A debilidade das políticas públicas em Portugal manifesta as carências de reflexividade na nossa sociedade, legado de uma cultura paroquial e paternalista, face ao que hoje representam os valores da moderna cidadania.
Anthony Giddens é, por certo, uma das maiores referências na produção de teoria social sobre a modernidade. Para este autor o conceito de reflexividade – o potencial dos individuos analisarem em profundidade o impacto das suas escolhas e decisões -, é fundamental para analisar o processo de desenvolvimento que surge da interdependência entre a estrutura e a acção. Ou, por outras palavras, entre o sistema de regras e recursos de uma sociedade e as opções dos agentes sociais
As políticas avulsas, carentes de sustentabilidade e boa governança, e as medidas "estratégicas" erráticas e imediatas que se assistem hà décadas nos mais diversos sectores da nossa sociedade manifestam um déficit de capital social – onde a reflexividade, entre outras dimensões, se inscreve - dos actores que se situam no espaço público, a começar nos políticos, passando pelas corporações, órgãos de classe, até ao cidadão anónimo. Diversos estudos comparativos com os parceiros europeus foram publicados sobre esta matéria e mostram resultados preocupantes.
O desporto aqui não é excepção. Antes pelo contrário, é talvez dos sectores mais atrasados na concepção, avaliação, implementação e desenvolvimento de modernas políticas públicas.
A estagnação, quando não a regressão, dos indicadores de prática desportiva de base e participação em actividades físicas dos portugueses, o impacto das estratégias de combate ao sedentarismo ou o impacto desportivo da realização de grandes eventos desportivos no nosso país são bem reveladores da incipiente sustentabilidade, utilidade, eficácia, eficiência, coerência, pertinência e relevância dos programas públicos desportivos nos hábitos e consumos desportivos da população portuguesa. Quem diariamente opera no sistema desportivo dificilmente identifica efeitos estruturais (indirectos, induzidos e mediatos) de alavancagem, ou criação de valor nos níveis de participação desportiva de importantes segmentos populacionais
E não se pode dizer que exista uma total carência de reflexão e orientação estratégica do modelo desportivo para o nosso país. Por certo não existem os estudos necessários, com a amplitude necessária, ou o grau de integração com outros sectores e níveis de Administração (nacional e comunitária). Por certo não existem livros de cor sobre o desporto português. Mas, com todos os defeitos e virtudes que possa ter, o Estado, como é sabido, pôs na gaveta uma proposta séria e concreta de intervenção estratégica sobre o desporto português, para um período de 10 anos. Os sucessivos governos continuam a eximir-se de apresentar à sociedade a sua visão do sistema desportivo, e definir objectivos, prioridades estratégicas, instrumentos de intervenção e recursos mobilizáveis, com metas claramente quantificáveis sobre a mesa, pelas quais preste contas e responsabilize os demais agentes envolvidos. Continua a optar-se pela inevitável reforma legislativa, e pela discricionariedade das medidas avulsas e imediatas, sem se vincular a metas concretas e a indicadores precisos.
Aqui retorna-se a Giddens. Este sociólogo é para muitos políticos o ideólogo do que se chama a “Terceira Via”, a qual tem como matriz estruturante a aposta em políticas sociais activas e de capacitação do individuo na sua relação com o Estado. Via fundada na reflexividade dos agentes sociais. O governo trabalhista inglês talvez seja aquele que seguiu mais de perto esta proposta alternativa - e pouco consensual - de um novo contrato social, onde os deveres de cidadania são recalibrados através da participação e responsabilização na implementação das políticas públicas. A governação (do Governo) transforma-se em governança (da sociedade).
No que concerne ao desporto, Gordon Brown, ciente das carências desportivas do seu país,
apresentou recentemente um conjunto de ambiciosas medidas de desenvolvimento desportivo.
Não se tratam de medidas pontuais a partir de um esboço do panorama desportivo inglês, mas encontram-se prioridades bem delineadas no contrato que estabeleceu com a sociedade inglesa,
numa perspectiva plurianual com estratégia claramente definida – a partir de um diagnóstico prévio - numa lógica de “value for money”, partenariado, envolvimento das comunidades locais, maximização de sinergias e prestação de contas, visando capitalizar desportivamente,
através de um plano de acção, a oportunidade única que os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 irão proporcionar para o futuro.
Deseja-se que, ao invés do que já se viu neste blogue - e pulula no país desportivo - se passe da discussão de pessoas e curriculos, para a discussão de ideias e programas de acção concretos. Se tome noção das consequências da ausência de politicas públicas desportivas crediveis e sustentáveis. Se possível criticando, discutindo e aprendendo com aqueles que há muito procuram implementar uma orientação estratégica para a sua política desportiva.