"I know of no safe depository of the ultimate powers of the society but the people themselves; and if we think them not enlightened enough to exercise their control with wholesome discretion, the remedy is not to take it from them, but to inform their discretion by education. This is the true corrective of abuses of constitutional power."
Thomas Jefferson
Governabilidade e eficiência são dois termos na ordem do dia. Parece que no discurso oficial são fundamentos para resposta aos problemas pátrios. Neste respaldo se argumentou a necessidade de reformar o regime jurídico das federações desportivas e outros diplomas basilares do sistema desportivo. Governabilidade e eficiência são a ultima ratio para alterar o sistema eleitoral local numa versão “the winner takes it all”. Não se pense, porém, que se tratam de argumentos exclusivos da esfera pública. A proporcionalidade de votos em função do número de anos de associado ainda hoje vigora nas assembleias de vários dos clubes mais representativos do país.
Não se pretende neste espaço - outros já o fizeram - discutir os méritos e deméritos destas medidas, mas tão-somente, se o leitor tiver a paciência de me acompanhar neste primeiro momento onde o desporto ficará um pouco à margem, ponderar o lugar destes dois fundamentos no valor da governação, para os quais, não há muito tempo, uma dirigente política chegou até a considerar conveniente suspender a democracia por seis meses.
Vive-se um período onde o tempo aniquilou o espaço, o imediato o mediato. Exigem-se decisões céleres e urgentes para a crise que se instalou, mas também para a sobrevivência de qualquer carreira política, num cenário de
fin de siècle digno de Lampedusa... Contenção, redução de custos, contracção das despesas, “mais com menos”, redução da burocracia e das rotinas parecem ser o alfa e o ómega das decisões políticas. No entanto, sem a participação e envolvimento cívico o conteúdo das decisões é pobre, perde legitimidade, não tem impacto e qualquer instrumento de cariz estratégico vale zero.
Assim, a transição do governo para a governança joga-se no aparente paradoxo do equilíbrio da eficiência e flexibilidade, com a visão estratégica e integrada, e destas, com o pluralismo, equidade, justiça social e afirmação participativa.
Se a herança centralista e desconfiança mútua entre o Estado e os cidadãos dificulta o envolvimento destes nos processos políticos, acomodando-se à condição de meros beneficiários das políticas. Por outro lado, as políticas sem concepção transversal, a departamentalização institucional e a polarização de interesses particulares e clientelares são, entre outros, obstáculos consideráveis para se justificar um
bypass, diluir-se a democracia participativa pela “legitimidade do voto” e optar por outra via de governação - mais célere, mais fácil, mais cómoda - que distorce, amiúde sobre o manto da governabilidade e da eficiência, os fundamentos da administração dos bens públicos.
Uma deriva que se propaga desde logo na forma como se analisa o contexto, estabelecem-se objectivos e se criam mecanismos de cooperação no desenho dos programas públicos, obedecendo a uma lógica eminentemente político-partidária e, apenas em segundo plano, a uma orientação técnica, a qual apenas fundamenta decisões já tomadas, o que, num contexto de fraca participação e pejado de interesses circunscritos, compromete a percepção aprofundada das reais necessidades das pessoas pelo decisor político e o remetem - caso não esteja já sugestionado por outras vias - para projectos individuais, imediatistas, circunstanciais, casuísticos e “chave na mão”, onde o “caminho a desbravar” é mais seguro, confortável e perceptível, na mesma medida em que se acentua o pendor populista, a discricionariedade e a informalidade no exercício do poder, sem preocupações estratégicas ou de sustentabilidade.
Isso impele funcionários e dirigentes públicos a servirem as necessidades de políticos democraticamente eleitos e não as dos cidadãos, que, em última análise, são soberanos. Vêem-se como agentes públicos que se movem em nome de outros, e não como agentes que propiciam as condições através dos quais os outros podem agir. Aí cai por terra a mais bem intencionada das retóricas em torno dos valores da prossecução das virtudes da coisa publica.
O que aqui está em causa não é “apenas” a falta de ponderador de longo prazo, a disfuncionalidade da Administração em relação ao interesse público, a fragilidade de opções políticas mal transmitidas aos seus destinatários - vistos como parte do problema e não da solução - que não estão dispostos a se empenharem e envidarem esforços para com elas se comprometerem e se co-responsabilizarem na construção do seu futuro, ou a falta percepção do impacto e das consequências das escolhas dos decisores que administram as suas tributações. Está em causa, por ironia do destino, a própria eficiência das políticas e do serviço público. Não é a governabilidade, nem a eficiência que estão no centro da governação, mas sim a democracia. Aqueles são meios para esta se desenvolver, sem a qual não fazem sentido. É bom que não haja equívocos. Caso contrário o Estado fica cada vez mais isolado e exangue, a projectar ilusões publicadas em Diário da República.
O que interessa o Estado ser eficiente no fornecimento de serviços, se os serviços não servem as necessidades dos cidadãos, ou não são por eles considerados importantes e prioritários? Qual a eficiência disto? Caricaturando, para fazer “a boa acção diária” e ajudar o “ceguinho” a atravessar a rua e ir ao banco levantar dinheiro, não se pode obrigá-lo se ele não o deseja, e, muito menos, se o banco fica num outro sentido.
Não é preciso grande esforço para na política desportiva de ontem, de hoje e de amanhã se encontrarem gritantes exemplos reais desta caricatura, a nível central, regional ou local. Não é preciso também relembrar, para aqueles que acreditam no primado da racionalidade técnica e da prospectiva, o destino do PROIID ou das Opções Estratégicas para o Desenvolvimento Desportivo Nacional (2003-2013).
Antes de gastar bem é essencial saber onde gastar bem. Antes de saber quanto custa o Estado é essencial saber quanto vale o Estado e informar os cidadãos do valor que recebem face ao que pagam de impostos.
As consequências das opções tomadas neste momento têm efeitos multiplicadores muito mais amplos que tiveram no passado para, sob o argumento da falta de tempo ou da suposta eficiência e governabilidade, teimar-se em retirar a democracia participativa da equação e privilegiar a competitividade à sustentabilidade.
Aliás, olhando para o passado, as respostas aos momentos de crise - chamem-se elas New Deal, Great Society, Relatório Beveridge ou National Performance Review - não foram impostas às pessoas, foram feitas com as pessoas. Não foram património da esquerda ou da direita. Não foram planos mecânicos, mas planos processuais. Muito menos foram respostas imediatas de ajustamento à crise, mas compromissos de longo prazo para criar valor na sociedade.
Ah! E todas elas concebidas ou impulsionadas por um líder e não por um político.
Continua…