Do Professor Rui Garganta, da Faculdade do Desporto da Universidade do Porto, recebemos o seguinte texto para publicação.
A Colectividade Desportiva muito agradece.
Confesso que fiquei chocado com o artigo do Jornal Expresso do Professor e colega de profissão Luís Sardinha, de 9 de Abril de 2011, com o título “Mexa-se mais: foi o médico que receitou”.
Numa altura em que o nosso país está a importar médicos para fazer face às exigências do Sistema Nacional de Saúde, e nos confrontamos com um excesso de profissionais de Desporto, só um “político deste gabarito” se poderia lembrar de implementar uma estratégia que vai dar mais trabalho e/ou responsabilidade aos médicos, que já não têm tempo para exercer a medicina convencional e tirar, o pouco que existe, aos seus colegas de profissão.
Porventura, o colega já nem se lembra que se licenciou em Educação Física!
Quando li o título do artigo pensei que os políticos tiveram o bom senso de entender que o “exercício é saúde” e iam voltar a baixar o IVA. Achei, no entanto, estranha a fotografia do Colega Luís Sardinha, de fato e gravata em cima de um tapete rolante. Eu sei que o fez no “seu laboratório” e talvez nunca tenha, porventura, subido para nenhum, porque isso de fazer exercício físico tem os dias contados. Pelos vistos, o que para si interessa é “Mexer”, nem que seja de fato e gravata em cima de um tapete rolante. Já agora: o colega fez alguma pós-graduação em culinária?
Mexer o quê? E a foto que vem no artigo é para gozar com os profissionais que trabalham nos ginásios? Diz que a actividade física é saúde, vai retirá-la da competência exclusiva dos profissionais do Desporto e tem o desplante de se fazer fotografar em cima de um tapete rolante? É indigno o que pretende fazer aos seus colegas de profissão, porque como responsável do Instituto de Desporto de Portugal (IDP) saberá que o fitness é, atualmente, a principal saída profissional! Caro colega e político da nossa praça, espero que os profissionais de fitness tenham consciência do mal que lhes está a fazer e tomem as medidas que entendam mais adequadas!
Num contexto de crise geral e dos estabelecimentos de fitness em particular, apoquentados que estão com a decisão, obviamente injusta, do aumento do IVA de 6 para 23%, o programa que o colega Luís Sardinha vai importar para Portugal, para além de desconsiderar o que se faz nos ginásios, permite que os médicos substituam os seus colegas de profissão na prescrição de exercício físico. Neste ponto, até o jornalista do Expresso refere: “Surpresa, o ginásio fica de fora”.
Diz no artigo que o programa é importado dos Estados Unidos da América (EUA) onde está a ser aplicado desde 2007. Refira-se, a propósito, que a taxa de obesidade nos EUA de 2007 (3 estados com mais de 30% de obesos), triplicou em 2010 (9 estados com mais de 30% de obesos): Pelo visto, o programa que vai importar já está a dar resultado! E a taxa de Diabéticos que continua a aumentar de forma exponencial?! Será efeito do referido programa? Não queremos com isto dizer que o programa não tenha os seus méritos, mas, como se sabe, a aplicação transcultural de qualquer tipo de programa sem a respetiva apreciação e adaptação é sobretudo “para Inglês ver”, ou, neste caso, para os seus amigos americanos verem!
O mais grave é que o seu discurso tem um registo igual ao dos médicos, que não fazem ideia do que é o exercício físico e encontram nos standards ou naquilo que ouvem dizer, formas de prescrição que dão para tudo e todos, do tipo medicamento “genérico” que tudo cura! Mas se aos médicos, embora não tolerável pelo facto de não terem formação para tal, ainda se desculpa a prescrição com base no “MEXA-SE”, a si é incompreensível. O que o colega quer é pôr os médicos a prescrever atividade física e não exercício físico. Para quem não sabe, para fazer atividade física basta “mexer para aumentar o metabolismo de repouso”. Até comer, que mexe os músculos da face e dos braços é atividade física. Para ser considerado exercício físico há que mexer-se de modo a melhorar a aptidão física.
Grande parte da atividade física, do tal “mexer”, não é eficaz: sabe que andar a 4 km por hora não tem repercussão cardiovascular significativa? Quer o artigo? Sabe que muita da atividade física, do tal MEXA-SE, quando realizada de forma desregulada e sem suporte muscular suficiente é prejudicial? Veja o exemplo das doenças articulares provocadas pelas tarefas domésticas, pelo andar em demasia, etc.
É óbvio que o colega conhecerá qual a importância do exercício físico e de como a atividade física pode apenas ser um bom complemento, porque sabe que uma das características do exercício físico é ser dose-dependente, tal como o medicamento. Por exemplo, a Aspirina, o fármaco mais vendido e mais antigo da indústria farmacêutica, doseada até 250 mg tem efeito anti-trombótico, enquanto a 500 mg tem efeito analgésico e a 1000 mg tem também efeito anti-inflamatório! Ou seja, o efeito depende da quantidade ou dose. No exercício físico passa-se o mesmo, ou seja, andar a 4 km/h, correr a 10 km/h ou a 15 km/h produz efeitos claramente diferentes. Tal como nos exercícios de força muscular, a carga (em kg) determina, em grande parte, o efeito ou resultado.
Ou seja, não chega mexer, isso resulta para o “leite creme” não ganhar grumos, é essencial fazer exercício físico!
Uma vez mais, recorrendo à analogia da aspirina, poderia dizer que ela é aconselhada para “dores, febres gripes e constipações” (mas não dá para todas as dores) e, como diz a bula do medicamento, se os sinais e sintomas persistirem, consulte o seu médico. Relativamente à atividade física, o bom senso, para quem o tem, poderia sugerir algo idêntico. Se não tem objetivos, não tem qualquer risco cardiovascular nem qualquer tipo de dor ou doença,
MEXA-SE. Se tem objetivos ou pretende fazer algo pela sua saúde, consulte um profissional de exercício físico e Desporto.
Por acaso o colega conhece a pirâmide da atividade física? Eu sei que a conhece e que também sabe que ela foi proposta por profissionais de saúde. Deu conta que nela é sugerido o “treino de força muscular” pelo menos duas vezes por semana? Sabe porquê? Para evitar a “SARCOPENIA”, que é uma doença provocada pela perda acentuada de massa muscular. Sim, é uma doença. Mas, curiosamente, grande parte dos profissionais de saúde não ouviu falar
dela, sabe porquê? Não há medicamentos para a prevenir nem para a curar! Há alguns anos, pensava-se que era apenas apanágio de pessoas mais velhas mas, como se sabe atualmente, inicia-se antes dos 30 anos em pessoas que não têm uma solicitação muscular suficiente e regular! Talvez convenha esclarecer as pessoas que a sarcopenia é um fator de risco para a osteoporose e que a única forma de a prevenir é através do treino de força muscular. O colega sabe que a marcha não a previne, porque aquela doença resulta da alteração das fibras musculares responsáveis pela força muscular e não pela resistência muscular solicitada pela marcha!
O problema é que a necessidade de mostrar serviço, leia-se “protagonismo”, fala mais alto!
Pois é, andamos há anos a debater-nos com a falta de bom senso dos médicos que prescrevem exercício físico inadvertidamente, desde a natação para quem não sabe nadar ou para quem tem osteoporose, ao estilo de “bruços” para quem tem o “peito em quilha” ou “costas” para todos os problemas de coluna, até à marcha para pessoas obesas e com graves dificuldade de locomoção! E agora vem o colega conferir-lhes o “salvo conduto” para fazerem algo que não sabem nem estão preparados para fazer!
Sabe que incitar as pessoas para que se “mexam” é semelhante ao nutricionista aconselhar alguém a “comer” ou a um médico dizer ao doente para “tomar pastilhas”.
O colega devia era de se “MEXER” do cargo em que está, criar um IDM (Instituto Nacional do Mexe-te) e dar lugar a alguém que, pelo menos, não prejudique deste modo o campo de intervenção dos seus colegas de profissão.
É claro que o colega pode vestir a pele de cordeiro e dizer que se trata de uma medida altruísta, para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, blá, blá, blá…
Esteja, pelo menos, ciente do mal que está a fazer a tanta gente: aos cidadãos porque os médicos não têm formação para proceder à adequada prescrição de exercício, aos profissionais de exercício e desporto que já se debatem com falta de trabalho e com prescrições inconsistentes ou inconscientes de médicos, e à própria classe médica que vai beneficiar de um “poder” sem bases de conhecimento suficiente para o exercer. A minha esperança é que, no meio deste equívoco, a classe médica tenha o bom senso de não prescrever exercício físico.
Repare que quando entrou para o IDP, prometeu moralizar a nossa classe profissional e legislou de forma a que apenas os licenciados em Educação física pudessem exercer a profissão nos centros de fitness. Agora vai trazer umas regras gerais para os médicos receitarem exercício físico? Sabe que nas farmácias também já se receita exercício físico? Isto é uma festa! Como não temos uma “Ordem” que nos defenda, estamos à mercê dos “espertos”. Só falta proibir os profissionais de Desporto de prescrever exercício físico? Não será uma medida para o próximo governo?
Caro colega, quer protagonismo? Já pensou em trazer um franchising que permita aos profissionais de Desporto receitar medicamentos? Nem que seja dos lights, daqueles que nem fazem bem nem fazem mal – do tipo “MEXETE”.
A nossa profissão está em crise e os médicos estão com trabalho em excesso. Para além disso, a bula de um medicamento ou o simposium terapêutico, que é atualizado todos os anos, tem mais informação sobre cada medicamento do que qualquer linha de orientação que pretende trazer para os médicos estimularem os portugueses para se mexerem. Acho que esta seria uma medida política original, embora talvez não à medida da sua necessidade de protagonismo!
Quem diria que o colega é diretor do Instituto de Desporto de Portugal!
Resta-me dizer que “o Desporto com amigos destes não precisa de ter inimigos”.