa ser mantido apenas através do FEDER, do Fundo Social Europeu, ou de programas como a Juventude em Acção ou o Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida e permanecer incorporado em outras áreas durante mais três anos.

sábado, 20 de novembro de 2010

A candidatura

Um texto de Luís Leite.

O que pode trazer de bom para Portugal uma eventual atribuição da organização pela FIFA do Mundial de Futebol de 2018 ou 2022?
Portugal é, actualmente, o país mais fraco da Europa em Desporto, com excepção dos micro-estados, seja qual for a perspectiva racional em que o tema seja abordado. É fácil prová-lo.
Em termos de cultura desportiva, para a quase totalidade da população, desporto é futebol, clubite, e Cristiano Ronaldo.
Os pivots da RTP, nos Telejornais, quando falam em Selecção já nem dizem a que modalidade se estão a referir. É só futebol.
A haver grandes investimentos governamentais em Desporto, tendo em atenção o verdadeiro interesse nacional e a mudança de mentalidades, deviam ser dirigidos para a criação de condições para uma progressiva afirmação nas modalidades olímpicas, com uma estratégia clara de desenvolvimento, pensando sobretudo nos Jogos Olímpicos, essa sim, a grande montra mundial do desenvolvimento desportivo.
Mas não.
Para além do mexa-se e caminhadas, a aposta vai para a organização, a meias com a Espanha, já que o nosso passado desportivo é, comparativamente com os outros países europeus uma desgraça, de um evento que só vai trazer para Portugal:

1) A possibilidade de recuperar e actualizar tecnologicamente alguns dos Estádios do Euro 2004, então já com 14 ou 18 anos;
2) Dar visibilidade a personagens que são autênticas nulidades e que são responsáveis pelo atraso do desporto português;
3) Em época de crise, com um endividamento externo incomportável, encomendar prejuízos de centenas de milhões de euros, que o povo terá também um dia de pagar.

Sejamos contra este inacreditável desígnio nacional, mais uma machadada asfixiante no desporto olímpico português em favor da futebolite.
Revoltemo-nos e sejamos capazes de fazer ouvir a nossa revolta!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O mapa e o território

"O mapa não é o território".

Escutei esta frase no âmbito de uma formação que abordava a gestão de conflitos, expectativas, aspectos relacionados com a liderança, gestão de pessoas, etc. Para além de um problema de visão e missão da grande maioria das entidades públicas e também privadas no nosso País, que acaba por alinhar o próprio País numa caminhada sem objectivos ou indicadores, observamos que a busca de uma posição de liderança ou coordenação altera quase sempre as bases identitárias das pessoas, que de alguma forma, buscam um mapa ou título que as torne 'mais importantes'.

Na verdade, sabemos que o mapa que é entregue às pessoas, independentemente do cargo ou posição hierárquica que possuem, quase nunca bate 100% com o real território em que essas pessoas lidam. A não percepção de da distinção do mapa e território continua a ser deturpada por questões de formação de base e bom senso.

Observamos o sistema desportivo com um conjunto de princípios bastante válidos ao nível da competição propriamente dita, formação, treino, interacção ao nível dos atletas, treinadores, etc., e tudo se esfuma quase por magia a partir do momento em que essas mesmas pessoas enveredam pela parte de gestão, administração, coordenação mais administrativa/avaliação das Federações, Institutos, Associações, etc.

Tal fenómeno contribuiu para uma decalage ao nível dos resultados, principalmente se os soubermos diferenciar e segmentar o mérito: o que pertence por trabalho 'apenas' da parte técnica do treino, competição, formação, etc.; e aquela que advém 'apenas' do trabalho desenvolvido pelos dirigentes dessas mesmas entidades.

Questionar porque um treinador apela à justiça, alinhamento dos seus atletas, repetição no treino, procura dos 'experts' para as suas tarefas, comunicação frontal, desenvolvimento das competências dos seus atletas e, transferido para uma posição mais fora do terreno, assume comportamentos que contrariam os que antes aplicava para a obtenção...dos melhores resultados.

A não obtenção dos melhores resultados por falta ou recusa de procedimentos que fomentam a concretização dos objectivos, propiciam o estado a que o desporto (e não só) português chegou. A recusa de existir uma estratégia comum, nem que fosse ao nível das associações de uma federação! De uma visão alinhada pelo Estado, descentralizada pelas autarquias, federações, associações, etc.


A necessidade da existência de muitos pequenos mapas para incluírem todos os favores, que na realidades se reflectem em territórios sobrepostos, mal definidos, funções repetidas por duas, três ou mais entidades, visões que são incoerentes com as suas práticas, fazem com que hoje (fenómeno que sempre foi existindo, mas hoje agrava-se) não se deva apenas falar de poucas verbas, mas de verbas mal atribuídas e para os mesmos acontecimentos e, pior do que tudo, potencia que entidades se repitam na sua natureza e sejam adversárias e estejam explicitamente numa competição.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Reflectindo

Na altura escrevi. Hoje repito: este é (mais) um notável texto do João Paulo de Almeida. E, com o devido respeito a todos, de leitura obrigatória. Porque desafia a quietude intelectual em torno do que é o desporto e dos valores que lhe estão associados. Porque revela uma sensibilidade pouco comum para o que se está a passar em torno das práticas do desporto e, por arrastamento, das políticas públicas E ainda porque coloca questões para as quais não há respostas fáceis.
Curiosamente, na mesma semana, António Guerreiro na Actual (suplemento cultural do Expresso) abordava a questão da arte contemporânea a partir da polémica Pacheco Pereira/Pinto Ribeiro. O que existe de comum entre dois âmbitos aparentemente tão distantes?
A arte contemporânea desenvolveu-se a partir da destruição do paradigma valorativo estética/razão. A partir do momento em que tudo é arte a mensagem nela contida carece de um exercício reflexivo. A obra não consegue explicar-se por si própria.E fica por saber se é ou não arte.
O desporto quando abandonou a competição e baixou à simples actividade física destruiu o paradigma em que se construiu. E fê-lo qual tsunami. Não percebendo o que se estava a passar nas sociedades contemporâneas - medicalização da vida, sedentarismo, comercialização da prevenção para a doença - defendeu-se da pior maneira .Não separando o que lhe era próprio - a passagem do modelo formal de desporto para modelos plurais - com o que lhe era estranho: a higienização dos comportamentos por via das práticas desportivas. E agora tudo o que mexe é desporto. Ou pelo menos não lhe é estranho. E crescentemente se dá mais atenção à agitação física - que é simples e supostamente ao alcance de cada um - do que à promoção do desporto, que é complexa e exige ensino, organização, persistência, treino e competição. E não tem resultados imediatos.
O predomínio do carácter utilitário e individualista da actividade física que se abrigou á sombra do desporto é um dos factores, não o único, que está a contribuir para o declínio do carácter lúdico e gregário das práticas desportivas com reflexos na dinâmica das práticas federativas. A solução encontrada tem sido a de alargar o próprio conceito de desporto e a de incorporar novas praticas e novos modos de organização e deste modo acompanhar a onda. E sobretudo contrariar a tendência decrescente das filiações federativas através da “abertura” a outro tipo de praticantes. A prazo ou esta tendência é limitada por uma reflexão, que reconheço não ser fácil, sobre os limites do desporto ou assistir-se-á a uma desvitalização progressiva do desporto que herdámos do século passado.
Aquilo que está a ocorrer desenhou-se a partir das escolas de formação superior. Quando em Portugal assistimos, por parte da mais antiga escola de formação de quadros superiores em desporto da mudança nome para “faculdade de motricidade humana”não tínhamos perante nós uma simples actualização de uma designação. Mas uma verdadeira alteração de paradigma. Replicando o que se estava a passar em outras paragens. E subalternizando o desporto a outras área capazes de dar maior certificação científica. Umas afins e outras completamente alheias.
As organizações desportivas, com as federações desportivas internacionais à cabeça, hibernaram e não tiveram tempo, nem paciência, para reflectir sobre o que se estava(e está) a passar no universo das práticas que dirigem. E deviam ser as primeiras a fazê-lo. Transformaram-se em agências de viagens. A obsessão pela internacionalização e pelo aumento dos quadros competitivos internacionais trouxe mais problemas ao desporto que a globalização. E introduziram crescentes factores de desregulação e desequilíbrio - financeiro e organizacional - nos sistemas desportivos.
As autoridades europeias vagueiam, perdidas em cimeiras rotineiras e em declarações de princípio onde abundam os lugares comuns. Ignoram e parecem não perceber o que se está a ocorrer. Restam as franjas de alguma produção académica e de alguma reflexão solitária. Pouco para tamanha empresa.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A falta de Economia no Desporto em Portugal

Um texto de José Pinto Correia, que se agradece.
Por aquilo que modestamente desde há vários anos vou acompanhando do desporto e do sistema desportivo em Portugal devo dizer, em primeiro lugar, que nesse mesmo desporto e sistema não existe praticamente economia e economistas, antes pelo contrário. Devo assim dizer que a pobreza portuguesa em matéria de economia do desporto é confrangedora.

Penso mais ainda, que se podem contar por menos do que os dedos de uma mão as pessoas com formação económica que entre nós produzem conhecimento no domínio do desporto. E que por isso mesmo os trabalhos académicos em economia do desporto são com uma ou outra excepção inexistentes, e a investigação no IDP, na Secretaria de Estado, nas Autarquias, ou no próprio Sistema Educativo, em matéria de economia do desporto é desconhecida, impublicada e sem qualquer relevo para influenciar ou racionalizar a governação desportiva portuguesa.

Por outro lado, as disciplinas académicas de economia do desporto são desconhecidas no nosso sistema de ensino superior e universitário. Não é reconhecível qualquer profundidade de estudo e produção científica desta área da economia neste mesmo grau de ensino português.

Claro que pode e deve perguntar-se como foi e é possível “conduzir estrategicamente o desporto” (o denominado “steering” dos anglo-saxónicos) sem que uma das ciências sociais mais relevantes da actualidade de sistematização da racionalidade dos decisores políticos e restantes agentes esteja visivelmente presente nesse desporto. O que faz pensar sobre o modo como tem sido possível à administração pública desportiva, ao Governo, ou aos diferentes componentes dirigentes das estrutura federativas e do Comité Olímpico passarem sem o contributo de tal ciência para a definição das suas opções, estratégia e planos de desenvolvimento do nosso desporto nacional.

Não se estranha, por isso, que mantendo-se essa desvalorização da economia no desporto tenham estado no passado e continuem a estar hoje e futuramente ausentes da “direcção e organização do desporto nacional” as questões relativas a análise de investimentos e do bem estar económico e social, da racionalidade e eficiência da afectação de recursos escassos (escassíssimos segundo sabemos), as dinâmicas de procura versus as da oferta, as análises de desenvolvimento nacional e regional e local do desporto, a eficiência e o valor da utilização dos recursos financeiros, materiais e humanos, bem como a basilar determinação rigorosa e modelar do valor económico do desporto para a sociedade portuguesa.

E não nos escandalizemos, portanto, quando os máximos dirigentes do sistema desportivo, desde o Comité Olímpico ao Presidente da Federação de Futebol, propõem a cada volta realizar eventos de muitos e muitos milhões de euros e contos, sem que para tal promovam previamente os indispensáveis estudos e análises fundamentadas da valia económica, dos custos e dos correspondentes benefícios de tais eventos.

Ninguém entre nós aos mais altos níveis de responsabilidade faz as contas devidas, ninguém exige estudos de viabilidade e análises de custos benefícios, ninguém quer saber da rentabilidade económica e social desses projectos. E mesmo quando por contrafeita obrigação se fazem estudos, como no caso do EURO 2004, as metodologias de análise escolhidas dão a ilusão de que esses projectos têm impactos económicos que as análises de custos benefícios e os factos pós-evento categoricamente desmentem (ainda que tenham tido mão de economistas ocasionais que fizeram uma mãozinha bem paga no desporto para tal “empreitada”). E é o que agora de novo se prepara com a candidatura de realização conjunta do Campeonato do Mundo de Futebol em 2018, com desconhecimento categórico dos custos e benefícios de tal aventura.

Há então uma absoluta necessidade de chamar a economia e os economistas para o desporto. Deixemos vir, por conseguinte, mais economia e mais e novos economistas para o desporto. Desta ciência só pode resultar um óbvio e indispensável benefício para a racionalidade das decisões e para uma melhor afectação de recursos e organização do sistema desportivo – desde a base não competitiva até ao topo competitivo. Exijamos ao IDP e à Secretaria de Estado, e ao Comité Olímpico de Portugal, apoios e patrocínio para que mais economia e economistas surjam no desporto em Portugal.

Veja-se a esse respeito, ou melhor estude-se por análise de políticas desportivas comparadas, o caso exemplar do Reino Unido onde as autoridades públicas que governam o desporto estabelecem parcerias com as Universidades para o estudo efectivo e consequente da economia do e no desporto e chegam mesmo a financiar “Centros de Investigação em Economia do Desporto” que produzem estudos e análises que relevam para a condução desportiva nacional (seria fastidioso enumerar aqui e agora os estudos e benefícios que daí têm provindo para a “coordenação global do desporto” pública e para-pública naquele país).

Faz muita falta em Portugal introduzir modelos de análise e de racionalidade económica no desporto. Desde logo, tais contribuições da ciência económica poderiam facultar os instrumentos e as bases em que se fundamentassem as prioridades e as escolhas de utilização eficaz e eficiente dos poucos recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis no e para o desporto. O que aliado a melhores práticas e métodos de gestão das organizações desportivas poderia fazer ultrapassar as limitações de desenvolvimento e afirmação nacional e internacional do nosso desporto.

Como dizia Peter Drucker (o pai da gestão moderna como hoje a conhecemos): “não há países desenvolvidos e subdesenvolvidos, há países administrados e sub-administrados”. E assim sendo, deve afirmar-se que para uma melhor administração do desporto português faz muita falta que a economia do desporto possa ter um impulso grande que lhe permita passar a fazer parte dos modelos de pensamento, organização e governação do desporto de Portugal.

domingo, 14 de novembro de 2010

Quem manda numa SAD?

Permitam-me os associados e visitantes desta nossa colectividade que hoje dedique algumas palavras ao futebol na sua expressão mais imediatista, o que não é meu hábito.
O jornal desportivo “A Bola”, logo na primeira página e com amplo espaço em página interior, olha – diria em termos muito peculiares – o ocorrido no último treino da equipa do Benfica (ontem de manhã no Seixal).

Na primeira página titula-se: “Foi Jesus quem autorizou a entrada dos adeptos no Seixal”. Segue o jornal afirmando que o treino da manhã foi “marcado pelo diálogo entre o técnico encarnado e uma centena de jovens que o questionaram sobre a goleada sofrida no Dragão”.
Terá sido mesmo assim?
Claro que não e o jornalista, no interior, não consegue corroborar as chamadas de primeira página.

O grupo de adeptos – uma boa parte dos quais (pelo menos) pertencentes aos No Name Boys) – “juntou-se em frente à entrada principal do complexo encarnado e ameaçou entrar a bem ou mal”.
Depois de entrarem – pelos vistos com o beneplácito do treinador, pois, caso contrário, entravam a mal –, deslocaram-se “directamente para o relvado”, o que conduziu à interrupção do treino.
Lá foi o treinador ouvir as «queixas» da claque.

“O momento foi de elevada tensão, mas não houve qualquer tipo de violência física, apenas verbal, nomeadamente insultos. Jorge Jesus foi o principal alvo, mas também vários jogadores foram interpelados”.
“O plantel foi completamente apanhado de surpresa e o incidente impressionou negativamente alguns jogadores, em particular os que chegaram esta época ao clube.”
“Mas mesmo para os mais antigos da casa, uma confrontação como esta, em pleno treino, foi algo de inédito.”
“ Jorge Jesus ainda pensou, depois, retomar o treino, mas entendeu que não estavam reunidas condições para o fazer.”

O que se passou ontem no Seixal junta-se a outros episódios que no passado – e no futuro será também assim – tiveram lugar em treinos do Sporting e do FC do Porto, só para citar os «grandes» (?) e dá perfeita conta do peso das claques nos destinos de uma equipa de futebol.

Mas como diriam todos os administradores das SAD’S, membros dos corpos policiais, sociólogos «politicamente correctos», o Conselho Nacional do Desporto e membros do Governo, elas, legalizadas (?) ou nã0, fazem parte da «grande festa que é o futebol.
Assim seja, se assim o querem.
Mas, depois, não vertam, como sempre, lágrimas de crocodilo.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Preparação olímpica?

Um texto de Luís Leite.


Os próximos Jogos Olímpicos vão realizar-se em Londres no Verão de 2012.
Em finais de Setembro de 2010, ou seja, pouco mais de um ano e meio antes do início dos Jogos, o Comité Olímpico de Portugal escolheu o Chefe de Missão Olímpica.
O Chefe de Missão Olímpica é o responsável máximo pela representação nacional e coordenador de todas as actividades relacionadas com a preparação e com a presença em Londres.
Será também o autor do relatório final, após os Jogos.
Como se explica que um país do mundo dito civilizado e membro da União Europeia só decida escolher o Chefe de Missão quando já passou mais de metade da Olimpíada, ou se preferirem do ciclo olímpico?
Nada tenho contra a pessoa escolhida.
Mas não será estranho que, no acto de posse, tenha afirmado que a equipa que irá escolher (será ainda este ano?) terá que ser uma equipa profissional, composta por pessoas capazes e experientes?
O que é que isto significa?
Será que quando os outros países já estão a entrar na fase decisiva da preparação para os Jogos, Portugal só agora é que vai começar a pensar nisso a sério?
Olhando para o panorama actual do Desporto português e tendo em consideração que o máximo que conseguimos foram 3 medalhas em Los Angeles e Atenas e a média geral das participações portuguesas é de 1 medalha, as expectativas para Londres são, digo eu, muito más.
Dificilmente ultrapassaremos o intervalo habitual (0 a 3 medalhas), que nos atirará ainda mais, no medalheiro geral, para a cauda dos países europeus, à frente apenas apenas dos micro-estados.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Decoro

Todos conhecemos pessoas que perante uma situação de doença grave procuram os melhores médicos. Aqueles cuja desempenho está ligado ao sucesso em resolver situações difíceis.Quem tem processos complexos em tribunal, e dispõe de suficientes meios financeiros para pagar a um bom advogado, não vai entregar a causa a um jovem em início de carreira. Procura causídicos com nome na praça.Com experiência profissional.Com muitas causas ganhas. Isto significa que apenas esses estão à altura de ter êxito? Não necessariamente. Significa tão só que o grau de confiança é mais elevado num profissional que já teve sucesso em situações difíceis e particularmente adversas. Que conseguiu o que, aparentemente, poucos seriam capazes. Que apresenta resultados. Qual é garantia que dá quem fala de assuntos que nunca tratou? Pouca. A percepção que se tem das capacidades profissionais tem muito a ver com a experiência.Com o currículo e o desempenho profissionais. A confiança assenta numa base objectiva de resultados alcançados.
O que se passa com as nossas vidas pessoais passa-se com as organizações. E com a maior de todas elas que é o Estado. Dele se espera que as tarefas mais delicadas e mais complexas sejam entregues aos melhores. Aos mais competentes. Aos que dão melhores garantias de fazer bem as coisas difíceis. Aos que protegem bem o dinheiro que lhes entregamos. Que o não usam para fins pessoais. Que têm sentido de missão no serviço público.
A falta de confiança é um custo na vida das organizações. É um obstáculo a boa governação. Num contexto de dificuldades a confiança depende em larga medida da credibilidade e do prestígio dos actores sociais intervenientes. E não basta ser competente. É preciso que a essa capacidade se junte um comportamento cívico exemplar para a comunidade. Se é preciso fazer sacrifícios ninguém está disposto a seguir quem não dá, como exemplo, o seu próprio. Se é preciso poupar ninguém levará a sério quem gasta o que podia evitar. Se é preciso gerir com sentido de responsabilidade, quem dirige tem de ser o primeiro a mostrá-lo.
Entre os que aspiram a um dia governar este país seguramente que existe gente séria e competente. E em todos os partidos. E admiro-os. Pela disponibilidade em assumir funções públicas. Porque o estado a que o país chegou desaconselharia a fazê-lo. A ingovernabilidade é bem maior que a possibilidade de o governar. E o que sabemos deve ser apenas uma pequena parte do que se passa. Os últimos anos acentuaram uma tendência em que a informação que os governos dispõem não é facultada ao país, mas ao partido que governa. E por isso, contrariamente ao que nos querem fazer crer, não sabemos, ao certo, quanto gastamos, nem onde gastamos. Sabemos apenas que aqueles a quem devemos, e que durante anos nos andaram a emprestar dinheiro, desconfiam da nossa capacidade em honrar compromissos. Em sermos pessoas de bem.
O Público (5.11.2010) revela que o deputado Marques Júnior confessou que 95 por cento das vezes não sabe bem o que vota e que é debatido no Parlamento. Não encontrei qualquer desmentido. Não deve ser caso único. Talvez única, apenas, a sinceridade com que o assume. Retrata o estado da democracia parlamentar. E o último debate sobre o orçamento do Estado um fiel retrato. Em que a “velha” e a “catastrofista”, como depreciativamente era tratada, acaba elogiada pelo primeiro-ministro. Ele mesmo. Revendo o filme para trás a surpresa é evidente. Surpresa ou outro qualificativo menos elegante?
O “cadastro” do governo em termos de objectivos está aí. Dirá, enquanto pode, que é culpa alheia. Faz o seu papel. Mas toda a representação tem limites. Ouvir falar em rigor, em transparência, em disciplina e em responsabilidade é insuportável. Que faça o seu trabalho o melhor que pode e sabe. Mas que haja decoro.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Felicitações


Com pedido de publicação texto de Fernando Tenreiro,que se agradece.


Ontem domingo, 7 de Novembro de 2010, o Prof. Dr. José Manuel Meirim tornou-se o primeiro professor de Direito do Desporto a compreender e a expressar no jornal Público que o âmago da Lei de Bases como é interpretado habitualmente pelos juristas do desporto em Portugal está errado:
Ao contrário do que se assume as federações, apesar de prerrogativas públicas, são instituições privadas.
A afirmação segundo as quais as federações são entes sem finalidade lucrativa beneficiando de contratos públicos é um feito inédito por parte de um jurista e dos 100 % dos líderes e técnicos que debitam artigos das leis do desporto em Portugal.
Esta afirmação para além de outras que tenho dito no blogue Colectividade Desportiva, no sentido da reforma das leis no desporto, dita por um dos mais distintos oficiais, abre a porta para que a próxima legislatura tenha novos horizontes legislativos e com isso o desporto possa, por fim, singrar para novos horizontes europeus.
O que a postura tradicional impede materialmente.
Faço a afirmação daquilo que tenho dito não para me promover mas para combater os erros que se constituíram durante muitos anos sem as competentes investigação científica, debate e avaliação dos resultados das políticas. A universidade não pode ser calada senão com a sua conivência ou distracção.
Há mais limitações na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e existem soluções para produzir mais e melhor desporto em Portugal e actos como o do Prof. Dr. José Manuel Meirim rompem com erros estabelecidos e por serem actos raros devem ser enaltecidos.
Renovo as maiores felicitações aos autores do blogue pelo resultado que a nova concepção do desporto português alcança e para o qual o CD tem tido um papel fundamental.

Fernando Tenreiro

domingo, 7 de novembro de 2010

O país das meias-maratonas

Um novo texto de Luís Leite.

A meia-maratona é uma disciplina do Atletismo não olímpica (21.098m em estrada), relativamente recente, que não integra as grandes competições internacionais, com excepção de um pseudo-Campeonato do Mundo que está em vias de extinção, já que não tem relevância e conta com a presença de poucos países.
A meia-maratona “não é peixe nem é carne”, ou seja, é demasiado curta para servir como preparação para a Maratona e demasiado longa para beneficiar os corredores das distâncias olímpicas em pista.

Em meados dos anos 70, com a democratização da corrida que se seguiu ao 25 de Abril, descobriu-se em Portugal uma disciplina do Atletismo sem qualquer relevância internacional: a meia-maratona.
A primeira meia-maratona realizada em Portugal e portanto a mais antiga, é a da Nazaré, que se iniciou em 1975, ainda com a presença de muito poucos atletas. O número foi aumentando progressivamente.

Com o andar dos tempos, os municípios (primeiro) e alguns empresários e os sucessivos Governos (depois), começaram a descobrir a grande virtude desta disciplina: realizando-se na via pública dentro das localidades e podendo juntar milhares de “atletas”, tem uma visibilidade local impossível de conseguir em qualquer outra iniciativa desportiva extra-futebol, com a vantagem de se poder desenrolar em ambiente de festa.
É a manifestação ideal e “politicamente correcta” do “desporto de massas”, promovida e apoiada pelos eleitos, sempre presentes na entrega de prémios.

Não é de estranhar que, nas últimas décadas, as meias-maratonas tenham proliferado um pouco por todo o país, concorrendo entre si pelas melhores datas e distribuindo prémios suficientemente atractivos para os melhores, em função da sua importância.
Actualmente quase não há município que não tenha a sua meia-maratona, até porque seria uma vergonha não a ter. São muitíssimas dezenas por ano, nem se sabe bem quantas.

A meia-maratona não é bem Atletismo. É “meio-atletismo”.
É o local de encontro privilegiado daqueles que correm devagar mas correm todos os dias. E nesse aspecto tem um interesse relativo, mas inegável. Como qualquer outra prática desportiva.
Mas a meia-maratona está a dar cabo do meio-fundo/fundo nacional.
Para poderem acautelar o seu futuro, os melhores fundistas nacionais correm todo o ano atrás de prémios monetários que não encontram em mais lado nenhum.
Assim, exageram na quantidade de provas de estrada que vão correndo e não têm tempo para treinar o ritmo para as provas de pista, que se adquire na pista, nem para treinar a “endurance” com o ritmo adequado para as provas de Maratona.
Com isto, os rankings nacionais de 5000m, 10000m e Maratona têm vindo a piorar ano após ano e Portugal, que era um dos mais fortes países europeus do meio-fundo nas décadas de 80 e 90, hoje só consegue manter alguns (poucos) atletas de topo europeu por via das bolsas olímpicas que, de algum modo, compensam a perda de prémios em meias-maratonas.

Outro aspecto extremamente negativo é a relativização do sucesso desportivo pela qualidade do esforço, quando se atribuem medalhas (e T-shirts) a todos os participantes e pagantes, mesmo àqueles que foram a andar devagarinho e não chegaram ao fim.
É o nivelamento por baixo e a banalização do mérito desportivo.
Ultimamente, adicionaram-se aos programas de festas as “mini-maratonas” e as “caminhadas”, manifestações populistas de encontro social pontual, sem qualquer vantagem real para cidadãos que, maioritariamente, não praticam desporto e fariam a “festa” de outra forma qualquer.
É o desporto a fingir mas muito visível, que tanto agrada aos políticos.

Nalguns casos mais conhecidos e que metem pontes lisboetas, estas “meias, minis e caminhadas” são fortemente patrocinadas (às centenas de milhar de euros) pelas empresas públicas que não gastam um cêntimo com o verdadeiro Atletismo.
Mas gastam-no com dezenas de quenianos e etíopes que vêm cá fazer a corrida deles, sozinhos, sem qualquer vantagem competitiva para os atletas nacionais.
Para dar na TV pública em directo.

Porque sabem que assim agradam mais ao Poder que, através do chefe, também finge que corre.
É porreiro, pá!
Eu não concordo e sou contra as meias-maratonas. E sou a favor do atletismo a sério.
Para que conste.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

O pagamento de propinas

Numa conferência internacional realizada há cerca de um ano em S. Paulo um representante do Comité Olímpico do Brasil apresentou uma comunicação sobre a estratégia que conduziu a atribuição ao país da organização dos jogos olímpicos de 2016.E explicou detalhadamente o modo como foi elaborado o projecto de candidatura. E quem levaram para a defesa da candidatura junto dos membros do Comité Olímpico Internacional (COI):o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Entre os diferentes aspectos apresentados falou da estratégia de lobbying sobre o grupo do COI que iria decidir as diferentes candidaturas. E o modo como o trabalho foi distribuído pelos vários elementos da organização brasileira.Ele, antigo campeão olímpico de voleibol, foi encarregue de “convencer” da bondade da candidatura uma antiga membro da comissão de atletas. Explicou que não fez nenhum lobi sobre a senhora. Optou pelo marido. Soube que ele era amante do surf e convidou-o a passar quinze dias no Brasil, levou-o às melhores ondas e ofereceu-lhe as mordomias convenientes a quem se pretende seduzir. Contou aspectos anedóticos como o do tempo que ficou à espera, deitado no areal ,enquanto o senhor surfava. Dizia com ar divertido que a sua esperança era que, regressado a casa, à noite, no vale dos lençóis, o marido convencesse a mulher que não havia melhor cidade para receber os Jogos que o Rio de Janeiro. Valeu o sacrifício que passou. O que eu ouvi, ouviram as centenas dos presentes. Não foi pedida qualquer reserva.
No jornal Record (26.10.10) o João Querido Manha conta a experiência que teve relativa à candidatura de Marrocos à organização de um mundial de futebol. E revela os bastidores das “propinas”sempre como afirma”com um intenso rasto de perfume feminino”.
Um ex-tesoureiro da federação cipriota de futebol veio agora tornar pública a maneira como, supostamente, a Polónia e Ucrânia “ganharam” a organização do Euro .E diz ter as provas do que afirma bem guardadas no seu cofre forte. Os homens do leste terão pago nove milhões de euros em numerário, três dos quais empacotados num ursinho de peluche.
O que se conta e o que se diz nem sempre é possível de provar. Na candidatura brasileira as estórias são muitas. Mas existe uma significativa bibliografia internacional que demonstra o lado obscuro do modo como se ganham candidaturas à realização de competições internacionais. E casos que terminaram com demissões tal a dimensão e o escândalo internacional que assumiram. O que concluir de tudo isto?
A percepção que se tem é que as grandes federações desportivas internacionais são actualmente agências de negócios. Entregues a um oligarquia de interesses que envolvem dirigentes, marcas e agências de eventos. Neste contexto a dúvida que fica é se, nos tempos actuais, uma candidatura a um evento desportivo internacional, como uns jogos olímpicos ou uma final de um campeonato do mundo de futebol, é possível sem formas de monetarizar o lobbying .E o que é lícito fazer para comprar os votos. Digo comprar porque é disso que se trata. E porque há decisores oriundos de países e culturas onde as regras do jogo são essas. Em cash ou sob qualquer outra forma. Que pode ir das férias pagas, ao relógio Frank Muller ou à mala Louis Vuitton.
Não sei se o que revela um jornal inglês sobre a eventual compra de votos para a organização do mundial de futebol 2018 é verdade ou não. Mas estranho seria que os decisores se ativessem exclusivamente à bondade das candidaturas. Era sinal que o mundo estava a mudar. E que os altos dignatários do futebol mundial tinham começado a jogar limpo.