Saberão muitos que no passado sábado, em Inglaterra, durante o encontro entre o Birmingham e o Arsenal, Eduardo da Silva, avançado desta última equipa foi alvo do que vem sendo descrito “por uma arrepiante agressão”, em virtude de uma violenta “entrada” de Martin Taylor, jogado do Birmingham.
Desse incidente resultou fractura da tíbia e do perónio do atleta profissional do Arsenal.
Daí podem derivar consequências jurídicas bem significativas, não só para o atleta como para o próprio Birmingham. Não seria a primeira vez que os tribunais (no estrangeiro, particularmente em França) configurariam estar reunidos os pressupostos para o reconhecimento de um direito a indemnização, em sede responsabilidade civil por acto ilícito (veja-se, neste sentido, a recente situação ocorrida na Argentina).
Ora, diz quem acompanhou a transmissão televisiva, nem uma repetição do sucedido veio a ter lugar. Informa o jornal A Bola, de hoje, que todas as televisões – e o próprio Youtube – não passam essas imagens. «Inglaterra censura agressão», é mesmo o título da notícia.
Por cá, a apenas alguns dias de um jogo a disputar entre o Sporting e o Benfica, A Bola “encheu” toda uma sua primeira página com notícias acerca de confrontos que tiveram lugar entre elementos de claques dos dois clubes, na madrugada de domingo. Tais confrontos, ainda segundo o noticiado, foram graves e combinados entre esses dois (?) (quais?) grupos.
A Bola instalou, por assim dizer, um ALERTA VERMELHO.
Hoje, no seguimento dessa “antevisão de violência” para domingo próximo, o mencionado jornal recolhe afirmações de Manuel Brito, membro do Conselho Nacional do Desporto (CND), nesse órgão ainda desempenhando as funções de presidente do Conselho para a Ética e Segurança no Desporto (CESD), uma das secções do CND.
Esta secção é composta por 20 membros.
Permitam-se-me alguns comentários a partir das suas palavras, não estando obviamente em causa a sua “preocupação” e o facto de, a partir de ter tomado conhecimento dos factos, “não mais ter descansado”, tendo, desde então, estabelecido “intensos contactos”, com vista a inteirar-se de todos os contornos do ocorrido.
Em primeiro lugar, Manuel Brito revela-se surpreendido.
Este estado de espírito é, a nosso ver, sintoma da uma leitura errada – de há muitos anos a esta parte – do fenómeno da violência no desporto e do papel das claques, que vem sendo sustentada pelos poderes públicos.
Basicamente, a mensagem, repetida até à exaustão, é a seguinte: em Portugal há fenómenos de violência, há problemas com as claques, mas nada de comparável com o que se passa no estrangeiro.
Daí que, quando sucedem manifestações de violência, como a da madrugada do passado domingo, já recorrentes em outros países, os responsáveis se surpreendam.
Ou seja, o discurso permissivo da actividade violenta das claques que percorre o imaginário português, entidades públicas e privadas competentes, só pode responder desta forma.
Encontrando-se Portugal, em demasiados aspectos, numa situação de atraso estrutural face à Europa, mais valia, neste caso, que se aproveitasse esse atraso (para arrepiar caminhos que percorreremos inevitavelmente no futuro), pois é certo e sabido – até pela “cooperação internacional das claques” e por um mais do que notório fenómeno de imitação –, que o que sucedeu lá fora, vai entrar na nossa casa, mais ano ou menos ano.
De seguida anuncia-se “um acrescento de um ponto” à próxima reunião do CESD, agendada para o dia 11 de Março, em face da gravidade da situação. Espero, sinceramente, que não tenham que se reunir no dia 3.
De todo o modo, convém ter presente, que nada resultará de verdadeiramente significante desta reunião, realize-se ela a 3 ou a 11 de Março, ou mesmo a 25 de Abril ou no dia Santo António.
A composição, competência se forma de funcionamento do CESD, a lei em vigor (e a sua não aplicação) e a nova (?) lei (e a sua futura não aplicação), são dados que nos permitem, com alguma segurança, prognosticar um elevado grau de ineficácia nas decisões ou pareceres do CESD. Aqui, por exemplo, já o país vizinho, não funcionou como “texto a copiar” para a solução nacional.
O exemplo da legislação espanhola conduz-nos à nossa última observação.
Adianta o presidente do CESD, que em elaboração está já a criação de uma comissão permanente, que “visa ser célere e reunir e decidir casos de urgência.»
E informa sobre a sua composição, pormenorizando que “falta apenas o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Gilberto Madaíl, indicar um representante do organismo a que preside para a comissão ficar constituída” (sublinhámos).
Aqui chegados, ganha espaço legitimo uma constatação que fizemos o ano passado no Público – a propósito da composição e funcionamento do CND.
Com efeito, como é que é possível tal indicação de “representante” por parte do presidente da FPF, para a referida “comissão permanente”, se nos termos do diploma de criação do CND (Decreto-Lei nº 315/2007, de 18 de Setembro), a representação da FPF, através do seu presidente, tem natureza pessoal e não pode ser delegada (artigo 4º, nº3)?
Que validade vai ter uma eventual decisão dessa “comissão permanente”, a qual, à partida, se compõe à margem do próprio diploma que criou (mal) CND?
Violenta-se a lei?
Para A Bola, parecem ficar (e bem ajustadas são), as últimas palavras de Manuel Brito: não se apaga fogo com gasolina.