domingo, 31 de maio de 2009

As palavras e as normas XI

Eis que chegámos ao final dos destaques oferecidos pelas palavras preambulares do novo regime jurídico das federações desportivas:

“Em décimo e último lugar, estabelece-se o princípio da renovação quadrienal da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, garantindo-se assim um reexame periódico das razões que justificaram a atribuição inicial daquele estatuto, o que será concretizado em períodos coincidentes com o de cada ciclo olímpico.”

Sobre esta matéria dispõe o artigo 24º (Renovação):

“1. No decurso do ano de realização dos Jogos Olímpicos de Verão deve ser requerida a renovação do estatuto de utilidade pública desportiva pelas federações desportivas nisso interessadas.
2. À renovação são aplicáveis as normas relativas à atribuição, devendo ainda a federação requerente juntar um exemplar actualizado dos seus estatutos e regulamentos.
3. Decorridos 90 dias após a formulação do pedido sem que tenha sido proferida decisão, o estatuto de utilidade pública desportiva de que a requerente era titular considera-se automaticamente renovado por outro período de quatro anos.”

Caso não haja renovação, naturalmente que vem a cessar o estatuto de utilidade pública desportiva [artigo 22º, nº 1, alínea c)].

Esta “construção” da figura da renovação tem muito que se lhe diga.
Neste espaço quedemo-nos por dois registos.

Um dir-se-ia que é quase anedótico.
Segundo as palavras do preâmbulo, a renovação é ditada pela necessidade de garantir “um reexame periódico das razões que justificaram a atribuição inicial daquele estatuto”.
Ora, o estatuto de utilidade pública desportiva, podemos afirmar com segurança, é algo que, na sua essência, está sujeito a permanente leitura e fiscalização do Estado ( “a reexame”), não estivessem em causa poderes públicos.
Sucede que não tem sido essa a postura do Estado ao logo da vida desse estatuto. Daí que, dá a ideia que se criou um “lembrete”, desde logo para a própria Administração Pública Desportiva: de quatro em quatro anos, vamos lá a ver como as coisas estão.
Perigoso “lembrete”, dada a manifesta inclinação dos poderes públicos para a omissão do cumprimento dos seus deveres de fiscalização.
Agora leituras perversas ainda são capazes de vir a justificar que “afinal não está na altura”.

O nosso segundo realce vai para a história desta norma e como ninguém, desde logo os seus destinatários, deram por isso ou com tal pouco se importaram.
Na verdade, na proposta de lei subjacente à Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, o artigo 20º – desde logo na própria epígrafe – mencionava a atribuição, renovação, suspensão e cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva.
Houve, na altura, alguns protestos.
A Assembleia da República, contudo, soube contorná-los com estilo.
Foi à epígrafe e retirou a menção à renovação. Todos pareceram ter ficado contentes. Alguns terão mesmo pensado que foi uma vitória.
Só que, adiante o artigo (nº 2) abre a janela, sem ruído, e deixa entrar aquilo a que aparentemente tinha fechado a porta: as condições de atribuição, por período determinado, do estatuto de utilidade pública desportiva, bem como a sua suspensão e cancelamento, são definidas por lei.

São assim as palavras e as normas.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Saber com se faz e ser capaz de fazer

Se fosse possível formar um treinador desportivo copiando o trabalho de um treinador com sucesso bastava assistir aos seus treinos, ler os livros que escreve ou estar atento às palestras que profere. De tudo isto alguma coisa fica como aprendizagem. Mas ninguém fica habilitado ao exercício profissional e menos ainda ao sucesso se resumir a sua formação apenas à observação de quem tem sucesso. Até porque os olhos que vêem, a mente que descodifica ou os ouvidos que escutam não são neutros. Á partida já têm inscrito uma determinada formação. E se o problema já é complexo para áreas de formação similares ou afins imagine-se o que ocorre com contextos organizacionais e ambientes humanos completamente distintos.
Em Portugal, copiando uma tendência de outros países, muitas organizações empresariais começaram a seleccionar treinadores desportivos, e recentemente até um árbitro, para prelecções dirigidas a quadros superiores dessas organizações. Os temas remetem invariavelmente para as questões da liderança, da comunicação e da tomada de decisão e procuram aproveitar o conhecimento e experiência desportivas em contextos de elevado grau de competitividade, de pressão, de adversidade e de superação. Não vem mal ao mundo por isso.Com estas experiências também se aprende. Como se aprende ao ler muita da bibliografia que ensina a vencer e que abunda nos escaparates das livrarias até de autores cujos percursos profissionais estão associados a experiências empresariais desastrosas ou de treinadores desportivos com insucessos nas suas carreiras. Deve no entanto haver alguma prudência em tudo isto.
Nenhuma equipa desportiva, como nenhuma organização empresarial, vence só com liderança ou copiando “lideres” ou “gestores” que “têm”” resultados. Em primeiro lugar porque o sucesso das organizações requer a boa convergência da liderança com a gestão. E o bom domínio dos instrumentos operacionais de uns e de outros. E quer uns, quer os outros são indissociáveis da natureza específica das organizações e dos respectivos contextos e ambientes humanos. Se assim não fosse um treinador tinha sucesso com qualquer equipa e também o teria como empresário. E o mesmo se poderia dizer do empresário que estaria em condições de dirigir um grupo desportivo com igual sucesso. Não devemos, por isso, simplificar e banalizar este tipo de conhecimentos e de experiências.
Saber como se faz e ser capaz de fazer não são necessariamente coincidentes. Nem sempre o que funciona numa organização é transponível com o mesmo sucesso para outras. Saber onde se está e saber onde se quer chegar é importante para quem lidera e para quem gere. Mas o sucesso só ocorre com aqueles que sabem como chegar ao que se quer. E para isso não basta a vontade e a inspiração. É preciso saber como trabalhar. É preciso aprender a conhecer as organizações e a dominar os instrumentos de intervenção. O resto como dizia Fernando Pessoa ”pertence ao elemento indefinível, mas real, que à falta de melhor nome, se chama sorte”. No desporto e fora dele. Na vida.

domingo, 24 de maio de 2009

Que politica de regulação desportiva europeia na era da governança?

Enquanto as políticas desportivas são um assunto marcadamente nacional, na esfera de influência dos estados membros, a regulação da actividade desportiva tem um forte peso na intervenção das autoridades desportivas, nomeadamente das federações e organismos desportivos internacionais.


Com a eventual ratificação do Tratado de Lisboa a União Europeia (UE) ganha competências no domínio do desporto, as quais poderão introduzir alterações neste quadro de referência. Mais do que a futura consolidação de uma política desportiva europeia, da definição de um programa de acção da UE para o desporto, ou da existência de um conselho de ministros para o desporto - que ganhará estatuto formal -, o que poderá estar em causa é o possível impacto de um novo equilibro e configuração no relacionamento entre os actores políticos e desportivos mencionados, através da mediação comunitária reforçada com novos recursos e instrumentos de acção.


A intervenção da UE em matéria de desporto e a sua relação com os agentes desportivos centrou-se, durante décadas, fundamentalmente na adaptação da regulação desportiva ao acervo normativo comunitário e à jurisprudência emanada do Tribunal de Justiça das Comunidades, delimitada pelo quadro de competências estabelecidas no Tratado. Era esse o objectivo em causa. Como garantir a salvaguarda da autonomia e especificidade do desporto no respeito pelos princípios e regras de funcionamento da União?


Gorada a existência de uma Constituição Europeia, o Livro Branco sobre o Desporto, da responsabilidade da Comissão, viria a acrescentar em 2007 algo mais – e diferente - a esta lógica de intervenção errática e indirecta da UE no desporto, ao desenvolver um plano de acção com vista a uma competência futura no âmbito do desporto a ser introduzida pelo Tratado de Lisboa.


Como anteriormente tivemos oportunidade de sublinhar, também o Parlamento Europeu se viria a pronunciar sobre o Livro Branco. Nessa resolução convidou a Comissão a apresentar um programa da UE para o desporto, bem como as “acções de preparação” para o desporto em 2009, algo que viria a acontecer com a Decisão C(2009) 1685 da Comissão, de 16 de Março, sobre a adopção do programa de trabalho anual em matéria de subvenções e contratos relacionados com a acção preparatória no domínio do desporto.


Esta “Acção Preparatória no domínio do Desporto”, cujas candidaturas foram agora abertas a concurso, pretende criar uma plataforma de base para as futuras medidas desportivas da UE de acordo com as competências que virá a assumir com a ratificação do Tratado e no apoio a eventos desportivos especiais, num envelope financeiro de € 7,5 milhões, com o objectivo de possibilitar o apoio e coordenação de acções politicas, testar a solidez e o funcionamento de redes de trabalho e de boas práticas em diversos temas de politica desportiva onde a intervenção politica supra nacional se afigura decisiva, bem como difundir informação e conhecimento sobre o desporto no contexto europeu.


Alguns desses temas, e da forma como a UE os pretende abordar no seio de um programa comunitário permanente para o desporto, – reforçando a tendência para compatibilizar o desporto com outras áreas de intervenção comunitária, em especial a educação e formação profissional e a saúde pública – estão patentes nas conclusões da presidência da Reunião dos Directores Gerais do Desporto da UE e no anexo que aprovaram - o “Memorando de Praga sobre o Voluntariado no Desporto” -, a pensar em 2011, cujo ano a Comissão propõe declarar Ano Europeu do Voluntariado.


Já não se trata apenas de gerir uma agenda de delicados equilíbrios estratégicos, marcada durante décadas por impasses e jogos de interesses económicos do desporto profissional, nos quais a UE foi muitas vezes o elo mais fraco; mas de desenvolver um programa político, a partir de uma base legal a instituir, para uma intervenção mais alargada, incisiva e permanente no desporto – ainda que complementar e supletiva a uma competência directa que reside no seio de cada Estado Membro -, orientada por um quadro de prioridades já definidas e a suportar por um orçamento continuo previsto em dezenas de milhões de euros.


Desta forma a UE constitui-se, cada vez mais, como um actor de peso no âmbito da governação do desporto - veja-se, por exemplo, os recentes desenvolvimentos, e a mudança de estratégia, na sua capacidade de assumir e liderar o processo político em torno da alteração das disposições sobre protecção de dados pessoais no combate ao doping. Resta saber se a sua acção se limitará a mediar e aproximar as estratégias dos actores públicos e privados que regulam o desporto na Europa num quadro de referência amputado de uma perspectiva sistémica, ou vai mais longe, e procura dinamizar um programa político, com recurso a métodos de coordenação comunitários, que mobilize autoridades desportivas e governos nacionais a comprometerem-se efectivamente na prossecução de objectivos claros e metas precisas de governação, conforme ocorre em outros sectores de actividade onde a UE não dispõe de competências directas.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Dar a volta ao nó

Há uns anos chegou uma moda que virou obrigação: os treinadores da liga de basquetebol tinham de usar casaco e gravata quando em competições oficiais. Que me recordo dos treinadores abrangidos só um resistiu a essa normatividade estética. E creio que foi castigado por isso. Pelos menos foi censurado pela sua teimosia. E a censura veio dos próprios colegas e da respectiva associação. Na altura debati esse tema com pessoas ligadas à modalidade. Interrogava sobre qual a razão porque a respectiva associação de treinadores não ficava pela recomendação de uma apresentação cuidada e ia ao extremo de impor uma vestimenta tipo. Parece que se podia optar pelo fato de treino. Porque conduzir uma equipa num pavilhão, a grande maioria sem tratamento climático, de fato e gravata deveria causar um enorme desconforto. Por outro lado, alguns dos treinadores não tendo o casaco e a gravata como vestuário habitual tão pouco sabiam fazer o nó da gravata ou tinham sensibilidade para combinar a cor da gravata com o resto do vestuário. E colarinhos de camisas que sempre estiveram abertos passaram a ficar abotoados. Nem sempre o resultado era esteticamente agradável. Tudo aquilo era estranho. E tudo partia de um pressuposto, a meu ver errado, que era ( e é) que estar bem vestido e bem apresentado é usar fato e gravata. Responderam-me que essa era uma forma de dar dignidade ao acto de comando desportivo. E que era uma prática comum nos restantes campeonatos europeus e americanos da modalidade. A cópia é sempre argumento demolidor. Sobretudo se vem de fora!
Anos mais tarde a moda chegou às delegações desportivas do futebol sobretudo em deslocações internacionais num sentido de homogeneização e identificação dos clubes. Casos houve em que se contrataram estilistas conhecidos e integrantes do círculo da “beautiful people” da moda. Que criaram soluções que procuravam aliar a roupa com a elegância e a boa apresentação. O resultado foi (é) curioso. Se reparamos nos jogadores do Manchester United ou no Barcelona, por exemplo, usam fato completo e respeitam a normalidade desse uso. Não há camisa de fora das calças ou nó de gravata descaído e a adornar o peito. Ou adereços de som pelos ouvidos. Ou penteados esquisitos. Mas nas equipas portuguesas e na selecção nacional de futebol para muitos deles o nó da gravata é às três pancadas, normalmente desapertado, o colarinho desabotoado e um estilo de deixa andar. Toda aquela roupa diz pouco com o modo como cada um a veste e usa. Dir-se-á que este é um pormenor sem importância. Que abordar este assunto é uma mera superficialidade. Não estou certo que o seja. E creio estarmos perante um traço de comportamento que revela a falta de responsabilidade e a ligeireza com que se assuma a representação de um emblema ou de um país. Não sei se alguém explica, dirigentes e/ou treinadores, qual é a importância que o clube ou a selecção dão àqueles que o representam. É que para fazerem aquelas tristes figuras melhor fora então que se optasse por vestuário informal. Ou apenas por vestuário desportivo. A opção do fato e da gravata só faz sentido se for para usar e não para caricaturar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

A arte da conversa

Não há memória de época desportiva assombrada por tão graves problemas salariais dos jogadores profissionais de futebol como a actual. E quanto a este problema Laurentino Dias, secretário de Estado de desporto, argumentou no início do mês (5 de Maio) em declarações ao jornal “Record” que o Governo pouco mais pode fazer do que o que tem feito, dialogar: “Tenho falado com a Federação, a Liga e o Sindicato. Mas também tenho conversado com os clubes e mostrado qual o caminho a seguir.”

Afirmações curiosas quando se aguarda a publicação da Portaria que substituirá o Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de Agosto, no qual se estabelecia para além dos parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas, um conjunto de regras essencialmente de cariz económico-financeiro que os clubes e sociedades desportivas teriam de cumprir, sob pena de serem sancionados pelas normas disciplinares ditadas pela respectiva liga profissional. Acção legislativa que valerá e justificará bem mais do que a profiláctica conversa advogada e mantida pelo responsável político.
Tendo aquele decreto-lei sido revogado em Dezembro de 2008 através do novo regime jurídico das federações desportivas, esperava-se que este governo fosse célere na publicação de diploma que o substituísse, dando um sinal moralizador e regulador à dramática situação dos salários em atraso pela maioria das equipas de futebol profissional.

Célere para que os novos preceitos vigorassem já para a época 2009/2010.

E em contraposição ao argumento de Laurentino Dias de que, se não podem obrigar um clube a baixar de divisão por não pagar os seus impostos, também não o podem fazer quando não pagam os salários, sublinho que as medidas disciplinares pelo incumprimento salarial ficariam, naturalmente, a cargo dos regulamentos da liga profissional de clubes. Contudo, para tal muito contribuiria que, na previsão do rol de sanções admissíveis pelo texto legislativo governamental, quanto aos incumprimentos dos clubes e sociedades desportivas participantes nas competições profissionais, se acrescentasse, entre outras, o incumprimento salarial por parte destas entidades. Basta fazermos uma leitura ao artigo 12.º do diploma supramencionado (sanções) e estatuir, entre outros, preceitos que previnam e penalizem o flagelo do incumprimento salarial.
E depois, claro está, é necessário fiscalizar os regulamentos das ligas profissionais de clubes e não se quedar pelo exercício do diálogo que, como fomos constatando ao longo desta legislatura, na maior parte das situações mais se trata de verdadeiros monólogos governativos.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Desnorte

Existem federações desportivas cujas preocupações dominantes são as competições internacionais. E estruturam-se em função daquela matriz. A organização e o desenvolvimento interno das modalidades passam para segundo plano. Esta opção tem custos elevados na economia das modalidades. Os orçamentos federativos ficam excessivamente onerados. E num quadro de recursos limitados sacrifica-se o que deveria ser prioritário: os quadros competitivos nacionais e o apoio a todos quantos neles participam.
O retorno interno daquela opção é, na maioria dos casos, reduzido. Em muitas das modalidades a capacidade competitiva internacional mantém-se fraca e é a mesma há anos seguidos. Busca-se uma expressão competitiva que nunca chega. Procura-se uma visibilidade que não se alcança. O efeito é nulo sobre a realidade interna. E o financiamento público que suporta esta opção não baixa. Pelo menos em parte. Tem sentido útil continuar a colocar à disposição das mesmas pessoas e das mesmas lógicas de trabalho, recursos financeiros sem que os resultados apareçam? Não seria mais útil reforçar as disponibilidades públicas nas modalidades e organizações que têm apresentado resultados? Deve tratar-se como equivalente o que no plano dos resultados é distinto?
A crise financeira ocorrida em 2002 passou sem que as políticas públicas e as políticas associativas tenham feito um esforço significativo para acertarem projectos à luz do que os meios disponibilizados pela economia real permitiam. Pelo contrário, continuou a gastar-se, houvesse ou não disponibilidades.
Os anos de 2005 e seguintes conseguiram uma folga significativa. Mas o aumento dos meios financeiros disponibilizados não foi aproveitado para aumentar o grau de exigência sobre os programas e os projectos internos. A orientação foi “ir a todas” repescando antigos projectos e linhas de apoio financeiro. Manteve-se aberta uma politica de recepção a eventos internacionais desnecessária quando havia sinais evidentes de uma crise global que justificariam maior selectividade. Em termos gerais não havia condições para um aumento da despesa pública. O contrapeso está aí. E a crise global vem a calhar como argumento definitivo. Só que a crise do financiamento público já dura em estado latente há cerca de uma década.
Culpar os governos por esta situação é o mais fácil. Mas não é correcto. Atribuir a exclusividade das responsabilidades aos governos em matérias que, em primeira linha, não são suas, não é sensato. A responsabilidade vai direitinha para as organizações desportivas. Não é preciso muita observação para constatar que em muitas das organizações desportivas a governação é feita provavelmente com muita alma, mas pouco projecto.Com uma propensão para a megalomania de iniciativas e de eventos que levam a gastar em grande com objectivos menores. Que dão mais atenção aos centros de alto rendimento que às escolas de formação e acompanhamento desportivo. Que são muitas vezes penalizantes para clubes e entidades desportivas de base que, com poucos meios, ainda garantem alguma da formação desportiva que se vai fazendo.Quem acompanha as competições de jovens, apercebe-se do quadro de dificuldades –organizativas ,de arbitragem ,de transportes, de apoio médico, etc- com que se confrontam.
O tópico da formação desportiva e da competição dos jovens deixou de fazer parte da agenda de preocupação de muitos dos dirigentes de topo das principais modalidades. Há excepções que servem para confirmar a tendência geral.
Não existe futuro desportivo se não se cuida de todos quantos estão em fase de formação desportiva. Substituir este investimento pelo recrutamento de jovens de outros países imitando da pior maneira o que se passa com os escalões superiores é um logro.Que infelizmente vai acontecendo e não apenas no fuitebol.Não é socialmente aceitável que entidades que têm competências publicas invistam na alta competição descurando ou sacrificando a iniciação e formação desportivas.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Os exames

Faz parte das memórias de muitos praticantes desportivos, especialmente dos mais velhos, as longas horas de espera nos centros de medicina desportiva para a realização do exame anual de avaliação médico-desportiva.

Nos últimos anos disseminaram-se as clínicas e centros privados que oferecem esse serviço, tendo, assim, desanuviado o corropio nos serviços de medicina desportiva da Administração Pública Desportiva no inicio de cada época.

Ainda assim impunha-se uma racionalização da gestão destes exames nos três centros de medicina desportiva do IDP, com o objectivo de desconcentrar a sua acumulação no período mais crítico, os meses de Junho a Setembro, que medeiam o terminus de uma época e o inicio da nova época desportiva.

Com este objectivo o recente Despacho n.º 11138/2009 estabelece que “os exames médico-desportivos devem ser renovados apenas no mês correspondente à data do aniversário do seu titular

Ora, se tal medida permite dispersar a elevada solicitação dos serviços de medicina desportiva num período curto do ano, acarreta, contudo, para todos os atletas cuja data de aniversário seja posterior ao prazo de validade do exame, a obrigatoriedade de exame intercalar que cubra este diferencial de tempo, conforme dispõe o n.º 4 do referido despacho.

Considerando que a maior parte dos exames são renovados nos meses de Julho a Setembro, os atletas aniversariantes entre Setembro e Dezembro terão de realizar dois exames na próxima época desportiva (a partir da qual o despacho em apreço produz efeitos).

Deixo aqui a dúvida de diversos agentes desportivos que me questionaram sobre esta matéria:
"Nos casos de necessidade de exame intercalar, quem suporta os encargos, se os houver, com estes exames adicionais?"

Num outro sentido, tendo em conta experiências anteriores - algumas bem recentes, e em curso - relacionadas com o tempo que as federações desportivas demoram em alterarem os seus regulamentos, questiona-se se um despacho publicado em 8 de Maio, espera de boa fé, que as federações desportivas adaptem "(...)os seus regulamentos por forma que os mesmos sejam compatíveis com as regras estabelecidas neste despacho”, a partir da próxima época? A qual inicia diversos quadros competitivos no final no mês Agosto?

Por ultimo será conveniente, independentemente da publicidade no jornal oficial, uma actualização das disposições deste despacho nos canais de informação regularmente utilizados pelos organismos desportivos.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

As palavras e as normas X

Já afirmámos, e inclusive emitimos parecer jurídico sobre a matéria, que o novo regime jurídico das federações desportivas «carrega» a intervenção pública, a publicização de entidades privadas, até mais não poder e, em nossa opinião (não isolada), mesmo para além do quadro constitucional afirmativo da liberdade de associação.
Independentemente do entendimento jurídico, ninguém poderá negar, com honestidade, que o regime jurídico – na linha da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto de 2007 – representa o expoente máximo de intervenção pública no desporto federado, no Portugal democrático.

O penúltimo destaque cobre matéria que é um bom exemplo do que afirmamos:

“Em nono lugar, clarifica-se que as organizações de clubes (ligas e associações distritais ou regionais), com funções de organização, disciplina e promoção da modalidade na sua área de intervenção, exerçam tais funções por delegação da federação desportiva em que se inserem: todas estão subordinadas às orientações provindas da federação e esta tem os meios necessários para fazer valer as suas orientações”.

Se, até aqui, era pacífico que as ligas exerciam poderes públicos – em virtude da delegação dos poderes públicos na federação desportiva em que se inserem –, igualmente incontestável era o entendimento de que as associações distritais e regionais – associadas das federações desportivas – se retratavam como associações de direito privado que não exerciam tais poderes públicos.

Passando por cima da «reformulação» ocorrida entre o projecto (apresentado pelo Governo em Dezembro de 2007 – um verdadeiro fracasso, mas que rendeu frutos a alguns, desde logo na reserva de cadeira no Conselho Nacional do Desporto) e a redacção final do regime jurídico, no que respeita às associações de clubes não profissionais que participam nas competições desportivas nacionais (artigo 30º), o artigo 31º, por via legislativa, altera substancialmente a natureza de parte das actividades levadas a cabo pelas associações territoriais de clubes.
Na verdade, de acordo com o seu nº 2, tais associações “exercem, por delegação da federação desportiva em que se inserem, as funções que lhes são atribuídas”.
Isto é, o que era actividade privada passa, por via desta norma, a actividade pública.

E, para rematar, certo e sabido é que – como sempre foi no passado quanto às federações desportivas – se tais associações eventualmente vierem a cometer ilegalidades, surgirá um qualquer membro do Governo responsável (?) pela área do desporto a justificar a sua não intervenção em nome da autonomia do movimento associativo desportivo.
São as palavras e as normas que tem este infeliz país.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O estado da coisa

O presidente de um organismo desportivo, há algum tempo, queixava-se que tinha de ter cuidado quando reunia a sua direcção, que, diga-se, ele escolhera, re-escolhera e voltara a escolher, porque tudo o que se passava nas reuniões era depois contado ao responsável politico do sector. Ignoro o que lá se passava e se o que se passava tinha algum interesse para o responsável político. Ou se existe algum exagero na observação. Mas o queixume vale por mil tratados sobre o estado da coisa.
Não é difícil, a quem conheça os meandros do movimento associativo ,designadamente a sua estrutura federativa, saber das rivalidades, dos medos, das desconfianças e até das invejas entre alguns dos seus principiais protagonistas. Toleram-se. Mas não apreciam o destaque que este ou aquele possa ter. Sobretudo se for maior que o próprio. Por vezes é o futebol o mal-amado. Que normalmente não liga e corre por conta própria. Em outras, o atletismo cuja capacidade de pensar os problemas desportivos é habitualmente superior. Coisa, de resto, temida e pouco apreciada. Nas subcategorias das diferentes modalidades há para todos os gostos. As raízes deste problema são de natureza vária. Protagonismos distintos, a personalização do poder, diferente atenção da comunicação social, desigual obtenção de recursos públicos e, no geral, uma cultura desportiva pobre e pouco aberta à diversidade de valores, de interesses ou de opiniões. E que convive mal com o sucesso alheio.
A perpetuação dos mesmos actores e a respectiva profissionalização induziu a uma cultura corporativa que funciona em círculo fechado. Alimenta-se de pequenas disputas e problemas de mando e de protagonismo. Revelam “pouco mundo”, embora alguns,reconheça-se, viajem muito. O desporto começa e acaba nas suas modalidades. Rivalizam em quem chega mais facilmente ao poder político. A palavra vale pouco. E o proscrito pode passar a aliado num abrir e fechar de olhos. Para o exterior prevalece, por vezes, uma falsa unidade que não passa de uma “cultura de queixa” contra o Estado a quem se habituaram a encostar e a dele depender. Trocado por miúdos significa apenas a necessidade de “ dinheiro”.
Este ressentimento- severo sempre que qualquer situação na tesouraria da administração pública desportiva obriga a atrasos nas transferências financeiras ou a reduções nas mesmas - é uma pêra doce para qualquer governo. Um poder político minimamente atento, sabe bem como ultrapassar esta situação. A fragilidade da estrutura federada e a ausência de uma solidariedade transversal ao movimento associativo permitem manter o ”ressentimento” em níveis aceitáveis. E, em alguns casos, sendo tanta a dependência perante o poder político, trocar o ressentimento público pelo silêncio. Há excepções, felizmente. Mas poucas. A coesão e unidade são frágeis. O que também não ajuda a governação por ausência de uma parceria sólida, estável e credível.
Se recensearmos as intervenções públicas e programáticas de quem se propõe liderar este sector encontramos um discurso que é sempre feito das mesmas ideias, das mesmas frases, um léxico reduzido a meia dúzia de lugares comuns e as mesmas rotinas. Um realismo prudente dirá: estes são os dirigentes que temos e goste-se ou não é com eles que é preciso trabalhar. Mas é possível trabalhar numa base de reserva e desconfiança permanentes? Ser possível é. Mas as dúvidas são muitas quanto às possibilidades desse trabalho ter efeitos sustentáveis e duradouros que tornem o sistema desportivo mais apto e mais qualificado. Menos egoísta. E mais solidário.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Palavras para quê? Pela boca morre o peixe…

No jornal Público de hoje (p. 23), numa peça intitulada “Petição contra a discriminação de género” é levantado um pouco de parte do véu de certos problemas apontados no texto anterior, designadamente os que ressaltam da falta de políticas desportivas direccionadas para o “desporto para todos” e da consequente “iliteracia desportiva” da população, bem visíveis na viagem que fazemos à realidade concreta dos 2.os Jogos da Lusofonia e dos seus responsáveis políticos e organizativos.
Num exercício de livre e sadia cidadania um conjunto de pessoas indignou-se por tais Jogos não integrarem, nem no futebol nem no futsal, as selecções femininas e fizeram uso de um mecanismo constitucionalmente consagrado (art.º 52 da CRP) endereçando uma Petição à Assembleia da República contra a discriminação de género na organização da 2.ª edição dos Jogos da Lusofonia.
“Um disparate” na opinião do Presidente do Comité Olímpico de Portugal.
Inacreditáveis, qualifico eu, os argumentos deste último:
- "os Jogos têm um perfil e condicionantes específicas";
- "E por que não há natação? Por que não participam as selecções de hóquei em patins, em que Portugal tem grandes tradições, por exemplo? Por que havia de estar o futebol feminino?"
- "Os Jogos já custam à volta de três milhões de euros. Se crescerem muito, ninguém vai querer realizá-los e a sua continuação torna-se insustentável".

De facto! Pergunto eu, mas porque é que foi feita a mulher a partir da costela (imperfeita, claro está) de Adão? Para quê a existência destes seres menores que ainda por cima também se apaixonaram pelo desporto?

É que não bastando os custos para a humanidade com as jóias, as cosméticas, as lipoaspirações ou os implantes destes prescindíveis e ignóbeis seres, na mentalidade dos organizadores há que atender às limitações financeiras e logísticas à expansão das modalidades. Pois então, interditem a participação feminina em todas as modalidades que participam nestes Jogos. Afinal de contas tal medida até nem seria original, basta retroagir à misoginia e discriminação dos tempos de Pierre de Coubertain.

Para quê o interesse público, a paridade, a igualdade de oportunidades, a distribuição equitativa de recursos financeiros públicos? Enfim, para quê a justiça e a felicidade de metade da população quando a outra metade já a conquistou?

Nota: Não tive qualquer intervenção na criação da Petição em causa, mas naturalmente aplaudo a sagaz iniciativa, acessível em http://www.petitiononline.com/igualfut/petition.html

terça-feira, 5 de maio de 2009

Desporto e Defesa Nacional


Este texto é da autoria de Fernando Tenreiro e foi publicado no jornal Público na edição de 4 de Maio de 2009.

Agradecendo aos 'donos' do Colectividade Desportiva a publicação do artigo realço a relação 'Desporto e Defesa Nacional'. O conceito de Adriano Moreira de Estado 'exíguo' dá a necessidade de investimento para a população defrontar o impacto da globalização referido por António Telo. Sugiro que o investimento em desporto é vital para a população portuguesa como um instrumento de 'Defesa Nacional' num mundo em transformação e cada vez mais complexo

O desporto moderno é um dos melting point’s da humanidade. Nele o multiculturalismo da idade global da humanidade tem o seu ponto de encontro em igualdade e em competição desportiva directa de aferição de capacidades de acordo com regras de jogo estabelecidas e respeitadas globalmente. O desporto moderno é uno através das suas federações mundiais e é no futebol que os povos do mundo querem ver apreciadas as suas vitórias.
A Europa para isso contribuiu criando consumidores de desporto exigentes e que, em todos os seus segmentos, estão predispostos a comprar a excelência, mesmo que, a preços de luxo.
Adriano Moreira ensinou-nos o conceito de Estado Exíguo como aquele que não garante aos seus cidadãos as necessidades básicas da vida.
É essa a situação do desporto português. Apesar do Euro2004 e do Cristiano Ronaldo somos os últimos da Europa em consumo desportivo.
A explicação é simples. Entre nós as políticas desportivas encerram erros de concepção que não permitem à sociedade beneficiar tanto quanto o fazem as europeias mais desenvolvidas e em crise o nosso desporto vai mais fundo do que os demais. Enquanto a Europa investe para produzir um ‘desporto para todos’ abundante entre a respectiva população e apura mecanismos de escassez na alta competição para aumentar os preços e os lucros da indústria, Portugal investe dinheiros públicos na alta competição e no desporto profissional, os quais assentam sobre os pés de barro de uma população sem literacia desportiva. O Estado desportivo em Portugal é exíguo porque não prepara a sua população para as necessidades básicas como as da Defesa Nacional.
Segundo António Telo, olhando para o mundo verifica-se, por um lado, que este se transformou radicalmente em 2008[1] nas relações internacionais, no modelo de crescimento e na mudança climática e, por outro, os conflitos internacionais irão assumir novos contornos e aumentar de importância mexendo com todos sem que se compreenda de momento “dos caminhos da sua evolução”[2].
Ao associativismo desportivo caberia, há muito, ter compreendido o Modelo Europeu de Desporto e capturado para a população portuguesa os recursos necessários para que o seu consumo desportivo estivesse em consonância com os desafios maiores da actualidade.
Colocados os ovos na alta competição e no desporto profissional são os sectores carenciados da população, sejam jovens, adultos ou idosos que ficam impedidos do usufruto das modernas características da prática desportiva. Nem os resultados na alta competição acabarão por aparecer como se viu em Pequim em 2008, nem a indústria do desporto profissional sobrevive com populações sem literacia à altura da competitividade do desporto profissional.
Existe desperdício de capital desportivo, humano e social em Portugal porque temos talentos para ir a todos os topos a que os nossos jovens se candidatarem, a nossa população necessita
de praticar desporto para defrontar os desafios de um mundo em mudança e temos percentagens esmagadoras de população que precisa de desporto para bem da sua saúde e das suas relações sociais e faltam-lhes saber e meios para as suas necessidades básicas.
Afinal as mudanças globais estarão na nossa própria maneira de fazer, o que temos de fazer, se queremos competir em igualdade com os mais capazes.

Fernando Tenreiro

[1] António Telo, ‘Um mundo que mudou’, disponível no site http://www.idn.gov.pt/.
2 António Telo, ‘A sempre instável equação – conflitos de transformação da defesa’, no mesmo site.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

As palavras e as normas IX

O visitante desta colectividade não desespere, mas eu tenho que terminar a leitura dos destaques do preâmbulo do novo regime jurídico das federações desportivas.
Peço desculpa, mas já não falta muito.

O oitavo registo:

“Em oitavo lugar, estabelece-se uma regra geral para a renovação dos mandatos dos titulares dos vários órgãos federativos, de acordo com a qual ninguém pode exercer mais do que três mandatos seguidos num mesmo órgão de uma federação desportiva, salvo se, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo, circunstância em que podem ser eleitos para mais um mandato consecutivo.”

De acordo, em termos gerais.
Todavia, não seria de limitar para além do mesmo órgão?
Um determinado presidente não pode ser eleito presidente, mas pode ser escolhido ou eleito membro da direcção.
Dmitri Medvedev e Vladimir Putin e, de novo (contudo, baralhando), Vladimir Putin e Dmitri Medvedev?

sábado, 2 de maio de 2009

Simple as that

Após o recente relatório do Instituto de Assuntos Europeus (INEA), apoiado pela FIFA, o qual suportava um conjunto de argumentos sobre a compatibilidade da regra 6+5 com o direito comunitário, temeu-se – à semelhança de ocasiões anteriores – uma postura timorata e cautelosa do comissário Figel.

A ocorrer, isso provocaria certamente uma oportunidade politica e uma vaga de fundo para a FIFA reforçar os seus propósitos nesta matéria na agenda da política desportiva europeia, fragilizando o regulador comunitário. Especialmente se tivermos em consideração as posições do parlamento britânico entretanto reportadas.

No entanto, as declarações do comissário europeu para os assuntos do desporto, não trazendo nada de substancialmente novo a esta discussão, não podiam ter sido mais inequívocas e oportunas:

At this stage, it seems to me that the report by INEA is not adding new significant insights into this debate. The main idea behind the report is that the 6+5 rule would not infringe EU law, as it is not based on nationality, but on the eligibility to play for a national team. However, the Commission remains of the opinion that the 6 + 5 Rule, even when it is re-phrased to refer to “those eligible to play for the national team”, still ultimately implies as a result a quota-based system based on nationality, because obviously only nationals could play for the national teams.

The European Commission is the defender of EU law, and as such, cannot agree to an illegal system. So, as long as FIFA keep on proposing the 6 + 5 rule as it is currently formulated, the Commission will not be able to endorse the application of the rule within the European Union.

It’s as simple as that: the 6 + 5 rule cannot apply within the EU.”

Leia a entrevista na integra aqui.