Parece-me generalizado o sentimento e o julgamento de que não temos o desporto, a saúde, a justiça, a economia, entre muitos outros domínios sociais, que gostaríamos de ter. Temos estas realidades ajustadas ou conformadas ao País que somos, dizem uns. Outros indignam-se, revoltam-se e vão tentando remar contra o situacionismo e a infelicidade latente que reina no País.
Também é verdade que o PNUD, apesar dos maus índices apontados para Portugal na Europa, ainda não nos coloca nos países terceiro-mundistas. Contudo, como com os males dos outros posso, ou podemos, nós bem, não me conformo com algumas realidades desportivas miseráveis.
Poderia citar várias delas, com melhores ou piores retratos. Ir-me-ei reportar ao andebol, por razões óbvias. Primeiro, porque a vivi intensamente como uma das suas protagonistas (praticante e treinadora) até aos 30 anos e raramente me desliguei dela devido às relações institucionais e pessoais que tal vivência proporcionou e desenvolveu. Segundo, porque aceitei o convite de ter sido Vice-presidente da Associação de Andebol do Porto no mandato de 2000-2003 e continuei, noutra dimensão, a “vivenciar por dentro” esta modalidade, não tendo persistido nesta função no mandato seguinte porque, sendo eu a favor da limitação dos mandatos nos órgãos sociais, entendi que a direcção em causa já tinha “ultrapassado a sua validade”. Terceiro, porque sou mãe, tia e amiga de crianças e jovens andebolistas e como tal, por obrigação e solidariedade, vou acompanhando o desenrolar dos acontecimentos.
Não sou por conseguinte uma “paraquedista” no andebol, nem uma teórica do mesmo, sou apenas uma mulher que bem jovem se apaixonou por esta modalidade, a par da do voleibol (praticante federada dos 14-18 anos), e ainda acalenta essa paixão apesar das inúmeras contrariedades, injustiças e desatinos percorridos e vividos até à presente data.
Por isso, por mim, não posso deixar passar em claro e sem contestação muitas das situações inacreditáveis que nas últimas 3 décadas se têm passado no andebol luso. Já o fiz em textos anteriores a propósito da
falta de estratégia e planeamento no andebol feminino ou do desporto que
queremos para as nossas crianças e jovens, assim como na Revista Desporto & Direito, a propósito da "história do desassossego" entre a Liga Portuguesa de Andebol e a respetiva federação.
Volto novamente ao assunto para colocar algumas questões e fazer três considerações sumárias:
1.º Como é possível uma federação desportiva estabelecer contratos de desenvolvimento desportivo com o Estado, auferir deste modo avultadas verbas para fomentar e desenvolver a modalidade e, por exemplo, nos últimos Encontro Nacional de Minis e fase final do Camp. Nacional de Infantis (crianças de 8, 9, 10 11, 12), realizados em Aveiro, a organização destes eventos ter sido mais do que medíocre e com um mínimo investimento federativo e associativo? É inacreditável como se colocam 4 equipas (num total aproximado de 70 crianças e adultos responsáveis) numa mesma sala para algumas apenas adormecerem às 3 da madrugada e outras terem de acordar no dia seguinte às 7h para jogarem às 9h. Nem nos meus primórdios de jogadora e treinadora nem nos finais vivi coisa semelhante. Teria várias narrativas para descrever os dias terríveis destas competições, que deveriam ter sido de festa de fim de época, multidisciplinares, com actividades culturais e sociais e apenas se resumiram a uns quantos jogos da equipa A
vs a equipa B para encontrar um campeão. Como está a ser mal conduzida a formação destas crianças, como estão ser enganadas, “burladas”, juntamente com os seus pais e familiares que esperançados na formação integral das suas crianças pagam (inscrições, seguros, estadias…) para verem (os que vêem) os seus filhos a passar mal e a chorarem.
2.º E o que dizer de acções ditas de formação dos agentes desportivos, igualmente alvo de financiamento público, para as quais se “arregimentam” a nível nacional cerca de 1500 dirigentes, treinadores e árbitros, declarando-as obrigatórias para o exercício da actividade em 2008/09, sem o mais pequeno interesse salvo o de propagandear os “feitos” da FAP, e nas quais formandos dormem a sono solto durante a manhã? Chutar a bola em frente e fazer de conta que o passado não nos diz respeito tem sido a política desta FAP. Agora chama-se “Objectivos 2012”, slogans repetidos e gastos, e sob este guarda-chuva metem-se mais de 500 dias de trabalho das várias selecções nacionais e acções de formação como esta, com o argumento de que fazem parte da cada vez maior exigência e profissionalismo que a FAP passará a exigir a todos os agentes da modalidade…
3.º Por fim, e recorrendo às palavras de Baptista-Bastos (vide revista do DN de 5 de Julho, pp.18-22) “ter saudade é ter lastro, história, percurso. Anda por aí muita amnésia e muita ignorância” quem, com passado e até saudade dos bons tempos andebolisticos, consegue sustentar e convencer que os últimos anos têm sido os melhores do andebol português? Só quem já esqueceu ou nunca conheceu feitos como os da selecção nacional masculina em 1976 (campeões mundiais, GrupoC) com uma final estonteante no pavilhão da Ajuda a rebentar pelas costuras e com treinadores portugueses de nome Adelino Moura e Ângelo Pintado. Quem tem memória deve recordar as repercussões de então e a juventude galvanizada com os seus ídolos que fizeram história durante os anos seguintes. No sector feminino quem despreza, as gerações sucessivas que tão dignamente representaram Portugal nos Campeonatos do Mundo (1986, Grupo C. Valência; 1988, Grupo C. Dreux, 1989, Grupo B. Dinamarca, 1990, Grupo C. Itália)? Só quem não tem memória, quem nunca quiz e não quer desenvolver o sector feminino ou então quem não tem orgulho de ser português/a!
Poderia estar mais tranquila com a
eleição dos novos corpos sociais da Federação Portuguesa de Andebol, pensando que um ciclo de um quarto de século se encerraria e um nova era recheada de estratégias inovadoras, metodologias vanguardistas e sobretudo renovadas esperanças se avizinhariam para o futuro dos/as nossos/as andebolistas. Contudo, basta consultar a
lista vencedora para o ciclo olímpico de 2008-2012 e as
linhas orientadoras da Direcção desta instituição para este mandato para que não restem grandes dúvidas de que a máxima “mais do mesmo” se irá aplicar.
A frase de ordem do novo Presidente da FAP e o seu objectivo mor parecem poder ser traduzidos por
“fazer do andebol um produto”. Há quantos anos ouço esta frase, vinda de outra personagem? Já perdi a conta, mas recupero a resposta de Baptista-Bastos na entrevista acima mencionada face à questão:
que mais o indigna? - “A traição. O delator, seja ele da Direita ou de Esquerda; a indignidade; a ignorância; o pós-modernismo, que tenta destruir os conceitos do humanismo”.