segunda-feira, 30 de junho de 2008

Certo. Mas onde estão elas, as leis?

Repita-se à exaustão: as normas jurídicas, a “via jurídica desportiva”, não é, para nós, a solução para os problemas do desporto português. Para aqueles que, depois de ouvirem ou lerem o que sempre afirmámos, e quando confrontados pessoalmente solicitam compreensão para as suas acometidas ao refugiarem-se na dicotomia do “bom” ou “mau” Direito, mas, viradas as costas, continuam a colocar em crise o papel do Direito no desporto - como em tudo na vida –, começa, muito abertamente, a faltar paciência.
Feita esta prevenção, recuperemos o recente texto de José Manuel Constantino (JMC). Aí se afirma que “é indisfarçável uma opção governamental que privilegia a via da reforma legislativa.Com ela pretende-se globalizar uma “certa ideia” para o desporto nacional”.
Adiante, adita-se que o “que se constata, após três anos de governação, é que o “paradigma jurídico” procura melhorar o controlo/dominação sobre as organizações desportivas, designadamente as que têm competências públicas delegadas – e são razão justificativa das alterações introduzidas - mas não atingiu ainda qualquer alteração substantiva das práticas e das políticas desportivas”.

Concordando, na generalidade, com as reflexões de JMC, permita-se-nos uma achega ou mesmo, uma rectificação nos seus pressupostos.
Com efeito, passados três anos de governação e cerca de um ano e meio sobre a publicação da Lei de Bases, onde está a produção legislativa exigida por essa lei e que consubstanciaria a tal “reforma legislativa” ou a “via jurídica para o desenvolvimento desportivo”. Que diplomas foram publicados?
È manifesta a incapacidade do Governo para seguir qualquer “via jurídica”. Aparte as novas – e muito criticadas – normas reguladoras do IDP, o que nos resta se não um enorme deserto normativo, melhor dizendo, a vigência quase total do arsenal normativo decorrente da Lei de Bases de 1990?
A todo o momento, durante estes três anos, o Governo anunciou que estavam em marcha um sem número de diplomas, todos muito urgentes, mas apenas à medida que as circunstâncias da realidade desportiva impunham que se dissesse algo. Nada mais do que isso.
Estribado num órgão consultivo – o Conselho Nacional do Desporto, incluindo as suas secções – que tem primado pelas desavenças pessoais, por votações contrárias às suas próprias normas regimentais (e à lei), com muitos membros a não votarem e outros a serem “representados por observadores”, por lutas intestinas de protagonismos pessoais e institucionais, incapaz de elaborar um parecer sobre o proposto regime jurídico das federações desportivas, este Governo não tem uma “via jurídica”. Como não tem uma política desportiva.
Em suma, não tem é nada.

sábado, 28 de junho de 2008

Gerir o Desporto: do Porto a Setúbal passando por Sines

Em Dezembro último, um co-autor deste blogue escreveu que um princípio que norteou o meu percurso pessoal e profissional foi certamente a “Practice,…practice…”


De facto, parece-me bem evidente esta constatação no meu curriculum, e é uma certeza da qual nunca me distancio. Ainda que goste muito de estudar, investigar, ler, reler e permanecer horas em qualquer biblioteca, pessoal ou institucional, entre portas ou no estrangeiro, o gozo maior é sempre o regresso à prática, isto é, ao “terreno de jogo” seja ele a barra do tribunal, seja ele, um pavilhão, uma piscina, um hipódromo, uma sala de ginástica ou um estádio do futebol (como me recordo da visita ao estádio do Ajax que me escapei para ver os balneários dos jogadores técnicos e arbitragem...).


É neste locais, e em muitos outros, que cimento os meus conhecimentos, reforço as minhas relações humanas e vou aprendendo mais da vida e com a vida.


Tinha a convicção, já há bastante tempo, de algumas asserções encontradas agora no livro de Henry Mintzberg, GESTORES, NÃO MBAs, Dom Quixote, 2005, mas sabe sempre bem vê-las descritas pelos gurus da área:

“Ninguém pode criar um líder numa sala de aula. Mas os gestores existentes podem melhorar de forma significativa a sua praxis numa bem pensada sala de aula e que faça uso das suas experiências.” (p.19)

“É uma excelente ideia utilizar as salas de aula para ajudar a desenvolver pessoas que já praticam a gestão, mas pretender fazer gestores de pessoas que nuncan geriram é uma burla(…)” p. 23

Participei no 1.º Seminário de Gestão do Desporto de Setúbal, organizado pela respectiva Câmara Municipal (27.06.2008).
Para além, da satisfação de regressar a uma maravilhosa cidade, da qual o baú das memórias está rico devido aos inúmeros estágios prolongados e muito sofredores de preparação de início de época, ou de preparação para competições internacionais de andebol, foi sobretudo a satisfação de ouvir excelentes comunicações e conviver com vários/as colegas da área do desporto, da gestão e do direito que me aqueceu a alma nesta viagem a Sul.
Parabéns, por conseguinte, à organização do evento por ter empreendido pela primeira vez numa acção relacionada com a gestão do desporto e designadamente ter avançada com a discussão das empresas municipais. Parabéns também à APOGESD pelo apoio concedido ao mesmo e pelos sócios/as que continua a conquistar.
Permitam-me que dê, por fim os parabéns a colegas que ao fim de 20 anos ainda vão assistir a este tipo de formações na busca de aprofundar conhecimentos, com humildade, espírito solidário e amigo, como foi o caso do colega que me ladeou em parte da manhã e que me reconheceu de tempos idos de quando “jogava à bola”, viva SINES…!!!


E Viva também o meu filhote que foi o mais jovem participante deste seminário apenas com 11 anos.



Nota: Depois de férias, de Setembro a Dezembro, muitas iniciativas na área da Gestão do Desporto e do Direito do Desporto vão ocorrer, de algumas delas aqui daremos conhecimento e este blog continuará, espero eu, a ser um bom palco de discussão e reflexão destes e de outros temas.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

A coisa não está fácil

Sem uma imagem atractiva do valor, necessidade e benefícios que o desporto representa para o País e para os cidadãos – que ao Estado e ao sistema desportivo por igual incumbe transmitir – jamais a consolidação social do “domínio desportivo” alcançará o nível exigido para que o desporto revista, em Portugal, a natureza de um projecto nacional. E por isso, a mobilização do país em torno do desenvolvimento do desporto, da elevação da qualidade da prática e do desempenho dos seus representantes, é uma condição essencial a montante de todas as medidas, de carácter geral ou sectorial, legislativo ou administrativo, técnico ou político, concebíveis no quadro das competências normais das diversas instituições intervenientes”. Isto foi escrito em Janeiro de 2003. Cinco anos e meio depois o texto mantém-se actual. O que mudou então?
O congresso do desporto, uma réplica nacional dos Estados Gerais do Desporto em França, foi uma primeira opção seguida pelo governo. Era uma espécie de “must”.E de mobilização dos “activos”. Lá se iriam buscar as ideias e os programas a partir daqueles que fazem o desporto que temos. Ouvir as “bases”. Os verdadeiros protagonistas. Para depois se preparar a legislação e as medidas subsequentes. O caminho era sedutor. Fomentar e estimular a participação de todos. Quem não gosta de ser “ouvido”? Quem discorda de participar? Porque, supostamente, se todos se pronunciarem, a síntese recolhida é superior à que ocorreria se não tivesse havido participação. Aceitemos que assim possa ser. Mesmo sabendo que é uma ilusão supor que numa situação em que todos podem falar se imporão os melhores argumentos. Mas, no contexto político de então, havia ainda um argumento suplementar a favor deste entendimento: medidas legislativas do anterior governo haviam sido adoptadas sem a suficiente informação e auscultação das partes interessadas. Leia-se o chamado movimento associativo/federações desportivas, crítica que era feita não apenas por algumas organizações desportivas, designadamente pelo COP, como partia do próprio partido, agora governo. Era preciso auscultar os “interessados” e auscultou-se. Mérito do Governo.
Aguarda-se, anos depois, a prometida publicação das teses e propostas apresentadas. Para que o compromisso se cumpra. E para que seja possível avaliar o que se disse e se defendeu e o que está a ser feito. Mas independentemente de uma análise mais rigorosa, possível logo que publicados os referidos elementos, é indisfarçável uma opção governamental que privilegia a via da reforma legislativa.Com ela pretende-se globalizar uma “certa ideia” para o desporto nacional. E construir uma política pública. Mas será que por esse caminho se consegue ultrapassar os lugares comuns de uma lógica casuística ou avulsa?
Governar o desporto por “via jurídica” tem profundidade e sentido políticos se esses procedimentos se constituírem como instrumentos de facilitação e de regulação a uma perspectiva estratégica de planeamento e direcção das políticas desportivas públicas. Se for um meio para chegar melhor ao desporto e às suas organizações e não um fim que com ele conflitua ou estabelece uma relação inócua. Na ausência de uma governação que explicite objectivos, para além das querelas de influência /dominação dos círculos profissionais/pessoais/partidários e mediáticos, o que se constata, após três anos de governação, é que o “paradigma jurídico” procura melhorar o controlo/dominação sobre as organizações desportivas, designadamente as que têm competências públicas delegadas – e são razão justificativa das alterações introduzidas - mas não atingiu ainda qualquer alteração substantiva das práticas e das políticas desportivas. Dir-se-á que o edifício jurídico-normativo não está concluído. É verdade. Mas recordar-se-á que no plano “normativo” o problema está menos do lado da produção legislativa e mais do lado da capacidade de execução /cumprimento da legislação produzida.Uma e outra não eram impeditivas da adopção de medidas de planeamento e direcção das políticas públicas. Ora quando se avalia o estado actual da organização da “reformada” administração pública desportiva, sede por excelência da implementação das referidas medidas, o que se constata não é propriamente brilhante (qualificativo que utilizamos por mera economia de mais razões explicativas). Por outro lado, e da parte das organizações desportivas, não se conhece uma ideia, um projecto, ou uma avaliação sobre as políticas desportivas. O que houve, quando houve, foi seguidismo acrítico ou reacção, muitas vezes corporativa, ás iniciativas políticas do governo sempre que esteve em causa a redução de “autonomias” ou a “limitação/controle” de competências públicas. O que é pouco. E em alguns casos deficientemente sustentado. A oposição política, com excepção do PCP, hibernou por tempo indeterminado. Perante todas ausências torna-se difícil que “ o desporto revista, em Portugal, a natureza de um projecto nacional”.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

As metamorfoses do Estado

Anteriormente deu-se nota nesta colectividade do parecer do Comité das Regiões sobre o Livro Branco sobre o Desporto.

O Comité Económico e Social Europeu é outro dos órgãos independentes consultivos de acompanhamento – neste caso representando a sociedade civil organizada – que constitui com o Comité das Regiões a denominada comitologia.

Entendeu a Comissão, no âmbito do processo político conducente à implementação das orientações do Livro Branco consultar também este comité, o qual produziu recentemente o seu parecer.

Relembra-se que raramente estas instituições se pronunciaram sobre matérias desportivas. Se o fazem agora, não será apenas devido à oportunidade única que constitui o Livro Branco na definição de uma estratégia europeia para o desporto.

Trata-se, em nossa opinião, da emergência do desporto como um tema abordado, não apenas nas altas esferas políticas da UE - como ocorreu com as declarações relativas ao desporto em Amesterdão e Nice - mas a assunção da multilateralidade do esquema de governação europeia, com importante contributo das “low politics”.

Convém não esquecer que o Livro Branco constitui o documento final que resultou de um longo processo de consulta aos Estados-Membros, autoridades desportivas, ONG’s e peritos, incluindo o contributo de 777 cidadãos no questionário que foi disponibilizado on-line, após diversas reuniões ministeriais e conferências com a sociedade desportiva. Tem sido alvo de discussão atenta em diversas instituições comunitárias.

Independentemente das críticas que possa suscitar – e não são poucas -, é o primeiro texto de orientação estratégica sobre o deporto na Europa e o seu posicionamento nas políticas e no sistema jurídico comunitário, com a definição de medidas planeadas para diversos problemas que enfrenta na sociedade globalizada actual.

E o fenómeno da globalização, é sabido, reconfigurou o papel do Estado e da Administração. Num Estado positivo para um Estado regulador. O conceito de Estado-Nação, herdado dos 30 anos gloriosos (que Portugal apenas viu fogachos) diluiu-se no tempo e no espaço. Hoje, o Estado e as políticas públicas, estão cada vez mais dependentes de níveis subnacionais e supra nacionais. Hoje, a Administração recorre cada vez mais a estruturas organizacionais de matriz privatística e a parceiros da sociedade civil.

È evidente - como o percalço irlandês voltou a confirmar - que os cidadãos dos Estados-Membros vêm a UE como um redutor de soberania e tendem a assumir atitudes mais conservadoras quando os seus líderes políticos não democratizam os processos constitutivos. Mas as políticas nacionais são cada vez mais condicionadas por instituições não nacionais que alargam a sua margem de influência à medida que os mercados se expandem.

E o desporto é cada vez mais uma actividade com uma importante dimensão económica e um mercado em expansão que urge regular em benefício de todos.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O programa

Nesta colectividade têm sido muitos os contributos sobre a pertinência (ou não) de um plano de desenvolvimento desportivo, suas modalidades e, fundamentalmente, sobre o sentido a atribuir a um tal documento no domínio da definição e prossecução de uma dada política desportiva.
Devo confessar – e não é a primeira vez que o faço – que não é este o meu domínio de intervenção. De todo o modo, como diria uma amiga estudante adolescente, julgo que temos que nos «organizar».

No passado dia 3, os deputados do Partido Comunista Português apresentaram na Assembleia da República o Projecto de Resolução nº 335/X-3ª, que recomenda ao Governo a criação e implementação do Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo.
A título de mera informação, quem sabe para outros debaterem com propósito, avanço um resumo do projecto, que espero não seja abusivo.

O ponto de partida parece assentar nas seguintes proposições: (a) a política desportiva em Portugal tem vindo a limitar-se a uma intervenção casuística do Estado; (b) o desenvolvimento desportivo que se tem verificado em todo o país é essencialmente devido às autarquias locais e ao associativismo desportivo; (c) o desporto em Portugal encontra-se em crise estrutural; (d) a crise nasce da discrepância entre o esforço do associativismo desportivo e das autarquias locais e o papel e a displicência dos Governos; (e) a crise abala os quatro grandes pilares do desporto (escola, associativismo desportivo, autarquias locais e sector laboral); (f) a perspectiva de considerar o desporto meramente enquanto espectáculo de diversão de massas não é compatível com a promoção da prática desportiva de forma ampla e democrática.

São necessárias, portanto, na lógica dos proponentes, um conjunto de medidas estruturais.
Transcreva-se agora:

É, pois, urgente a adopção de um Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo que contemple e estruture as orientações centrais para o Desporto, na perspectiva da ampliação do acesso à prática desportiva, com particular expressão junto da juventude, mas com políticas sectoriais destinadas à generalização das práticas dirigidas a todas as outras camadas da população. Nesse sentido, a estruturação de medidas e a planificação no médio-prazo do papel do Estado junto das Autarquias, do Movimento Associativo, das Escolas e do Sector do Trabalho devem ser elementos centrais na delineação de uma política de desenvolvimento desportivo que crie as condições reais para que a prática desportiva constitua um desígnio nacional e estruture a resposta a necessidades sociais que exigem soluções urgentes.

Assim, recomendam seguintes medidas:

- Elaboração de um Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo a partir da acção coordenada entre as entidades que integram o sistema desportivo, garantindo a convergência de esforços e a definição de objectivos claros para a acção e intervenção do Estado.


- Elaboração do Plano Nacional de Equipamentos Desportivos.


- Elaboração, integrando o Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo, do Programa Nacional de Actividades Físico-Desportivas como factor determinante na saúde, na prevenção da doença, na integração social e na melhoria da qualidade de vida para o conjunto da população.


- Implementação de um Programa Nacional para a Integração e Inclusão Social e Prevenção de Riscos através do Desporto, integrado também no Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo.


- Criação de condições para que o Desporto Escolar passe a constituir uma realidade bem estruturada na vida da população escolar.


- Criação de Centros de Orientação Desportiva em Escolas Públicas distribuídas de forma equilibrada pelo território nacional, tal como a criação de Pólos Regionais de Desporto de Alto Rendimento e de Centros Nacionais de Desporto de Alto Rendimento.


- Estabelecimento de um Programa Nacional de Detecção dos Mais Dotados que funcione como um observatório de captação.


- Promoção de uma Campanha de Promoção do Desporto no Trabalho.


- Ampliação e efectivação do acesso ao controlo médico-desportivo por parte de todos os interessados em praticar desporto, apoiando inclusivamente o trabalho dos clubes, abrindo no maior número possível de Centros de Saúde uma “Consulta do Desportista”.


- Criação de um Quadro Nacional de Apoio ao Movimento Associativo Desportivo não profissional, que parta do Programa Nacional de Desenvolvimento Desportivo e que, partindo de objectivos claros, garanta coerência e total transparência aos apoios fornecidos aos clubes desportivos e como forma de ultrapassar a descapitalização do sector e do sistema desportivo.


- Criação de um Plano Nacional de Formação, com o objectivo de renovar os processos de formação dos agentes desportivos.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Consoante muda

Dizem-me alguns amigos brasileiros que, no Brasil, Luis Felipe Scolari nunca escondeu a antipatia que tem pelos portugueses. Não tenho como confirmar. Mas suspeito que é uma espécie de consoante muda: se existe é como se não existisse. E de consoante muda, muda consoante. Consoante se está cá, ou lá. Nunca entendi o endeusamento que o mesmo merece no nosso país muito para além daquilo que o indiscutível mérito do seu trabalho justifica. Dizem-me que é negócio a vários tons. Talvez. Para mim é seguramente também uma outra coisa: cedência ao popularucho num meio onde a exigência não é muito elevada. Agora em pleno campeonato da Europa decidiu anunciar que a partir de Julho tem um novo patrão.Com esta atitude legitimou que todos quantos estão na referida competição, do lado de Portugal, possam dedicar-se ao mesmo desporto:mudar de patrão. Parece que terá dito anteriormente que enquanto a competição durasse tudo o resto deveria ficar para trás. Viu-se.O burro sou eu? terá uma vez mais pensado.E com o exemplo que deu, confirmou o velho aforismo”faz como eu digo, não faças como eu faço”.A exigência que coloca aos outros não é a bitola que aplica para si próprio. Até um seu adepto incondicional, o professor Marcelo, lamentou o comportamento do “mister”.Não fosse muito do jornalismo praticado ter pouco de jornalismo e uma boa dose de propaganda há muito que o senhor teria sido posto na ordem. Respeitando quem lhe paga, respeitando os que ainda querem fazer jornalismo, não vendendo doses maciças de saloismo em nome da pátria e vulgaridades sobre o rótulo de “psicologia”e “liderança”. A experiência inglesa e ter de trabalhar todos os dias vão certamente fazer-lhe bem. Quem não ficou satisfeito foi o secretário de estado do desporto. E depois de se ter dito, e de não ter sido desmentido, a intervenção do próprio primeiro –ministro na manutenção do contrato com Scolari- após a agressão de que foi autor- é a vez do secretário de estado do desporto assumir o papel de comentador futeboleiro e discorrer sobre os eventuais efeitos na selecção nacional futebol do facto de Scolari ter anunciado a meio do campeonato que a partir de Julho o patrão era outro. Não se compreende tão lato entendimento das responsabilidades políticas que o leva a ter de discorrer sobre a matéria. Ou está o dito responsável disponível para comentar todas as alterações que ocorram nas lideranças das selecções nacionais como o fez para o futebol? E já agora disponível para explicar qual é a importância política que tem para o país tais alterações que obrigam que um dirigente político aborde um assunto ao nível do que o devem fazer os dirigentes desportivos? Um caso em que linguagem não esconde o pensamento e em que os “valores”,coisa vaga mas que fica sempre bem invocar, são trocados por outros mais altos que se levantam.E que também mudam consoante.Por este andar já não faltará muito para começar a falar dos jogadores que devem ser escolhidos e das tácticas a utilizar. Coisa de resto que, como é conhecido, tem especial predilecção. Ou não fosse um admirador do dia seguinte.

sábado, 14 de junho de 2008

A Heidi, o avozinho e os nossos emigrantes

Apenas conheci e convivi os meus primeiros 12 anos de vida com uma avó paterna, de nome Ana Teixeira. Mulher empresária que exercia tal função sem ser qualificada como tal e mãe de 16 filhos nos tempos da 1.ª Guerra Mundial. Oriunda de um concelho então paupérrimo, e que certamente ainda hoje continua carenciado, mas com muito mais notoriedade desde que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa se dedicou política e culturalmente ao mesmo, a minha avó e respectivos filhos/as rumaram, como aliás muitos outros portugueses na época, para outras bandas à procura de melhor vida. Por estas e outras circunstâncias, ora felizes ora menos felizes, foi na companhia da avó Ana que vivi e imaginei momentos impares da nossa vida, como por exemplo, a primeira vez que o Homem (Neal Armstrong) foi à Lua, a transição do regime político em Abril de 1974 e as primeiras séries de banda desenhada televisonadas. Assim, abreviando devido às exigências de espaço, sublinho que com a Heidi, o seu avozinho e a minha avozinha percorri mundo, voei nas nuvens desse filme e conheci pela primeira vez a Suiça. Que encanto! Provavelmente, ainda possuo, na casa da minha mãe, o meu primeiro LP com a musica desta banda desenhada.
Serve esta pequena história apenas salientar que em pleno mês do Euro 2008 o que me tem verdadeiramente prendido a atenção neste campeonato de futebol são os milhares de emigrantes portugueses na Suiça e arredores (como me lembro de alguns queridos amigos que por lá labutam), a sua história emigratória e sua estreita, inequivoca e sempre incondicional ligação à nossa nacionalidade e à selecção portuguesa.
Nunca tive a coragem de emigrar, apesar de alguns convites e pensamentos tentadores, mas invejo e admiro a valentia e o espírito de sacrifico de todos (e todas) que além fronteiras lutam com tantas adversidades, conquistam méritos e se afirmam pessoal e profissionalmente.
Bem sei, recordando por exemplo os tempos da minha prática desportiva, a alegria mútua que sentiamos quando em qualquer País, por mais recôndito que fosse, nos visitavam os/as emigrantes sempre com um sorriso, com um estimulo, com um grito e a bandeira portuguesa.
Apesar de não ser uma incondicional adepta e apaixonada pelo futebol vou acompanhando, por diversos motivos, e friso, sobretudo pelos nossos emigrantes, a prestação e os acontecimentos deste Europeu e obviamente os da selecção nacional.Remato com uma constatação que me pertubou e não entendi cabalmente. Pode ser que os leitores e as leitoras me elucidem melhor.
Em pleno Euro 2004 quem não se recorda do rompimento de negociações por parte do treinador Filipe Scolari com a federação inglesa, (e até com SLBenfica), provavelmente devido a fugas de informação. Quem tiver curiosidade basta investigar as suas declarações de então. Passados 4 anos vemos a mesma face da moeda, ainda por cima inglesa, só que desta vez em pleno europeu o treinador e a FPF anunciam a não continuidade do contrato após esta competição o e Chelsea comunica que Scolari será o treinador da próxima época. Estranho, hem?
Melhor será continuarmos com a esperança dos stocks se reporem nas prateleiras e gasolineiras, e dos agricultores não se enfurecerem, alhearmo-nos das consequências do não da Irlanda ao Tratado de Lisboa, rezarmos para que se nos levaram o DECO nos levem também a ASAE e deliciar-nos com as montanhas da Heidi.
Esperamos, sinceramente que a afirmação e identidade portuguesa dos nossos emigrantes na Suíça continue em ascenção. Força Portugal!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Da reflexividade à responsabilidade das políticas desportivas

A debilidade das políticas públicas em Portugal manifesta as carências de reflexividade na nossa sociedade, legado de uma cultura paroquial e paternalista, face ao que hoje representam os valores da moderna cidadania.

Anthony Giddens é, por certo, uma das maiores referências na produção de teoria social sobre a modernidade. Para este autor o conceito de reflexividade – o potencial dos individuos analisarem em profundidade o impacto das suas escolhas e decisões -, é fundamental para analisar o processo de desenvolvimento que surge da interdependência entre a estrutura e a acção. Ou, por outras palavras, entre o sistema de regras e recursos de uma sociedade e as opções dos agentes sociais

As políticas avulsas, carentes de sustentabilidade e boa governança, e as medidas "estratégicas" erráticas e imediatas que se assistem hà décadas nos mais diversos sectores da nossa sociedade manifestam um déficit de capital social – onde a reflexividade, entre outras dimensões, se inscreve - dos actores que se situam no espaço público, a começar nos políticos, passando pelas corporações, órgãos de classe, até ao cidadão anónimo. Diversos estudos comparativos com os parceiros europeus foram publicados sobre esta matéria e mostram resultados preocupantes.

O desporto aqui não é excepção. Antes pelo contrário, é talvez dos sectores mais atrasados na concepção, avaliação, implementação e desenvolvimento de modernas políticas públicas.

A estagnação, quando não a regressão, dos indicadores de prática desportiva de base e participação em actividades físicas dos portugueses, o impacto das estratégias de combate ao sedentarismo ou o impacto desportivo da realização de grandes eventos desportivos no nosso país são bem reveladores da incipiente sustentabilidade, utilidade, eficácia, eficiência, coerência, pertinência e relevância dos programas públicos desportivos nos hábitos e consumos desportivos da população portuguesa. Quem diariamente opera no sistema desportivo dificilmente identifica efeitos estruturais (indirectos, induzidos e mediatos) de alavancagem, ou criação de valor nos níveis de participação desportiva de importantes segmentos populacionais

E não se pode dizer que exista uma total carência de reflexão e orientação estratégica do modelo desportivo para o nosso país. Por certo não existem os estudos necessários, com a amplitude necessária, ou o grau de integração com outros sectores e níveis de Administração (nacional e comunitária). Por certo não existem livros de cor sobre o desporto português. Mas, com todos os defeitos e virtudes que possa ter, o Estado, como é sabido, pôs na gaveta uma proposta séria e concreta de intervenção estratégica sobre o desporto português, para um período de 10 anos. Os sucessivos governos continuam a eximir-se de apresentar à sociedade a sua visão do sistema desportivo, e definir objectivos, prioridades estratégicas, instrumentos de intervenção e recursos mobilizáveis, com metas claramente quantificáveis sobre a mesa, pelas quais preste contas e responsabilize os demais agentes envolvidos. Continua a optar-se pela inevitável reforma legislativa, e pela discricionariedade das medidas avulsas e imediatas, sem se vincular a metas concretas e a indicadores precisos.

Aqui retorna-se a Giddens. Este sociólogo é para muitos políticos o ideólogo do que se chama a “Terceira Via”, a qual tem como matriz estruturante a aposta em políticas sociais activas e de capacitação do individuo na sua relação com o Estado. Via fundada na reflexividade dos agentes sociais. O governo trabalhista inglês talvez seja aquele que seguiu mais de perto esta proposta alternativa - e pouco consensual - de um novo contrato social, onde os deveres de cidadania são recalibrados através da participação e responsabilização na implementação das políticas públicas. A governação (do Governo) transforma-se em governança (da sociedade).

No que concerne ao desporto, Gordon Brown, ciente das carências desportivas do seu país, apresentou recentemente um conjunto de ambiciosas medidas de desenvolvimento desportivo.

Não se tratam de medidas pontuais a partir de um esboço do panorama desportivo inglês, mas encontram-se prioridades bem delineadas no contrato que estabeleceu com a sociedade inglesa, numa perspectiva plurianual com estratégia claramente definida – a partir de um diagnóstico prévio - numa lógica de “value for money”, partenariado, envolvimento das comunidades locais, maximização de sinergias e prestação de contas, visando capitalizar desportivamente, através de um plano de acção, a oportunidade única que os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 irão proporcionar para o futuro.

Deseja-se que, ao invés do que já se viu neste blogue - e pulula no país desportivo - se passe da discussão de pessoas e curriculos, para a discussão de ideias e programas de acção concretos. Se tome noção das consequências da ausência de politicas públicas desportivas crediveis e sustentáveis. Se possível criticando, discutindo e aprendendo com aqueles que há muito procuram implementar uma orientação estratégica para a sua política desportiva.


quinta-feira, 12 de junho de 2008

Heterodoxias desportivas(VII)- o logro

Um problema mal resolvido é um problema, ainda, por resolver. Com um risco acrescido: o da ilusão de já estar resolvido ou em vias disso. Vejamos. Durante muitos anos clamou-se quanto à inexistência de educação física no ensino primário. Este passou a chamar-se 1º ciclo do ensino básico. A educação física passou a expressão físico-motora correspondendo às modas académicas de então. Os professores, que supostamente leccionariam a disciplina, eram professores do ensino básico com especialização na variante de educação física. Formados pelas escolas superiores de educação. Mas logo que na posse dos respectivos diplomas - e porventura pouco satisfeitos com a dignidade da função que lhes estava destinada - arranjaram maneira, com a conivência de governos de vários tons, de migrarem para os outros graus de ensino. E deixaram por preencher as funções para que foram formados.O défice de educação física naquele grau de escolaridade manteve-se. Algumas Câmaras Municipais, entretanto, procuraram minimizar o problema com programas de apoio específicos para as crianças em regime de escolaridade.Com experiências positivas e negativas. Como seria expectável num processo atípico. O que já era pouco, mas alguma coisa, agora não é nada. Acabou sem que, aparentemente, ninguém se queixe. As Câmaras Municipais foram convidadas a assumirem responsabilidades nas actividades de complemento curricular. Na música, no inglês e no desporto(!). Ao fazê-lo abandonaram, na grande maioria das situações, as actividades curriculares que apoiavam. O que em algumas escolas havia para todos e como actividade obrigatória passou a haver apenas para alguns com ocupação facultativa. A actividade física formativa das crianças ganhou? Dificilmente!
A criação apressada de empresas para assegurar essa prestação de serviços, em alguns casos de duvidosa qualidade, a sua lógica e avidez comercial, o carácter precário do trabalho, a insuficiência de recursos humanos qualificados em número disponível, a ausência de controle sobre a qualidade do trabalho realizado - pese embora tenham sido criadas estruturas de acompanhamento para o efeito - tornam esta situação um bom negócio para quem vende e intermedeia este serviços, um descanso para as câmara municipais mas um logro em termos de formação desportiva das crianças.
O papel da escola na formação desportiva das crianças e jovens em idade escolar - com esta designação ou com qualquer das diferentes designações e variantes conhecidas -, acabou, assim, por sair da agenda política. Não parece preocupar nem o poder local, nem o governo. A Associação Nacional dos Municípios Portugueses preocupa-se com os pagamentos. Não se lhe conhece uma opinião, um estudo sobre a opção tomada para o sector e a qualidade da solução negociada. O governo quando aparece é para falar de si próprio. E mencionar “a implementação do desporto escolar”. E entre o deixar andar dos municípios e o “auto-elogio “ do governo o que resta, das experiências que as escolas proporcionam às crianças em matéria de prática da actividade físico-desportiva, é muito pouco.
É dos livros e a vida comprova-o: é importante o modo como a escola determina e influencia o comportamento das crianças e dos jovens em matéria de educação física e do desporto. Porque a evolução desportiva do país será sempre proporcional ao que for a evolução físico-motora da sua população infanto-juvenil, nisto compreendendo a sua literacia motora, o desenvolvimento das capacidades e qualidades físicas gerais, em suma, a elevação da condição física das crianças e dos jovens em idade escolar. Mas para que isso ocorra a educação física e desportiva na escola não podem continuar a ser um discurso que depois não tem correspondência com um efectivo investimento corporal dos alunos. É deste último que importa tratar.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Um outro campeonato

Neste período de intenso caudal informativo em torno das incidências do Campeonato da Europa de Futebol considero importante esta colectividade aproveitar o evento para prestar um contributo didáctico aos leitores.

O World Development Movement é um conhecido movimento social de origem britânica dedicado à promoção do desenvolvimento humano e ao combate à pobreza.

Esta organização aproveitou a projecção do Euro 2008 para fazer um exercício divertido e interessante sobre alguns temas prementes na agenda política sobre o desenvolvimento humano.

Com efeito, uma vez que não existe nenhuma selecção britânica em prova, elaborou - a partir das equipas participantes no campeonato - uma classificação da equipa de futebol “eticamente melhor” para ser apoiada.

Para tal desiderato agregou, com base em diferentes fontes estatísticas e documentais - devidamente reportadas -, diversos indicadores sociais e económicos de desenvolvimento, como a emissão de carbono, as despesas de saúde, as despesas militares, a percepção de corrupção, a electricidade a partir de energias renováveis ou o nível de distribuição da riqueza.

Confira aqui os resultados finais deste campeonato.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Ensinar desporto: trabalho ou prestação de serviços?

Já por mais de uma vez que nos cruzámos com decisões dos tribunais que se ocupam de “conflitos laborais”, em que, por um lado, se encontram monitores, professores ou outro tipo de formadores desportivos, particularmente na disciplina de natação e, do outro lado, as entidades a quem prestam serviços (em muitos casos municípios).

Julgamos de alguma utilidade dar conta a esta colectividade daquilo que nesta matéria vem sendo decidido de forma, aliás, não isenta de críticas.

Fazemo-lo com intuitos meramente informativos. Contudo, é bem verdade que a situação demonstra uma precariedade que não é, nem justa para com estes agentes desportivos, nem boa para o desporto.

Sobre esta temática se pronunciaram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 2004, de 20 de Setembro de 2006, de 2 de Maio de 2007 e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Setembro de 2007 e de 7 de Maio de 2008.

Recentemente, passámos a contar com uma leitura crítica, pela pena de João Leal Amado, Professor de Direito de Trabalho da Faculdade de Direito de Coimbra (abonando-se também em trabalho do Professor Sousa Ribeiro, da mesma escola), que adiantou alguns comentários a uma outra decisão do Supremo Tribunal de Justiça, esta de 28 de Junho de 2006.

O Tribunal entendeu que não configura um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços, aquele que tem por objecto a docência de aulas de musculação e cardiofitness durante dez meses no ano (Setembro a Junho), mediante a celebração de contratos denominados de prestação de serviços, se não estiver directa ou indiciariamente provado que a actividade era exercida de modo subordinado.

É verdade, adianta, que a prestação da actividade em local indicado pelo réu, a vinculação a horário de trabalho e o pagamento de uma retribuição em função do tempo constituem indícios no sentido da subordinação jurídica. Todavia, estando em causa a actividade docente o valor desses indícios “é praticamente nulo”.
Mas o tribunal afasta (?) quaisquer dúvidas em razão do que segue: a) era o professor quem planeava, programava, orientava e avaliava o trabalho das respectivas classes e que só periodicamente (trimestral ou semestralmente) reunia com o coordenador geral; b) o professor nunca recebeu férias, subsídio de férias e de Natal; c) o professor estava colectado nas finanças e emitia “recibos verdes”. E, num remate final, valora ainda o facto de “não haver notícia de qualquer protesto ou reclamação por parte do autor, durante os 15 anos em que trabalhou com o réu”.

Questiona, e bem, João Leal Amado: porque foram desvalorizados os melhores indícios de que estávamos perante um contrato de trabalho (a sujeição a horário de trabalho fixado pela entidade “empregadora”, a execução da actividade nas instalações da mesma entidade, utilizando equipamentos dela, e a existência de uma remuneração certa?

Pelo contrário, segue o autor, o Tribunal (sobre) valorizou indícios de valor quase nulo para alcançar a negação do contrato de trabalho.
O não exercício de direitos laborais não é sinónimo da sua não existência (direito a férias, subsídios de férias e de Natal). Quanto ao uso de “recibos verdes”, no verso do próprio recibo lê-se: “a utilização de recibos do presente modelo não implica a qualificação do trabalho prestado como independente, para efeitos de Direito do trabalho”.
E, por fim, teria a “relação” perdurado 15 anos se houvesse, da parte do «trabalhador», um comportamento reivindicativo? Pensar assim é esquecer, de todo, a situação do mercado de emprego em Portugal.

Para os interessados, acertaremos forma para que possam aceder aos elementos que agora sintetizo.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Em águas de bacalhau

Que me desculpe quem assim não pensa. Mas um dos pecados em que incorrem, algumas das pessoas - poucas de resto - que têm preocupações críticas sobre a situação desportiva nacional é o de centrarem as suas atenções sobre aquilo que é a agenda política dos governos. Não porque seja uma matéria irrelevante ou despicienda, ou porque os governos sejam por natureza pouco competentes mas porque, tradicionalmente, estão presos a lógicas pouco programáticas e de pouco conteúdo ideológico-político. Agrava esta situação o facto de no âmbito da União Europeia a sua agenda estar marcada por uma tensão entre um desporto como direito e um desporto como negócio falecendo às mãos das grandes organizações desportivas internacionais que passam parte da semana a gerir o negócio que o desporto lhes proporciona e, de quando em vez, têm um rebate do consciência e dedicam-se à defesa dos “valores”. E nestes ao omnipresente “fair-play” como é de bom-tom. Encurtando explicações: a agenda europeia e os seus temas são, com o respeito devido a quem pensa de modo diverso, perfeitamente irrelevantes ao que hoje deveria preocupar a “política europeia”e a sua social-democracia/socialismo: a crescente mercantilização do desporto e a sua absorção pelas lógicas do liberalismo económico. Que modela não apenas as condições de acesso às práticas desportivas como “modela”o próprio desporto praticado.
Com a crise das esquerdas, que com excepção dos comunistas, nunca tiveram um pensamento doutrinário próprio, e com a congénita incapacidade da direita em marcar ideologicamente o terreno desde que faleceu o modelo fascista, o que distingue o debate actual não é tanto o de saber que modelo ou projecto de politica pública desportiva se tem para o país, mas sobretudo quem tem mais ou menos capacidade para “regular” o desregulado sistema desportivo, quem está mais “em cima das coisas”, numa agenda que é feita pela comunicação social e pelos seus comentadores. E que tanto pode ir dos futebolistas com salários em atraso, aos “negócios”do Dakar, às possibilidades de organização do mundial de futebol ou até às peripécias do apito final. As organizações desportivas nacionais ligadas ao futebol têm sido, de resto, as únicas com capacidade para colocar em debate público alguns temas. Mas naturalmente muito centrados no futebol e nos seus interesses próprios. Das outras não se conhece qualquer ideia, projecto ou iniciativa que possa ser suficientemente motivante ou minimamente interessante.
Não surpreende assim, que a agenda política e os seus trabalhos se centrem sobre a “modernização legislativa”, e a gestão dos “poderes”. Mas o voluntarismo das medidas de produção legislativa, independentemente do seu mérito ou demérito, esbarrará sempre se actuação dos agentes a todos os níveis (público, privado e associativo) não for informada por um conhecimento que tem de ir para além do trivial e do discurso de circunstância. Ora o desenvolvimento desportivo confronta-se, actualmente, não apenas com um envelhecimento demográfico, mas com um envelhecimento e um empobrecimento dos modelos de sua abordagem. O que é visível, quando se compulsam as políticas, de génese pública ou associativa, ou quando se consulta a bibliografia e os estudos produzidos. Ou quando ao fim de semana visitamos os campos desportivos e assistimos às competições que não têm o direito da atenção dos poderes públicos ou mediáticos.
É verdade que estamos a viver um tempo diferente. Mas estamos, ao nível do debate político, pior do que no tempo do modernismo, e muito pior do que no pós-modernismo; no primeiro, havia uma bipolaridade na interpretação da história e existia, pelo menos, um contraditório interpretativo; no segundo, as prolixas e díspares interpretações e análises permitiam um sentido de riqueza de debate que se perdeu.Com o que alguns autores designam pelo “presentismo histórico”, passa a existir uma só visão da história e um só projecto para o mundo :o politicamente correcto. E o desporto não escapa a este sinal dos tempos .Um tempo que não é o do conflito entre menos direito ou mais economia.É o de pouca política.