O estudo encomendado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional à Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica vem clarificar, através da apresentação de uma análise exaustiva de fontes primárias, que, à semelhança de tantos outros negócios - desde logo os negócios públicos - a gestão do futebol profissional gastou mais do que as receitas obtidas ou esperadas, devido a um endividamento excessivo (aumentou 500 milhões de euros em 10 épocas desportivas) suportado pelo recurso ao crédito (17% em 2000/2001 para 54% em 2009/2010).
Durante este período os capitais próprios reduziram-se drasticamente. Foram incapazes de financiar a gestão dos clubes e suportar o crescimento dos activos (investimento em estádios e aquisição de direitos desportivos). Por outras palavras, o valor gerado pelo negócio futebol deixa de provir da remuneração dos capitais próprios, e da sua capacidade de autofinanciamento, para ser cada vez mais apropriado pelos credores.
Ora, não admira que o documento conclua que: “No contexto actual, a sustentabilidade do futebol pode estar ameaçada do lado da estrutura de financiamento ao investimento, sendo necessário repensar os modelos de negócio, à luz da nova realidade que exige a substituição dos actuais proprietários dos activos na indústria do futebol”.
Neste sentido, volta-se a assinalar as debilidades na exploração de fontes de receita com um peso cada vez mais preponderante na estrutura de proveitos da moderna indústria do futebol profissional, concretamente as receitas provenientes dos direitos de transmissão, direitos de publicidade e imagem. É sabido, e está devidamente estudado (repetido novamente neste trabalho) que o peso relativo destas receitas no futebol português é claramente inferior a outras ligas com volumes de negócio semelhantes. Os direitos de transmissão, aliás, são negociados através de um modelo (venda individual) e com valores de mercado claramente desvantajosos para a maioria dos clubes e favoráveis aos operadores televisivos.
Por outro lado, é imperioso, dada a crise que se abateu em Portugal no mercado do crédito, a qual reduz a amplitude dos seus agentes ou os remete para outras paragens menos turbulentas, preencher este vazio. Ainda assim a indústria do futebol cresceu 7% na última década, numa economia cujo crescimento médio no mesmo período se cifrou em 0,7%. Portugal é, aliás, a economia da UE com maiores receitas totais do futebol em percentagem do PIB. Um mercado com este crescimento, um volume de negócios anual superior a 300 milhões de euros e uma dimensão internacional assinalável não será por certo irrelevante.
Para garantir a viabilidade desta indústria, cujo modelo de financiamento encontra-se claramente insustentável, preconiza-se o desinvestimento de activos e a concentração dos clubes na actividade desportiva ao subcontratar serviços a entidades externas, atraindo, simultaneamente, fundos de investimento na negociação de direitos desportivos e económicos.
Foquemo-nos neste ultimo aspecto. Os fundos de investimento, grupos de empresários e sociedades de capitais estrangeiros são uma realidade consolidada em várias ligas profissionais e foram um recurso incontornável para viabilizar financeiramente vários clubes europeus, porém, a factura foi elevada e o sucesso nem sempre garantido.
Desde logo pela dificuldade em conciliar o interesse prioritário de quem investe na rentabilidade económica dos activos, com o interesse primordial no rendimento desportivo por parte dos clubes e treinadores. O passado está recheado de exemplos - alguns deles fatais para o futuro dos atletas - sobre incompatibilidades neste domínio.
Mas também por se terem construído, à sombra destas novas fontes de investimento, diversos casos de fraude, conflitos de interesse, multipropriedade de clubes e evasão à tributação em países com elevada carga fiscal, como é o caso de Portugal, onde ainda correm processos em tribunal.
Na perspectiva da regulação desportiva importa garantir que estes mecanismos de financiamento cumpram requisitos de boa gestão financeira dos clubes, de modo a não comprometerem padrões mínimos de equilíbrio nas competições desportivas. É esse objectivo que a UEFA se propõe com as regras de fair-play financeiro.
Em relação ao regulador público está em causa a viabilidade financeira de um sector com potencial na valorização de activos (jogadores e treinadores, nacionais e estrangeiros) e projecção internacional, através de novas fontes de financiamento, na medida em que a sua gestão se norteie por princípios de transparência e cumprimento efectivo das obrigações tributárias dos seus negócios, internalizando na comunidade o valor gerado, como qualquer outras actividade económica.
Nem sempre assim foi. Na mente do cidadão anónimo subsiste a ideia de um regime de excepção quando se aborda, neste domínio, o futebol profissional.
As recentes circulares n.º 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 da DGCI que procuram disciplinar diversos aspectos na exploração de direitos e na gestão de clubes envolvidos em competições desportivas profissionais - em particular, no que importa a este texto, através do envolvimento de entidades não desportivas não residentes em negócios desportivos com clubes nacionais -, não foram por estes bem recebidas. No entanto, ao contrário de outros momentos, nos quais tivemos oportunidade de criticar a sua acção, os esclarecimentos aqui prestados pela administração fiscal (alguns por demais evidentes que espanta a necessidade de suscitar dúvidas e pedidos de esclarecimento), tendem, apenas e tão só, a garantir que os negócios desportivos com entidades não nacionais - onde se incluem naturalmente os fundos de investimento - cumpram as necessárias obrigações tributárias. Senão vejamos:
a) Quando os direitos de imagem de um jogador são detidos por uma entidade não desportiva, não residente em território português, que os cede a um Clube/SAD residente, com o qual o jogador vai celebrar um contrato de trabalho desportivo, os rendimentos obtidos por essa entidade com a cedência desses direitos encontram-se estreitamente relacionados com os direitos inerentes ao contrato de trabalho desportivo celebrado pelo jogador, porque derivam da imagem deste no exercício da sua actividade profissional e apenas subsistem enquanto durar o contrato de trabalho desportivo. Assim, esses rendimentos configuram «rendimentos derivados do exercício em território português de actividade de (…) desportistas» e encontram-se sujeitos a IRC, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC.
b) Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos por uma entidade, não desportiva, não residente, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC. Por se considerarem rendimentos derivados da actividade de desportistas, a dispensa prevista no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, mesmo que exista uma Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) entre Portugal e o país de residência da entidade não residente, quando a CDT siga o disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico).
c) No caso de transferência de um jogador, para uma entidade desportiva não residente, efectuada por um Clube/SAD residente em território português, que, previamente, procedeu à cedência de uma parte do “passe” a uma entidade não desportiva não residente, os rendimentos pagos a esta última entidade pelo Clube/SAD residente têm a natureza de rendimentos de aplicação de capitais, à luz da definição constante do n.º1 do artigo 5.º do Código do IRS, sendo passível de tributação em Portugal, uma vez que a fonte do rendimento (residência do devedor), se localiza neste território.
d) Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos pela entidade não desportiva não residente [quantia auferida com direitos cedidos, líquida do capital investido], encontram-se sujeitos a IRC, como rendimentos de capitais (…) encontrando-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 21,5%...
e) Assim, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com um Clube/SAD residente, consideram-se rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de desportistas, sujeitos a IRC…;
f) Os rendimentos obtidos com a cedência de direitos que se subsumem na figura de prémio de assinatura, por uma entidade não residente em território português, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC.
Nos dias que correm são manifestas as debilidades em regular o fluxo de capitais e a sua tributação. Porém, é bom que os homens do futebol percebam que os tempos são outros e qualquer solução de viabilidade do modelo de negócio das competições profissionais é tão insustentável sem novos parceiros de investimento como se assumir à partida qualquer espécie de privilégio fiscal. Só assim faz verdadeiro sentido o soundbyte que ecoam de que o futebol contribui para a valorização da economia nacional.