terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O outro lado das coisas



Nos sistemas desportivos coexistem entidades de natureza pública, de natureza privada lucrativa e natureza associativa (ou privada não lucrativa) que fornecem bens e serviços desportivos. É através de todas estas entidades que se constrói o mercado do desporto. Cada uma delas com vocações e missões distintas. Mas para todas concorre, em maior ou menor grau, a ação das políticas públicas entendidas como as iniciativas, programas ou ações de regulação, supervisão, financiamento ou prestação de serviços com origem na administração central do Estado e na administração local.
As políticas públicas condicionam assim o funcionamento de todas as restantes entidades sejam clubes, associações, federações desportivas ou empresas privadas. As ações de todas estas organizações desportivas são sustentadas em função de vários recursos e de diferentes políticas mas em que um deles é decisivo: o financeiro. É o dinheiro que permite fornecer serviços porque é ele que remunera a força de trabalho e as matérias e bens indispensáveis ao fornecimento desses serviços. E é dos serviços fornecidos que vem o dinheiro para pagar os serviços recebidos.
Em algumas das referidas organizações os custos de produção dos serviços prestados não são possíveis de ser compensados com os proveitos resultantes desses serviços. A receita é inferior à despesa. Pelo facto de quem adquire os serviços o fazer a um preço inferior ao que custam. Pela natureza do próprio serviço cujo preço a ser igual ao custo inviabilizaria a sua aquisição por parte significativa dos potenciais adquirentes. Isto é particularmente evidente nas instituições de natureza privada não lucrativa: clubes, associações e federações desportivas. Nestes casos, para que a sustentabilidade dessas organizações seja assegurada, e por se entender que essas entidades prestam um serviço útil à comunidade, há lugar a compensações financeiras conhecidos na linguagem comum como subsídios.
Os subsídios, com esta ou outra designação, incorporam-se na cadeia de valor do produto desportivo acrescentando novos valores com impacto na receita fiscal do Estado designadamente através de impostos gerais sobre o consumo (IVA) e sobre o trabalho (IRS).O Estado ao financiar a atividade desportiva recupera sobre a forma de impostos uma parte do que financia ao mesmo que tempo que incorpora na economia do desporto um valor que se vai repercutir nas economias conexas com atividade desportiva e recupera, sobretudo das empresas, um novo valor fiscal (IRC).O subsídio é um recurso púbico que ao viabilizar a atividade desportiva gera benefícios socais para a comunidade e fiscais para o Estado.
Quando se invoca a subsidiodependência, um conceito carregado de sentido pejorativo, é bom que se tenha presente que ele não funciona em sentido único mas alimenta a própria máquina fiscal do Estado numa proporção que se chega perto dos 40%.
Neste contexto o produto desportivo é fortemente influenciado pelas políticas públicas de financiamento numa relação que não é apensa do Estado para as organizações desportivas mas destas para o Estado. Quanto mais o Estado gasta mais recebe. Neste sentido qualquer reforço do financiamento público ao desporto internaliza receita para o Estado. Que no caso do IVA é total atendendo que a maioria dos serviços prestado pelas organizações desportivas está isento e como tal tudo o que adquire como bens ou serviços tem IVA incorporado e não tem como ser dedutível. Para as organizações desportivas é despesa para o Estado é receita.

P.S. Este espaço é uma tribuna de opinião dos seus autores. Não é espaço que os autores devam usar para esgrimir ou apresentar propostas ou defesa de propostas de outras dimensões das suas vidas, designadamente a da candidatura a organizações desportivas. Estas têm o seu espaço próprio que não é aqui. Não sei se tenho ou não razão em pensar assim. Mas não quero mudar.

domingo, 27 de janeiro de 2013

O Tribunal Arbitral do Desporto: alguns mitos (2)


Texto publicado no Público de 27 de Janeiro de 2012.


1. No primeiro texto que dedicámos a este tema, adiantámos que quem justifica a criação de um TAD – e parece inevitável a sua criação em Portugal em face da maioria existente nos parlamentares -, vai adicionando, como pontos positivos para o desporto, a celeridade, especialização e uniformização. Tudo que, segundo os defensores desta solução, não se encontra na justiça estatal e, por via desse facto, não se coaduna com as especificidades do desporto e da competição desportiva. A adoptar o TAD ganha-se, também por isso, eficácia no sistema de resolução de litígios desportivos, com tudo de positivo que daí resulta para a vivência do sistema ou dos diversos sistemas, modalidade a modalidade desportiva.
2. Iniciemos pela especialização de quem julga as “questões desportivas”.
E, neste domínio, sem entrar em linha de conta com o mito da especialização daqueles que se encontram, nas diversas modalidades a aplicar as normas desportivas e com a “suposta” especialização dos futuros árbitros do TAD, o que se vem afirmando é que os magistrados não se encontram totalmente habilitados, porque desconhecedores, a decidir adequadamente em matéria desportiva. Ou, também por outras palavras, “não são sensíveis às particularidades do Direito Desportivo”.
3. Vários flancos débeis apresentam estas proposições. Concentremo-nos, neste espaço, somente em alguns.
O primeiro dos quais surge a montante. Mas o que é, a final, em Portugal o Direito do Desporto? De que se compõe que seja tão difícil, porventura impenetrável, aos magistrados dos tribunais do Estado?
Resumindo, penso que sem abuso, dir-se-á que o desporto é regulado por dois tipos de normas: umas de origem pública, outras provenientes das próprias organizações desportivas.
Sucede que, no caso português e em outros, geográfica e culturalmente próximos, aquilo que eram normas privadas das entidades desportivas, são normas públicas. Dê-se, como mero exemplo, os regulamentos disciplinares das federações desportivas. Ou seja, estamos no domínio do Direito Administrativo, para o qual o Estado até  possui uma ordem própria de tribunais. Quem melhor, então, para julgar questões de natureza administrativa que os juízes especializados?
4. A juntar a essa administrativização das regras fundamentais das federações desportivas, surge a transversalidade do Direito do Desporto. Questões laborais, fiscais, societárias, civis e tantas outras  em ramificações de ramos de Direito, abordadas, interpretadas e aplicadas pelos Tribunais, preenchem o espaço litigioso do desporto.
E. para muitas delas, o Estado emanou legislação específica – contrato de trabalho desportivo e sociedades desportivas, por exemplo – tendo como parâmetro a respectiva lei geral e subsidiária. Ora, que faltas de especialização têm, então os magistrados e os Tribunais do Estado?
E, se dúvidas houvesse, bastaria apreender o balanço de mais de uma centena de decisões dos tribunais superiores portugueses – nos últimos dez anos -, que tiveram o desporto como raiz, para concluir que as suas decisões revelam conhecimento da lei a interpretar e a aplicar, alcançando-se, de uma fora geral, respostas bem positivas e fundamentais para o próprio desenvolvimento do Direito do Desporto.
5. Dir-se-ia que os verdadeiros especialistas do Direito do Desporto, a existirem, também se encontram entre os magistrados portugueses, laborando nos tribunais do Estado.

6. PS: Foi descoberto o filão das irregularidades na utilização de jogadores da equipa “B” e dos problemas que se colocam nessa espécie de vaso comunicante com a equipa principal. Sendo certo que se trata de regulamento em aplicação pela primeira vez, não deixa de ser estranho o desconhecimento (aparente) dessas normas – pelos “especialistas do direito desportivo” –, com tudo o que de prejuízo implica para os clubes infractores. Haverá mais Caixas de Pandora prestes a abrir?

domingo, 20 de janeiro de 2013

O árbitro errou: a Liga é responsável?


Texto publicado no Público de 20 de Janeiro de 2013.


1. Contávamos dedicar mais umas linhas ao Tribunal Arbitral do Desporto como meio alternativo – aos tribunais estatais – de resolução dos litígios desportivos. Operamos, porém, um hiato, certos de que, o que relataremos também serve de elemento a ponderar para capacidade ou não dos tribunais para dirimir tais conflitos, tendo presente os argumentos que se avançam para uma “quase verdade” que muitos têm por inatacável: a imprescindibilidade da via arbitral. Será mesmo assim?
2. Num dado jogo da segunda liga francesa, o guarda-redes de uma das equipas, após um choque violento, sofreu lesões de significado.
O atleta, por esse facto, veio a interpor uma acção contra a Liga, visando ser indemnizado pelos dânios sofridos. Para tal, invocou em tribunal, que o árbitro da partida cometeu um erro, pois chovia fortemente e, deveria ter declarado o tereno de jogo com o impraticável. Por o não ter feito é que sucedeu o acidente e os consequentes danos.
3. No passado dia 22 de Novembro o tribunal de Nantes veio a decidir.
Deve-se ter presente, desde logo, que o legislador francês, no seu afã normativo e publicizante do desporto federado, dedica uma real atenção ao agente de arbitragem: eles exercem funções com total independência e imparcialidade, no respeito dos regulamentos editados pelas federações desportivas. Por outro lado, o árbitro é encarado co o alguém que exerce uma missão de serviço público, sem que exista um vínculo laboral com a federação desportiva.
4. Para o tribunal administrativo francês revelou-se como essencial para a sentença, precisar a qualificação da decisão de um árbitro que declara o terreno de jogo como aceitável para iniciar ou não interromper uma partida.
E, assim limitada a questão, o tribunal entendeu que essa decisão do árbitro se alicerça na aplicação de regras técnicas próprias à disciplina do jogo e, por essa razão, não pode ser objecto de conhecimento pelos tribunais administrativos e consequentemente servir de fundamento a uma acção de responsabilidade.
Ou seja, “traduzindo para português”, estamos prante uma «questão estritamente desportiva”, reservada, pela lei portuguesa, ao foro interno dos órgãos federativos. Em França, a decisão do tribunal de Nantes incorpora-se numa linha jurisprudencial constante.
5. Não se deixe de referir, todavia, que existe já uma decisão de um tribunal superior português que, não obstante ter qualificado uma dada questão – precise-se que não envolvia uma decisão de árbitro – como estritamente desportiva, não se sentiu incapacitado, antes pelo contrário, de analisar eventual responsabilidade civil derivada da mesma.
6. E ainda dizem – muitos defensores do Tribunal Arbitral do Desporto – que é pela via arbitral que vamos alcançar decisões especializadas em matéria desportiva, para as quais os tribunais do Estado não estão preparados.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Igualdade nos direitos apesar das diferenças


É um lugar-comum reconhecer-se que o desporto e as atividades físicas em geral são um meio excecional no contributo ao trabalho com cidadãos portadores de deficiência. E é verdade. Ajudam à sua integração enquanto pessoas, mas também são um meio preventivo e terapêutico na redução de algumas das sequelas resultantes de patologias existentes. E são-no independentemente da performance desportiva. É, por isso, limitativa a enfatização dos resultados desportivos alcançados em certos eventos desportivos. O caso dos jogos paralímpicos e a enfâse que é habitualmente feita corre o risco, se não houver uma perspetiva mais abrangente, de adulterar e escamotear as razões fundamentais para a presença do desporto junto destes cidadãos.
As análises que procuram estabelecer avaliações de tipo comparativo com outras organizações que, de similares, tem apenas o local e uma designação afim, são conhecidas. Mesmo que num caso (Jogos Olímpicos) esteja em causa o rendimento desportivo em termos absolutos e em outros (Jogos Paralímpicos) o rendimento desportivo absoluto em certo tipo e grau de patologia. Aplicar aquelas competições, modelos de abordagem equivalentes tem significativo acolhimento mediático o qual, por seu turno, parece tolhido do distanciamento crítico necessário e ficar receoso de poder ser acusado de não defender cidadãos que as circunstâncias da vida limitaram. A situação complica-se quando se misturam planos sociais de apoio competitivo-que devem ser iguais aos dos restantes praticantes desportivos-com prémios por resultados desportivos.
O desporto e as atividades físicas que lhe são conexas são um recurso importante no plano das políticas dirigidas aos cidadãos portadores de deficiência, o que podemos verificar com maior detalhe consultando a literatura sobre o tema. A problemática dos cidadãos portadores de deficiência pede à sociedade, políticas de discriminação positiva, que atendam à sua situação especial e que procurem reduzir os fatores de desigualdade de oportunidades quanto à sua vida em sociedade. Estamos perante um problema de grande complexidade porque a população portadora de deficiência é extremamente heterogénea, com graus de autonomia diversos e colocando tipos de problemas distintos.
A adoção de modelos de desenvolvimento desportivo centrados prioritariamente na dimensão competitiva do desporto, corre o sério risco de acentuar novas formas de discriminação. Ao se acolher os melhores numa lógica seletiva, rejeitam-se a grande maioria, porventura, e apesar de tudo, os mais necessitados de usufruírem de uma prática desportiva sistemática. As políticas desportivas construídas e centradas predominantemente na obtenção de resultados em competições, serão sempre poucas em relação aos restantes, que são muitos. Sabemos que não é fácil às organizações representativas evitarem uma prática do desporto que procura copiar os modelos dominantes. É este modelo que as mobiliza porque é um modelo que, apesar de tudo, lhes dá visibilidade. Mas a prazo serão confrontados com objetivos alcançados, que não corresponderão aos interesses daqueles que representam. Os vícios e os excessos que passam pelo desporto contemporâneo transportar-se-ão para o desporto para cidadãos portadores de deficiência  agravando a sua própria possibilidade de desenvolvimento. O que agora é um ganho (o aumento da visibilidade) transformar-se-á a prazo num problema maior (o aumento da exclusão).
O reconhecimento desta situação coloca um quadro de exigências que pede responsabilidades a todos - poderes públicos, associativos e privados -,no sentido de se criarem condições que permitam aproveitar as enormes potencialidades do desporto a favor dos cidadãos portadores de deficiência. Mas também a reduzir os fatores que impedem uma adequada assunção do princípio da igualdade de oportunidades perante o direito de todo o cidadão ao exercício da prática do desporto. O que requer, não apenas a aceitação da diferença entre indivíduos, mas também a aceitação de diferenças perante as várias dimensões da prática do desporto. Pedir mais desporto para os cidadãos portadores de deficiência, não é pedir mais desporto de um qualquer desporto. Princípio que, afinal, é válido para qualquer cidadão. É no conteúdo deste direito que não há diferenças.

domingo, 13 de janeiro de 2013

O Tribunal Arbitral do Desporto: alguns mitos (1)?


Texto publicado no Público de 13 de Janeiro de 2013.



1. Na Assembleia da República continua-se a debater, na especialidade, as duas iniciativas legislativas – do Governo e do PS – sobre a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
Na respectiva página web – e recomenda-se – encontram-se disponibilizados alguns contributos para esse debate, provindos de entidades públicas e privadas, bem como outros de natureza pessoal.
2. Pondo agora de parte as críticas que já endereçámos às propostas em presença, bem como juízos de inconstitucionalidade que sustentámos (não isoladamente), dediquemos alguma atenção à questão inicial: é preciso um tribunal arbitral do desporto ou os mecanismos de resolução de litígios existentes são suficientes?
O ponto de partida de ambas as iniciativas é comum: é imprescindível a criação de um TAD em Portugal.
2. A arbitragem desportiva nasce – é indesmentível – a partir da constatação, por parte do Comité Olímpico Internacional, de que os agentes desportivos já não se sentiam seguros e satisfeitos com as respostas alcançadas no interior das organizações desportivas, desde logo nas federações desportivas, internacionais e nacionais. A «justiça desportiva» não se lhes afigurava dotada das características que, a seus olhos, dessem respostas credíveis aos seus direitos e legítimos interesses. Iniciava-se a “fuga para os tribunais do Estado” e entrava em falência o vínculo de justiça absoluta que obrigava os operadores desportivos a apenas recorrer aos meios internos das federações desportivas.
3. Tal facto colocou em crise um alicerce essencial do movimento desportivo, todo ele monopólio, inclusive na resolução dos seus litígios. Os desportistas debilitaram aquilo que prosaicamente alguns retratavam com a máxima “ a roupa suja lava-se em casa”.
A reacção do movimento olímpico foi, então, na década 80 do século passado, a de criar uma alternativa a que os “casos desportivos” se dirigissem para os tribunais do Estado, erigindo uma forma de resolução dos conflitos que recolhesse dignidade perante o direito dos diversos Estados. Daí, a arbitragem.
4. A arbitragem, contudo, quando voluntária, é um meio alternativo (aos tribunais estaduais) de resolução de conflitos que assenta em diversos pressupostos, num dado ADN. Um deles é, sem dúvida, o facto de as partes envolvidas no litígio, se apresentarem em plano de igualdade, não havendo nenhuma hierarquia entre elas. De base contratual, a arbitragem voluntária, pressupõe essa igualdade, essa relação horizontal entre os que se encontram em litígio.
Existirá esse tipo de relação no desporto federado?
5. Como bem notou o Tribunal Federal suíço em 2007, ao apreciar uma decisão do Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne, o desporto é uma realidade hierarquizada, um sistema vertical, com os praticantes e clubes na base e as federações desportivas no topo. Não existe, pois, particularmente no domínio disciplinar, qualquer posição horizontal, qualquer igualdade entre as partes. Bem pelo contrário, o que se assiste é a uma posição dominante – das federações desportivas – e uma posição subordinada – os praticantes e outros participantes na competição.
Se estamos certos nesta leitura, a primeira questão a que se deve dar resposta, aquando da criação de um TAD em Portugal, é se verdadeiramente a arbitragem representa a melhor resposta para o sistema desportivo, atentas as suas características e modo de viver.
6. Celeridade, especialização e uniformização. Vamos ter isso, na justiça desportiva, com o TAD? Veremos na segunda parte.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O momento do desporto português é crucial



Texto da autoria de Fernando Tenreiro cujo envio se agradece.


O Colectividade Desportiva incentiva ao envio de postes o que aproveito para marcar o actual momento do desporto português.

O desporto que não fala e que não se manifesta é parte do problema, não é parte da solução do desenvolvimento nacional. A complexidade da realidade obriga-nos a desdobramo-nos e isso acontece com os Gaspares e os Vicentes Mouras, e até a economia do desporto que dispara em todas as direcções. Como podemos concentrar-nos e arrumar ideias? O que é que eu posso fazer?
Posso dizer com sobriedade que sou um especialista e um opinion maker. Para a especialização investigo as questões económicas no desporto, respondi a solicitações de organizações e instituições, públicas e privadas, nacionais e internacionais, e sucessivamente tirei uma pós-graduação, um mestrado e um doutoramento. Tenho sido contactado por organizações internacionais como especialista europeu em economia do desporto. Como opinion maker escrevo artigos nos principais órgãos da comunicação social escrita há mais de vinte anos, tendo algumas das peças sido elogiadas dentro e fora do desporto. Ou seja, nos tempos que correm é necessário ser preciso nas afirmações. Eu sou um especialista e como investigador trabalho para fazer avançar o conhecimento no domínio da economia do desporto. Outros fazem-no noutras áreas e outros, ainda não são especialistas e para serem especialistas ainda deverão trabalhar (mesmo que as circunstâncias agora os coloquem em pedestrais para os quais objectivamente, quando analisada a realidade dos factos, deixam a desejar). Não estou limitado nas funções de especialista, investigador e opinion maker por questões partidárias ou corporativas. Os partidos e as profissões são muito importantes e, contudo, o PS e o PSD têm lacunas, o CDS, PCP e BE são desconhecidos desportivos. Isto apesar do desporto deles necessitar enormemente.
Dizer que ‘O Modelo Português do Desporto Faliu’ é fácil. Qualquer um o pode dizer. Como investigador preocupa-me sustentar a afirmação com princípios e dados estatísticos, testá-los em trabalhos aprofundados e em debates alargados, quer com investigadores, quer com líderes capazes de abordar com coragem e responsabilidade as questões que esmagam a actividade desportiva portuguesa. As minhas lentes são as da economia, ou procuram ser, não são de qualquer outra área do conhecimento desportivo. Agindo desta forma conto encontrar respostas do que é o Modelo Português do Desporto, o que é e como compreender a falência e quais as causas do que se passa.
Como investigador apercebo-me que ‘o céu está a cair em cima’ dos líderes desportivos portugueses. Face à complexidade da realidade desportiva e nacional, observo a dificuldade objectiva dos líderes em tomar essa realidade peculiar para a transformar, assim como, de lidarem com estruturas eficazes de governança desportiva nacional que não existem e têm funcionado mal por norma.
Num nível institucional, mais elevado do que as lideranças particulares, as federações e o olimpismo, os governos, o parlamento, a universidade, a sociedade portuguesa continuam a falhar a compreensão do desporto moderno e de como aplica-lo bem à realidade e dinâmica da sociedade portuguesa.
Ainda mais elevado o desporto falha princípios éticos. As gerações de líderes não se respeitam mutuamente. As gerações mais velhas apropriam-se do poder que alcançam e sem respeito pelas que se seguem trucidam expectativas de renovação do desporto português. As gerações mais velhas não são respeitadas no seu saber e experiência e são aproveitadas na sua senioridade/senilidade pelos poderes instituídos para esmagarem a razão da democracia e da competitividade dos parceiros desportivos.
Face à complexidade, ao nepotismo e irracionalidade que tomou conta das nossas vidas há que fazer as pazes, assumir o diálogo com o outro e ‘dizê-lo com flores’.
É uma irresponsabilidade e uma negligência imensas exigir aos atletas portugueses condições de trabalho e de exigência que os líderes desportivos não assumem para si. Não é correcto tratar a sociedade portuguesa como incapazes de compreender o que se passa de bom e de mau no desporto português. Definitivamente a sociedade portuguesa não é estúpida!

domingo, 6 de janeiro de 2013

Um dia o Conselho Nacional do Desporto vai reunir na Aula Magna



Texto publicado no Público de 6 de Janeiro de 2013.


1.No último dia do ano passado o Diário da República deu à luz um novo Conselho Nacional do Desporto, fruto das normas do Decreto-Lei nº 266-A/2012.
Segundo o Governo, a configuração de 2007, reajustada em 2009, exigia reforma uma vez que se constatou “a necessidade de dotar tal órgão de mecanismos que o tornem mais ágil e funcional”.
Por outro lado, adianta-se que em “face das mutações que se têm verificado no tecido desportivo”, “foi-se progressivamente sentindo a necessidade de [...] possibilitar que a composição do CND seja a mais ampla e representativa possível”.
2. Laurentino Dias, em 2007, criou um monstro inoperacional, composto por 29 membros, marcadamente “futeboleiro”, atingindo a proeza de replicar o programa Dia Seguinte, somente com a ausência do jornalista.
O mesmo autor, em 2009, alargou a composição para 34 membros.
Agora, o Secretário de Estado mestre Picanço, em nome da agilidade e funcionalidade e das mutações (?) ocorridas entretanto (de 2009 para 2102?), transforma esse número em 43.
3. O monstro cresce e não são as novas regras que vão tornar eficaz o Conselho Nacional do Desporto, fundamentalmente na vertente executiva – porque a tem – da sua missão.
A composição da sua Comissão Permanente, por si só, não terá capacidade de resposta e, parece ser certo, recorrerá a membros do plenário, na constituição de grupos de trabalho.
4. Adiante-se algo, numa primeira leitura, sobre os novos membros chamados ao plenário – e um deles, inclusive, à Comissão Permanente.
Dir-se-á, preliminarmente, que estes monstros organizacionais, uma vez atingido um dado patamar de representação, como que não admitem retrocesso. Os Governos não têm a coragem de colocar em crise o que outros anteriores criaram e a alternativa parece radicar somente em reparar erros do passado com o “crescimento” deste tipo de órgãos. É que estar ou não representado no Conselho Nacional do Desporto, tem o seu próprio valor para as organizações em causa, independentemente da mais-valia em que se possa traduzir a sua participação.
Nesta lógica, que não é a nossa, concede-se, todavia, que o actual Governo tinha uma pesada herança.
5. Dito isto, aplaude-se algo que já tínhamos colocado em cima da mesa em 2007, ao criticarmos a constituição dessa época: a “subida de escalão” da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto.
Contudo, para não ir mais longe, dificilmente se entende a representação da Associação de Jogadores de Futebol Não Profissional Com efeito, fica no ar a ausência de representação dos praticantes de todas as outras modalidades.
Verdadeiramente criticável é a presença do Presidente da Academia Olímpica de Portugal. E a diversos títulos. Em primeiro lugar, por se tratar, usando expressão do próprio Secretário de Estado, de uma “organização satélite” do Comité Olímpico de Portugal (que já lá está). E em segundo lugar por se tratar de uma entidade com a qual o atual membro do Governo tem, há muito, especiais ligações, chegando a ter sido um dos vogais do seu Conselho Diretivo.
É certo que, conhecendo a sua ambição, um dia destes, no futuro, será ele o presidente da AOP e, desse modo, fica garantida a sua presença no CND que, em devido tempo, recriou.