quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

DR: Novidades no final de 2008

Chegados ao último dia do ano de 2008, numa das rotinas matinais procurei no Diário da República a publicação das novidades legislativas no domínio do desporto, designadamente as que foram objecto de aprovação em sede de Conselho de Ministros do dia 7 de Novembro transacto. Inglória a minha busca para este fim, pelo que às 9h e picos apenas retirei e agora coloco à disposição dos/as leitores/as dois documentos importantes para 2009, a saber: o orçamento de Estado para 2009 e o orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2009.

Mas eis que pela tarde no 3.º suplemento do citado jornal, surge a primeira fornada legislativa supramencionada, os diplomas que estabelecem o regime de acesso e exercício da actividade de treinador de desporto e o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.

Com o mês que amanhã se avizinha perfazem 2 anos da publicação da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. O governo, como é hábito também de outros que lhe antecederam, excedeu largamente o período de 180 dias estipulado nesta lei para regulamentar muitas das suas matérias. Problema de pouca monta para quem, estratégicamente, aponta para 2009, ano de eleições, bandeiras legislativas, tão apregoadas e controversas nos últimos meses, mas que serão obviamente usadas como marca do sustentado e árduo labor de uma legislatura.
Boas leituras e votos de um bom ano de 2009!

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Será desta?

A conversão do Pavilhão Carlos Lopes em museu do desporto confesso, quando o assunto começou a ser falado, não foi ideia que aplaudisse. Após a alienação, por razões de mera especulação financeira, do complexo desportivo da Lapa, a “anulação” de um outro espaço desportivo com a carga simbólica do “Pavilhão dos Desportos”, parecia-me uma má decisão. Cheguei de resto a assinar uma petição a favor da sua manutenção como espaço desportivo. Mas depois de ouvir as razões dos responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa e conhecer o programam museológico proposto mudei de opinião. E entendo que se pode tratar de um boa solução, quer para o museu, quer para a reabilitação do espaço e revitalização do seu uso.
O estado de degradação e de abandono a que o equipamento foi deixado pelos diferentes governos camarários tornariam um exercício de reabilitação desportiva de custos muito elevados e porventura de complexa solução técnica até pelas condicionantes entretanto ocorridas em matéria de tipologias de espaços desportivos.
Do espaço resta a memória e uma traça exterior que marca uma época da arquitectura desportiva nacional. Uma e outra não são incompatíveis com um uso distinto ainda por cima numa temática que lhe é afim: o desporto. Um desafio que é também um convite aos projectistas para a criação de uma obra que responde ao programa museológico delineado e respeite o que tem naquele edifício de valor histórico e cultural.
O programa museológico proposto (excepção à chamada sustentabilidade económica(?) que só pode ter sido feita por quem não tem a mínima noção da matéria) é arrojado, interessante, diversificado e revela uma dimensão abrangente sobre as diferentes variáveis museológicas conexas com o desporto. Marcado por uma perspectiva que bebeu nos Annalles e na “nova História”, uma noção da história que pouco valoriza o legado, o acervo, o evento e o tempo cronológico, é uma opção ideológica respeitável e que tem tradição internacional. A “nova museologia” alimenta-se muito duma visão sincrónica dos “factos históricos” e mais do que um revelador ou analisador do passado que permita ter uma noção do antes e do depois, investe, até pelas disponibilidades tecnológicas de que dispõe, em cruzamentos com outras áreas disciplinares que são intelectualmente interessantes e muito “marcadas”pelos temas do presente. Não discutindo a sua pertinência no plano epistemológico tal não significa que sejam suficientemente relevantes como material de valor museológico.
O carácter efémero e precário de muitas iniciativas museológicas (o museu virou moda e não há cidade ou vila que não se ache com direito a ter o seu museu) reside na dificuldade de aliar o que deve ser um local de preservação e transmissão cultural com a concorrência das indústrias de entretenimento. A crise de identidade e de gestão de que vivem muitos museus só é possível de ser ultrapassada se se conseguir aliar o acervo museológico e a memória histórica, que são a base normativa e conceptual de uma identidade museológica, com as novas tecnologias e os diferentes públicos. De um lugar de “pedras mortas” a um “prestador de serviços” tipo parque lúdico que até pode fornecer o “bilhete de identidade da condição física” vai a possibilidade de encontrar um adequado equilíbrio entre o acervo museológico e a sua dimensão memorial, histórica, cultural, antropológica e sociológica e a atratabilidade e a animação que um espaço museológico pode ter. O que se conhece do programa museológico apresentado merece o benefício de que existem preocupações em responder ao desafio de um museu que respeitando a história e memória do desporto evite cair na “disneylândia” desportiva.
Ao anúncio deve coincidir a capacidade de o realizar. A “história” do museu do desporto não se resume às suas tentativas de criação desde 1932 em Lisboa num palácio em Calhariz. Nela se inscrevem também as marcas do silêncio, a colocação do seu acervo em instalações indignas, a destruição e desaparecimento de algum do seu legado, a perda de importante material com valor patrimonial.
Num momento que é de afirmação e de esperança é justo que se recordem muitos dos que procuraram com profissionalismo e dignidade lutar por criar em Portugal um museu do desporto. O Luís Casanovas, o Orlando Azinhais, o Jorge Crespo, o Noronha Feio, o João Boaventura, o Pedro de Almeida, o Pedro Cardoso. Porventura esqueço alguns. Que me perdoem se assim for.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Contradição com tradição

A presidência francesa da União Europeia que agora termina tomou diversas posições na condução da política desportiva da UE, as quais viemos dando conta nos seus traços gerais.

È bom relembrar as palavras proferidas por Sarkozy no Parlamento Europeu, aquando da apresentação do seu programa este Verão, e a onda de fundo desde cedo suportada pelas principais federações desportivas europeias, com especial destaque para Michel Platini, no apoio à firme intenção francesa na afirmação da especificidade e autonomia do desporto, através da definição um regime excepção em relação ao direito comunitário, previamente clarificado em consulta ao movimento desportivo, o qual salvaguardasse a segurança e estabilidade na regulação do desporto europeu. Este movimento viria a ter o seu momento mais marcante quando em Setembro um conjunto de organismos desportivos europeus e internacionais se reuniu sob a égide do COI para exigir uma clarificação detalhada dos domínios reservados à especificidade e autonomia do desporto, dando seguimento às disposições do Tratado de Lisboa.

Assim, na fase final da presidência gaulesa realizou-se em Biarritz a habitual reunião informal dos ministros europeus responsáveis pelo desporto, bem como o primeiro Fórum Europeu do Desporto, cumprindo, deste modo, mais uma das intenções do Livro Branco sobre o Desporto, no que respeita à abertura do diálogo num espaço comum e transparente de troca de ideias sobre os principais temas da agenda do desporto da UE. Os "Estados Gerais do Desporto Europeu", conforme disse Platini.

As conclusões do fórum e a declaração dos ministros no final da sua reunião aqui ficam para memória futura. Da nossa parte, e tomando ainda como referência as palavras de Bernard Laporte, em um e outro daqueles momentos, não deixo de sublinhar, em síntese, alguns aspectos que marcam claramente a posição desta presidência em relação ao passado recente.

A discussão das cláusulas de nacionalidade e a questão da proporção de jogadores seleccionáveis nos clubes profissionais – ou de uma forma mais clara, o “6+5”-, mesmo com claras posições de incompatibilidade com os princípios fundadores da UE manifestadas pelo Parlamento Europeu e pela Comissão, como é do conhecimento público - em especial pelo comissário responsável pelos assuntos sociais -, mantém-se na ordem do dia e, sob a perspectiva do reforço identitário nacional e regional, os ministros voltam a incitar a Comissão a enveredar por um caminho sobre o qual já mostrou reservas; isto é, no estudo da compatibilidade com o direito comunitário de uma proporção de jogadores seleccionáveis em clubes profissionais do país da sua selecção, em mais uma tentativa de pôr o Rossio na Betesga, pelo menos até novos ecos se escutarem do Luxemburgo.

Na luta contra o doping finalmente a UE assume, a uma só voz, sem titubear, os problemas na condução da Agência Mundial Antidopagem (AMA). Não se trata apenas de um ressentimento por tudo o que se passou com a candidatura de Jean-François Lamour, como se fez querer; mas de uma clara falta de representatividade da Europa no conselho fundador da AMA, bem como na salvaguarda da protecção dos dados pessoais em relação à legislação europeia.
Por outro lado, talvez ciente da complexidade e dimensão dos interesses ligados ao doping que alegadamente estiveram presentes nos episódios rocambolescos com a candidatura de Lamour, a UE procura obter elementos para uma visão mais alargada de tudo o que aqui está em jogo -para além das questões de ética desportiva e saúde publica - em particular o impacto económico do fenómeno do doping na industria farmacêutica e noutros sectores.

Por entre as habituais palavras de circunstância, uma nota para o reforço de um quadro consultivo entre as instituições europeias, representantes do movimento desportivo e o Comité Olímpico Internacional. Não olvidando, neste caso, o importante contributo e valor congregador do Conselho da Europa.

A esfera intergovernamental da UE procura passar - através dos seus representantes ministeriais - a mensagem política à tecnocracia comunitária sobre a necessidade de auscultar e envolver as autoridades desportivas nos processos de tomada de decisão sobre a regulação do desporto europeu, tomando em consideração a singularidade do fenómeno desportivo, num processo que se pretende cada vez mais amplo, discutido e transparente.

Curiosamente, o Comité Olímpico Internacional - que assume há anos a gestão de uma agenda política na salvaguarda dos valores, princípios e interesses específicos do desporto, face aos vectores estruturantes que edificam o sistema económico e social europeu - vem agora a ser classificado como a menos responsável entre 30 organizações intergovernamentais, não governamentais e empresariais, com resultados muito baixos nas quatro dimensões de accountability (responsabilidade/prestação de contas) – transparência, avaliação, participação e resposta a reclamações -, pelo relatório anual do independente think tank britânico One World Trust.

O diagnóstico é conhecido:
However, these strong capabilities are offset by its inequitable member control that provides several key powers to the IOC President and Executive Board that are unchecked by the IOC session

sábado, 20 de dezembro de 2008

A importância do desporto

No passado dia 10 o plenário da Assembleia da República apreciou (?) dois projectos de resolução da autoria do PCP, apresentados em 10 de Abril e 3 de Junho de 2008.
Transcreva-se o momento da votação:

“O Sr. Presidente: — Com certeza, Sr. Deputado. Vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 310/X (3.ª) — Plano de Intervenção para a Educação Física e Desporto em Meio Escolar (PCP). Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.
[…]
Srs. Deputados, vamos, agora, votar o projecto de resolução n.º 335/X (3.ª) — Recomenda ao Governo a criação e aplicação do programa nacional de desenvolvimento desportivo (PCP). Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, do BE, de Os Verdes e de 1 Deputada não inscrita.”

Ninguém discutiu os textos. Foram apresentados, publicados e rejeitados.
E nem o PCP se dignou a apresentar uma declaração de voto.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A nódoa no pano

Ser porta-voz de uma pessoa ou entidade é uma tarefa ingrata. Requer uma espécie de dupla personalidade. A do próprio e a da pessoa ou entidade pela qual se dá a “voz”. O IDP tem um porta-voz. Assim foi apresentado pela comunicação social para explicar os motivos que estiveram na origem da rescisão de contrato ou melhor, da sua não renovação, com um conjunto de prestadores de serviços técnicos de natação que trabalhavam nas piscinas do Complexo Desportivo do Jamor. Parece que as pessoas em causa se recusaram a “empresarializar”ou foram preteridas pela entidade então escolhida (ADECCO), escolhida, enquanto, explicou o porta-voz, se não realiza o procedimento concursal que o novo ordenamento jurídico obriga.
Esta novela decorre de um ordenamento jurídico que os sucessivos governos vêm mantendo e que considera ilegítimo que prestações de serviços de carácter regular e sistemático e subordinadas a hierarquia funcional de algumas horas semanais o possam ser por vínculos laborais do tipo de regime liberal. E então como não é possível “enfiá-los” nos quadros, ou, para já, fazer contratos individuais de trabalho a “saída” é convidar as pessoas a “constituir empresas “e depois por “artes e ofícios” dos procedimentos administrativos “adjudicar-lhes” o serviço. No caso em apreço, como essa solução não resultou, abrigou-se quem quis, ou quem foi convidado, numa empresa de “outsourcing “ de recursos humanos. Duvido que o serviço público saia a ganhar alguma coisa com esta obrigação legal e sobretudo que não seja mais oneroso para o erário público. Mas isso é coisa que não conta para os gabinetes que preparam este tipo de diplomas embora muita jurisprudência dos tribunais, algumas com origem em situações de conflito laboral com origem nas piscinas do Jamor, sejam favoráveis à referida prestação de serviços. Ao legislador pouco importa que a precarização laboral seja transferida para as empresas que vão fazer contratos a termo até ao limite que as obrigaria à incorporação nos quadros. Resolve-se o problema na administração pública e passa-se parte do ónus para o sector privado.
Mas o curioso desta historia é que o citado porta-voz, explicando os meandros da lei e que ao IDP não restava outra opção, se deve ter momentaneamente “esquecido”- cá está o lado ingrato a que aludimos inicialmente -, como chegou ao IDP: precisamente através do método que diligentemente explicava que não era mais possível manter.
É que tendo sido “justificado” para substituir uma anterior assessora de comunicação que cessara funções e sendo necessário, de acordo com o Chefe da Divisão Financeira e Patrimonial a aquisição de serviço técnicos na área da assessoria de comunicação - o que é espantoso como essa necessidade foi detectada por uma chefia administrativo-financeira, -diz que consultou uma “pessoa de experiência comprovada”, que esta apresentou uma proposta cuja aquisição de serviços dizia o montante mais o IVA, para no parágrafo seguinte afirmar que o candidato a contratado estava isento de IVA.O valor do contrato era imediatamente abaixo do que obrigaria a fazer mais que uma consulta ao mercado. Autorizado ao abrigo do nº3 do artigo 81 do decreto-lei nº197/99. Estávamos em 17 de Agosto de 2007 e desde de 2005 se conhecia qual era a orientação do governo em matéria de novas avenças. Mas adiante porque não se questiona a eventual necessidade que o serviço entendeu dever suprir .Como não está também causa o mérito profissional da pessoa, a sua competência, a sua forma de recrutamento ou o trajecto político/partidário /profissional.
Mas a questão suscita algumas perguntas: em que “regime” se mantém agora o porta-voz do IDP? Que solução foi “pescada”? Com contrato renovado? Deixou de ser vítima do mesmo processo de selecção e contratação? Como não deve ter mantido os vícios que denunciou nos ex-colegas técnicos de natação com contratos não renovados como é que é pago desde Janeiro do corrente ano? “Adeccou-se”? Aguarda contrato individual de trabalho? Constituiu uma empresa familiar? Está ainda como tantos outros “avençados” à espera de melhor solução? Empresarializou-se?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Décalage

Das conclusões da 11.ª Conferência dos Ministros Responsáveis pelo Desporto do Conselho da Europa, realizada nos passados dias 11 e 12 de Dezembro na fervilhante Atenas, é relevante salientar a capacidade desta organização intergovernamental em consolidar uma agenda política. Tanto mais quando se trata de um órgão consultivo sem poder decisório vinculativo.

aqui nos referimos ao Acordo Parcial Alargado sobre o Desporto dinamizado pelo Conselho da Europa em 2007 para criar uma plataforma de cooperação em diversos domínios da governança desportiva, onde a acção isolada dos Estados nacionais se revela cada vez mais inoperante e inconsequente. Num curto espaço de tempo já aderiram a este acordo 29 estados. Portugal ir-se-á juntar no próximo dia 01 de Janeiro.

Esta instituição seminal do ideário humanista emergente do movimento europeu do pós guerra tem um profundo labor sobre políticas de desenvolvimento do desporto e constitui um actor central na dinâmica do sistema desportivo europeu.

Disso é exemplo a posição tomada nesta conferência ao afrontar claramente a Agência Mundial Antidopagem (AMA) sobre as medidas tomadas por este organismo nas Normas Internacionais para a Protecção da Privacidade e da Informação Pessoal, ao considerar que “a adopção daquelas normas – à margem de uma consulta dos membros europeus – pode ser, em substância, uma violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”. Esta posição entra em contraciclo com as recentes posições das instâncias políticas da União Europeia sobre a gestão da AMA.

Mirando os recentes documentos de orientação estratégica da UE com vista a consolidar as bases de institucionalização das disposições comunitárias sobre o desporto no Tratado de Lisboa (art 149), o Conselho da Europa tem sido sistematicamente marginalizado face ao seu estatuto e dimensão institucional, particularmente no que respeita ao desporto para todos e às redes de trabalho que ao longo de anos foi construindo com as associações desportivas europeias. Isto é, no âmago daquele que é o principal pilar onde se ancoram as estratégias de desenvolvimento da regulação do desporto da UE - a dimensão social e cultural do seu modelo de desporto.

Desperdiçar este legado configura, em nosso entendimento, uma perspectiva amputada sobre o trajecto histórico intergovernamental das políticas desportivas europeias, bem como um indicador manifesto sobre quais as prioridades de intervenção comunitária na pirâmide que enforma o modelo europeu de desporto, com todas as consequências que pode trazer sobre o impacto de medidas de regulação - sustentáveis e estruturantes - que se exigem implementadas à escala supranacional e cuja urgência se reclama premente em conjunturas de crise como a que hoje se vive.

A leitura do documento produzido sobre a autonomia do desporto na Europa, onde se analisam os dados recolhidos dos inquéritos conduzidos junto de organizações desportivas e governamentais no âmbito do referido Acordo Parcial, espelha os desafios e os contrastes em jogo e conduz-nos a perspectivas interessantes - que merecem ser reflectidas e discutidas - sobre a representação da autonomia desportiva para cada um destes actores e as consequências das suas diferentes ópticas na gestão de processos, competências e mecanismos de intervenção dos vários países e níveis de acção políticos e desportivos, num modelo de governança que se pretende tornar harmonioso, eficaz, responsivo, transparente e democraticamente legitimado, no qual se cruzam normas públicas e regras privadas, nem sempre coerentes entre si e entre os seus propósitos.

As três resoluções que saíram desta conferência em Atenas, no que respeita à protecção da vida privada, salvaguarda da autonomia do desporto e ética desportiva - a partir de um conjunto prévio de três documentos de trabalho – são o corolário de uma agenda claramente demarcada daquela que é conduzida pelas instituições comunitárias na cooperação entre autoridades desportivas e governamentais, em particular pela troika que conduz a política desportiva da UE em regime de agenda permanente, balcanizada num pequeno grupo cada vez menos representativo dos problemas estruturais que o modelo europeu de desporto atravessa, com especial incidência na sua base.

No entanto, a presidência francesa merece, neste particular, uma nota de reconhecimento por tentar encetar mudanças neste processo de diálogo. Mas sobre esse balanço falaremos em próxima ocasião.

domingo, 14 de dezembro de 2008

IDP "aperta clubes"

Na semana passada a imprensa deu eco às afirmações do presidente do Futebol Benfica sobre a situação do clube quanto aos encargos financeiros com as deslocações da sua equipa de futebol às Regiões Autónomas.
Um dos registos (O Jogo), que se intitulava como em epígrafe, referia o incumprimento da “lei” que obriga o Instituto do Desporto de Portugal a pagar aos clubes 1.750 euros para «ajudar» nos custos de deslocação”.
Segundo tal dirigente desportivo, o Futebol Benfica ainda não recebeu qualquer verba: “Dizem sempre que amanhã iremos receber, mas isto arrasta-se desde o início da época”.
O dirigente qualificou a atitude do IDP como um “golpe de esperteza”.

Para além da similitude com outras situações registadas recentemente (mas recorrentemente) no desporto nacional – “Vamos pagar amanhã” –, a denúncia reporta-nos a um tempo bem mais anterior.
Com efeito, ainda em 2007, mais precisamente a 11 de Abril desse ano, a direcção da FPF foi recebida por Laurentino Dias. Da agenda da reunião constava a questão dos subsídios. O membro do Governo informou que, para a época 2007/08, não haveria subsídios.
A 19 de Maio, a direcção da FPF, deu conta desta situação em assembleia geral. Tudo isto consta do Comunicado Oficial n.º 22, de 19 de Julho, da FPF. Por fim, a FPF justificava o atraso do comunicado “pela ausência da decisão do Sr. Secretário de Estado da Juventude e Desporto, por escrito”.

Seguiu-se a “revolta” dos clubes e o reencaminho, por parte da FPF, das suas missivas para a Secretaria de Estado: “Além de compreender a insatisfação publicamente manifestada por Clubes das II e III Divisões Nacionais – nomeadamente as equipas que participarão na Série E do terceiro escalão –, a FPF continua a cumprir o seu papel de interlocutora privilegiada entre os Clubes e o Executivo”.
Depois, ocorreram as reuniões entre a Liga Portuguesa de Futebol Não Profissional e o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto – com o afastamento vincado e injustificado da FPF, mas em prol da projecção artificial da mencionada liga a quem o poder político já planeava um excelente futuro na partilha do poder desportivo (mais um peão das “pretas” –, tendo sido garantida pelo Governo a manutenção dos subsídios às equipas continentais aquando das suas deslocações às Regiões Autónomas.
Tudo, no dizer de Laurentino Dias, não passou de um mal entendido.
Finalmente, o regulamento: Despacho nº 22 932/2007.

Muitos meses volvidos, cá estamos de novo, como sempre, no início e sem nada resolvido em termos que confiram alguma estabilidade.
Digam sim ou não, mas digam-no com firmeza. É o mínimo que se exige.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O erro é sempre apressado (1)

Se existissem dúvidas, os tempos que correm demonstram que não há qualquer forma científica de fazer previsões económicas. E que até os mais credenciados e laureados especialistas se enganam. E o mesmo vale para diferentes instituições onde eles trabalham (ministério das finanças, união europeia, banco europeu, OCDE, banco mundial FMI,etc).Sobre as mesmas matérias emitem regularmente pareceres muito diferentes quando não até, completamente opostos.
Com muitas das previsões sobre as realidades desportivas sucede precisamente a mesma coisa. Por um lado é a aleatoriedade própria dos fenómenos sociais. Por outro, a maior parte dessas previsões assentam em diagnósticos errados, sem quaisquer estudos independentes que sustentem as politicas. Agravado, no que concerne ao desporto, por todos darem palpites. E por os negócios que certos tipos de iniciativas permitem “empurrarem fundadamente” muitas das decisões.
O grau de endividamento das autarquias que se envolveram na aventura dos estádios para o Euro 2004 é elevado. Mas ninguém quer falar do assunto. Menos ainda quantificá-lo. Houve, como era expectável, estádios que não eram necessários. E agora há usos a menos e custos de manutenção a mais. Quanto está a custar ao país o legado do Euro 2004 é coisa que a ninguém interessa estudar. Como não interessa estudar e avaliar o custo de muitas infra-estruturas desportivas públicas que por esse país fora estão sem adequado aproveitamento face aos investimentos realizados.
Recentemente, entusiasmado com a eventual candidatura ibérica ao mundial de futebol, o Secretário de Estado do desporto afirmou, primeiro que o momento não estava para festas para, passado algum tempo, dizer qualquer coisa deste tipo: com as infra-estruturas que temos só precisam de uma pintura. O que é que isso quer dizer em termos de custos? “Muito pouco com as vantagens da realização de alguns jogos no nosso país, com a visibilidade de Portugal, com o retorno turístico e as receitas que daí advém”.
A tese é conhecida e qualquer das muitas agências de estudo que, como alguns juristas, receitam de acordo com a encomenda, poderá apresentará números que confirmarão que se trata de “uma grande oportunidade” para o país. Em tudo idêntica à que valeu para passar para a CSS Stellar dois milhões de euros num negócio, cuja “operação” de transferência ocorreu mesmo antes do respectivo cabimento e autorização de pagamento . É inimaginável o que Portugal ganhou com esta dádiva cujo protocolo aguarda melhor oportunidade de ser conhecido embora já tenham passados dois anos!
Numa penada, as palavras do Secretário de Estado, corroboradas em Macau por Jorge Sampaio - num daqueles congressos das agências de viagens que são feitos para meia dúzia de maduros e respectivas famílias passearem - revelam todo um programa de acção de quem domina, como poucos, estas questões e cujo saber e proficiência estão sobejamente demonstrados. Não é necessário estudar o assunto por entidades independentes, contraditar as diferentes perspectivas, avaliar a afectação de recursos necessários, as responsabilidades de entidades públicas e privadas e até a dimensão simbólica de um evento num país a atravessar inúmeras dificuldades. A palavra do governante é ciência certa e entre um argumento daqueles, que demovem o mais atrevido a contraditar, e a passagem dos dedos pelas melenas que caem para a testa é toda uma dimensão de Estado que vem à tona.
Esta insensatez de quem vive a gastar o dinheiro dos outros, de quem vive deslumbrado com o portefólio dos eventos, de quem colapsou no plano teórico e se limita a dizer umas vulgaridades sem qualquer sentido ganham um peso crescente na fragilidade e superficialidade governamentais.
A anunciada reforma do sistema desportivo, que à data é uma reforma do sistema legislativo - anunciada neste blogue por um preclaro anónimo, não vá o diabo tecê-las, invocando o recurso a especialistas nacionais e estrangeiros que um dia se conhecerão - é apenas, para já, uma política de regulação de actos de visibilidade pública de um governante. Os seus méritos ou deméritos o tempo avaliará. O que vale em termos de ideias é interessante. Em poder é muito. Em pose também. Mas esse é o terreno natural de quem tem como profissão ser político. Porque o resto acaba quando se acabar o poder. Não se lhe conhece um texto de que seja autor que valha a pena ler. Um discurso que mereça estudo. Um percurso académico distinto. Uma referência doutrinária. Um gesto que marque uma governação. O seu “Magalhães” é o “primeiro relvado”.É muito para quem tem ambições paroquiais. É pouco para quem tenha algum mundo.
(1)-provérbio árabe

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Vexata Quaestio

Caro J. M. Constantino e caros/as leitores/as, pouco adiante “apontar-se as armas” para este governo, para os actuais presidentes da federação portuguesa de futebol e da respectiva liga profissional ou para o presidente do sindicato de jogadores de futebol, invectivando-os pelos salários em atraso e outras ilegalidades e insuficiências do nosso futebol profissional. Cada um sacudirá a chuva do seu capote e continuará de entrevista em entrevista, de holofote em holofote a escamotear o que verdadeiramente afecta a viabilidade económico-financeira deste mercado e a olvidar medidas estruturais de suporte à mesma. Todos se movem apenas pelo imediatismo traduzido na máxima “the show must go on”, já assim é há muitos anos e assim continuará a ser.

Não se vislumbra na actualidade sinais de qualquer alteração de fundo, tão só e apenas a “medidas de pronto-socorro”, como o fundo de garantia social protagonizado pelo sindicato de jogadores de futebol profissional e secundado pela federação e liga, numa prática similar à instalada, entre nós, do recurso ao crédito bancário para tudo e para nada, ou a promessas de maior rigor pela Comissão de Auditoria da Liga nos processos de candidatura para as competições profissionais, que cairão em saco roto na próxima hora da verdade. Assiste-se como é habitual, à técnica da “fuga para a frente”, sem se beliscar interesses instalados nem conflitos que ponham em causa os poderes instituídos.

A verdade é filha do tempo e para quem já há uns anos está atento ao fenómeno do profissionalismo em Portugal não se surpreende com crises conjunturais, hoje com infeliz dramatismo para o Estoril, amanha com outro qualquer, como em tempos o foi com o Salgueiros, ou o Tirsense, pois, como todos reconhecemos o verdadeiro problema da (in)sustentabilidade deste sector é estrutural.
É compreensível que um País com tamanhas debilidades económicas e com um sector empresarial e industrial em declínio e sem vocação para o patrocínio e muito menos para o mecenato, comporte duas ligas de futebol com competições reconhecidas como profissionais, cada uma com 16 clubes? Qual o País com um quadro sócio-económico idêntico ao nosso, que apresente semelhante realidade?

Há mais de trinta anos já vários autores tocavam com o dedo nesta ferida, a redução para 12 das equipas que integravam a primeira divisão do futebol, número este novamente aconselhado em 2003, num estudo elaborado para a LPFP pelo departamento de consultoria da Deloitte & Touche, intitulado “Estudo Global ao Futebol Português” por configurar um modelo de receitas mais significativo para o futebol profissional. Mas querem lá isto “as gentes” do futebol...

Como é do conhecimento público foi o legislador em 1997, pelo Decreto-Lei n.º 67/97 que instituiu o regime jurídico dos clubes e sociedades desportivas, que considerou por via normativa as competições da I Divisão e II Divisão de Honra do campeonato nacional de futebol como competições profissionais. Desde então, em 2000 foram reconhecidas por despacho do Ministro-adjunto estas competições como profissionais, tendo sido publicado em 2004 novo despacho do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, após conflito judicial entre federação e liga, para reformular tais quadros competitivos a partir da época desportiva de 2005-2006 para 16 clubes.

Ainda que nas duas últimas épocas não tenham sido tornados públicos os indicadores económicos da I Liga de Futebol Profissional, pelo habitual Anuário “As Finanças do Futebol Profissional” (elaborado pela Deloitte, jornal A Bola e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional), os que foram revelados na época 2005/2006, evidenciaram que entre as épocas de 2000/2001 e 2005/2006 os custos foram sempre superiores às receitas, tendo estas diminuído 40 milhões de euros entre 2003/2004 e 2005/2006.
Que cenários seriam de esperar? Obviamente, os piores como aqueles que têm vindo a lume ultimamente.
Para quando a discussão e o enfrentar realista do sobredimensionamento da realidade qualificada como profissional, a par de outra matéria, que trataremos em próxima oportunidade, igualmente assunto tabu entre nós, qual seja a distribuição conjunta das receitas televisivas? Ou será preferível irmos assistindo à morte da galinha dos ovos de oiro?

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Somos pequenos

A história ensina-nos que o homem não teria alcançado o possível se, muitas vezes, não tivesse tentado o impossível
Max Weber



Dos desmandos, lapsos, omissões, erros e falhas graves na relação com os atletas, antes, durante e após Pequim já muitos apontaram o seu dedo acusador.

Muitos reclamaram falta de orientação estratégica do COP, desrespeito pelos atletas, salvaguarda de interesses pessoais, esbanjamento de dinheiros públicos e sede de poder.

Alguns, inclusivé neste blogue, apontaram caminhos de mudança e janelas de oportunidade, esboçando uma perspectiva mais ampla sobre o que está em jogo para o desenvolvimento desportivo deste país com o planeamento e gestão de ciclos olímpicos. Uns mais cépticos, outros mais confiantes.

Destes, vários são aqueles que suspiram por uma lufada de ar fresco na cúpula do dirigismo desportivo deste país. Não fujo às minhas palavras e aqui me incluo.
Criticamos o status quo instalado, a paz podre, os compromissos de circunstância e jogos de cintura políticos, o tacticismo dos interesses omnipresentes no menor gesto, a falta de risco, a ausência de empreendorismo, a falta de transparência e de boa gestão.

Mas não estamos também nós, apenas ao vigiar e apontar o que pensamos serem passos atrás no desenvolvimento desportivo de Portugal, a ser coniventes com o que criticamos? A sermos vitimas dos nossos argumentos?

Nestas ocasiões já se falaram de inúmeros nomes para apresentar uma alternativa à actual direcção do COP. Os nomes vão surgindo à medida que aparecem novas críticas e novas posições contrárias à continuidade dos actuais membros.

Mesmo com a tomada de posição dos atletas olímpicos e da federação cuja modalidade foi aquela que mais títulos olímpicos obteve para Portugal, não surge um projecto, uma ideia mobilizadora, um grupo que se dinamize para apresentar uma alternativa concreta e por ela dar a cara.

Todos se escondem no tacticismo e aguardam o momentum politico para avançar, o qual pode nem vir a chegar. Alguns temem “queimar” o seu nome. Outros preferem estar de bem com Deus e com o Diabo. Outros, ainda, estão esgotados de serem vexados pelas personagens picarescas que pululam em gabinetes por aí.

Muitos criticam, mas ninguém arrisca. Mesmo que esse risco esteja condenado à partida pela natural conivência de muitas federações desportivas com o panorama instalado. Há ainda os que arriscam só para ganhar. E assim tudo perdem. Perdem eles e o modelo de desporto que defendem. E perdem porque são eles próprios vítimas do nosso fado. O fado da ausência de risco. O fado das ideias que não passam do papel. O fado do nepotismo político.

Nesta aridez sobram apenas as palavras. E essas são fáceis de proferir. Não fica um gesto para espalhar. E a caravana passa ufana e tranquila por entre vénias e hossanas. E assim somos dignos daqueles que nos dirigem no desporto, na política e não só. Tal como noutros momentos da nossa pátria lusa, a mudança só ocorre quando a essência da podridão cair de madura. Até lá entretamo-nos a criticar enquanto nos deixarem e as ideias não pagarem imposto!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A Revolta na Bounty

Para mim, não era digno que esta colectividade desportiva deixasse passar mais um dia sem um texto, pequeno que fosse, mesmo sem grande eloquência, inclusive com ausência de cogitações de política desportiva ou de vivência das organizações desportivas, sobre a pública (e bem sonora) tomada de posição da maioria dos atletas olímpicos – de acordo com o afirmado pelo presidente da Comissão de Atletas Olímpicos – relativamente ao passado e ao futuro do presidente do Comité Olímpico de Portugal.

Não me interessa saber se é verdade ou não – como é ripostado – que são manobras eleitorais ou se os atletas estão a ser manipulados, na leitura sempre paternalista – e diminuidora da dignidade pessoal dos atletas - do presidente do COP.
O que julgo ser de enfatizar é o afrontamento directo, sem receios, que um grupo bem significativo de aletas, sempre emparedados e aliciados pelos poderes desportivos – Governo, COP e federações desportivas – entendeu, sem anonimato, levar a efeito.
Aqueles que não foram medalhados em Pequim, foram-no no Jamor, pela vitória alcançada no exercício da sua liberdade de expressão, que os coloca inevitavelmente, em algumas listas negras das muitas que pululam neste infeliz país.
Para o outro, Nelson Évora, uma segunda medalha de ouro, porventura mais valiosa que a obtida nos Jogos Olímpicos.
Para Vanessa Fernandes – não há como fugir à questão – a certeza de um futuro promissor aquando do final da sua carreira desportiva.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A má consciência

A história repete-se primeiro como tragédia e depois como farsa
Karl Marx


Salários em atraso, infelizmente, não existem apenas no futebol e no Estrela da Amadora. Mas por razões de especial mediatização do futebol e pelos níveis de alguns salários praticados o problema atinge uma dimensão pública distinta dos trabalhadores das muitas centenas de empresas e unidades comerciais que não pagam aos seus trabalhadores. Ou se vêem na contingência de pura e simplesmente encerrar a produção e despedir as pessoas.
Não quero discorrer sobre as causas do fenómeno no que concerne”aos salários em atraso no futebol”. A voz experiente, sabedora, especialista e sempre autorizada do secretário de estado do desporto sapientemente explicou algo que o comum dos mortais nunca tinha pensado: o problema deriva do facto dos ”clubes viverem acima das suas possibilidades”. Hélas! Uma espécie de BPN ou BPP mas sem o Constâncio a regular. No desporto o regulador não se chama Vítor, chama-se Laurentino José e é homem de que só se conhece uma palavra: a verdadeira. Se ele disse está dito. Ora, esta trágica situação, “ o de se viver acima das possibilidades”, é um assunto que atinge milhares de portugueses e daí termos até uma administração pública desportiva, sempre sobre o olhar atento e responsável do dito governante, a investigar “cientificamente” o perfil do tecido adiposo dos portugueses cuja importância no desenvolvimento do desporto nacional é óbvia.
As perguntas que apetece fazer são outras: não há salários em atraso no andebol? E no basquetebol? E no ciclismo? E no hóquei em patins? E no atletismo? E no voleibol? E no pagamento árbitros e outros agentes em várias modalidades? Não existe uma economia da prática “profissional e camuflada do desporto” que está tecnicamente falida? O nosso “regulador” quer estudar o assunto. Não é que ele não conheça as razões. Mas o tempo em que não gostava de estudar já lá vai. Agora adora estudar. E com quem? Precisamente com aqueles que conduziram a esta situação. Que por acção ou por omissão nunca estudaram o que agora lhes é proposto que estudem. É uma espécie de novas oportunidades agora para os membros de CND. A que o patrão da BDO, também presente, e porta-voz oficial do organismo, não deixará de dar o seu precioso contributo resultante da excelente supervisão efectuada sobre o BPN.
Enquanto tão elaborado estudo não ocorre, uma vez mais, na ausência de estudos credíveis sobre a economia das modalidades, cada um fica com as suas impressões resultantes de um contacto mais ou menos directo com esta ou aquela realidade.
Surpreendente é que num quadro de acentuada crise financeira do sistema desportivo - juntando debilidades próprias e importando a crise geral da economia - não se oiça uma voz dirigente do movimento desportivo e das sua organizações que, com sentido de responsabilidade, entenda que o que se está a passar no Estrela da Amadora e outros clubes são o sintoma de um problema mais geral e mais profundo do desporto e do sistema desportivo nacional .E o de perceber que o económico e o financeiro não são autonomizáveis do organizacional, do político e do social. E que os comportamentos económicos e financeiros são acima de tudo comportamentos humanos.
Lendo as intervenções dos líderes das mais importantes organizações desportivas nacionais (COP e CDP) em recentes cerimónias alusivas a efemérides próprias não sei se dá para rir, se para chorar. É penoso que após trinta e alguns anos de democracia e modernidade cultural, com tanta produção académica, com tanta matéria de estudo e de reflexão não permitam que partilhemos de uma dimensão distinta, com classe, que valorize e nobilite as responsabilidades culturais do desporto e que não ignore as dificuldades porque passam as organizações desportivas. Comportam-se como se estas ocorrências, dos salários em atraso, fossem uma abstracção limitada a este ou aquele clube e não um problema do sistema desportivo nacional.
De facto é mais fácil empurrar para o lado e deixar o problema entregue ao futebol, ao Presidente da Liga Profissional de Futebol e ao Sindicato dos Jogadores, mesmo que na modalidade vizinha se passe algo similar. Mas até nem precisava de se passar. Um responsável desportivo não pode deixar de ter uma posição pública sobre os salários em atraso de qualquer praticante desportivo independentemente da modalidade. Mas parece que neste trágico país deixou de haver lugar à inquietação cívica. Numa época complexa e difícil a velha tradição salazarenta do discurso da genuflexão -chova ou faça sol está tudo bem e no bom caminho -, mesmo gasto e sem brilho, é preferível a ter ideias, a ter futuro e a ter coragem de ter um julgamento ético sobre o que se está a passar. Uma má teoria não é apenas sintoma de uma má consciência. É um elemento da própria crise.

domingo, 30 de novembro de 2008

Os anónimos desportivos

Durante um ano, esta colectividade recolheu um número bem significativo de participações anónimas no espaço reservado aos comentários. Muitas delas, de grande valia.
Tenho para mim que se deve afirmar um direito ao anonimato, mesmo na vertente do exercício da liberdade de expressão.
Por outro lado, cabendo-me validar os comentários aos textos de minha autoria, não convivo bem com o seu apagar.
Por via de regra, como é prova bastante o conteúdo de certos comentários que se podem ler neste espaço, dou-lhes publicidade.
Com alguns desses comentários aprendi, assumi e corrigi erros. Para outros, coloquei-me à disposição para esclarecer o infundado daquilo que me era imputado. Destes não recebi retorno.

Entendo, agora, que é chegado o tempo, pelo menos no que a mim diz respeito, de alterar os procedimentos e, bem vistas as coisas, dignificar esta colectividade, dela afastando grosserias, ofensas pessoais, manifestas mentiras e todo um rol de manifestações anónimas que apenas significam um arroto de inveja – vá lá saber-se do quê –, mesquinhez, quando não tangem mesmo o cosmos da doença mental.

Bem vindos, pois, os anónimos que discordam de mim e que o afirmam com clareza e sentido.
Para os outros, não nos cabendo apresentar alternativas à sua maneira de ser e de estar no mundo, resta-nos, pelo menos neste espaço, vedar-lhes o acesso à sede.
Para mim, a colectividade desportiva passa a ter, para esses, um bem grande aviso à porta: Reservado o direito de admissão.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Um esboço

A cruzada que o COP tem vindo a lançar a alguma comunicação social após Pequim teve recentemente mais um curioso episodio.
Dois jornais noticiaram várias citações de um documento produzido pelo COP sobre a Missão aos Jogos Olímpicos de 2008 e distribuído aos membros da Assembleia Plenária no passado dia 25.
No entanto, com inusitada celeridade, na Travessa da Memória tratou-se de emitir um comunicado a repudiar aquelas noticias, referindo que o documento produzido se trata de um esboço, pelo que as citações “não correspondem ao documento final “.
Um dos jornais visados procurou apurar o sucedido junto das federações desportivas, tendo-lhe sido garantido que "O documento que recebemos é o mesmo que está na comunicação social. Não é um esboço"

Ora, toda esta rábula pode apenas ser vista como mais um fait divers nas relações tensas com os jornais, como uma manobra de diversão em vésperas de período eleitoral, ou como disfuncionalidades de comunicação institucional. Mas não vamos por aí.

Não é por um documento estar elaborado em versão provisória que o mesmo não se deve apresentar ao público ou ser reportado pelos órgãos de informação, salvo motivos onerosos onde deve ser garantida a confidencialidade até à sua publicação final, algo que aqui não sucedeu, pelo que nem se pode considerar como uma fuga de informação.

Pelo contrário, consideramos que em democracia o processo de prestação de contas é simultaneamente - e não sequencialmente -, uma responsabilização entre os pares e uma responsabilização pública – reforçada quando estão em jogo dinheiros públicos -; o que significa, neste caso especifico, que os vários momentos de elaboração do Relatório da Missão aos Jogos Olímpicos de 2008 passam pelo escrutínio das federações (o qual tem tido vários escolhos e “tacticismos”, segundo consta) e pelo escrutínio publico, até ao momento final de entrega aos responsáveis políticos. Para tal desiderato é essencial o acompanhamento dos órgãos de comunicação social.

A audiência pública constitui não só uma garantia de transparência, mas também um incentivo à participação e envolvimento de todos os interessados na boa gestão de recursos públicos. Isto aplica-se, salvo excepções relacionadas com poderes de soberania, a qualquer domínio da sociedade e das relações com o Estado, onde o desporto não se exclui. Aplica-se a qualquer fase do ciclo de políticas públicas, nomeadamente nos seus momentos de avaliação.

São estas as orientações e princípios de boa governança, em processos legislativos, administrativos ou executivos. Mais e melhor informação, mais participação e responsabilização. Caso se pretenda uma maior responsabilidade e melhor regulação.

Mas quem quotidianamente opera no sistema desportivo – do seu topo até à base – sabe bem a distância que vai da teoria à prática. É uma distância que é tão imposta pelos obstáculos de dirigentes políticos e desportivos, como é pelo nosso desinteresse no desenvolvimento de uma estratégia sustentada de políticas desportivas, em particular por parte de uma franja crescente do tecido associativo - em déficit de empreendorismo e mobilização cívica - que se alimenta de auxílios casuísticos, mais ou menos legítimos, mais ou menos pontuais, mais ou menos controlados e em maior ou menor escala consoante a dimensão e posicionamento dos seus actores em relação aos decisores políticos. Uma franja que abarca “carolas” e “gestores”.

E não deixa de ser curioso o papel que a comunicação social desempenhou, e pode vir a desempenhar, nesta trajectória de aridez e discricionariedade na agenda político-desportiva, a qual, ela também, tal como o documento do COP, raramente passou de um esboço.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Tudo tão diferente e afinal tudo tão igual

Primeiro vem o estômago, depois a moral
Bertolt Bretcht

Nada é mais natural a um dirigente desportivo cuja missão é tratar da política desportiva da sua organização, que afirmar que não está ali a fazer politica. Mesmo quando o passado esteja carregado de actos indissociáveis de apoios a projectos políticos quando não mesmo de militância partidária e completamente à margem das obrigações da organização que se lidera, essa sim que deveria obedecer a uma equidistância partidária. Nos períodos eleitorais recolhendo as listas de apoiantes deste e daquele partido encontra-se lá de tudo. Os habituais, os novos e os que mudam. Há ainda os que dizem que não podem estar mas que mandam dizer que “apoiam”.
Quem trata os problemas das organizações desportivas como uma questão apolítica antes de entrar como dirigente deveria pensar duas vezes. Para não copiar os tiques dos “políticos”.E depois de os copiar dizer que não é político.
Para um dirigente desportivo certo tipo de condutas ou até lapsos verbais poderiam em escassos momentos arruinar uma reputação que levou anos a construir. Só que o país é amnésico e quando o não é, pratica a tolerância. Sobretudo quando o que está em causa não são princípios, mas modos de poder ter poder. E por isso é escasso o cuidado com as palavras, com as condutas e com as alianças. Com a atenção ao que diz e ao que se faz. A legitimidade formal de quem dirige não se perde mas perde-se muita da autoridade moral. Pode-se do facto não ser ter logo a respectiva consciência mas a prazo é inevitável. A fragilidade da liderança está fatalmente atingida.
Nos tempos que correm, o dizer uma coisa e fazer outra, é indissociável da qualidade da vida democrática do país. O mudar de opinião não é em si mesmo censurável. Já o é se resultar, não de convicções profundas mas de um tacticismo que esconde projectos e ambições de natureza estritamente individual perante a organização que se lidera. E quando se começa a tentar explicar o que a “comunicação social deturpou” o caldo já está entornado. Nunca lhe ensinaram ou quis aprender o jogo de espelho.
È certo que as organizações desportivas não são diferentes das outras. E num país onde a memória é curta qualquer dirigente desportivo tem as vidas que quiser , faça o que muito bem entender. De um dia para o outro pode passar de um “dinossauro”e ultrapassado dirigente a uma mais valia que o país não apenas deve aproveitar e valorizar como premiar (o caso do ex-presidente da FPAndebol que uma a semana depois de ser convidado pelo governo a integrar o CND, recebe o prémio prestígio da CDP) é disso paradigma. O acusador passa a elogiador. Os defeitos a qualidades. O passado deixa de ser passado. O ex-acusado passa a elogiador do ex-acusador. Adversários de ideias tornam-se militantes das mesmas causas. E neste jogo cíclico de promiscuidades, circunstancial e oportunista, neste cenário em que quem contracena joga vários papéis, se negoceiam interesses e oportunidades, se espezinham valores que fazem a vil miséria moral de muita gente, figurinhas menores que “felizes e com poder “como dizia Alexandre O’Neill são um perigo.
A rotatividade nas mesmas figuras, a ressurreição de uns tantos “mortos” (roubo a expressão a Constança Cunha e Sá) revelam o estado geral de anemia em que caímos e o parque “jurássico-mental” em que nos movimentamos. E tal como a classe politica, temos uma classe dirigente desportiva, que salvo honrosas excepções, não tem classe, não se dá ao respeito, não se nobilita, é pobre de ideias e fraca de espírito.
Naturalmente que existem excepções. Mesmo ao nível do topo. E não é possível comparar o que se passa no topo do dirigismo com agentes benévolos que num clube ou numa associação recreativa dedicam parte do seu tempo a trabalhar para o desporto. E nada ganham. Aí, ainda existe muita carolice, muita pureza, muita dedicação à causa desportiva. Mas esses dificilmente têm acesso ao aburguesamento das cerimónias, à onda das galas e dos casinos que deixaram de ser uma excepção, para se tornar uma prática corriqueira dando das modalidades uma suposta riqueza e disponibilidade de meios que contrasta com o tradicional discurso da penúria.
E quais são as alternativas? As alternativas não estão à mão de semear. Precisam de ideias ,de pessoas e de circunstâncias especiais. Não aparecem só porque alguns as entendem como necessárias. A questão para o sistema desportivo não é portanto o discutir se precisa ou não de um alternativa. É o de saber se ela é possível. Sou céptico perante essa possibilidade.
Com um Estado pobre e um país definitivamente encostado ao lado da história pagamos um preço bem elevado por um sistema desportivo onde o Estado e os governos têm históricas responsabilidades acumuladas mas onde os responsáveis desportivos não estão fora da fotografia. Parece tudo tão diferente, mas é tudo tão igual!

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Rogério Moura (1925-2008)

A morte de Rogério Mendes de Moura não é apenas o desaparecimento do decano dos editores portugueses. Daquele que teve a coragem cívica de começar a publicar livros num altura (1953)em que uma parte significativa das edições acabava nas mãos da censura.Com ele desaparece também o mais importante editor nacional de livros de educação física e de desporto.
A história da bibliografia nacional tem na editora que fundou, a Livros Horizonte, a mais extensa lista de autores nacionais e internacionais.
Na colecção Cultura Física, coordenada pelo Alfredo Melo de Carvalho foram editados 50 títulos permanecendo durante décadas alguns deles, com sucessivas reedições, como referências obrigatórias de estudo e de consulta.
Mas foi com a revista de educação física e desporto Horizonte - que Rogério Moura no se espírito arrojado e voluntarioso manteve até aos limites mesmo quando já era um projecto financeiramente insustentável- que terá sido a iniciativa mais marcante nas áreas das actividades físicas e desportivas.
Dirigida por José Teotónio Lima e tendo na origem um grupo de vários profissionais de educação física publicou-se durante 21 anos (1985/2006) e correspondeu à concretização de uma longa luta de quem sempre pugnou pela dignificação da carreira profissional assumida em diversas áreas das actividades físicas e desportivas entendidas como meio de valorização cultural do ser humano. Foram com a revista, os seminários, as palestras, os fóruns, os estágios de verão. Foram os cerca de 630 autores, as centenas de participantes e os muitos milhares de leitores que ao longo daquele tempo e através dela procuravam uma informação e um conhecimento actualizados.
A educação física e desporto nacional devem muito a este homem que formado em filosofia tinha como experiência de um estilo de vida activo a sua longa paixão pelo campismo à semelhança de resto de uma geração de intelectuais que marcaram a fase do neo-realismo.
“Um morto amado, nunca acaba por morrer”, escreveu Mia Couto. O Rogério Moura será sempre amado por aqueles que com ele tiveram o privilégio de trabalhar.

sábado, 22 de novembro de 2008

O Incrível Loureiro

Lemos e julgamos que estamos no seio de uma banda desenhada ou que voltámos ao passado (ou que dele nunca saímos).
O presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, precisamente no dia em que recebeu, “em audiência”, o presidente da direcção dos Clube Estrelas da Amadora, um dos responsáveis pelo drama pessoal e familiar de um bom número de praticantes desportivos profissionais, vem à janela da instituição a que preside, olha para fora, pega num discurso impresso e desafia o Estado “a publicar, sem medo, a contribuição líquida efectiva dos clubes profissionais”.
E aditou: “É bom que o país tenha noção e conhecimento dos valores que a administração fiscal arrecada junto dos associados desta Liga”.
Mais ainda:
“Não queremos um regime de excepção, nunca quisemos, mas exigimos ser tratados como pessoas de bem que somos. Temos que estar todos empenhados preventivamente em evitar ao máximo a reincidências destas situações”.
Hermínio Loureiro afirmou que é o garante da “igualdade e credibilidade das competições”, e recusou “compactuar com associados e dirigentes que recusam pagar o que devem, seja ao Estado, seja aos trabalhadores”.
Mas, certo é – pelo menos para Hermínio Loureiro – que no caso do clube da Amadora “o Estado português penhorou bens e receitas, já no decorrer do campeonato, “absolutamente desproporcionais à divida certificada, que ronda os oito milhões de euros”.
Estas palavras de Hermínio Loureiro seguem-se às que o presidente do Clube Estrelas da Avenida prestou no final da reunião, segundo o qual “vai haver dinheiro” para pagar salários mas não sabe quando.
No fundo, o Estado, sempre o Estado como o último e derradeiro responsável pelo gestão dos clubes de futebol, pelo afrontamento a “pessoas de bem”.
Sempre foi assim com os Loureiros, seja Hermínio ou outros.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Avaliar as politicas associativas


“Levei tempo a concluir que (desporto) é uma área sem a nobreza que lhe atribuímos na idade da ingenuidade (que às vezes se prolonga por tempo exagerado) e onde a qualidade do trabalho é totalmente secundária, vencida pela incompetência e interesses reinantes”.
(Sidónio Serpa)


Não lembra a ninguém responsabilizar um governo pelos maus resultados de uma selecção nacional de futebol. Culpa-se o seleccionador, culpa-se a alimentação (quem se não recorda dos 5-0 na então União Soviética?), culpam-se os jogadores, o estado do terreno de jogo ou o árbitro e até se culpa o presidente da federação. Mas não se culpa a “tutela”, o “estado”, o “sistema”ou a falta de “um centro de alto rendimento”.
Procedimento diverso ocorre com a generalidade das outras modalidades. Aí, num significativo número de casos e situações, nenhum daqueles agentes é penalizado e é chamado o governo ou o Estado a ser responsabilizado pela insuficiência das condições que oferece para que o rendimento possa ser outro (melhor). Este comportamento ocorre sobretudo quando é grande a atenção e a expectativa mediáticas como é o caso particularmente das participações olímpicas.
Esta dualidade tem sido alimentada ao longo de muitos anos procurando explicar o insucesso desportivo internacional, com excepção do futebol, pela ausência de “condições”ou de um modo mais elaborado “pela ausência de uma politica desportiva”ou até de não “haver mais desporto na escola”. São ideias antigas e velhas retóricas que teimamos em manter actuais aplicando-as mecanicamente à realidade desportiva.E em que uma parte da razão,passa, quase sempre, a ser a única razão.
Esta “politização” do rendimento desportivo mistura o que é geral, as condições politico-desportivas do país, com o que é particular: o modo como as modalidades se organizam e preparam. E estabelecem entre as primeiras e as segundas uma relação de causalidade de sentido único. Se houver êxito é talento do atleta, do treinador e talvez até competência da respectiva organização; o inêxito será resultado de “não haver política desportiva”. E no meio desta confusão confundem-se politicas desportivas, públicas e associativas, direitos sociais dos atletas e rendimento desportivos.
Quando esses direitos sociais e as condições oferecidas começam a fazer cada vez menos a diferença - e em alguns casos claramente acima de outros países com quem competímos e nos vencem (instalações e equipamentos, centros de treino, apoio especializado, profissionalização, comercialização de imagem, contactos e estágios internacionais)- cai-se numa espécie de orfandade explicativa onde o que antes era justificação o deixou de ser, ou pelo menos, o é cada vez menos.
Este arsenal ideológico tem ”descansado” as organizações desportivas, designadamente as federações desportivas. Que fique claro: existem excepções. Mas poucas são as que se sujeitam a ser avaliadas desportivamente. Como os governos, o Estado e o sistema “têm as costas largas”aí passou a assentar a justificação para os insucessos.
Há muitos anos que andamos arredios da lucidez necessária para verificar que as coisas não são necessariamente assim. Não porque os governos estejam isentos de culpas. Mas as “culpas”deles não podem ajudar a esconder os fracassos próprios.
Ultimamente tem sido muito enfatizado um novo regime jurídico para as federações desportivas, uma maior abertura à sua democratização e até à limitação das lideranças. Nada a obstar a tais propósitos. Mas é aconselhável moderar os entusiasmos. O problema crítico é de outra natureza e pede outro tipo de medidas.
Os governos devem ser responsabilizados pelo modo como cumprem ou não as suas obrigações. É óbvio que as condições gerais do país em matéria de politica desportiva condicionam os resultados alcançados. Mas não os determinam em exclusivo. Há uma margem de competências que pertence às organizações desportivas: a mobilização e selecção dos praticantes, a sua preparação e enquadramento competitivos, a selecção de recursos técnicos, as opções em matéria de politicas desportivas.
Alguns trabalhos publicados evidenciam que as condições politico - desportivas que o país oferece -com todas as limitações e faltas que ainda lhe são reconhecidas - têm permitido uma evolução significativa de resultados em algumas modalidades e estagnação e até retrocesso em muitas outras.Com as mesmas politicas há modalidades que cresceram(mesmo sem centros de alto rendimento) e outras que regrediram (mesmo com um simulacro dos ditos).
Mesmo tendo presente, significativas alterações resultantes da desagregação/surgimento de outros países e uma mobilidade/nacionalização de atletas alterando significativamente os quadros nacionais e respectivas selecções, certo é que muito do rendimento desportivo alcançado (positivo/negativo) não tem uma explicação politica, mas estritamente desportiva.
Tal como há governos bem e mal dirigidos também existem organizações desportivas bem e mal dirigidas. Ser bem geridas não é “ter contas” que batem certo. É terem objectivos desportivos que são alcançados. As organizações desportivas não são empresas e as políticas desportivas não podem ser avaliadas à luz de critérios e procedimentos contabilísticos como o são as auditorias dos “intendentes do reino”se circunscritas apenas a saber “como é gasto o dinheiro”.As organizações desportivas precisam de ser avaliadas num plano distinto dos relatórios de actividades perante as respectivas assembleias-gerais independentemente da maior ou menor democraticidade da sua composição.
Concordo com o José Pinto Correia : “o que é todavia mais relevante e porventura mesmo decisivo para a nossa reflexão interna é o facto de inexistirem em Portugal estudos sérios e científico/académicos sobre a realidade de governação e gestão das federações desportivas, dos seus respectivos processos de planeamento e decisão e, sobretudo, dos mecanismos e métodos de avaliação do desempenho que usam ou não usam de todo.”
O país desportivo só teria a ganhar se a avaliação crítica à realidade do país não misturasse o que é das politicas públicas - responsabilidade dos governos e das autoridades locais - do que são as politicas associativas -responsabilidade das organizações desportivas.
É da avaliação da qualidade e da competência que se trata. Uma verdade que não pode valer só para quem governa o país. Ela vale também para quem dirige as organizações desportivas. Do topo à base.

domingo, 16 de novembro de 2008

Orgulhosamente SOS

Anteriormente deu-se nota neste espaço das prioridades da presidência francesa da UE em matéria de políticas desportivas, as quais assentam numa agenda em torno de três eixos:

- Valorizar a importância social do desporto
- Sublinhar o lugar que ocupam as actividades físicas e desportivas no desenvolvimento económico
- Contribuir para uma boa governação do desporto

Com a presidência francesa iniciou-se um novo ciclo programático de 18 meses onde se irão juntar as duas próximas presidências que se seguem (Republica Checa e Suécia), tal como já havia ocorrido no ciclo anterior com as presidências da Alemanha, Portugal e Eslovénia.

Um dos compromissos assumidos foi a “promoção da adopção de orientações na promoção de actividades desportivas como forma de melhorar a saúde pública
Deste modo – dando corpo a um dos seus eixos prioritários - foram apresentadas na recente reunião de Directores Gerais do Desporto da UE as Orientações Europeias para a Actividade Física, a fim de serem aprovadas, na sua versão final, pelos ministros responsáveis pelo desporto da UE, nos próximos dias 27 e 28 de Novembro em Biarritz.

Este documento constitui uma nova etapa da política desportiva europeia ao dar forma à 1.ª acção do Plano de Acção “Pierre de Coubertin o qual traduz as orientações estratégicas definidas no Livro Branco sobre o Desporto, cumprindo com a data limite estipulada naquele livro.

Passa-se, assim, de um espectro amplo e generalista do Livro Branco, para domínios de acção cada vez mais específicos e concretos da realidade desportiva. Neste caso são propostas 41 orientações para a formulação e implementação de políticas públicas promotoras da actividade física, transversais aos vários níveis de governação e envolvendo os mais diversos sectores sociais que operam nesta vertente, com o objectivo claro de aplicar e transpor as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre a actividade física para um quadro de acção integrado.

Os elevados custos sociais e económicos associados ao sedentarismo não se compadecem com políticas sectoriais isoladas. Antes de mais é um problema de liderança e compromisso político. Mas este é também um problema que obriga a modelos de governação mais horizontalizados e participados, onde a separação sectorial não faz sentido, dado que as sociedades são cada vez mais complexas e os sectores se cruzam e interligam.

As políticas públicas de promoção da actividade física devem acompanhar esta tendência, não se constituindo como um objectivo sectorial exclusivo da saúde, do desporto, da educação, da solidariedade social ou do ordenamento do território, mas afirmando-se como instrumentos e mecanismos que cruzam estas áreas políticas e as integram em rede para concretizar o objectivo de promover estilos de vida mais saudáveis e hábitos de exercício físico, operando a transição de governos sectoriais para governos temáticos.

Os mecanismos multilaterais de governação na UE apontam para esse sentido e condicionam as politicas nacionais nesse rumo. A estrutura do QREN é disso o reflexo mais acabado no nosso país. A governação tende a ser menos sectorial e mais temática e sincronizada.

Isto envolve uma capacidade de diálogo maior entre os actores das várias áreas políticas e sectores da sociedade e níveis de governação. Envolve um conhecimento mútuo dos problemas, lógicas de governabilidade e dinâmicas dos actores de cada sistema social.
Estarão os actores do sistema desportivo – um sistema enquadrado por uma base normativa que chama a si os problemas da actividade física - preparados e dispostos a aceitar estes desígnios?

Estarão receptivos a compreender que a segmentação do poder e fragmentação das soberanias nacionais condicionaram a regulação e governação - não só mas também, do desporto - noutras instâncias - sub e supra-nacionais - que assumem um peso tendencialmente incontornável, num campo onde a afirmação da identidade e especificidade do desporto se joga cada vez menos numa circunscrição paroquial, e cada vez mais num espaço económico global, em crise financeira, o qual reconfigura problemas, processos e politicas de desenvolvimento desportivo?

A ver por casos bem recentes do nosso panorama desportivo - alguns abordados neste blogue - o cenário que se depara sobre a competitividade, sustentabilidade e desenvolvimento dos diversos segmentos de prática desportiva - para não falar de actividade física –, é pouco animador. A percepção das lideranças desportivas para o actual contexto onde se inserem e os mecanismos de ajustamento são, salvo casos raros de visão prospectiva, tudo menos criativos ou inovadores.


Escolha-se, a título de exemplo, o futebol profissional, e as suas incidências recentes para dar nota das carências de competitividade económica e desportiva, de novo - e oportunamente - reclamadas por vários dirigentes desportivos que exigem uma reforma da gestão do futebol profissional em Portugal. Tenha-se em atenção as medidas que propõem no actual contexto de crise que a Europa atravessa. Esteja-se atento aos próximos desenvolvimentos.

Não se pense que se tratam de problemas exclusivos do nosso país. O mesmo país onde se irá aprovar as orientações para a actividade física – a França –, ciente do custo das soluções adiadas, ou dos paliativos de circunstância à Lampedusa, sobre os problemas do seu futebol profissional, e tomando como referência as características distintivas do seu futebol - que inviabilizam soluções de “copy/paste” de outros modelos - avança desde já com um diagnóstico aprofundado para passar das palavras aos actos.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Começar ao contrário

No Congresso de Gestão do Desporto da APOGESD o Dr. Alfredo Silva apresentou um estudo sobre a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Pequim. O estudo avalia comparativamente os resultados alcançados e os apoios financeiros disponibilizados pela administração pública central desde os J.O de Atlanta (1966).E conclui, entre outras coisas, que “ no período de 12 anos (Atlanta 1996 –Pequim 2008) os meios financeiros aplicados na preparação olímpica aumentaram em 100%, não tendo os resultados desportivos sido acompanhados com qualquer crescimento”.
O estudo e esta constatação deveriam merecer uma profunda reflexão. Por parte de quem financia e por quem é financiado. A evidência do estudo aponta no sentido em que o financiamento não tem sido o factor crítico decisivo para a elevação da qualidade desportiva. E, se o não é, importa contextualizar o valor qualitativo do desporto nacional num quadro de variantes que não elejam o financiamento como o factor determinante.
Esse trabalho é tanto mais importante quanto, da parte das organizações desportivas, a reivindicação de mais apoios quase que se resume a mais dinheiro. E mais dinheiro para problemas mal resolvidos é gastar o dinheiro e ficar com os problemas. Nas circunstâncias actuais do país é insensata qualquer politica desportiva que não assuma um compromisso de exigência. Seria um projecto desprovido de conteúdo e socialmente inaceitável perante o quadro de dificuldades por que passam as políticas públicas.
Para que isso não suceda importa que o governo e movimento desportivo estudem onde se situam os factores críticos e as fragilidades do nosso sistema desportivo e que são impeditivas de melhorar a situação qualitativa no contexto internacional.
Sem esgotar o tema - e sem incidir sobre alguns custos “marginais” na estrutura do alto rendimento mas “pesados” em termos financeiros - insistimos na necessidade de uma política de investimento no alto rendimento que tome opções sobre quais as modalidades e sectores que dentro da afectação possível de recursos se afiguram aptas a alcançar níveis de eficiência mais elevados. Tratar como igual o que é diferente ou admitir que um elevado número de modalidades e de atletas são passíveis de obter indicadores de excelência no contexto internacional é uma pura ilusão.
O estudo a que fizemos inicialmente referência, constata que, em Pequim, 80% dos atletas que integraram os níveis I, II e III não obtiveram uma prestação desportiva compatível com o seu nível desportivo. Não vale a pena repetir o mesmo sistema e o mesmo critério. O que exigirá não apenas a seriar de modo distinto os indicadores de rendimento desportivo actualmente alcançados mas sobretudo o seu potencial de desenvolvimento num quadro de definição das nossas “vantagens competitivas”. E onde terão de ser incluídas variáveis como os modelos organizativos, os meios de preparação, os quadros competitivos, a evolução das tendências internacionais e a expressão desportiva actual. Continuar a alimentar uma lógica onde convivam planos de preparação e de rendimento elevados com esquemas de organização, treino e preparação desportivas com claras fragilidades organizacionais e competitivas não parece ser um bom caminho. Mas para que isso não ocorra é preciso olhar para os indicadores de forma séria, profissional e independente e não com exercícios de prestidigitação procurando ler neles o sucesso que, infelizmente, não contêm. E tudo indica que a humildade de reconhecer os fracassos tende a não chegar.
Ajudaria esse trabalho a delimitação do que deve pertencer à política das organizações desportivas do que é marcadamente avaliação técnica. Há uma grande quantidade de questões no âmbito da preparação e do planeamento desportivo em que o único contributo da política das organizações desportivas é a sua sistemática incompetência.
Sem expurgar práticas antigas e perniciosas e sem delimitar objectivos mensuráveis é difícil criar uma base de contratualização entre o Estado e o sistema desportivo e em que as medidas de apoio sejam decididas em nome do interesse da afirmação internacional do país, sem ressentimentos das modalidades menos apoiadas, e na base exclusiva de uma avaliação objectiva e tecnicamente fundamentada dos indicadores desportivos. O que vale por dizer que deveriam começar por ser rejeitados planos que antes de inventariar objectivos competitivos ou fazê-lo de forma difusa são “bem claros” quanto aos recursos financeiros exigíveis. É, uma vez mais, começar ao contrário.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Blatter no Conselho de Ministros

Sexta-feira à tarde o Conselho de Ministros por pouco não era um Conselho de Ministros do Desporto.
Com efeito, como é do conhecimento público, vieram a ser aprovadas as seguintes iniciativas legislativas:

Decreto-Lei que estabelece o regime jurídico das Federações Desportivas;
Decreto-Lei que estabelece o regime de acesso e exercício da actividade de treinador de desporto;
Decreto-Lei que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório;
Proposta de Lei que estabelece o regime jurídico da luta contra a dopagem no desporto;
Proposta de Lei que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
Decreto-Lei que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 315/2007, de 18 de Setembro, que estabelece as competências, composição e funcionamento do Conselho Nacional do Desporto.

Virá agora o tempo da comunidade desportiva – e desta colectividade desportiva – ler os referidos textos. Uns, por publicação no Diário da República, outros mediante a disponibilização no Diário da Assembleia da República.
Por ora, e no desconhecimento das soluções finais recolhidas nos diferentes textos, apenas há a registar o tempo que o Governo consumiu para aqui chegar e as sucessivas manobras de propaganda que levou a efeito anunciando datas, urgências, revoluções e similares.

Recuperemos, a este respeito, parte do que deixámos escrito no Público (de 2 de Novembro).
O Secretário de Estado da Juventude e do Desporto até esteve bem na última previsão, falhadas tantas outras no passado. A 28 de Outubro, referindo-se ao regime jurídico das federações (RJFD), afirmou: "Trata-se de um documento trabalhoso e tem merecido uma reflexão da nossa parte. É um diploma muito importante que não pode ser aprovado de ânimo leve. Um dia destes (será aprovado) ”.
Mas vejamos algo do passado.
A 16 de Janeiro de 2007, é publicada a Lei de Bases, estabelecendo 180 dias para que o Governo a regulamente, incluindo, claro está, um RJFD.
Acabado o prazo, algures em Julho de 2007, o Governo permanecia a labutar num «documento trabalhoso e em diploma muito importante», para não apresentar nada de “ânimo leve”.
No dia 17 de Dezembro de 2007, após 11 meses de suor, um “documento trabalhoso e muito importante”, é entregue ao Conselho Nacional do Desporto (CND): um projecto de RJFD. É razoável pensar que o texto não tenha sido elaborado de ânimo leve, dada a sua importância e o tempo decorrido.
No dia 28 de Abril de 2008, o CND finalizou o seu trabalho e depositou nas mãos do Governo as suas propostas.
Disse então o Secretário de Estado: “Estou muito satisfeito com o resultado final deste longuíssimo debate. Chegar ao fim e ouvir da unanimidade dos presentes que a proposta do Governo é globalmente positiva, significa para mim que o conjunto de princípios que queríamos que fossem a definição deste regime jurídico foram aceites e entendidos"; ”Um modelo novo para o desporto português" e que terá "o texto final pronto muito brevemente";"Agora temos um trabalho a fazer. Pegar na proposta que apresentámos, ponderá-la com as propostas que nos foram feitas, que não incompatíveis com o nosso projecto, e elaborar o texto final". Esperava ter o texto final pronto antes das férias (de Verão)!
Sexta-feira, ou seja, 22 meses depois de aprovada a Lei de Bases, 16 meses depois de esgotado o prazo adequado para a sua regulação e 6 meses depois da reunião do CND, o Governo lá conseguiu fazer aprovar, no seu seio, o RJFD.

Mais preciso foi, faça-se justiça, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Em entrevista a “O Jogo”, no dia 1 de Novembro, Gilberto Madaíl lá foi dizendo o que Laurentino Dias não disse:

“Já tínhamos a obrigação de alterar os nossos estatutos com as regras FIFA. Já nos estamos a adaptar. Temos vindo a adaptar os nossos estatutos ao que deseja a FIFA e o que é a legislação portuguesa. E para quê? Para evitar confrontações. E, por que justo, devo destacar que sempre que a questionamos tem havido da parte da Secretaria de Estado toda a colaboração para um trabalho conjunto. Agora o documento final ainda não foi a Conselho de Ministros. E só depois de publicado em Diário da República é que as federações têm seis meses para adaptar os seus estatutos. A versão final do Regime Jurídico está a ser ultimada e penso que dentro de quinze dias estará pronta.”

Os destaques são nossos e pretendem evidenciar o profundo conhecimento que o presidente da FPF tem do processo legislativo. Mais dão conta, lendo com atenção, quem a final, trabalhou no RJFD e para quem ele se direcciona.
Blatter não esteve no Conselho de Ministros de sexta-feira passada?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A serendipidade de uma boa digestão

"Anuncios sao as unicas coisas verdadeiras que os jornais publicam."
Thomas Jefferson, em carta de 1819 a Nathaniel Macon
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Neste momento histórico da vida americana evoco esta frase de um dos primeiros políticos a terem a noção do papel da comunicação social, não só na informação prestada aos cidadãos, mas também na vigilância sobre os poderes que governam a sociedade - perdõem-me os puristas da língua materna – o que se designa de watchdog role.

A dimensão de vigilância constitui um mecanismo cada vez mais preponderante na afirmação do 4.º poder. Neste contexto o jornalismo de investigação, que ficou célebre em diversos momentos da política americana, assume particular destaque.

Também no actual momento desportivo deste país ocorrem diversas situações, nomeadamente no desporto profissional - ou seja, no sector desportivo comercialmente mais apelativo à comunicação social – que requerem pela sua gravidade uma maior atenção e vigilância jornalística.

Trata-se de informar os cidadãos com rigor, isenção e imparcialidade sobre casos que configuram atropelos aos mais elementares direitos cívicos, normas reguladoras da actividades desportiva e respeito pela dignidade de atletas profissionais, em modalidades como o basquetebol e o futebol, que vão bem além dos problemas salariais que emergem na espuma dos dias. E estas são situações sobre as quais não é necessário ter um grande envolvimento ou proximidade com os actores envolvidos para se ter um quadro de informação mais completo do que aquele que é publicado.

Quem trabalha com o desporto profissional sabe que a relação entre os jornalistas e os clubes se baseia na intermediação da figura do director desportivo, ou no caso de alguns clubes do director de comunicação. Este elemento facilita informações às redacções da vida do clube e proporciona o contacto dos jornalistas com os atletas. Gere assim a agenda noticiosa.

O jornalismo de investigação no desporto é, deste modo, cada vez mais reactivo e menos proactivo. Os jornalistas, por motivos diversos de gestão das redacções, têm fortes limitações para realizarem um trabalho amplo de cobertura jornalística, o qual lhes permita ter uma visão distanciada e plural dos problemas a abordar, recolhendo informações de fontes diversas e assegurando o contraditório. Este tipo de jornalismo não se coaduna com as pressões para concluírem as suas peças. Está fora da voragem noticiosa que dá forma aos nossos dias.
É evidente que a superficialidade como são expostas as noticias condicionam a formação da opinião pública desportiva. E aqui apenas me refiro ao desporto profissional, que, como sabemos, é o mais acolhido – e venal - nos nossos media.

Por outro lado, os agentes desportivos instrumentalizam os media como arma de arremesso para marcarem a sua posição. No desporto, como em qualquer outro domínio social, amiúde se assiste às ameaças de “chamar a televisão” para expor casos menos dignos, ou a convocar uma conferência de imprensa para anunciar mais um “escândalo”, ou ainda a convidar a comunicação social a assistir a um importante “happening” desportivo.

Recolhe-se um punhado de declarações de circunstância, monta-se a peça jornalística e está feito. Passados alguns dias tudo se desvanece e os eventuais casos perdem “interesse jornalístico”. Como diria António Guterres: “É da vida!”. Não há tempo para mais.

Não é por haver cada vez mais informação desportiva, que há uma melhor informação desportiva, e muito menos uma opinião pública desportiva mais informada e vigilante sobre a forma como se (des)governa o desporto profissional neste país.

Não é apenas uma questão de estilo, como recentemente invocou o sindicato dos jornalistas, ou uma perda das grandes referências que criaram muitos dos nossos heróis desportivos como notou António Lobo Antunes numa recente entrevista ao jornal “A Bola”. É um problema de saber o que informar, como informar e a quem informar.

Com a aceleração do tempo e a deslocalização do espaço que dão hoje forma à vida em sociedade, a informação desportiva também se ajustou a estes desígnios e assim chega ao leitor, ao espectador e ao ouvinte um produto noticioso pronto-a-comer. De preferência bem condimentado de emoção e polemica.

Cabe a este assimilar acriticamente o conteúdo que lhe é oferecido ou gastar algum tempo a confrontar, comparar, digerir e reflectir. E, com a devida atenção, verá que, por vezes, e talvez não por mero acaso, se descobrem factos e contradições bem interessantes que merecem ser questionados.

Porque o jornalismo desportivo se pronuncia sobre fenómenos sociais, o jornalista será sempre observador e sujeito no seu próprio trabalho, uma vez que não consegue ter uma perspectiva de completa exterioridade em relação aos factos que reporta, como T. Jefferson salientou. O problema ocorre quando nem se procuram os caminhos e os métodos para o necessário distanciamento e neutralidade, e se toma por adquirido e verdadeiro muito do que se diz sem cuidar de atestar a sua validade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A memória do regime

A tendência natural de quem governa é comparar-se com quem governou. Dizer que fez ou que está a fazer o que os outros não fizeram. E depois esgrimir situações, números e casos que legitimem a vantagem de quem está em relação a quem esteve. É um método que dura algum tempo. Como vive da memória recente tende a perder fulgor à medida que o tempo passa. Uma das formas de prolongar o “estado de graça “-de que conseguimos fazer o que outros não fizeram -é anunciar muitas coisas e ocupar com regularidade o espaço mediático.
Esta fatalidade nacional tem tanta utilidade como comparar o que se está a fazer com o que anteriormente tinham deixado feito. Por uma óbvia razão: o presente pede responsabilidades a quem está, não a quem esteve. E quem esteve já foi avaliado.
Os governos de Durão Barroso/Santana Lopes foram objecto da avaliação em eleições. E os resultados alcançados não deixam margem para dúvidas: foram reprovados de um modo tão claro que deram pela primeira vez a maioria absoluta ao PS. Defender a política desses governos derrotados será um exercício que porventura os visados serão tentados a fazer. Mas se o fizerem significa que pouco aprenderam com a situação. Mas os que ganharam também não podem cair no erro primário de pensarem que quem governa não tem passado. E que parte desse passado não foi derrotado nas urnas pelos que lhes sucederam. Se o método é o de regressar ao passado não se pode ser acometido de uma amnésia selectiva sobre a memória do regime. Lembrar o que convém; silenciar o que não é oportuno.
A política desportiva não é excepção e vive circunscrita a lógicas de exercícios daquele tipo. Por debilidades próprias, por ausência de tradição de debate político, por excesso de pessoalismo. O debate sobre as politicas é empurrado para exercícios que servem para alimentar pequenas polémicas e desamores pessoais que não ultrapassam o círculo restrito dos envolvidos. Os que estiveram, os que saíram e os que regressaram.
O que se passa no âmbito das organizações desportivas também não é brilhante. Habituadas a posicionamentos reactivos - quando estão em causa financiamentos públicos ou o aumento dos poderes de regulação pública - estão sem agenda política, sem propostas para o pais desportivo e completamente enquistadas - por opção ou por ausência - às politicas públicas. O que não é bom nem para quem governa. O país só beneficiaria se o tónus associativo fosse mais activo e menos “acrítico”.A vontade de perpetuação das lideranças associativas, a ausência de vontade de renovação - para além da que vier a ser imposta por via normativa - revelam que o movimento associativo vive bem com o que tem e com o modo como é dirigido. E assim será enquanto o financiamento público não “mexer” com o “status quo”.
O debate e o contraditório político precisam de se ancorar em matrizes ideológicas e doutrinárias que consubstanciem modos diferentes de pensar e de governar. Para que a governação mais do que alternância entre os protagonistas habituais se possa transformar em alternativa. O que vale tanto para quem governa, como para quem pretende governar. Mas ajuda a essa construção perceber que a critica a quem governa não tem necessariamente que ser a defesa de quem governou. Ou que pretende vir a fazê-lo. Convém lembrá-lo aos neófitos do debate político e àqueles cuja “politização” obedece a um regime acelerado de formação “clubística”: ou se é de uns ou de outros!