quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O «inclusivês»

Novo texto de Luís Leite

Na sequência de alguns textos disponibilizados nesta “colectividade” que referiam, com alguma frequência, o termo “inclusão”, tanto numa abordagem estratégica sócio-desportiva como sócio-educativa (julgo), não posso fugir a deixar aqui a minha opinião sobre o tema.
Devo antes de mais esclarecer que os contextos vivenciais e experiências em que me baseio, para as minhas conclusões, são ou foram retirados da prática profissional como ex-atleta, arquitecto, professor e dirigente desportivo. Não se trata aqui de transformar preconceitos em convicções. O que escrevo é resultado, insisto, de uma experiência vivida diariamente.

Aquilo que se pretende, numa terminologia esquerdista ultrapassada (mas, pelos vistos com plena actualidade e vigor) com o conceito social de “inclusão”, não é mais do que a assumpção pelo(s) Estado(s) de que os problemas sociais se resolvem com estratégias em que interagem dois tipos de personagens: o “inclusor” e o “inclusível”.
Parte-se assim do pressuposto de que existe uma matriz social teoricamente perfeita e politicamente correcta a que todos os “inclusíveis” ainda não incluídos acabarão necessariamente por aderir, por acção dos agentes “inclusores” (professores, treinadores, psicólogos, etc.), mesmo quando aqueles, teimosamente, não estão, declaradamente e livremente para aí virados.
É aqui que supostamente entram em acção os inclusores “Escola” e “Desporto”, entre outras instituições ou actividades benévola e cientificamente persuasivas, que supostamente arrastarão os inevitavelmente “inclusíveis” para a plena “inclusão”.

O que a minha experiência me diz é que a integração social só é possível quando os “inclusíveis” querem ser incluídos/integrados.
Tanto nas escolas como no desporto, sempre existiram jovens que aceitaram o cumprimento de regras como uma forma natural de se sociabilizarem. Mas também sempre houve e haverão jovens que, por mais que se experimentem estratégias de integração, não aceitam, de forma alguma cumprir regras e praticam crimes de forma continuada e sistemática.

A praxis sociológica socialista/europeísta, dominante e politicamente correcta transformou estes “inclusíveis” em vítimas da sociedade. E esqueceu-se dos primeiros, que são as verdadeiras vítimas da delinquência dos segundos e não têm protecção nem da polícia nem da Justiça.
Na maioria das escolas reina hoje o bullying, com diversos níveis de selvajaria, que vão da intimidação à agressão física permanentes.
Os coitados dos “inclusíveis” (que não querem ser incluídos) fazem o que lhes dá na cabeça com total impunidade e as verdadeiras vítimas têm que aguentar porque aqueles não podem ser “excluídos”.
No desporto, sobretudo no Futebol, é bem visível como esta tolerante sociedade aceita as inacreditáveis claques e a sua violência tribal como sendo apenas grupos de “inclusíveis” que ainda não estão incluídos. Tudo muito natural.

Enquanto o entendimento da natureza dos papéis sociais se mantiver invertido e os conceitos de “bem” e “mal” continuarem relativizados, nunca sairemos deste paradoxal ambiente social inseguro e injusto que, mais cedo ou mais tarde acabará por nos vitimizar a todos, incluindo os teóricos da “inclusão”.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Três anos

A Colectividade Desportiva teve um início atribulado, à semelhança daqueles cidadãos cujo registo não corresponde à data de nascimento. Como revela um dos associados fundadores: "No rigor das coisas, foi na tarde de 27 de Outubro de 2007 que, com um texto da Maria José de Carvalho, se abriram as portas da Colectividade Desportiva."

Prestes a completar o seu terceiro ano de vida - tomando como data de registo aquele dia do mês de Outubro - este espaço da blogosfera atingiu a maturidade. Os vários indicadores disponíveis assim o atestam. Mas, mais importante, tem sabido afirmar-se como um espaço de debate livre e plural sobre uma paixão por todos partilhada, mantendo-se fiel ao seu projecto editorial:

" (...) somos uma colectividade desportiva. Mas não somos – como nenhuma colectividade, de qualquer tipo, o não deve ser – um corpo fechado, de pensamento unitário, falando a uma só voz e percorrendo trilhos de olhos vendados. Cada um de nós – e todos aqueles que connosco entenderem partilhar o seu pensamento e expressão – tem o seu olhar sobre o desporto. Um mirar que nos diferencia e que, certamente, divergirá de outros olhares sobre o desporto, públicos ou privados, institucionais ou individuais. Não são olhares que procuram estabelecer certezas, nem que se arrogam da capacidade de dominar toda a montanha. São tão-somente, alguns olhares sobre o desporto."

Este é, e continuará a ser, o cartão de visita que o leitor poderá contar ao chegar à Colectividade Desportiva.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O nó do problema

O Orçamento de Estado para 2011, qualquer que seja a versão final que venha a ser aprovada, constitui uma alteração muito significativa em todos os sectores da economia nacional seja ela pública, privada ou associativa. E, como é natural, esses diversos sectores procuram avaliar o impacte das medidas propostas e bem assim os cenários possíveis num quadro de previsível recessão da economia. Diariamente a comunicação social dá eco dessas preocupações. Passa-se alguma coisa com o desporto? Estão avaliados as consequências do aumento significativo dos bens e serviços que estão a montante da produção desportiva? Qual a redução previsível da despesa das famílias na aquisição de bens e serviços desportivos? Qual o impacte na economia das organizações desportivas de uma aumento do custos de produção? E com os quadros competitivos em matéria de despesas com deslocações e viagens? E mesmo que os apoios públicos não tenham decréscimos significativos como compensar ao aumento da inflação e o aumento do imposto sobre o consumo? E o aumento das taxas para a segurança social a serem suportadas pelas entidades empregadoras? E o previsível decréscimo no apoio das empresas? E das autarquias face aos limites de endividamento e às reduções em transferências do OE? O acréscimo de custos tem modo de ser compensado com os proveitos estimados? Seria natural que nesta altura as organizações desportivas, e designadamente as estruturas de topo, estivessem preocupadas e a trabalhar nos diferentes cenários para enfrentar esta nova situação. Pode ser que estejam. Mas se estão é em silêncio.
Não se trata, sequer, de polemizar com o governo. O problema não é do governo. É do país e do desporto. E com este ou outro governo a situação não seria substancialmente diferente. De resto, basta estar atento e ler a opinião de quem tendo filiações e militância politicas distintas das do governo e até responsabilidades anteriores no sector, para perceber que não há oposição, não há politicas alternativas com soluções de distintas, não há uma ideia diferente daquelas que são apresentadas pelo governo. O que não é uma coisa natural. Mas é o estado lastimoso a que se chegou.
A democracia faz-se de confrontos de ideias e de projectos E no caso português só o governo e partido que o apoia apresentam ideias e projectos. Esse mérito tem de ser reconhecido. O problema é que esse mérito esconde um demérito. Que o governo não tem culpa.O drama deste país é que o governo pensa e não há no movimento desportivo, nos partidos políticos ou nas organizações civis quem tenha capacidade para pensar diferente. O que é mau para quem governa, é mau para quem um dia quer governar e é péssimo para quem é governado. Culpar aos políticos e as suas organizações é sacudir a àgua do capote. Então numa situação como a que estamos a viver os representantes das organizações desportivas não deveriam estar, desde já, na posse de elementos de trabalho que permitissem avaliar as consequências de uma crise tão profunda e que inevitavelmente irá afectar as suas organizações? Estando a sociedade portuguesa perante um tão significativo cenário de mudança as organizações desportivas não precisam de se adaptar a essa mudança? Ou o que se está a passar é indiferente nos rumos do desporto nacional? Onde está a massa critica das organizações desportivas e dos actores sociais e políticos?

domingo, 24 de outubro de 2010

Desporto e inclusão social. Quais as políticas?

Como gerir políticas sociais estáveis e duradouras em ambientes socioeconómicos voláteis e complexos? Ao longo de décadas, várias têm sido as “receitas” para responder a esta questão.

Enfocando a análise nas políticas locais de desenvolvimento e inclusão social em contexto urbano ,o desporto é invocado, não raras vezes, como um importante instrumento de acção neste âmbito. A “dimensão social do desporto” surge, inevitavelmente, no discurso de vários actores, quando se pretende operar naquele domínio.

Mas qualquer sociólogo sabe da extrema dificuldade em aferir o valor social de uma política pública, muito mais intangível, por exemplo, do que o valor económico - já de si difícil de medir.
Com efeito, o valor social entregue à comunidade por iniciativa pública através de políticas desportivas passa por diagnosticar o real potencial desta sua dimensão social em qualificar grupos em risco de exclusão e conferir-lhes as competências adequadas. E este é um processo, árduo e longo, de investigação-acção que exige uma abordagem no terreno de permanente ajustamento e interdisciplinariedade com outras áreas relevantes (educação, cultura, acção social, etc.). O simples envolvimento em momentos de prática desportiva não é, só por si, - qual fenómeno de geração espontânea - um factor promotor de integração social. Por vezes pode até constituir um elemento adicional de marginalização.

Num período de crise económica o apelo demagógico aos laços comunitários e solidários faz prosperar esta perspectiva capciosa de valorização social através do desporto, ou do activismo físico tão em voga - quais Midas -, e estimula projectos e iniciativas desportivas propagandísticas, panfletárias e festivaleiras, mas inócuas na qualificação cívica de segmentos marginais da comunidade local, à medida que contribuem para debilitar o desporto de base - elemento mediador cujo envolvimento é crucial para se aceder a essas franjas - por força das acções avulsas, mediaticamente compensadoras mas desportiva e socialmente desastrosas, que comportam este tipo de estratégias (?) amiúde financiadas por fundações ou empresas privadas, na sua esfera de (i)responsabilidade social.

Ainda que provenham de onde menos se podia esperar, não são apenas estas as barreiras que impedem o desporto de base de desenvolver o seu potencial na esfera social e a comunidade local de capitalizar os enormes benefícios gerados pelo trabalho que aí se produz numa base voluntária, particularmente junto de segmentos populacionais prioritários.

Ao terminar o Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social e iniciando-se no próximo o Ano Europeu de Voluntariado surgem na União Europeia várias iniciativas sobre o papel da política desportiva da UE e sua orientação estratégica ao nível da inclusão social, num momentum que também passou pelo nosso país.

A presidência belga - país onde convivem duas realidades socioculturais distintas - atribuiu prioridade a estes temas na sua agenda para o desporto, desde logo nos trabalhos preparatórios ao nível dos directores gerais, e organizou uma conferência sobre a promoção da participação desportiva através de iniciativas políticas municipais, especificamente destinadas a grupos sociais em risco de exclusão, da qual saiu um conjunto de recomendações políticas para a reunião informal de ministros europeus responsáveis pelo desporto cujos tópicos se discutirão na reunião do Conselho da UE para o desporto a ter lugar no próximo dia 18 de Novembro em Bruxelas.

O facto do desporto de base e o seu valor social figurar na agenda institucional dos decisores políticos é o corolário de vários momentos políticos - do Parlamento Europeu e das mais relevantes instituições parlamentares dos Estados-membros - no decorrer do roteiro para avaliação do impacto da implementação das disposições do Tratado sobre o desporto, os quais não podem ser ignorados quando a Comissão apresentar, no próximo dia 10 de Novembro, as suas prioridades e o programa da UE para o desporto a partir de 2012.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O ADoP 2

Deixámos aqui algumas palavras sobre um segmento bem particular do «Caso Carlos Queiroz». Em breve, este caso colocou em cima da mesa a própria concepção administrativa de uma entidade pública com competências acrescidas no âmbito da luta antidopagem.
Na verdade, a vida – sempre bem agreste à formal realidade plasmada nas normas jurídicas –, veio a determinar uma situação de impedimento legal para o presidente da ADoP.
E, nesse exacto momento, colocou-se a questão da sua substituição.
A final do nosso texto questionávamos se Laurentino Dias iria homologar o parecer urgente que solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, sobre a legalidade da substituição daquele agente público pelo presidente do IDP.
O mesmo é dizer, em rectas contas, se a decisão punitiva da ADoP, da autoria daquele último era legal, por provir de agente público dotado de competência para tal.


No passado sábado o Expresso noticiava (Laurentino Dias esconde parecer da Procuradoria) que “o secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, tem fechado a sete chaves, desde 30 de Setembro, um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) relevante para saber se a suspensão de seis meses a Carlos Queiroz, dada pela ADoP, foi legal. Em causa está a forma como se procedeu à substituição do presidente da ADoP”.
Por outro lado, “fonte do gabinete de Laurentino Dias disse ontem ao Expresso que “não há nenhum comentário a fazer” e que “o documento não é público”.

Sejamos claros.
Nenhum membro do Governo se encontra juridicamente vinculado a homologar um parecer que tenha solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Pode até, inclusive, tal parecer traduzir uma leitura errada das normas legais que suscitaram dúvidas ao governante.

Mas, se dúvidas existiam e por isso se solicitou o parecer, há pelo menos um comando ético-político que impõe a homologação das conclusões de qualquer parecer solicitado àquele que passa por ser o único órgão consultivo público (de vocação geral), restrito à matéria jurídica, do Governo.

Caso contrário, ou não se tem dúvidas – e não se pede o parecer – ou tendo encarrega-se um escriba de serviço para elaborar informação jurídica interna favorável ao que se pretende ou, numa terceira hipótese, «encomenda-se» um parecer externo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Formação do jovem praticante

Quem ensina o desporto às crianças e aos jovens? A pergunta pode parecer descabida. Mas nada se perde em ensaiarmos as respostas. O ensino do desporto, através das diferentes modalidades desportivas é realizado pelas escolas e pelos clubes. E por outras entidades públicas e privadas. O ensino da natação ou do futebol, por exemplo, pode ser encontrado em programas escolares e em serviços de clubes, municípios e entidades empresariais privadas. Mas se quisermos procurar o ensino da esgrima dificilmente o encontraremos fora da estrutura associativa. Ou o hipismo na estrutura associativa e privada. Com excepção, em ambas, do ensino publico militar. Os exemplos podem multiplicar-se e revelarão um elevado grau de diferenciação no modo como as modalidades desportivas encaram o problema da respectiva aprendizagem técnica.
Num quadro tão díspare quem assegura a qualidade dessa formação? A resposta tem sido encontrada através da certificação dos agentes de ensino (professores, treinadores, etc.) Supostamente, essa certificação, garante a respectiva qualidade. É o caso da licenciatura em educação física e desporto e dos diferentes graus de qualificação de treinadores desportivos.
Qual o balanço que é feito desta qualificação? Garantem as diferentes formações em educação física e desporto (existem cerca de meia-centena) as necessárias competências para o efeito? As alterações produzidas no âmbito da formação de treinadores serão suficientes para garantir a respectiva qualidade formativa?
Estes temas não parecem estar na primeira linha das preocupações de quem gere as modalidades desportivas. Mesmo sabendo-se que, em parte, a qualidade dos agentes de ensino determinará em muito a qualidade dos praticantes. Durante décadas esta foi uma frente de batalha de técnicos desportivos oriundos da formação superior em desporto e com forte ligação às modalidades. Mas uma batalha que para ser vencida carecia de um adequado envolvimento dos dirigentes. Que deveriam olhar para a formação dos técnicos como um elemento critico para qualificação das respectivas modalidades e não apenas como um negócio em que se transformaram muitos dos cursos “formação “.
Nesta matéria não se pode invocar apenas as responsabilidades do Estado. Elas existem, é certo. Patentes no laxismo irresponsável que permitiu o aparecimento de formações superiores em educação física e desporto sem a garantia de adequada qualificação científica (e muito para além da empregabilidade necessária…). No atraso de um novo regime de formação de treinadores que os actuais responsáveis políticos de algum modo resolveram. Mas também é justo que se reconheça que se há sector da administração pública desportiva que tem um histórico de elevada credibilidade e competência é o da formação. Sobreviveu sempre às alterações governativas e de liderança interna e manteve, ao longo dos anos, um acervo de competência que é da mais elementar justiça reconhecer e louvar.
Só que o desenvolvimento das práticas do desporto e a entrada no sistema de novos actores (públicos e privados) alterou significativamente o modelo existente e colocou questões novas que carecem de ser objecto de abordagem. E que incluem não apenas a formação dos agentes de ensino/treino. Mas o próprio modelo técnico da formação do jovem praticante, todo ele construído num mundo que é hoje diferente. Um modelo que se não pode limitar às aquisições motoras de tipo técnico ou táctico mas que se tem de centrar no lugar que o desporto deve assumir na vida de um jovem e no tempo que ele está disponível para lhe dedicar. O abandono desportivo precoce, matéria pouco estudada entre nós, tem no modo como é feita a formação do praticante um dos seus elementos explicativos. Não o único. Mas um elemento a pesar.
Qualquer que seja o modelo dessa formação desportiva as práticas recreativas são o terreno essencial quer à progressão técnica, quer à fixação dos jovens nas modalidades. E um pressuposto à orientação e especialização desportivas. Uma matéria, de resto, abundamente documentada por quem neste país tem estudado e publicado sobre a formação dos jovens praticantes. E uma responsabilidade,não nos cansamos de repetir ,de quem dirige as modalidades: as respectivas federações.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Anestesia e Humilhação

Faz muito tempo que não me apetece falar ou escrever sobre desporto e, muito menos, sobre futebol. O leitor já reparou, com certeza, nisso. Aparentemente ando totalmente arredio dessas matérias. As minhas preocupações fundamentais são outras, embora cruzem e penetrem, de vários e determinantes modos, o panorama desportivo, o entendimento do seu papel, da sua função e configuração.
O país e os pilares da vida social e moral desabam, com um clamoroso fragor, à nossa volta e em cima de nós. A democracia - melhor dizendo, este modelo de democracia - desmorona-se e conhece um impensado final de amargura, desilusão e traição. A decência, a ética e a coragem afundam-se no pasmo, na inanição e demissão. A política – a mais nobre das actividades humanas – vai a enterrar, coberta pelo espesso e escuro manto do desencanto, fado e tragédia. A inteligência, a lucidez e a razão mancomunam-se com a falta de escrúpulos, com a vilania e com o oportunismo. As instituições estruturantes da nação entregam-se à cobardia e à cumplicidade do silêncio. O decoro e a dignidade estão a saque. Os cidadãos laboriosos, sujeitos de um trajecto honrado e limpo, vêem-se vilipendiados e espoliados dos seus mais legítimos direitos; são assaltados e ofendidos nas suas mais fundadas aspirações e convicções. Estão entregues à sua desdita, isto é, são vítimas da insaciável e obscena súcia com rédea solta no ambiente de crepúsculo e escuridão que nos encobre a esperança e dificulta os passos.

Perante isto, como poderia eu ter a vontade disponível para me entregar a laborações sobre o desporto? Não estaria a alinhar com a monstruosa campanha de anestesia e alienação, de humilhação e manipulação, a que tem sido submetido o país?
Tenho memória viva dos tempos anteriores a esta decrépita democracia. Recordo bem a irrespirável atmosfera do salazarismo e do marcelismo. Mas não me lembro de dias tão insuportáveis e injustificados como os que estamos a viver. Os de outrora, por mais negros e angustiantes que fossem, faziam parte da ditadura. Os de hoje enquadram-se no quê? Pode chamar-se ‘democracia’ a esta teia que nos aprisiona? O ar fétido, que agora se respira, obriga-nos a concluir que o regime ou modelo de democracia ‘vigente’ atingiu o estado de putrefacção.
Alguma vez no passado se assistiu a uma ‘futebolização’ anestesiante do país como a que está sendo levada a cabo nos canais televisivos pela profusão de programas tresloucados e comentadores ensandecidos? Alguma vez no passado fomos tão intoxicados nos jornais e canais de rádio e televisão, durante meses a fio, repetida e incessantemente, por propagandistas e representantes das corporações e interesses em alta, visando domesticar-nos e conformar-nos à demissão e resignação e à aceitação passiva de tudo quanto convém à engorda das hipócritas, excelentíssimas e dinossáuricas sanguessugas que colocam o mundo de rastos? As renomadas criaturas mediáticas são ou visam tornar-nos mentecaptos, idiotas, de raciocínio e pensamento infantilizados? Estão ao serviço do quê e de quem? Como são brilhantes no ofício que lhes incumbe desempenhar no funcionamento e na preservação do polvo!

Creio mesmo que o governo é sincero, ao afirmar que se vê obrigado a abandonar o seu programa e a obedecer à agenda e aos ditames dos mercados. Não duvido que assim seja; outra coisa não seria de esperar dos elementos que o integram e das forças e associações, conhecidas ou secretas, confessas e inconfessas, ocultas e travestidas, que muitos deles representam. Só que não é constrangido a isso. Pelo contrário, é hábil, certeiro e prazenteiro na obediência. Obviamente! É para isso que está em funções; não é para defender o estado social e os direitos inalienáveis de quem trabalha.
Cortar nos vencimentos e aumentar os horários e anos de trabalho certamente torna as empresas mais competitivas. Não há dúvida de que assim é. Então, se os empresários não pagarem a matéria prima, os custos da produção ainda serão mais baixos e os lucros acrescidos! É isto que conta; é este o grande e nobre objectivo que propagandeiam e nos tentam impingir até à náusea. É esta a noção de salvação nacional e de dever patriótico que espalham aos quatro ventos. Que abdiquemos do que nos pertence, nomeadamente da dignidade que nos funda e institui como seres humanos.
Vamos portanto aceitar, de bom grado, de cara alegre, de riso aberto e franco, de coração exultante e consciência aquietada, que os abutres se apoderem de parte significativa do resultado do nosso esforço e suor, do investimento sério de uma vida custosa, de rigor, trabalho e sacrifício, pautada pelo apego a princípios e valores, pela observância de normas e regras. Sim, vamos aceitar tudo isto, não porque o nosso continuado sacrifício reverta a favor da saúde da nação, mas sim para alimentar e sustentar a infame orgia e o apetite voraz dos figurões do mercado financeiro e dos seus acólitos, porta-vozes e paus-mandados. A anorexia ética e estética tomou-lhes conta do coração, da consciência e da alma, enquanto a obesidade lhes cresce nos olhos, nas ambições e nos sentimentos. A sua gula é extremamente selectiva: a pança relincha de contentamento se estiver empanturrada de carne humana, do pão e das aflições dos outros. É este o seu alimento preferido.

Não há heroicidade bastante para suportar este clima de insegurança, tristeza e pavor. Infelizmente a emigração está fora de propósito, quer pelas restrições a que está sujeita, quer pelos imperativos de cidadania e humanidade que nos intimam à resistência, aqui e agora, como uma obrigação incontornável.
Uma reflexão empenhada e comprometida acerca da conjuntura que estamos a viver traz-me à lembrança esta interessante formulação do escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910): “O homem que é pessimista antes dos 50 anos sabe demasiado; o que é optimista depois não sabe o bastante”.
Mais, ser pessimista nesta hora é um irrevogável mandamento cívico; é sobretudo posicionar-se a favor daquilo em que se acredita e não tecer loas ou ceder àquilo que nos oprime. Revejo-me em José Saramago: “Os únicos interessados em mudar o mundo são os pessimistas, porque os optimistas estão encantados com o que existe.
Não sou um pessimista, mas antes um optimista bem informado
”.
É isto que pretendo ser e peço aos leitores para serem: um optimista bem informado e determinado.
Enfim, esta não é a ocasião mais indicada para discutir desporto e pactuar com as aleivosias do futebol e dos seus ‘homens’, caciques e mensageiros. Não dou para o reino da bola, para a importância insana que lhe é atribuída, para os despautérios que o povoam, para os espertalhões e oportunistas, demagogos e vigaristas que nele medram e vegetam, para os proventos imorais que os seus agentes auferem, para a cegueira e obnubilação dos seus adeptos. Que a Selecção ganhe, que Mourinho triunfe, mas que me deixem em paz! Não estou para aturar as permanentes masturbações e orgasmos que uma e o outro geram; não suporto a sua constante presença nos media e a invasão da minha privacidade, sobretudo pela perturbação que isso acarreta à ponderação das asfixiantes, pesadas e gravosas atribulações resultantes das inaceitáveis circunstâncias.
Não escrever ou falar de desporto e futebol é uma forma de protesto consciente e esclarecido. É sobre a vida, a sociedade e o Homem que, sempre e particularmente nesta altura, importa reflectir. As causas e os fins vêm primeiro; os meios e os instrumentos vêm depois.
Que modelo de vida, de sociedade e de Homem inspiram os reformistas? Que grandezas, padrões e referências civilizacionais nos impõem? Para onde vamos? Para onde nos levam?
Ao ver um mineiro, pouco mais do que analfabeto, liderar e conduzir para a vida um grupo de 32 colegas, soterrados e praticamente condenados à morte durante 69 dias, não posso deixar de olhar com pouco apreço os emplumados e tão cantados líderes que nos arrastam para o aviltamento, o definhamento, a míngua e a destruição.
Tenhamos um assomo de nobreza e coragem e ousemos libertar-nos do pântano da imundície em que se exibe e compraz esta casta de gente sem carácter e sem vergonha. Sob pena de sermos lama do mesmo atoleiro, trampa da mesma cloaca.

domingo, 17 de outubro de 2010

Afinal há dinheiro público na Parkalgar, e muito…


No recente XI Congresso da Associação Portuguesa de Gestão do Desporto, no fim de uma prelecção intitulada "Modelo de Gestão do Autódromo Internacional do Algarve", questionei o prelector acerca dos eventuais financiamentos públicos e parcerias público-privadas para a existência e o funcionamento desta infra-estrutura. Prontamente me foi respondido que não existiam apoios públicos a não ser os que advinham de candidaturas aos programas comunitários. Não era o momento para contraditar o prelector, contudo, agora e no seguimento de textos anteriores deste blogue apenas quero sublinhar que efectivamente há dinheiro público e muito para ao Autódromo Internacional do Algarve. Basta consultar o Despacho do Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e do Desenvolvimento que considera o projecto da Parkalgar de grande relevância para a economia nacional e reúne as condições necessárias à concessão de incentivos financeiros previstos para os grandes projectos de investimento ou então o Contrato-programa de desenvolvimento desportivo celebrado entre o Instituto do Desporto de Portugal, IP e a Parkalgar.


Mudando completamente de assunto, permitam-me a seguinte observação:
Depois de procurar alguma informação na imprensa desportiva acerca de mais uma iniciativa da Associação Portuguesa Mulheres e Desporto, o Seminário Treinadoras: Dirigir novos desafios, realizada ontem, 16 de Outubro, no Centro Cultural de Belém, nada encontrei. Já não me espanto, apenas constato que a matéria “Mulheres e Desporto” continua a merecer a indiferença geral.
Registo com agrado que, pela primeira vez em 42 edições do mundial de ginástica artística (!!), Portugal está representado simultaneamente com equipa feminina e masculina (respectivamente 2 e 7 participações até à presente data). Há 23 anos que não havia um colectivo de seis raparigas nesta competição internacional, mas mesmo assim antevejo comentários arrasadores e desprezíveis nos próximos dias a julgarem os modestos resultados desportivos que este colectivo eventualmente alcançará.

São mais que muitos, e bem evidentes, os indicadores da insuficiente representatividade das raparigas e mulheres no cenário desportivo nacional e internacional (nos diferentes níveis de participação, sejam praticantes, treinadoras, dirigentes ou árbitras/juízas). Contudo, a estratégia, as políticas e as medidas para, paulatinamente, se superar este lastimoso estado são praticamente inexistentes, mas a este assunto voltarei em breve.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Utilidade das organizações desportivas

Os tempos correm e os recursos - especialmente os financeiros e económicos - começam cada vez mais a diminuir. Face a estas dificuldades, para além das que sempre existiram como a falta de orientação estratégica ou até existencial, para lá dos recursos humanos descontextualizados, e outro tipo de dificuldades, a temática da razão de existência de inúmeras entidades desportivas (e não só, atenção) volta a ter uma razão de existir.

Observamos os seus papéis sociais e desportivos, comparamos planos, acções, movimentos, estratégias, cruzamos informação, focamo-nos nas pessoas e não nos seus propósitos, escondemos informação e distribuímos um mapa pensando que tal significa o seu território. Sempre foi tempo de pensar a distribuição de funções, tarefas e razões de (in)existência dos Institutos, Fundações, Confederações, Comités, Associações, etc.

A identidade das organizações reúne vários itens: cultura de acção, história, visão, missão, procedimentos e valores de actuação. Os tempos modernos e as suas 'regras' de actuação convidam as organizações a alterarem procedimentos, formas de estar e viver. Convidam ou forçam, a mudança torna-se um sinal natural e/ou de segmentação. Será desta que alguém de direito (e deveres) se debruçará para a não convergência de todas as organizações desportivas em prol de uma só estratégia?

Deveremos continuar a multiplicar papéis, subverter o papel dessas mesmas organizações, competir entre elas para os mesmos fins? Gastar e investir recursos para os mesmos fins, com tanta tarefa que vai a meio ou nunca foi mesmo iniciada? Não seria mais simples, entre todos, federações e associações incluídas, decidir quem ficaria com o papel formativo, do associativismo, coordenação do desporto autárquico, competitivo, representações internacionais, diálogo com as federações, conselhos que não se atropelem, focar as populações especiais, etc?

Observar a forma como o desporto em outros países está distribuído e organizado seria um bom exercício. Existem exemplos para quase todos os gostos, e mesmo um País como Itália, que pode ser sempre 'acusado' de possuir também os nossos hábitos latinos, está organizado de uma forma bem mais realista e operacional, em que pelo menos, existe uma entidade que implícita ou explicitamente, assume a coordenação e a última tomada de decisão.

Em Portugal, tal como as várias intervenções que são feitas - por exemplo - nos passeios da rua, uma vez para a electricidade, outra vez para a água, outra para a Zon ou a Meo, etc, mas nunca ao mesmo tempo para se poder distribuir as tarefas pelo tempo e proporcionar sempre tarefas aos trabalhadores, mesmo que isso implique a destruição do passeio vezes sem conta. O sistema desportivo é semelhante, proporciona e cria as mesmas tarefas e funções multiplicadas por diversos, para sustentar verbas a serem gastas por diferentes territórios pessoais e egos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Conceito e política

Registemos o óbvio: o tempo de lazer pode ser ocupado com práticas desportivas. E essas práticas podem ser formais ou informais. E quer umas, quer outras podem ser competitivas. E podem ser organizadas sobre a égide de federações desportivas ou de outras entidades. As consequências desportivas são no entanto distintas. Se essas práticas decorrerem sobre responsabilidade de uma federação desportiva o resultado das competições inscreve-se na lógica institucional dessa federação. E se essa federação estiver titulada como de utilidade pública desportiva é-lhe reconhecido o direito, não de exclusividade de organização de competições nessa modalidade, mas de exclusividade de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública para essa modalidade. Pelo que só os resultados dela inferidos são reconhecidos pelos poderes públicos. O torneio de futebol do CIF é uma competição formal que decorre de acordo as leis e regras do futebol mas a competição e os seus resultados não ultrapassam o âmbito da entidade organizadora e os que nela participam. Distinta é uma mesma competição organizada pela FPF.
O conceito de áreas ou disciplinas de lazer é um equívoco se pretende distinguir esta ou aquela dimensão das práticas desportivas. Porque a única distinção que produz é de que as práticas desportivas se inscrevem num tempo de não – trabalho. Mas não classifica as práticas desportivas que aí decorrem. E por isso “desportos ou disciplinas de lazer” é um conceito vulgarizado mas de pouco rigor conceptual. È a um conceito sociológico (lazer) que não categoriza a dimensão de um prática desportiva (competição/recreação).
Todas as práticas desportivas foram originariamente modalidades de uso do tempo livre. O seu crescimento e desenvolvimento estão, de resto, associadas a dinâmicas sociais onde o aumento crescente do tempo de lazer, como utilização do tempo livre, é um elemento determinante. A passagem para o tempo de trabalho, ou seja, a sua profissionalização ocorreu posteriormente. E com graus e formas muito distintas entre as várias modalidades desportivas. Mas há modalidades cujas práticas competitivas se inscrevem claramente em tempos de lazer.E cujas federações recolheram, e bem, o estatuto de utilidade pública desportiva.
O desporto desenvolveu-se mais rapidamente do que os seus tradicionais locais de produção. Demonstrou ser possível existir à margem dos seus protagonistas tradicionais. As indústrias do tempo livre e a comercialização do lazer introduziram dinâmicas novas em praticas que nasceram fora desses contextos. E procuram concorrer, em algumas disciplinas desportivas, com as federações das respectivas modalidades.
O desenvolvimento da prática desportiva deve ser inclusivo. Desenha-se a partir de modelos, uns paralelos, outros alternativos aos modelos tradicionais, os quais assentaram, por exclusivo, no movimento desportivo associativo. Mas não deve excluir o modelo tradicional. Esta constatação obriga a repensar toda a leitura que se tem feito do sistema desportivo, com óbvias consequências ao nível das políticas de desenvolvimento.
Se o direito ao desporto é um direito de todo o cidadão, as suas condições de acesso e de prática não podem ser necessariamente medidas apenas pelas formas tradicionais de representação associativa. Mas também não podem ser penalizadas por esse facto. Pelo contrário: devem ser estimuladas e apoiadas. Pela importante razão de que alargam a base dos praticantes.
Aceitar a incorporação no sistema desportivo federativo de novas formas e modelos, de novas populações, de outros interlocutores, de diferentes formas de representação desportiva é um sinal de progresso e democratização do desporto. De desenvolvimento do sistema desportivo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Qual a evolução do desporto olímpico portugês?

Novo texto de Luís Leite.

Para se ter uma noção da pobreza relativa do nosso desempenho olímpico (considerando apenas os Jogos de Verão) e de que a situação praticamente não evoluiu com os regimes políticos, ou seja, pouco ou nada dependeu das políticas ou da falta delas, meditemos no seguinte e depois comparemos com o caso espanhol.

Portugal
Medalhas obtidas antes do Estado Novo:
(Jogos de 1924 e 1928)
Total: 2
Média: 1 medalha

Medalhas obtidas durante o Estado Novo:
(Jogos de 1936, 1948, 1952, 1964, 1968 e 1972)
Total: 5
Média: 0,83 medalhas

Medalhas obtidas após o 25 de Abril:
(Jogos de 1976, 1980, 1984, 1988, 1992, 1996, 2000, 2004 e 2008)
Total: 15
Média: 1,67 medalhas

Sendo as probabilidades de obter uma medalha muito semelhantes, independentemente de ser ouro, prata ou bronze, pode concluir-se que o acréscimo de sucesso conseguido com a democracia é muito reduzido. Apesar de a média ter duplicado dos tempos da Ditadura para os da Democracia, o número médio de medalhas continua a ser muito escasso para uma nação com mais de 10 milhões de habitantes.

A verdade é que Portugal nunca conseguiu mais que 3 medalhas nuns Jogos Olímpicos e em apenas duas ocasiões: Los Angeles (1984) e Atenas (2004), sendo a média geral das participações olímpicas 1,29 medalhas por cada edição.

Espanha:

Medalhas obtidas antes da Ditadura:
(Jogos de 1900, 1920, 1924, 1928 e 1932)
Total: 5
Média: 1 medalha

Durante a Ditadura:
(Jogos de 1948, 1952, 1960, 1964, 1968, 1972 e 1976)
Total: 6
Média: 0,86 medalhas

Medalhas obtidas em Democracia:
(Jogos de 1980, 1984, 1988, 1992, 1996, 2000, 2004 e 2008)
Total: 102
Média: 12,75 medalhas

Mesmo dando desconto de a Espanha ter organizado os Jogos de 1992 (Barcelona), onde fez enormes investimentos e ganhou 22 medalhas, veja-se as semelhanças entre os dois países (antes da implantação do regime democrático vigente) e as diferenças brutais (após a implantação do mesmo regime democrático): 1,67 para 12,75 medalhas de média por cada edição.

Conclui-se:

1) Julgo ser legítimo responsabilizar os sucessivos Governos democráticos portugueses no que respeita às deficientes condições oferecidas para a obtenção de medalhas em Jogos Olímpicos;

2) Não se pode esperar em 2012 mais do que 0 (versão pessimista) a 3 medalhas (versão optimista), sendo mais do que isso criar ilusões sem grande sentido.

3) O Desporto olímpico português não evoluiu grande coisa com este Regime e com os apoios comunitários, ao contrário do espanhol.

Honra excepcional aos atletas nacionais (não esquecendo os seus treinadores e diversas estruturas federativas) que, com apoios estatais relativamente reduzidos, conseguiram a rara proeza da obtenção de uma medalha olímpica, sobretudo aqueles que obtiveram duas: Carlos Lopes, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro.

domingo, 10 de outubro de 2010

A política desportiva em Portugal (2)

Um novo texto de José Pinto Correia.
Continuamos hoje com a análise do conjunto de elementos que podem definir e caracterizar a política desportiva levada a cabo em Portugal nos últimos anos da governação, liderada pelo Partido Socialista e pelo seu respectivo Secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias.
Falaremos agora do que foi a iniciativa da realização do Congresso do Desporto e da consequente publicação da denominada “Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto”.
O Governo Socialista iniciou o seu mandato na área do desporto com a realização de um “Congresso do Desporto”. Este evento destinava-se a promover as discussões que pudessem vir a suportar a preparação de um conjunto de medidas de política subsequentes, a primeira das quais era a da concepção e posterior publicação de uma nova “Lei de Bases do Desporto”.
Foi um evento que foi largamente propagandeado pelo Governo e pelo seu Secretário de Estado do Desporto como sendo um iniciativa praticamente inédita e mobilizadora das análises e das conceptualizações dos novos caminhos que o desporto português deveria trilhar no respectivo mandato governamental.
Acontece que em nenhum momento desta iniciativa o Governo fez a apresentação de uma qualquer estratégia de desenvolvimento desportivo, nem das principais concepções, programas e medidas de reorganização ou reestruturação do sistema desportivo que entendia dever iniciar-se. Por conseguinte, o Congresso do Desporto decorreu sob o signo do voluntarismo, de um certo caos organizacional e na ausência de uma forte visão de futuro do desporto nacional. Tudo pareceu ficar na base das boas vontades e das iniciativas casuísticas, sem haver uma orientação de fundo do movimento de renovação que se queria imprimir ao desporto português.
Não foi por isso completamente estranho e inesperado que desse Congresso do Desporto, tão propagandeado pelo Secretário de Estado do Desporto, tenham ficado por conhecer as respectivas conclusões e linhas finais de orientação da acção governativa para o nosso sistema desportivo. Mais ainda, tais conclusões do dito Congresso nunca vieram mesmo a ser publicadas.
Todavia, uma nova “Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto” veio a ser efectivamente preparada e afigura-se ter sido o resultado mais destacado decorrente da realização do referido Congresso, se bem que não decorresse dele directamente uma vez que a intenção de a promover tinha sido anunciada logo no próprio Programa do Governo e ainda em data anterior à da realização de tal Congresso.
Portanto, este Congresso do Desporto não foi aproveitado para esquematizar e preparar elementos de enquadramento estratégico da acção governamental no desporto, uma vez que nenhum documento integrador e fundador dessa índole foi alguma vez produzido pela Secretaria de Estado do Desporto e conhecido publicamente.
A nova “Lei de Bases” implicou, isso sim, muita outra legislação regulamentar e complementar que viria desde então a ocupar muito a acção governamental no desporto. Privilegiou-se, assim, mais uma vez em Portugal, a intervenção normativa e jurídica em detrimento de procurar pensar e colocar no “terreno” novos modelos de intervenção organizacional, de gestão e planeamento estratégico nos diferentes níveis do desporto nacional.
Uma das outras leis que decorreu desta nova “Lei de Bases” foi a do “Regime Jurídico das Federações Desportivas” que viria a ser publicada muito depois do prazo fixado e que ainda hoje em Outubro de 2010 levanta enormes problemas por não ter sido aplicada na Federação Portuguesa de Futebol, para a qual estava muito particularmente direccionada no que respeita à orgânica interna das Federações e à representatividade dos respectivos agentes desportivos.
Portanto, pode dizer-se que o Congresso do Desporto foi parco em resultados respeitantes à política desportiva que não fossem a publicação de novos instrumentos jurídicos. Não resultou dele qualquer tentativa estruturada e planeada de introdução de novos modelos de financiamento, gestão e planeamento das actividades desportivas, nem uma nova concepção de preparação da participação olímpica nacional nos Jogos Olímpicos. E quanto aos restantes níveis de organização do nosso desporto, o escolar e o autárquico, nomeadamente, não houve a mínima consequência gestionária e de integração sistemática que do Congresso do Desporto visivelmente tivesse decorrido.
Em suma, o Congresso do Desporto foi praticamente um “happening político” sem outras consequências que não as de dar sequência aos intuitos legislativos do Governo e do seu Secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Paradigma da informação vs qualidade de aprendizagem

O desporto, como outros sectores da sociedade, vive nos últimos tempos alterações a uma velocidade superior ao que os próprios agentes desportivos conseguem a acompanhar. A frase não é nem nova nem preocupante, mas a sua essência já pode assumir contornos mais caricatos e devastadores. A informação chega hoje à velocidade de segundos, à distância de uma pesquisa pela internet ou à troca de informação com profissionais do outro lado do oceano.

Se esta quantidade de informação pode possibilitar inúmeras vantagens para o desenvolvimento da sociedade e de sectores em específico, pode criar expectativas e falsas-percepções de auto-conhecimento que provocam mais conflitos, trocas de ideias mais confusas e uma maior decalage entre o que se pensa que se sabe (quantidade de informação recebida) e o que na realidade o agente desportivo sabe (informação que é traduzida em conhecimento e aplicada correctamente).

Se o leitor considera que o referido é algo não se passa é porque (felizmente) tem o hábito de pesquisar informação com maior regularidade, já há algum tempo, está inserido num meio que possui essa filosofia, etc. Mas infelizmente o aspecto transversal da nossa sociedade não é esse. Muitos sub-sectores ou sub-ramos do desporto vivem algo que não estão a conseguir adaptar-se: fazer diferente hoje porque é assim que se faz; ou pensar que ler ou ouvir como se faz, torna a pessoa capacitada para o fazer.

Subirmos o nível de exigência apenas porque a informação está ao alcance de todos ou a um nível mais acessível é criar patamares de exigência que corresponderão, mais cedo ou mais tarde, à incapacidade e desafios que essa mesma exigência cria. Considero que esse é um cenário que se passa em muitas chefias de processos, equipas, serviços, pessoas, etc., que é a pressão de acompanhar a modernidade, estar ao nível que alguns serviços, produtos, equipas, processos, pessoas assim o exigem.

A necessidade de parecer bem, dar saltos não protegidos pelo conhecimento. Pode parecer de senso comum o que se afirma ou se aborda, mas em campos como o ensino, o treino, a formação formal ou informal, o dirigismo, a coordenação de projectos, é fácil assistir-se a decisões, liderança, aulas, formações com base unicamente em informação que se ‘apanhou’, mas que na realidade não se sabe bem qual o impacto da mesma e que outros desafios e consequências irão criar.

Não é bem a diferença do saber saber e do saber fazer ou ser. É a diferença entre o saber porque se leu e os restantes ‘três saberes’. Quando se aborda que a informação é um bem necessário e nos pode ajudar a dar passos e saltos na qualidade da oferta desportiva a vários níveis, o cuidado como ela chega e o que se faz com a mesma deve ser um cuidado a gerir a quem compete. Quem diria que não ter boa e melhor informação seria um problema com tantas implicações como tê-la, mas não a sabendo usar?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quando os governantes perdem a vergonha ,os governados perdem-lhes o respeito

Na sociedade portuguesa lavra um problema bem mais grave que a dificuldade em encontrar soluções políticas: o carácter e a honorabilidade dos que gerem a coisa pública. Não é um problema do domínio do erro. Mas do âmbito da confiança. Há uma geração política que vive da política. E que confunde o Estado com o País. Entende que conquistado o Estado todo o país lhe pertence. O que o Estado lhe coloca nas mãos para cumprir a sua missão é deles. E que portanto não têm de dar explicações. Tudo o que fazem é para bem do país. E dos seus superiores interesses. É o país que deve estar agradecido ao que por ele andam a fazer. Mário Soares compara a situação ao vinho. Há anos em que a safra é boa e anos maus. Estaríamos a viver uma época de más safras. Talvez o problema seja apenas esse. Ou outro bem mais singelo: o da seriedade.
José Sócrates desde que assumiu funções como primeiro-ministro teve o orçamento de Estado que quis. Nomeou quem lhe apeteceu. Andou meses seguidos a anunciar o aparecimento de sinais de retoma na economia portuguesa. A defesa do Estado social, contra o liberalismo dos seus opositores. As obras e o investimento público. Ridicularizou quem dizia que o país caminhava para o abismo. Para a ingovernabilidade. É certo que houve uma crise internacional mas que só acentuou a que internamente já existia. E se conhecia. Agora esqueceu tudo o que andou a dizer. E caiu na real. Disse o que disse com o mesmo ar triunfal em que tem dito o oposto.Com uma suposta autoridade moral. Com o mesmo jeito arrogante. Com ar sisudo de quem nos está a fazer um grande favor. Frio. Com os habituais maneirismos. Sem uma ponta de sentimento. De tristeza. O natural seria que pedindo sacrifícios as palavras fossem escolhidas. Sinceramente sentidas. Mas a sua atitude, a crispação que não consegue evitar, revela a incapacidade de demonstrar alguma afectividade por aqueles a quem se dirige. Mesmo nas horas difíceis. E vai de cortar nos salários dos funcionários públicos e subir os impostos. Ele que meses antes se vangloriava que essa não era a solução. Só que hoje não temos como resolver o problema. As despesas com pessoal juntamente com as prestações sociais consomem 76% da receita. No passado, porventura, as soluções teriam um menor impacto que aquele que agora se prevê. Mas nesta altura a pressão dos credores falou mais alto que o keysianismo dos que gerem o dinheiro que lhes não pertence. Os grandes investimentos públicos vão ser reavaliados. E, para cair bem, anunciam-se medidas para controlar os gastos com o parque automóvel, elevado a signo da mordomia dos que assaltam o Estado. Ignora-se se os bem frequentados restaurantes à beira tejo pagos com os fundos próprios dos gabinetes também vão ser atingidos com as medidas de restrição da despesa. E se as viagens ao estrangeiro para ir ao futebol terminam.
O imposto sobre o consumo sobe. Resta saber se arrecadação fiscal dele resultante compensa a retracção que vai originar nas pequenas e médias empresas. A montante a economia fica exangue e com ela o desemprego. É o resultado da dívida descontrolada. O que não impede o Governo Civil de Lisboa de ir gastar cinco milhões de euros em carros blindados, a serem comprados por ajuste directo. O Governo Civil de Lisboa precisamente um dos organismos que devia ser extinto, como aliás todos os restantes governos civis.
Qual é o impacto que as medidas anunciadas vão ter nas politicas publicas desportivas? À data o homem do leme do nosso desporto ainda se não ouviu. E os habituais replicantes da voz oficial, em nome do “associativismo”, ainda não fizeram saber de sua justiça.
Na véspera do anunciado pelo primeiro-ministro o homem do leme do nosso desporto auto promovia-se com o vasto plano de centros de alto rendimento - uma espécie de sucts desportivas que mais tarde se saberá quem pagará o seu funcionamento - num exercício próprio, não de um pais em dificuldade, mas de um país que pode gastar sem problemas. E que pode investir em infra-estruturas sem cuidar da qualidade desse e investimento.Que o mesmo é dizer da sua sustentabilidade e rendibilidade futuras.
Na administração pública desportiva as dividas a fornecedores e outras entidades acumulam-se em cima das secretárias e desesperam os credores. Ninguém é responsável por nada. Os eventos somam-se. Todos os fins –de - semana o país acolhe eventos internacionais. A candidatura ao mundial de futebol, um evidente disparate, mantém-se. O activismo sem estratégia, colado a uma obsessão por em tudo aparecer só pode conduzir a maus resultados.
E o que se passa no topo das organizações desportivas? O melhor de sempre. Não há crise, não há dificuldades, não são necessários programas de controlo da despesa. Desde claro que suceda o óbvio: que os subsídios e o financiamento públicos não diminuam. Ou seja que não haja redução na despesa pública. E caso haja, que não chegue a nós. Elementar.

domingo, 3 de outubro de 2010

O dirigismo desportivo em Portugal

Um novo texto de Luís Leite.


Um dos principais problemas do dirigismo desportivo é a fraca qualidade de muitos dos seus dirigentes. Isto é tão válido para os dirigentes da Administração Pública, eleitos ou designados, como para os diversos patamares e órgãos do designado “movimento associativo”, normalmente eleitos.
Sendo esta afirmação resultado de uma experiência pessoal e sendo a “formação” actual unicamente resultado da experiência adquirida, não pretendendo generalizar, julgo existirem dois perfis diferentes de dirigente no movimento associativo desportivo:

1) O “profissional”, em que a maior ou menor experiência em cargos de direcção é um factor a considerar; a vantagem está na acumulação de experiência e conhecimento, diverso mas útil; a desvantagem está na tendência para a eternização no poder e para a manipulação da estrutura que se lidera;

2) O “amador” é normalmente pessoa com algum tempo livre e gosto pela modalidade, clube ou vida associativa; a vantagem é o facto de sem ele não ser possível a existência dos diversos patamares do movimento associativo; a desvantagem reside na falta de formação, de disponibilidade de tempo e, muitas vezes, de conhecimento geral e específico suficiente sobre a função que desempenha.

Os dois perfis caracterizados integram, em simultâneo, quase todas as organizações desportivas.

A partir de um determinado nível de responsabilidade, existe uma grande falta de pessoas com interesse, disponibilidade e capacidade adequados para o exercício das respectivas funções e disso se ressentem todas as organizações desportivas. Isto deve-se, fundamentalmente, à dificuldade em abandonar ou interromper temporariamente uma carreira ou vida profissional, com todas as desvantagens que tal opção acarreta, designadamente de impossibilidade de progressão em carreiras e de vencimentos compatíveis com a responsabilidade. A oferta inclui quase exclusivamente funcionários públicos e reformados e, no caso da Administração Pública, de políticos de carreira, o que é manifestamente insuficiente.

É vulgar os dirigentes responsáveis pelas Direcções Executivas das organizações estarem demasiado ausentes e pouco ou nada saberem do que se passa no dia-a-dia da actividade. Em muitas organizações do movimento associativo, os dirigentes ou membros dos corpos sociais eleitos primam, pura e simplesmente, pela ausência sistemática, permanecendo alheados da realidade.
Perante esta constatação, verifica-se frequentemente que o quadro intermédio, técnico profissional requisitado ou contratado, não dirigente, sabe mais ou muito mais da organização que aquele que tem as responsabilidades executivas, gerando-se assim uma situação paradoxal, extremamente nociva, de desequilíbrio organizacional e gestão deficiente, embora perfeitamente legítima.

Como ultrapassar esta situação?

Julgo que a solução estará na progressiva profissionalização do dirigismo, através da criação de uma carreira de dirigente diplomado, em que uma determinada formação inicial fosse obrigatória para o desempenho de determinados lugares de maior responsabilidade, tal como se fez para os Directores de Escolas Públicas. Quando eleitos, não seriam penalizados (como eu fui) na carreira profissional da respectiva proveniência. Transitoriamente, dirigentes com 4 anos de experiência teriam equivalência à formação inicial. Para evitar eternizações no poder executivo, seria importante manter por um lado a eleição periódica dos corpos sociais por 4 anos e por outro limitar a duração de todos os mandatos executivos a 8 anos, para haver uma rotatividade/ renovação que só pode trazer vantagens.
Não sendo pessoalmente adepto de legislação ou regulamentação excessiva (intromissão) do Estado no movimento associativo (embora ela exista actualmente na Lei), deixaria esta sugestão para todos quantos a achassem conveniente em cada organismo desportivo.

Gostaria de ver esta ideia debatida neste espaço, apenas como ponto de partida para outras ideias ou soluções e/ou aperfeiçoamento desta.

A qualidade do dirigismo é um dos grandes problemas do Desporto nacional.