sexta-feira, 29 de julho de 2011

Participação olímpica e objectivos desportivos

A preparação desportiva não se faz sem objectivos. E a participação olímpica não é excepção. O contrário, o não haver objectivos desportivos, é que seria de admirar e de censurar. As federações desportivas, os treinadores e os atletas que estão integrados numa participação olímpica definem, por isso, os respectivos objectivos. A natureza desses objectivos é distinta em função do histórico desportivo de cada atleta. É perfeitamente expectável que alguns atletas nacionais e respectivos treinadores preparem essa participação de modo a poderem obter lugares de pódio.
Quem define e quem conhece esses objectivos são as modalidades, os atletas e respectivos treinadores. Os objectivos não são um palpite, uma presunção, nem a manifestação de um desejo. Atentas as circunstâncias concretas são um sentido para qual os atletas se preparam. Se depois, é ou não alcançado é uma outra questão. Em toda a preparação/participação desportivas há objectivos que são alcançados e outros que o não são. E, por vezes, são alcançados objectivos que não foram previstos e outros cuja previsibilidade de acontecer era elevada e afinal não aconteceram. A natureza de uma competição desportiva comporta um certo grau de imprevisibilidade. A única maneira de o evitar é o de não ter objectivos ou, tendo-os, não os divulgar. A primeira solução é inaceitável. A outra só seria aceitável num contexto em que não tivessem em causa razões de afirmação externa em que se depositam expectativas e recursos públicos que não devem ser elencados e afectos a lógicas de preparação desportiva sem objectivos.
Quem deve definir os objectivos de uma participação olímpica? Deverá se o respectivo comité olímpico após trabalhar esses objectivos com as federações das modalidades participantes, desejavelmente num quadro de discussão e avaliação técnicas. A decisão sobre os objectivos desportivos não é uma matéria natureza institucional, no sentido de poder ser uma decisão à revelia das federações desportivas envolvidas. A sua definição, determinação e quantificação não podem ser da responsabilidade de uma instância administrativa. Trata-se de uma matéria do foro técnico e é nesse ambiente que o assunto tem de ser definido. Excluir as modalidades e os técnicos dessa discussão é um absurdo. Não tem qualquer sentido. É não entender o papel dos técnicos e dos atletas Porque são eles que sabem, que conhecem, aquilo para que estão a trabalhar .
Colocar o problema nestes termos é tratar com um mínimo de rigor e objectividade uma qualquer preparação desportiva que visa a participação nuns jogos olímpicos. Sem dramatismos e com algum sentido pedagógico, designadamente explicando junto da opinião pública os objectivos desportivos que se perseguem, mas também o carácter aleatório e de imprevisibilidade que rodeia o seu sucesso desportivo. É preferível esta opção a uma outra em que se arredonda o discurso em termos de objectivos vagos e imprecisos. A primeira é uma atitude responsável. A outra uma demissão de responsabilidades
De resto, se consultarmos programas de preparação desportiva com vista á participação olímpica em outros países, constatamos que existem objectivos, que estão quantificados e que permitem no final, avaliar, se sim, ou não, esses objectivos foram atingidos. Sem queixumes. Com elevação.E sentido de responsabilidade.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Um livro sobre equipas de elevado desempenho

Há uns meses decidi juntar uma série de variáveis e começar a escrever um livro sobre equipas de elevado desempenho. Juntar experiências profissionais como colaborador dos vários locais onde já trabalhei, chefia noutros projectos que dirigi, formador, coach de empresas e equipas desportivas, facilitador no Conselho Europeu para a formação, e por fim, uma carreira amadora como desportista.

Após algumas conversas, decidi que o livro deveria ter experiências contadas na primeira pessoa por quem gere, lidera e faz parte de equipas. Equipas transversais aos diversos mercados, áreas e desportos. Tentou abranger a visão e experiência de pessoas que estão à frente de uma organização com mais de 2 000 colaboradores, bem como a pessoa que lidera uma das melhores orquestras mundias, ou uma Fundação Calouste Gulbenkian ou ainda treinadores, entre eles, o que lidera uma selecção de futebol que possui no seu elenco jogadores como Ronaldo, Nani, Coentrão, Moutinho, etc.

Não foi nas pessoas em si que foquei a atenção, mas na forma como essa pessoa gere e lidera e se relaciona com os seus colaboradores, colegas, atletas, superiores, etc. O que pode ser interessante para um blog sobre desporto é verificar o que as pessoas das organizações desportivas e treinadores em si defendem o que pode ser fulcral para se conseguir equipas de elevado desempenho.

A grande maioria dos treinadores (atenção que foram apenas abordados apenas treinadores de desportos colectivos) e um administrador da SAD de um dos ‘grandes’ do Futebol, dão muito ênfase a três factores quando se aborda os processos de grupo em equipas que eles treinam ou fazem parte da Administração:


- Compromisso colectivo de qualquer elemento que integre uma equipa, ou seja, não há qualquer hipótese de um objectivo individual estar acima do objectivo colectivo. E todos têm de o assumir como seu.
- Regras claras e muito simples, tão claras que não haja qualquer dúvida de intrepertação e tão simples quanto a forma de a colocar em prática para todos. Regras que possibilitem consequências directas e justas.
- Por último, não confundir deveres, direitos e papéis dos atletas e ainda, um ponto unânime, justiça “fair but not equal”, acrescento eu.

Ainda no desporto, comparando alguns dados de estudos mundiais com aquilo que foi referido pelas seis pessoas da área desportiva, o que se entende por equipas de elevado desempenho são as equipas que conseguem fazer perdurar os seus desempenhos por algum tempo (não determinado), conseguem com bastante regularidade superar as expectativas e possuem determinados processos de grupo, entre eles:

- Partilha dos modelos mentais, conseguir ‘adivinhar’ o que os outros podem pensar
- Todos têm regras e responsabilidades claras
- Optimizam recursos aprendendo e adaptando-se
- Visão clara e partilhada por todos
- Encaixam num ciclo de disciplina de preparação – desempenho – reflexão
- Têm uma forte liderança colectiva
- Desenvolvem um forte sentimento colectivo e de confiança
- Gerem e optimizam os resultados
- Cooperam e coordenam

Aparentemente, todos nós conseguimos contextualizar e verificar que estes processos de grupo e características de equipas com elevados desempenhos estão ou devem estar presentes nas organizações empresariais, federações ou alguns clubes. Até porque a grande maioria das características aqui referidas estão dependentes das pessoas e das relações humanas que se criam e não apenas de recursos dispendiosos ou ferramentas não acessíveis a todos.

Diria eu que seria interessante verificar quais os mecanismos apenas processuais (não falo de receitas operacionais ou extraordinárias, de apoios estatais, etc.) que os grupos de trabalho nas diversas federações possuem para conseguirem relacionar alguns bons resultados (ou nem tanto) com as ferramentas de gestão e liderança dos seus grupos de trabalho. E não falo das equipas desportivas propriamente ditas, mas sim de todo o pessoal de apoio, logístico técnico, administrativo, etc…

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Novo modelo. As mesmas práticas?

O estudo encomendado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional à Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica vem clarificar, através da apresentação de uma análise exaustiva de fontes primárias, que, à semelhança de tantos outros negócios - desde logo os negócios públicos - a gestão do futebol profissional gastou mais do que as receitas obtidas ou esperadas, devido a um endividamento excessivo (aumentou 500 milhões de euros em 10 épocas desportivas) suportado pelo recurso ao crédito (17% em 2000/2001 para 54% em 2009/2010).


Durante este período os capitais próprios reduziram-se drasticamente. Foram incapazes de financiar a gestão dos clubes e suportar o crescimento dos activos (investimento em estádios e aquisição de direitos desportivos). Por outras palavras, o valor gerado pelo negócio futebol deixa de provir da remuneração dos capitais próprios, e da sua capacidade de autofinanciamento, para ser cada vez mais apropriado pelos credores.


Ora, não admira que o documento conclua que: “No contexto actual, a sustentabilidade do futebol pode estar ameaçada do lado da estrutura de financiamento ao investimento, sendo necessário repensar os modelos de negócio, à luz da nova realidade que exige a substituição dos actuais proprietários dos activos na indústria do futebol”.


Neste sentido, volta-se a assinalar as debilidades na exploração de fontes de receita com um peso cada vez mais preponderante na estrutura de proveitos da moderna indústria do futebol profissional, concretamente as receitas provenientes dos direitos de transmissão, direitos de publicidade e imagem. É sabido, e está devidamente estudado (repetido novamente neste trabalho) que o peso relativo destas receitas no futebol português é claramente inferior a outras ligas com volumes de negócio semelhantes. Os direitos de transmissão, aliás, são negociados através de um modelo (venda individual) e com valores de mercado claramente desvantajosos para a maioria dos clubes e favoráveis aos operadores televisivos.


Por outro lado, é imperioso, dada a crise que se abateu em Portugal no mercado do crédito, a qual reduz a amplitude dos seus agentes ou os remete para outras paragens menos turbulentas, preencher este vazio. Ainda assim a indústria do futebol cresceu 7% na última década, numa economia cujo crescimento médio no mesmo período se cifrou em 0,7%. Portugal é, aliás, a economia da UE com maiores receitas totais do futebol em percentagem do PIB. Um mercado com este crescimento, um volume de negócios anual superior a 300 milhões de euros e uma dimensão internacional assinalável não será por certo irrelevante.


Para garantir a viabilidade desta indústria, cujo modelo de financiamento encontra-se claramente insustentável, preconiza-se o desinvestimento de activos e a concentração dos clubes na actividade desportiva ao subcontratar serviços a entidades externas, atraindo, simultaneamente, fundos de investimento na negociação de direitos desportivos e económicos.


Foquemo-nos neste ultimo aspecto. Os fundos de investimento, grupos de empresários e sociedades de capitais estrangeiros são uma realidade consolidada em várias ligas profissionais e foram um recurso incontornável para viabilizar financeiramente vários clubes europeus, porém, a factura foi elevada e o sucesso nem sempre garantido.


Desde logo pela dificuldade em conciliar o interesse prioritário de quem investe na rentabilidade económica dos activos, com o interesse primordial no rendimento desportivo por parte dos clubes e treinadores. O passado está recheado de exemplos - alguns deles fatais para o futuro dos atletas - sobre incompatibilidades neste domínio.


Mas também por se terem construído, à sombra destas novas fontes de investimento, diversos casos de fraude, conflitos de interesse, multipropriedade de clubes e evasão à tributação em países com elevada carga fiscal, como é o caso de Portugal, onde ainda correm processos em tribunal.


Na perspectiva da regulação desportiva importa garantir que estes mecanismos de financiamento cumpram requisitos de boa gestão financeira dos clubes, de modo a não comprometerem padrões mínimos de equilíbrio nas competições desportivas. É esse objectivo que a UEFA se propõe com as regras de fair-play financeiro.


Em relação ao regulador público está em causa a viabilidade financeira de um sector com potencial na valorização de activos (jogadores e treinadores, nacionais e estrangeiros) e projecção internacional, através de novas fontes de financiamento, na medida em que a sua gestão se norteie por princípios de transparência e cumprimento efectivo das obrigações tributárias dos seus negócios, internalizando na comunidade o valor gerado, como qualquer outras actividade económica.


Nem sempre assim foi. Na mente do cidadão anónimo subsiste a ideia de um regime de excepção quando se aborda, neste domínio, o futebol profissional.


As recentes circulares n.º 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 da DGCI que procuram disciplinar diversos aspectos na exploração de direitos e na gestão de clubes envolvidos em competições desportivas profissionais - em particular, no que importa a este texto, através do envolvimento de entidades não desportivas não residentes em negócios desportivos com clubes nacionais -, não foram por estes bem recebidas. No entanto, ao contrário de outros momentos, nos quais tivemos oportunidade de criticar a sua acção, os esclarecimentos aqui prestados pela administração fiscal (alguns por demais evidentes que espanta a necessidade de suscitar dúvidas e pedidos de esclarecimento), tendem, apenas e tão só, a garantir que os negócios desportivos com entidades não nacionais - onde se incluem naturalmente os fundos de investimento - cumpram as necessárias obrigações tributárias. Senão vejamos:




a) Quando os direitos de imagem de um jogador são detidos por uma entidade não desportiva, não residente em território português, que os cede a um Clube/SAD residente, com o qual o jogador vai celebrar um contrato de trabalho desportivo, os rendimentos obtidos por essa entidade com a cedência desses direitos encontram-se estreitamente relacionados com os direitos inerentes ao contrato de trabalho desportivo celebrado pelo jogador, porque derivam da imagem deste no exercício da sua actividade profissional e apenas subsistem enquanto durar o contrato de trabalho desportivo. Assim, esses rendimentos configuram «rendimentos derivados do exercício em território português de actividade de (…) desportistas» e encontram-se sujeitos a IRC, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC.


b) Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos por uma entidade, não desportiva, não residente, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC. Por se considerarem rendimentos derivados da actividade de desportistas, a dispensa prevista no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC não se aplica, mesmo que exista uma Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) entre Portugal e o país de residência da entidade não residente, quando a CDT siga o disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Convenção Modelo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico).


c) No caso de transferência de um jogador, para uma entidade desportiva não residente, efectuada por um Clube/SAD residente em território português, que, previamente, procedeu à cedência de uma parte do “passe” a uma entidade não desportiva não residente, os rendimentos pagos a esta última entidade pelo Clube/SAD residente têm a natureza de rendimentos de aplicação de capitais, à luz da definição constante do n.º1 do artigo 5.º do Código do IRS, sendo passível de tributação em Portugal, uma vez que a fonte do rendimento (residência do devedor), se localiza neste território.


d) Os rendimentos mencionados no ponto anterior, obtidos pela entidade não desportiva não residente [quantia auferida com direitos cedidos, líquida do capital investido], encontram-se sujeitos a IRC, como rendimentos de capitais (…) encontrando-se sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 21,5%...


e) Assim, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com um Clube/SAD residente, consideram-se rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de desportistas, sujeitos a IRC…;


f) Os rendimentos obtidos com a cedência de direitos que se subsumem na figura de prémio de assinatura, por uma entidade não residente em território português, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC.


Nos dias que correm são manifestas as debilidades em regular o fluxo de capitais e a sua tributação. Porém, é bom que os homens do futebol percebam que os tempos são outros e qualquer solução de viabilidade do modelo de negócio das competições profissionais é tão insustentável sem novos parceiros de investimento como se assumir à partida qualquer espécie de privilégio fiscal. Só assim faz verdadeiro sentido o soundbyte que ecoam de que o futebol contribui para a valorização da economia nacional.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Prestar contas ou avaliar resultados?

Uma “boa” política desportiva é uma política que fortalece o tecido associativo. Que melhora as respectivas condições de trabalho. Que fortalece a produção de resultados desportivos. Que optimiza a dinâmica desportiva. A competitiva que é a de maior tradição nacional e a recreativa, que tendo pouca expressão interna tem suficiente dimensão em outras latitudes. Mas uma "boa" política desportiva é também uma política que se recusa a financiar o que é ineficaz, o que não produz resultados, o que ano após ano, não cresce, nem ganha competitividade externa.
O problema que se coloca a montante é o papel que o Estado reserva para si em matéria de regulação, acompanhamento e supervisão.Com tonalidades e intensidades diferentes a avaliação de resultados em matéria de supervisão incide basicamente no controle sobre a aplicação dos recursos públicos transferidos. E nestes basicamente aos financeiros. O que, em parte, se compreende. O Estado precisa de saber como são aplicados. A sua aplicação nem sempre foi cuidada. Mas a conjugação destes dois factores conduziu a uma situação que se transformou num verdadeiro colete-de-forças: o universo do trabalho desportivo, particularmente o das federações desportivas foi invadido pela tramitação burocrática: mapas, controlos, contas, revisores oficiais, auditorias, inspecção de finanças, inspecção tributária, administração pública desportiva e tribunal de contas. A preocupação central deixou de ser o de apresentar ao Estado bons resultados desportivos, mas contas certinhas. Pode uma federação desportiva nunca apresentar melhoria dos resultados desportivos, que ninguém lhe pedirá responsabilidades. Mas basta uma qualquer desconformidade contabilística para ter de dar explicações quando não mesmo entregar de volta parte do que recebeu.
Em bom rigor este universo de burocracia não invadiu apenas as organizações desportivas: a praga chegou a tudo o que é “público” ou recebe apoio público. Em nome de um principio inatacável: é preciso controlar os dinheiros públicos. Só que ao fazê-lo de modo tão severo e absoluto uma parte significativa da vida das organizações é passada a prestar contas até o limite em que já não há contas a prestar porque aquilo que era missão das organizações feneceu. E ao tratar por igual um uso indevido dos recursos públicos, como por exemplo um desvio para fins não elegíveis- que dever ser penalizado- com uma simples afectação distinta em rubricas elegíveis - que é perfeitamente indiferente - o controle deixa de ter qualquer efeito pedagógico para ser um instrumento fechado à procura de saber onde se falhou.
O que se deve pedir (e exigir) às organizações (desportivas ou outras) é que usem de modo sério e responsável os fundos públicos. E que saibam fundamentar eventuais desvios. De modo a se poder separar o que é uma simples desconformidade, de uma fraude.
O sistema desportivo vive num evidente dilema. Tem de se adaptar ao rápido desenvolvimento da ciência e da técnica e às dinâmicas sociais que integram o sistema das práticas desportivas, mas por outro lado não está em condições de acompanhar essa aceleração. O Estado, e os seus processos de regulação, controlo e fiscalização surgem como um elemento frenador. A administração apresenta-se, por força das imposições normativas, como um sistema lento e ineficiente contrariando a lógica do desenvolvimento. E centrada obsessivamente na legalidade dos procedimentos descura o essencial: saber qual é a produção de resultados desportivos e o grau de competitividade do financiamento que assegura. Foca-se no processo e ignora o produto.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Estado de graça

Os governos quando iniciam funções gozam, durante algum tempo, do chamado estado de graça. Algo em que aquilo que fazem é tolerado, mesmo quando não é apreciado. Sabe-se como esse estado é volátil e rapidamente se esgota. Não dou por adquirido que, face à crise que assola o País e à recomposição por que passa o principal partido da oposição, esse período não possa ser mais longo que o natural num regime democrático. Mas convém que o governo não abuse. E não transforme o estado de graça, na graça de um Estado que sobrevive à custa dos erros de quem o antecedeu e não pelos méritos do que faz.
Este estado de amolecimento funciona muitas vezes como um mecanismo defensivo. É a defesa, por antecipação, à acusação de que “só sabem criticar e dizer mal” .O problema é que a realidade e a vida estão para além dos floreados retóricos. Sejam por defeito ou por excesso. Porque, costuma dizer-se, não há uma segunda oportunidade de criar uma primeira boa impressão. E os sinais para essa primeira boa impressão escasseiam. O governo está longe de poder ser entendido como coeso. Há escolhas difíceis de entender. A perspectiva minimalista de um governo pequeno sem reformulação das funções do Estado um evidente risco. A atribuição de pastas a pessoas que invocam o desconhecimento das matérias porque são responsáveis, seria uma opção incompatível numa democracia com um mínimo de exigência cívica. Invocar a frescura de gente jovem como critério de mérito uma perfeita patetice. Constituir uma equipa, com as mais altas responsabilidades governativas, num contexto de crise, com pessoas que mal se conhecem é uma aventura. Uma coisa é pensar bem, outra diferente, é saber agir bem. Para mandar é preciso saber governar. E governar é diferente de escrever um livro, dar umas aulas ou proferir umas conferências. E o mundo está cheia de exemplos de quem governa e não sabe mandar.
O que se passa para os lados do desporto tem um pouco de tudo isto. O que se sabe e o que se não sabe. Bem sei que a vontade dos homens é, muitas vezes, o que as circunstâncias permitem. E a circunstâncias não abonam. Durante os anos em que esteve fora do governo o PSD remeteu-se à clandestinidade em matéria de governação desportiva. Pensamento critico onde está? Animou-se (e anima-se) quando se procura saber como se distribui o poder e quem vai para onde. Num circulo restrito de candidatos. Onde há de tudo: gente capaz e gente pouco recomendável. Em que os capazes se não conseguem ver livres das más companhias.
A constituição do gabinete de apoio ao novo homem do leme é um sinal. E um péssimo sinal. A recuperação de um ex - vice-presidente do IDP, de má memória (para todos quantos com ele trabalharam) em termos humanos e profissionais, revela a deriva e o descontrolo a que se chegou. Há uma razão política ou profissional para esta escolha? Não pode haver. É uma opção humilhante para muitos. Como alguém escreveu foi “premiado pelo partido que mais foi castigado por ele próprio”. Muitos foram os que se recusaram acreditar ser isso possível. Mas foi. E, por vezes, já é tarde para se emendar a mão. E ainda a procissão não saiu do adro.
Admito que tudo isto seja por culpa do meu pessimismo quanto à governabilidade do país. E do meu total cepticismo quanto à valorização do mérito e da competência para o exercício das mais elevadas responsabilidades públicas. E que, por isso, esteja enganado. E que, a realidade, seja bem mais promissora que o modo como a analiso. Oxalá esteja enganado. Mas cá por mim, a coisa não vai correr bem. Aguardemos.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Governar não está fácil

Pedro Passos Coelho anunciou um governo com um máximo de 25 secretários de estado. Chegou ao 35.Como tem apenas 11 ministros (contra os 10 anunciados), alguns secretários de estado são inevitavelmente "verdadeiros” ministros. É um mau sinal. Porque, em algumas pastas, remetem os ministros para figuras decorativas. São formalmente ministros, mas delegando nos secretários de estado a generalidade das competências - todas quantas as que possam ser delegadas -esvaziam politicamente a sua missão. Para a qual não têm tempo, e muitas vezes, em algumas matérias, paciência. O que explica que, em certas àreas, na escolha do ministro não pese tanto qualquer competência técnica ou conhecimento politico sobre a pasta. Mas sim a “ experiência política”. Designação genérica e abstracta que, na maior parte dos casos, significa apenas poder sobre o respectivo aparelho partidário de onde é oriundo ou fidelidade à liderança.
Em tempos, alguém escreveu que há membros do governo que se conhecem no dia da tomada de posse. Já houve um ministro (Paulo Portas) que conheceu a nova designação do seu ministério quando chamado para assinar o respectivo termo de posse. Este grau de desconhecimento, para pessoas que durante um mandato vão trabalhar juntas governando um país, é surpreendente. O facto de muitas só se conhecerem naquela altura pode dar bom resultado. Mas desafia o mais elementar bom-senso. É muito difícil constituir uma equipa, com as mais altas responsabilidades governativas, com pessoas que mal se conhecem, que nunca trabalharam juntas, que não têm qualquer hábito de cooperação ou laços de afinidade pessoal.
Por norma o ministro responsável pela pasta do desporto não tem a mais pálida ideia do que é uma política para o desporto. Deixa essa tarefa ao ”seu” secretário de estado normalmente alguém escolhido entre o “meio”. Que “faz” pelos dois. E que para alem de reunir qualidades politicas para governar o desporto, por ele e pelo ministro que o tutela, alia a essas qualidades a qualidade de também poder governar a juventude. Por quê? Apenas porque sim.
A juventude tem politicas transversais que respeitam a um outro conjunto de políticas sectoriais e não tem mais importância social que a Infância e ou a velhice. Que como, é sabido, não dispõem, e bem, de um referência autónoma na orgânica governamental. A manutenção de uma secretaria de estado para a juventude é um desperdício para o país. É uma mera cedência à lógica das juventudes partidárias que, de resto, de acordo com a cor dos governos, aí encontram os seus empregos temporários nos diversos departamentos e instituições que gravitam nessa órbita.
O governo está obrigado no prazo de 90 dias a apresentar um programa de “emagrecimento” do Estado. De redução de instituições e organismos e sobretudo de redução da despesa. Qual é o contributo que os nóveis ministro e secretário de estado das áreas do desporto e da juventude vão dar a esse desígnio? O que vai acabar, o que vai ser transferido ou aglutinado? Uma operação de “emagrecimento” do Estado carece de uma redefinição das suas competências. Manter as mesmas competências e reduzir as suas estruturas de operação é possível mas comporta um elevado risco. O Estado precisa de se concentrar em menos coisas e elevar os níveis de eficiência.Alexandre Mestre, o novo homem do leme do nosso desporto, afirmou que perante recursos escassos tem de se ser criterioso na sua atribuição e estar muito atento na sua fiscalização. Tem razão. Agora e sempre. E o melhor incentivo que pode dar a esse propósito é pelo exemplo, começando pelas áreas que governa no Estado e que tutela na administração pública.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Falar verdade

Faz parte do jogo democrático a expectativa sobre o exercício de um novo executivo. À semelhança de um clube que inicia uma época desportiva, tudo parece começar do zero. No entanto, a realidade depressa desmente essa tendência. O país não pára durante o período em que saiem e entram novos protagonistas, mesmo quando isso ocorre no tradicional período de “silly season”, particularmente quando os condicionalismos de uma crise económica e financeira, mas também política e institucional, se fazem sentir vindos do exterior.

Procurar compreender e agir sobre a realidade nacional descurando o contexto europeu, e a influência que este assume no plano interno, é algo com que qualquer responsável político poderia conviver placidamente há alguns anos; porém, em sociedades e economias abertas a consolidação de políticas públicas e dos interesses estratégicos de um país joga-se cada vez mais na sua capacidade para se constituir como um player activo fora de portas. Ou seja, perdoem-se as expressões anglófonas, no potencial para se assumir como policy maker e não apenas policy taker.

A capacidade de projecção e afirmação externa de uma imagem, de uma marca, de um produto, de uma política… são factores críticos nesse trajecto. Calibrar o plano interno e externo, de forma a, simultaneamente, internalizar as vantagens competitivas e projectar as medidas políticas no domínio externo, acompanhando o que se vai passando lá fora, é um exercício ausente desde os tempos de Mirandela da Costa, salvo breves incursões no âmbito da cooperação internacional na formação de agentes desportivos dos PALOP’s e do combate à dopagem.

Por norma quem surge de novo procura “limpar a casa” - o que no caso de várias áreas de intervenção pública no desporto é já de si uma tarefa hercúlea, ainda que os argumentos para tal possam ter maior relevância e até alguma legitimidade adicional para por fim a prebendas e sinecuras num quadro de escassez de recursos – limitando-se à gestão corrente da agenda externa através da simples presença nas principais reuniões internacionais, no Conselho da Europa, CPLP e União Europeia.

Quem está atento ao que se passa lá fora constata que Portugal se encontra inúmeras vezes ausente dos mais diversos e importantes fóruns de debate, projectos transnacionais, grupos de trabalho e instâncias de política desportiva europeia. Nas poucas ocasiões em que tal não acontece um dos nomes mais assíduos na lista dos presentes, há vários anos a esta parte, é precisamente o do actual titular da pasta do desporto.

No meio das naturais expectativas, dúvidas e críticas, mais ou menos positivas, que se lhe apontam, há dois aspectos que pela sua experiência europeia tem bem presente para a assunção das funções assumidas face aos que lhe antecederam:

Primeiro, o facto da política interna, também no desporto, fazer-se cada vez mais fora de portas. Segundo, quanto mais tempo se prolongar esta tendência de ficar refém e esgotar-se apenas nos problemas nacionais (gestão de centros de alto rendimento, administração pública desportiva, financiamento público a federações exangues), maior será o fosso que nos separa dos nossos parceiros europeus em matéria de políticas públicas desportivas.

Não parece curial, apenas por estes motivos, encontrar aqui qualquer indicio para o sucesso naquilo que todos os outros falharam ou nem sequer se propuseram: Edificar um novo ciclo de desenvolvimento a partir de um modelo estratégico e de um mix de políticas públicas adequado ao potencial dos seus actores, ao quadro financeiro que o país atravessa, e simultaneamente, ajustado com as boas práticas propostas pela União Europeia.

Parece-me, no entanto, obrigação moral de quem nos governa “falar verdade” e expor, sem hesitações, as debilidades, incongruências e disfuncionalidades de um modelo de desenvolvimento ultrapassado e cada vez menos competitivo face ao panorama europeu. Para prestar contas é previamente necessário dar-se conta. E muitos há que ainda não deram conta… Se há algo de relevante a retirar da acção da UE após o Livro Branco é a informação que disponibiliza sobre os mais diversos indicadores da situação desportiva dos seus Estados membros. O diagnóstico de Portugal não é animador.

Perante isto até quando se pretende ignorar estes dados? Até quando se pretendem tomar medidas de política desportiva à sua margem, sem estarem ancoradas em factos e informação concreta? Até quando se produzem indicadores, de ultima hora, que estabelecem como ponto de comparação o que se fez em relação ao passado, qual retrato do regime, mas se esquece de ver o que os outros fizeram? Se rejubila com a integração na PORDATA, mas se evita constantemente a comparação com os países que compõem o espaço europeu e aí perceber o quão pouco é o tanto que se fez e o quanto está por fazer?

O espaço para uma política de “navegação à vista”, avulsa, casuística e ao sabor das circunstâncias de cálculo e custo de oportunidade, que reina quando se teima em olhar para o umbigo, é cada vez mais escasso e pouco defensável; ainda que seja compreensível haver quem não tenha interesse efectivo numa avaliação dos resultados obtidos pelo dinheiro público investido. Aqui o Estado, nomeadamente quem assume a governação do desporto, com o capital de experiência acumulada no contacto com outras realidades, tem uma palavra soberana a dizer, não só para mudarmos de vida mas fundamentalmente para revelar sem tibiezas que o rei vai nú, ao ponto de cair na decadência - típica nestes cenários absurdos dignos de Brecht - de a celebrar em eventos de casino e eleições ao melhor estilo do ancien regime.

Mais! A concretização de algumas das medidas propostas no Programa de Governo exige uma agenda que dê conta e traga para cima da mesa temas incipientes, ou até desconhecidos dos responsáveis pelo sector, como o caso das carreiras duais, da dupla formação, ou outros que, mais cedo ou mais tarde – espera-se que mais cedo – entrarão de rompante no seio do indigenato desportivo por influência externa, como sejam a regulação das apostas desportivas e de direitos de propriedade intelectual na organização de eventos; a cooperação policial em matéria de dopagem, violência e criminalidade no desporto; o diálogo social no desporto profissional ou o cumprimento efectivo nos procedimentos administrativos e regulamentos das federações nacionais do principio da livre circulação no espaço europeu, nomeadamente em escalões de formação.

Convém deixar de olhar apenas para a realidade interna e abrir horizontes para perceber que o tiro de partida foi dado há muito …

domingo, 3 de julho de 2011

Os pequenos clubes e a criação de valor (II)

A conclusão do texto de Fernando Gaspar.

Num país onde a cultura de apoio ao desporto passou largas décadas pelos tradicionais "patrocínios" angariados por clubes e atribuídos por instituições privadas e públicas quase aleatoriamente, assentes na sua grande maioria na boa vontade dos segundos e na passividade dos primeiros. Vivemos hoje, fruto da evolução dos princípios económicos subjacentes à actividade empresarial e simultaneamente desportiva um momento de rotura na relação entre ambas.
Uma rotura que certamente irá provocar adaptações de ambas as partes, sendo que no entanto deverá ser um processo bem mais longo do que seria desejável (convém recordar que reportamos a clubes de pequena/média dimensão e consequentemente a empresas e instituições de igual representação no panorama nacional) e que trará enormes dificuldades à sobrevivência dos clubes.


Se por um lado as empresas, fruto da evolução do paradigma económico/financeiro, procuram retorno financeiro dos seus investimentos neste tipo de apoio/patrocínio, mesmo as mais pequenas, ainda que não se dotem de ferramentas humanas e materiais, para o fazer convenientemente e assertivamente, também os clubes não estão dotados de recursos para satisfazer por um lado as necessidades próprias do clube e criar valor para este e por outro para ir de encontro às necessidades de potenciais parceiros, permitindo que estes tenham igualmente mais-valias provenientes do apoio expresso a uma determinada instituição desportiva (clube, atleta, secção, equipa, etc.).
Assim não havendo apetrechamento de parte a parte, ambas se irão retrair e criar um fosso entre si, nomeadamente um fosso comunicacional, que aumentará a “desconfiança” de parte a parte. Um fosso que fará, por ora, daqueles que o quiserem atravessar autênticos loucos perante os olhos dos restantes que na dúvida permanecerão sossegados, procurando sobreviver à conta dos poucos apoios públicos que restam (e que tendencialmente, digo eu, tenderão a seguir o exemplo dos privados, onde para cada investimento se exigirá um determinado tipo de retorno).


Enquanto esses loucos procurarem reestabelecer as pontes entre o meio desportivo e o empresarial, muitos irão desaparecer sufocados pela ausência de recursos, outros irão sobreviver com enormes dificuldades, à conta de sacrifícios pessoais dos seus agentes desportivos, outros haverão, que fruto do seu trabalho anterior, conseguiram montar uma estrutura que com mais ou menos dificuldade manterá a actividade, ainda que se afastando daquele que seria o caminho da evolução. Diria que apenas esses loucos, ainda que atravessando um caminho irregular, feito de sins e de nãos, de avanços e recuos, serão capazes de vencer num futuro a curto/médio prazo, serão os únicos que conseguiram evoluir e criar uma base sólida de trabalho e para novos saltos evolutivos. Os restantes, os que sobreviverem, irão absorver toda esta aprendizagem proporcionada pelos loucos, ainda assim irão reiniciar o processo de recuperação/evolução, com anos de atraso.


É certo que os clubes de grande dimensão, já iniciaram este processo há algum tempo, ainda assim a anos-luz de mercados como o americano, australiano, japonês e do centro da europa, no entanto essa informação teima em ser transmitida para nichos de outra dimensão e para fora do planeta futebol, onde apenas algumas modalidades colectivas têm conseguido absorver alguma dessa experiência.
Serão precisos loucos, persistentes, sedentos de inovação, havidos de evolução para diminuir substancialmente este fosso que dia após dia, agudizado pela crise económica, aumenta. Serão precisos clubes, capazes de confiar nestes loucos, investir neles e em parceria encontrarem as soluções necessárias para gerarem valor. Para se tornarem vendáveis, desejáveis, interessantes, cobiçados e até invejados.


Serão precisos recursos humanos e ferramentas capazes de criar valor, de reinventar o serviço desportivo. Será necessária coragem para parar, pensar e mudar, por vezes até conscientes que será preciso dar um ou mais passos atrás, para tomar balanço e saltar este foço.
Os clubes terão de se reinventar e reorganizar, os dirigentes também. Deverão ser estabelecidas prioridades, estratégias a médio/longo prazo e muito importante (ainda que doloroso e com resultados negativos a curto prazo) os clubes deverão ser capazes de cobrar justamente o serviço que prestam, pois só assim o seu real valor (e dos seus profissionais) será reconhecido, de outra forma, continuará a ser encarado de cima para baixo, como um servo e não como um prestador de serviços igual, ou até superior, a tantos outros na nossa sociedade.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Os pequenos clubes e a criação de valor (I)

A primeira parte de um novo texto de Fernando Gaspar, que a Colectividade muito agradece.


Hoje em dia e nos próximos tempos, haverá certamente, uma dificuldade acrescida na gestão corrente dos pequenos/micro clubes no nosso país. Dificuldade essa que é imediata e intuitiva pela crise económica que se vive e que se prevê viver nos próximos tempos.
Certamente que os cortes, rapidamente chegarão às autarquias que por sua vez cortarão nos apoios ao associativismo. Cortes que chegarão igualmente rápido aos rendimentos das famílias e consequentemente influenciarão as opções e a aplicação dos mesmos. Mais ainda, num país onde as culturas, desportiva e a da actividade física, são meramente uma miragem, com percentagens de participação irrisórias, o desporto será um dos elos mais fracos e um dos mais fáceis de quebrar.

Isto será a consequência imediata, simples, directa e que certamente trará enormes dificuldades a estes pequenos clubes, com estruturas directivas reduzidas, massas associativas inexistentes, onde o sócio se confunde com o utilizador e que proporcionalmente até ao momento têm conseguido envolver quantidades significativas de participantes, à custa da carolice, do trabalho reactivo e de apoios financeiros espontâneos, aleatórios e pouco exigentes. Mas depois desta consequência imediata aparecerá a consequência a médio longo prazo...
Esta tipologia de clubes não está preparada para fazer face aos rombos orçamentais que sofreu recentemente e que irá continuar a sofrer, não reuniu as condições durante a última década para poder vir a fazer face a uma situação como a de os dias de hoje, não criou uma almofada de valor material e imaterial capaz de amortecer estes impactos.

Nos últimos anos, a grande maioria dos clubes utilizou essencialmente os valores provenientes das autarquias em articulação com os valores das inscrições e mensalidades para gerir o seu orçamento anual e eventualmente algum pequeno, diria insignificativo, patrocínio (que normalmente até era em géneros e não em valor). Os proveitos obtidos desta forma cobriam as despesas com técnicos (quando pagos), algum material e deslocações e desta forma simples se fazia o balanço dos pequenos/micro clubes em Portugal.
O mundo avançou e mudou, rápido e drástico e os clubes não investiram em si. Na sua imagem (não me refiro apenas ao logótipo e/ou equipamento de jogo), na sua MARCA, no seu valor.

Estes clubes, confortáveis com os valores com que eram financiados mantiveram durante "n" tempo os valores de inscrição e participação nas suas modalidades e muitas vezes, independentemente do valor educativo, formativo, desportivo, social que criavam, se verificou que o valor monetário cobrado, ficava muito aquém do valor que era gerado nas valências referidas. Inclusivamente se deu o caso de serviços que em contraciclo com a sua especialização, aumento de necessidades materiais e sua evolução, aumento da qualidade técnica, aumento dos resultados, se depreciavam consideravelmente ao ponto de nem sequer acompanharem a evolução da inflação. Exemplo: um serviço desportivo que há 20 anos custava 50 contos/ano, ou seja 250 euros, hoje custa 180.

Hoje, perante a crise económica e com a falta de apoios externos, vêem-se a braços com a dificuldade em alterar a sua política de preços e em cobrar os valores mínimos para a manutenção da sua actividade de forma independente, pois seria um aumento considerável que os clientes não compreenderiam. Há clubes que mesmo com mensalidades de 40 euros não conseguem cobrir o valor gerado.
Considerando que quem cobra esse valor, oferece em troca sessões diárias, 40 euros equivalem a um valor de menos de 2 euros por sessão, para a prática de uma actividade especializada, com requisitos técnicos e materiais exigentes e com o valor educativo, formativo, desportivo e social, na grande maioria das vezes, sobejamente reconhecido, estamos a falar de um valor por sessão irrisório, quando comparado por exemplo um explicador de uma disciplina escolar cobra cinco vezes ou mais esse valor por hora (quando uma sessão desportiva, tem por vezes hora e meia ou mesmo duas horas). Mas estes foram exigindo mais à medida que a sociedade os procurava, o desporto e a actividade física formal, não!
Hoje a sociedade em geral não conseguirá de forma generalizada apoiar os clubes, tal como estes fizeram durante anos a fio a essa mesma sociedade, proporcionando a geração de valores a preços abaixo do custo. Irão sobreviver aqueles que mais rapidamente se adaptarem e começarem a gerar valor próprio e também o valor que a sociedade exige para poder reconhecer (pagar) esse mesmo valor. Irão sobreviver aqueles que aprenderem a gerir eventuais apoios públicos e privados numa óptica de reforço do trabalho realizado e uma oportunidade de gerar ainda mais valor e não como o sustento da sua actividade.