domingo, 30 de setembro de 2012

(Pro) fundos de investimento


Texto publicado no Público de 30 de Setembro de 2012.



1. Neste início de época futebolística ganharam relevo questões relacionadas com o dinheiro e seu papel fundamental no desporto profissional.
Tivemos de tudo um pouco. A condenação de agentes desportivos em crimes de recorte fiscal e mesmo de branqueamento de capitais, os valores incríveis de algumas transferências de jogadores, de clubes nacionais para estrangeiros, as preocupações de entidades públicas estrangeiras- no caso, das russas -, pelos montantes envolvidos, o aparente desprezo de alguns clubes europeus pelas regras da UEFA quanto ao fair play financeiro e os pedidos de esclarecimentos da CMVM quanto a algumas dessas transferências.

Cada um destes sintomas merece uma leitura cuidada, tanto mais que, como noticiado neste jornal – e constata-se com facilidade – o futebol profissional, num olhar universal, parece viver sempre em contraciclo das crises financeiras. Nunca parece faltar dinheiro e, mais do que isso, os montantes envolvidos em transferências de jogadores e em salários das “estrelas” continuam a subir.

2. Este «tempo» financeiro trouxe ao de cima – uma vez mais – a existência de um “quarto homem” na relação laboral do praticante profissional. Se o empresário desportivo é hoje operador que solidificou protagonismo neste mercado de trabalho – o terceiro homem, na feliz expressão de João Leal Amado, que fez carreira no dialecto jurídico-desportivo -, eis que surgem a ganhar espaço os fundos de jogadores, os fundos de investimento.
Hugo Sousa, neste jornal, tem-lhes dedicado especial atenção e recentemente, a propósito da Doyen Sports, escreveu: “ninguém sabe quem é, a não ser que está sediado em malta, Não se lhe reconhece um rosto, nem a origem do dinheiro. Quem negociou com eles, nada diz”. Os jogadores são como que retalhados, e surgem aos nossos olhos como parcelas de carne de animal adquirido em talho: 40% do “clube” e 60% do “fundo”. O “pé esquerdo” é meu e tu ficas com o direito e os golpes de cabeça.

3. Os fundos, alguns deles funcionando num denso secretismo, se num primeiro momento surgem como soluções expeditas para os clubes financiarem a integração de jogadores na sua equipa, vivem numa lógica contrária à própria estabilidade – tão defendida pela FIFA – da relação laboral, em que os contratos são para se cumprir. Com efeito, retomando João Leal Amado, o fim especulativo do fundo visa, sobretudo, que tais contratos não se cumpram até ao seu termo. As suas mais-valias financeiras só se concretizam com as transferências ocorridas antes do termo desse contrato. Por outro lado, o «peso» dos fundos na “propriedade” do atleta potencia condicionamentos à própria liberdade negocial do clube.

4. A regulação do futebol – FIFA e UEFA –, neste domínio que não deixa de, transferência após transferência, levantar questões e dúvidas quanto à transparência de procedimentos, criando-se assim mais um espaço nebuloso no desporto profissional, continua a primar por alguma descrição e conceitos vagos e indeterminados, não assumindo, de peito aberto, nenhuma regra proibitiva.
Ousamos visionar que, como a propósito da regulação dos agentes de jogadores, as entidades desportivas, vão acabar por conviver, com maior ou menor relutância, como uma realidade que projecta nuvens negras. E, mais tarde ou mais cedo, aí estarão, uma vez mais, os direitos nacionais – e as entidades reguladoras dos mercados de capitais – e o Direito Comunitário para se ocuparem da matéria.

E, se e quando aí chegarmos, falar-se-á então da “especificidade do desporto” e da intromissão da União Europeia.
Alguns ditarão mesmo o fim do futebol, pela segunda ou terceira vez, após Bosman, esquecendo-se que o percurso do desporto profissional, só por ele traçado, o coloca bem dentro da actividade económica, pura e dura.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Viver juntos e ter vidas separadas

Num governo de coligação uma desavença entre os partidos que o suportam capta a atenção pública. E quando essa desavença é dramatizada ao ponto que recentemente o foi, mais ainda. E tendo como pano de fundo um contexto muito amplo de desagrado à ação governativa a situação torna-se explosiva. Mas num governo o risco de desagregação não é exclusivo deste tipo de situações.
Nada existe de pior que um secretário de estado deixar criar a ideia que, para resolver um problema, o melhor é falar com o ministro. Não precisa de o assumir. Basta que pela sua atitude conduza a que assim se pense. É fatal que isso é uma forma de se desautorizar e fragilizar. Pior fica, se o ministro, confrontado com um problema que ele não resolveu ou resolveu mal, não tem tento na língua e aproveita para fazer considerações de que não sabia de nada. É óbvio que ninguém vai assumir que as coisas se passam assim. Mas passam.
Em todos os governos podem ocorrer situações deste tipo. São situações que minam a confiança entre pares e que vão degradando relações. Mas a que nenhum está imune. Estas situações levam-nos a reflexões mais alargadas que nos conduzem a questões tão importantes como o modo se constrói uma equipa governativa. É comum nessa equipa as pessoas não se conhecerem. Nunca terem trabalhado juntos. Nunca terem avaliado os que as une. E se existe alguma convergência para um trajeto comum.
A manutenção de situações deste tipo, a prazo, metastiza toda a atividade governativa. Se entre ministro e secretário de estado não existe confiança o caldo está entornado. Pode haver juras de amor eterno ou representação pública de fidelidade, mas é para consumo público. Lá em casa o ambiente é de cortar à faca. Qualquer dificuldade é um problema. E qualquer falha é entendida como uma traição.
O que hoje se está a viver na governação do desporto tem um pouco de tudo isto. E o seu prolongamento adiará algo que mais cedo ou mais tarde vai ter de ser corrigido. A coisa dificilmente podia correr bem. E não são só razões políticas que ajudam a perceber o que se passa. Na vida nem tudo é resolúvel com saber e conhecimento. É preciso alguma sabedoria. Que não vem nos livros, não está escrito em nenhum manual de governação, nem se aprende nas sinecuras do lobismo partidário. É a experiência da vida. E quem a não tem, não tem como a substituir.
Numa pasta em que o ministro tem várias áreas de responsabilidade política o desporto é governado nos intervalos. Precisa de um secretário de estado em quem possa depositar estrita confiança. E um secretário de estado que nutra igual sentimento. Em que a delegação de competências não seja um ato formal e administrativo mas uma demonstração de confiança política e pessoal. Precisa o ministro e precisa o respetivo gabinete. Se isso não ocorre o que deveriam ser mecanismos de solidariedade e de cumplicidade, transformam-se em mecanismos de desconfiança e de desgaste.
Não é preciso ser bruxo para compreender a procissão que desfila. E que já saiu do adro. Enganam e enganam-se os que pensam que a governação é um simples ato de representação. E que tudo é disfarçável. Ou que o tempo dilui as coisas. Ou que não se sabe. Não é assim. E a partir de determinado momento há situações que não são reversíveis. Numa família pode-se viver junto e fazer vidas separadas. Num governo não.
Como aqui escrevemos muitas das políticas públicas para o desporto-e não nos referimos apenas ao governo atual- perderam o norte. E as políticas associativas adaptaram-se aos ciclos políticos sem qualquer autonomia estratégica. A crise financeira só veio agravar a situação porque é a perda de um dos elementos que foram essenciais para o equilíbrio deste sistema: o financiamento público. Se a estes problemas acrescentarmos o da falta de estabilidade e confiança entre os principais governantes do desporto, onde vamos parar?



terça-feira, 25 de setembro de 2012

Olé e nós por cá


É sabido que os resultados dos atletas espanhóis em Londres não corresponderam a algumas expectativas, particularmente tendo em atenção a proliferação de resultados relevantes nos últimos anos, ao mais alto nível, num conjunto amplo de modalidades que ajudaram a consolidar a “Marca Espanha”.

Perante esta realidade, à qual por certo não será alheia a crise económica e financeira que o país vizinho também atravessa, o Governo espanhol vem agora propor o seu “pacote de ajustamento” para o desporto nacional, seguindo, aliás, em alguma linha, um conjunto de medidas já implementadas noutras potências do desporto mundial, como o Reino Unido, ou a Austrália no seguimento de um amplo debate reformista após a apresentação do Relatório Crawford em 2009.

Sem mais delongas, vejam-se as principais propostas de Miguel Cardenal, presidente do Conselho Superior do Desporto, órgão máximo da administração publica desportiva em Espanha:

  • Corte de 40 a 50 % das subvenções públicas destinadas às federações;
  •  Diferenciação do financiamento público às federações através da elaboração de uma lista de modalidades de interesse estatal, na qual se procede a uma avaliação em função dos seguintes critérios, (i) resultados alcançados, privilegiando as modalidades olímpicas; (ii) boa gestão das federações e (iii) participação feminina em cargos técnicos e de gestão (seguindo, aliás, uma recomendação do COI de há longos anos);
  • Possibilidade de fusão de federações, após análise de plano de viabilidade e sustentabilidade financeira solicitado a cada uma das 66 federações espanholas durante o mês de Outubro;
  • “Para 2013 não se contempla gastar nem um euro em infraestruturas, instalações, nem organização de eventos”.

Estas orientações, apresentadas ao Senado espanhol, são acompanhadas com a redução do orçamento do Consejo Superior de Deportes para 111,37 milhões de euros, estando ainda em cima da mesa um corte nas receitas do futebol provenientes da Quiniela, enquanto se aguarda o impacto da recente Lei do Jogo.


Perante tudo isto Cardenal, não tem escapado a um coro de críticas por este pacote polémico, assumindo inclusive, sem assombro, em recente entrevista, uma previsível queda dos resultados no desporto de elite e de massas, dando a cara por um conjunto de medidas que se impõe tomar num quadro de austeridade.

Muito haveria por dizer sobre isto, no entanto, não tendo ilusões sobre o aprofundamento de tal exercício pelo indigenato pátrio, aguarda-se tão-somente aquilo que, neste capítulo, o próximo Orçamento de Estado nos reserva para depois se dar inicio ao folclore habitual…


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Angola é nossa?

Texto publicado no Público de 23 de Setembro de 2012.

1. Uma ficção. No dia 15 - o sábado de todos os sábados -, um turista australiano, acompanhado de um outro visitante de Portugal, nacional dos Camarões, miravam a televisão portuguesa e ficaram retidos pelas imagens de um jogo de hóquei em patins. Não conhecendo este tipo de desporto, solicitaram alguns esclarecimentos ao empregado de mesa do café. Foi por ele adiantado, após uma sumária explanação sobre as regras do jogo, que se tratava de um jogo muito importante entre as selecções nacionais de Portugal e de Espanha, que iria determinar quem era o campeão europeu.

 
2. Agradeceram os turistas, mas não ficaram totalmente esclarecidos, ficando a pairar nos seus espíritos alguma desconfiança pelas informações prestadas. Com efeito, desde que começaram a ver a transmissão televisiva, o que se lhes apresentava era uma equipa cujo equipamento, trazia bem estampada nas costas das camisolas, Angola 2013. O empregado de mesa só podia estar a mentir. Então ele afirmava que aquela equipa era a selecção nacional de Portugal e os jogadores surgiam com aquela referência, bem visível, a Angola? E como é que era possível tratar-se de um campeonato europeu se Angola estava a jogar? A "coisa", realmente não batia bem e, por isso, mudaram de canal e, à saída, não deixaram qualquer gratificação.

 
3. O Governo português, esse, não tem dúvidas: era a selecção nacional de Portugal. O secretário de Estado Mestre Picanço, no dia 17, endereçou publicamente os parabéns à selecção nacional vice-campeã da Europa. É bonito. E disse mais: sublinhou o sucesso organizativo no acolhimento, em Portugal, do Europeu de hóquei em patins. Mais ainda: "Esta é mais uma prova - para quem ainda subsiste em duvidar e/ou criticar - de que os nossos atletas, técnicos e dirigentes têm condições para ombrear, ao mais alto nível, com os seus congéneres europeus e mundiais".

 
4. Não sou um nacionalista, de todo em todo (gosto assim).Convenhamos, todavia, que a situação criada aos turistas, merecia um parágrafo na mensagem de Mestre Picanço, já que entende ele - o Instituto Português do Desporto e Juventude e o Governo - que a situação não impõe qualquer reparo à Federação Portuguesa de Patinagem ("parece" - mas não o afirmem em voz alta - que exerce poderes públicos delegados pelo Estado).


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Até quando as velhas soluções ?


O fundamento para a oferta de jogos de fortuna e azar através de um regime de monopólio controlado pelo Estado assenta em dois grandes pilares. Por um lado a salvaguarda da ordem pública em relação a eventuais perigos decorrentes destes jogos junto dos consumidores, e por outro, o apoio a diversas actividades de relevante interesse social, como é o caso do desporto, cujo financiamento público, como é sabido, provem, em grande medida, dessa via.

Em relação ao primeiro pilar o direito da UE, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), justifica restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços neste sector com vista à prossecução, de forma coerente e sistemática, de dois objectivos de interesse público, (i) a redução da oferta de jogos de fortuna e azar, ou; (ii) a luta contra a criminalidade com eles conexa, através da canalização dos jogadores para circuitos controlados e regulados, num ambiente seguro para os consumidores. As conclusões do advogado-geral, ainda ontem apresentadas sobre o monopólio grego, voltam a sublinhar este enfoque.

Ora, basta abrir um jornal ou sintonizar um canal televisivo desportivo nacional para se constatar a publicidade massiva a operadores não licenciados à luz do quadro legal deste país, convivendo serenamente com a ilegalidade, por vezes com figuras com responsabilidades públicas a darem a cara. Tudo perante a passividade das autoridades competentes.

Quando alguns processos chegam à justiça, arrastam-se interminavelmente sem alterar significativamente o contexto presente, onde qualquer daqueles objectivos de interesse público, que justificam um regime monopolista, não passam de miragens. Em Portugal, hoje em dia, qualquer cidadão maior de idade pode registar-se e jogar online no operador de apostas, ou de jogos de casino, que entender. Em Portugal, hoje em dia, qualquer cidadão que aposte em jogos oferecidos pelo operador público, em regime presencial, não tem limite na aposta que pode efectuar nem no número de boletins de jogo que pode registar.

Posto isto, torna-se evidente que a abordagem pela via judicial não resolve o problema, e a salvaguarda dos consumidores está longe de ser o principal motivo que justifica a existência de um regime monopolista.
A questão chave encontra-se pois no segundo pilar, ou seja, no domínio das receitas dos vários intervenientes neste mercado, -o Estado, os casinos, as casas de apostas e, last but the least, o futebol profissional -, e carece de uma abordagem política.

Numa primeira análise diversos protagonistas, técnicos e políticos, que emergiram no estudo destas matérias assinalaram uma flagrante falha de regulação com assinaláveis prejuízos para o Estado por receitas fiscais não cobradas aos operadores de apostas online. O mundo do futebol reclamava o “justo retorno” das casas de apostas pela exploração de direitos económicos e comerciais das competições que organiza. Impunha-se então regular o mercado online num regime de licenciamento. Espanha e França eram os exemplos a seguir…

Porém, cedo se levantaram questões a exigirem uma abordagem delicada e cirúrgica, sendo a mais relevante a quebra assinalável de receitas dos casinos devido à expansão do mercado online com o risco de indemnização do Estado e a renegociação dos contratos de concessão, diminuindo consideravelmente as receitas do Turismo de Portugal provenientes das concessões de jogo.

Há que fazer contas, recolher experiências de outros países e considerar os encargos de uma plataforma logística e tecnológica de monitorização da actividade online a administar por uma eventual autoridade reguladora independente, acomodando os interesses envolvidos, sem comprometer as receitas públicas, particularmente num contexto de crise.

È sabido, estão hoje três propostas em cima da mesa de quem compete tomar decisões...

O desporto profissional tem feito da protecção dos direitos de exploração das competições desportivas uma prioridade na agenda política europeia, em especial no que concerne à exploração económica das apostas desportivas online de direitos comerciais alheios (nomes, marcas e símbolos) sem autorização expressa dos organismos titulares dos direitos das competições.

As casas de apostas licenciadas em várias jurisdições europeias, certificadas e auto-reguladas por padrões de jogo responsável validados cientificamente, nos seus diversos indicadores, procuram promover um ambiente de jogo seguro e transparente, demarcando-se de operadores clandestinos que lhes causam avultados prejuízos através de resultados manipulados, manifestam vontade de se licenciarem, pagarem os encargos e impostos devidos e continuar a patrocinar eventos desportivos e equipas de várias modalidades.

O combate à manipulação de resultados - flagelo com maior exposição em campeonatos de pequena e média dimensão, com problemas de financiamento, como é o caso do português - assume especial relevância, numa abordagem à escala supra nacional, junto de todos estes intervenientes reunidos no Fórum do Desporto da União Europeia, bem como dos ministros responsáveis pelo desporto da UE, de quem hoje se espera uma declaração sobre este tema.1

Perante tais desafios à credibilidade das competições e à sustentabilidade financeira do desporto, na sua vertente profissional, mas também no seu financiamento público, os quais exigem novas respostas, até quando continuarão as velhas soluções?

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1. Adenda
Declaração de Nicosia sobre o Combate à Manipulação de Resultados
Nota de Imprensa da Presidência do Chipre do Conselho da União Europeia

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Estar perdido e não parar para perguntar o caminho

Em 2004, Durão Barroso insistiu -foi a versão que na altura me foi transmitida-em discursar na inauguração do Estádio do SLBenfica. E a coisa não correu bem. Foi recebido com uma vaia monumental, o discurso interrompido por mais de uma vez e nem os apelos do falecido Fialho Gouveia pela instalação sonora do estádio, alteraram o comportamento dos presentes. Tudo em direto transmitido pela televisão. Era o sinal do início de um divórcio com o País. Pouco tempo depois as eleições europeias confirmavam-no. De tal modo que abandonou o governo e procurou fora do País a sua zona de conforto.
Há pouco tempo,em Mafra, numa banal cerimónia por ocasião de abertura dos Jogos da Lusofonia, Miguel Relvas, ministro de desporto, enquanto discursava era fortemente vaiado. Presumo que se atualmente entrar num espetáculo desportivo, nem precisa de ser do futebol, e a sua presença for anunciada é, por certo, monumental assobiadela.
José Sócrates no último período do seu mandato onde quer que fosse tinha uma manifestação à espera. Maria de Lurdes Rodrigues a mesma coisa. E se andássemos mais para trás encontrávamos situações similares. Estes casos não são virgens. Contestação aos governos e aos governantes existe em todo o lado. O que é novo é a dimensão dessa contestação. Os governantes perderam o país e este perdeu-lhes o respeito. Parece que não há governante que se safe. O que quase leva o governo para a clandestinidade dos gabinetes. Sair à rua em serviço oficial é ter à espera uma qualquer manifestação. Até o pobre, politicamente falando, Alexandre Mestre, teve direito no Seixal a uma manifestaçãozinha, quando ia perorar sobre como se faz um campeão, coisa de resto, em que é reconhecido especialista com profusa obra reconhecida no país e no estrangeiro.
Goste-se ou não do governo a legitimidade para governar é dele. E não há manifestações que possam substituir as decisões que legitimamente toma. Mas seria um erro de colossais proporções não perceber a dimensão do que se está a passar. E de que as manifestações de sábado passado evidenciam: é que não haverá estabilidade governativa enquanto houver instabilidade política e social. A governação não pode obedecer a caprichos e teimosias. Ou ser um mero exercício de vindictas. Nunca o deverá ser. E menos ainda num momento de tão grandes dificuldades. O governo foi eleito para governar. Mas não pode ignorar a vaga de descontentamento que a sua ação está a desencadear. A legitimidade política mantém-se. Mas essa legitimidade enfraquece-se no plano da ação política se irresponsavelmente ignora o que decorre do exercício da governação.
O desporto não escapa a este estado geral. O PSD não aprendeu nada. Na oposição durante seis anos desapareceu. E não se preparou. Chegou ao governo sem qualquer trabalho feito. Quando teve que governar apressou-se a escolher quem estava mais à mão. E que aceita tudo.O governo, como aqui chamámos a atenção, fez algumas escolhas inacreditáveis só possíveis num quadro de desorientação e de baixo grau de exigência. E não pode dizer que não foi avisado. O ministro da tutela está, de há muito e mesmo antes dos acontecimentos recentes, profundamente fragilizado. Resistir na sua manutenção foi um erro de Passos Coelho. O próprio Miguel Relvas deixou de ter condições psicológicas para poder trabalhar por maior grau de resiliência que possua e capacidade que evidencie. Só isso pode explicar que a partir de determinado momento tenha perdido a condução do que se ia passando na secretaria de estado e na administração pública desportiva. E a conflitualidade entre gabinetes apareceu naturalmente. Muito do que se passa Miguel Relvas não sabe. E não sei se tem cabeça e paciência para saber. O seu mandato chegou ao fim independentemente do momento formal da sua conclusão.
Neste momento mais importante que a elaboração do orçamento para o próximo ano ou dirimir os conflitos com o CDS é o governo reencontrar-se. Desde logo entre si e os partidos que o compõem. E depois com o país. Dificilmente o conseguirá. Mas se não mudar de pessoal político nem vale a pena tentar.



domingo, 16 de setembro de 2012

Ai Jesus!

Texto publicado no Público de 16 de Setembro de 2012.

 
1. No dia 4, o Conselho de Disciplina da FPF (Secção Profissional), o CD, tomou uma decisão disciplinar relativa ao treinador Jorge Jesus, por declarações proferidas, dirigidas a um árbitro assistente, em Março deste ano, no final de um jogo que opões SLB e FCP.

O treinador foi sancionado com 15 dias de suspensão e multa de € 1.500.

Esta decisão foi muito glosada por comentadores desportivos e ainda por alguns juristas, entre os quais eu numa rádio nacional.

2. Luís Sobral – no Mais Futebol – referia a brandura do castigo, a demora e a ineficácia da decisão. Falou do CD como uma aldeia do futebol e aditou um juízo negativo aos termos do voto de vencido do Presidente do CD.

Para Bruno Prata o castigo é um escândalo e o presidente do CD devia demitir-se, visto o tal voto de vencido ser entendido como um “ataque” ao árbitro assistente.

Ricardo Costa – ex-presidente da CD da Liga – concordou com o comunicado do FCP, quanto à demora e ineficácia da decisão. Mas foi mais longe. Enfatizou o escândalo que representa o facto da FPF – bem como outras federações, aditamos – não tornar públicas as decisões dos seus órgãos jurisdicionais, como impõe a lei. Escândalo, só talvez superado pela inação do Estado em fiscalizar esta matéria e repor a legalidade. Não é uma birra, uma mera formalidade que se deixa de cumprir. Publicitar as decisões e seus fundamentos, tem a ver com o Estado de Direito, com a protecção da confiança dos agentes desportivos, com a transparência do agir de tais órgãos no exercício de poderes públicos. Obrigado Bola Branca. Obrigado Rádio Renascença por ter permitido o acesso à decisão, coisa que a FPF e o Estado não deixam.

3. Muitos dos leitores sabem que o meu mundo é cinzento. Posso ter ou não razão, pode a minha opinião merecer ou não crédito. Certo é que ela não é encarnada, verde ou azul. E também não é laranja ou cor-de-rosa. É cinzenta como o Direito.

Dito isto, esta decisão – podia ser Ai Pereira ou Ai Pinto –, merece ser vivamente criticada, em particular o voto de vencido do presidente do CD.

Alguma cautela se impõe – embora não sejamos ingénuos –, nas críticas quanto à medida da pena e ao tempo da decisão. Impõe-se celeridade na justiça. Desportiva ou outra. Decidir devagar só pode conduzir a situações como esta.

4. O que nos deixa atónitos são os termos e o conteúdo do voto de vencido do presidente do CD.

Com o devido respeito – não exageremos aqui –, parece que estamos perante uma painel daqueles que as televisões nos oferecem para discutir – cada um com a sua camisola de clube – se houve ou não grande penalidade ou fora de jogo, e não a ler um texto de um presidente de um órgão disciplinar de uma federação.

Há expressões totalmente inadmissíveis: ”Dessa falta, muito grave e indiscutível [do árbitro assistente], resultou a vitória do clube visitante e a consequente vitória do campeonato, por parte do clube que beneficiou daquele erro”. Como é que é? Um resultado alcançado à 21ª jornada, de 30, em que o FCP passou a ter 3 pontos de avanço? Como é possível afirmar isto, não sendo um mero adepto em discussão de café?

Mais: “ O árbitro em causa tinha todas as condições para ver a falta e tinha a obrigação funcional de o fazer, e não fez, por motivações que só ele sabe”. Mais ainda: “isto é, o treinador, que era um dos grandes ofendidos do erro cometido, passou, por artes mágicas, a arguido e, nessa qualidade, punido disciplinarmente…”. E o abuso das reticências ao longo do texto.

5. A «coisa» não vai acabar bem. Não pode acabar bem, independentemente da nossa vontade. Toda e qualquer decisão deste CD – Profissional, está, a partir de agora, coberta por um indelével manto de suspeita.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

E agora?


Nos telejornais do dia em que Portugal assinou o acordo com a troika, PS e PSD rivalizavam no sentido de chamarem a si a responsabilidade pelo objetivo alcançado. José Sócrates garantia que havia sido possível salvar coisas como os ordenados dos trabalhadores da função pública. O PSD que, na altura, era oposição, pela boca de Eduardo Catroga, fazia passar a ideia que a excelência do alcançado se devia à ação do PSD. Ambos reclamavam vitória. O CDS tinha ficado na fotografia mas na altura da festa passou despercebido. O país escapava da bancarrota e aparentemente aliviado, conseguia respirar. Coisa de pouco tempo.
Quando o PSD chegou ao Governo apressou-se a defender que era preciso ir para além da troika. Paulo Portas foi atrás, em nome do interesse nacional. E aqui chegados há qualquer coisa que não bate certo. O PS, em certos momentos, parece que não assinou e não se comprometeu; o PSD assinou, comprometeu-se, quis,com evidente orgulho, ir mais além , o CDS seguiu-o, mas ambos falharam nos objetivos a que se propuseram; a troika fez mal as contas, mas lava as mãos do que preparou e afirma que o programa de ajuda externa é da responsabilidade das autoridades portuguesas. E não saímos disto quando se anunciam novas medidas de austeridade. Que todos já percecionamos como não sendo as últimas. Porque todas as restantes já adotadas não produziram os efeitos que justificaram a sua apresentação.
É certo que vivemos tempos muito complexos. E quem governa tem imensas dificuldades pela frente. Mas quem governa com maioria e com um pais que interiorizou que gastou mais que o que devia e que, por força desse facto, eram inevitáveis medidas de sacrifico e contenção tinha, apesar de tudo, algo a seu favor. E teve desde logo um sentimento generalizado de rejeição do anterior governo e particularmente de José Sócrates. O que valeu para uma imensa margem de manobra. Que o tempo foi fazendo desaparecer. Desde logo porque as primeiras medidas de austeridade violavam promessas eleitorais. Passos Coelho defendeu uma coisa antes das eleições, e fez outra depois delas. Mas sobretudo porque parece que todos se enganaram quanto às medidas a adotar. E por muito que a crise europeia ou o chumbo do Tribunal Constitucional valham ainda como razão explicativa para o insucesso governamental (a derrapagem do défice é atingida mesmo com o corte salarial que o TC considerou inconstitucional) a vida do governo e dos portugueses, daqui para a frente, vai ser ainda pior.
O que se passou na passada sexta-feira com a comunicação do primeiro-ministro ao País, é de outra natureza. Revela, pela forma desastrada como foi justificada, uma enorme inabilidade e impreparação políticas. De consequências imprevisíveis. O que acentua uma tendência que já vinha de trás: o governo parece estar longe de ter sido constituído por pessoas com experiência e preparadas para os tempos difíceis que se vivem. Por vezes, fica a impressão que não há coordenação política. Que existe uma indisfarçável imaturidade. Que nos diferentes ministérios cada um espera que lhe digam o que deve fazer. Que lhes sirvam um guião.
As políticas para o desporto não escapam a esta tendência. Seria uma enorme surpresa que as escolhas feitas dessem bons resultados. À custa das faturas por pagar passaram as primeiras medidas. Os grupos de trabalho e uns retoques legislativos compuseram a coisa e deram alguma ocupação ao marketing governamental. O dois em um como reforma da administração pública desportiva apresentada como uma medida de emagrecimento do Estado transmite, para já, a sensação de quem entra numa casa onde alguns dos móveis mudaram de sítio, se substituíram outros a família que lá reside, em parte, é outra, mas no essencial a vida é a mesma. O frenesim de presenças neste ou naquele evento não disfarça a inabilidade relacional ou comunicacional dos ajudantes de campo. E se a incapacidade é explicável a arrogância é inaceitável.
E agora? O que fazer? A culpa da situação continua a ser imputada a quem esteve? É uma responsabilidade retroativa? A que se deve a perda visível de qualquer iniciativa governamental? Há quantos meses se não conhece uma palavra ou uma iniciativa do ministro responsável pelo desporto, salvo a recente operação urbanístico-desportiva do Jamor? É suficiente? Neste ambiente pós-Londres o que esperar de uma governação que navega com um mestre ao leme, agarrado ao barco, mas saturado, aborrecido, em permanente conflito, sempre inseguro, preso na sua própria teia? E um ministro que, independentemente de qualquer juízo de valor, se deixou fragilizar politicamente, governando fora do seu ambiente natural, que é o palco mediático, e que fora disso, se sente como peixe fora água, e, como tal, já não funciona? A sensação é de uma equipa cansada, sem estratégia,que deixou de ter iniciativa e que espera apenas o apito final.
Como então alertámos era muito importante não deixar escapar a oportunidade de causar uma primeira boa impressão. Esse tempo desperdiçou-se. Por más escolhas. E com elas uma errada gestão de agenda. E uma inábil seleção de prioridades.Tudo agora se torna bem mais difícil. A começar pelo diálogo social com os parceiros desportivos.Com um país exaurido, mais pobre, mais fraco e menos confiante como construir um desporto melhor?

domingo, 9 de setembro de 2012

Onde está o Meirim?


Texto publicado no Público de 9 de Setembro de 2012.


1.No dia 27 de Junho (uma 4ª feira) recebi um correio electrónico de um advogado que se me dirigia também em nome de uma outra pessoa, esta a colaborar com a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto.

Era-me dado conhecimento da inauguração, no mês de Julho, do Museu Nacional do Desporto e da respectiva Biblioteca.

Para esta apelava-se à minha “atenção de forma particular”.

O correio electrónico anexava uma missiva da apresentação da iniciativa e do que era pretendido com a mesma.

2. Abri o anexo – em formato pdf – com facilidade.

Surpresa.

Era uma carta do Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Mestre Picanço, imagine-se, a mim dirigida. Sem espinhas. Uau! Que intimidade. Que correcção na forma como se contacta uma pessoa da qual se desconhece qualquer paradeiro. Alguém sabe, com efeito, o endereço postal da Faculdade de Motricidade Humana ou da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa?

Após algumas palavras sobre a futura inauguração do Museu (e Biblioteca), enfatiza-se que estaremos perante “um espaço e projecto que a todos pertence e para o qual todos podemos contribuir e é neste espírito de ”porta e espírito abertos” que o desejamos apresentar.”

E a riqueza do espaço, adita-se será tanto maior “quanto mais contributos conseguir reunir de todas as entidades que o recebam como mecanismo de utilidade pública e pólo aglutinador de identidade e conhecimento.” Fixe. Correctíssimo até agora.

3. Depois vem o apelo à minha “atenção de forma particular”, no que respeita à Biblioteca.

Algumas loas e a solicitação do meu “apoio no sentido de nos ajudar a organizar e reunir os títulos, livros e/ou revistas que na qualidade de perito julgue que melhor se enquadram neste espaço.”

Esclarece a Secretaria de Estado: “Este é um projecto dinâmico que tem ponto de partida (inauguração) mas se prolonga indefinidamente no tempo, tal como este convite à participação de V. Exa. no mesmo. Só este carácter intemporal pode manter a qualidade da biblioteca”.

Por fim, sem muito sentido, em face do pedido que me foi dirigido, solicita-se que seja eu a contactar a outra pessoa de cuja existência o advogado já me tinha dado conta. Em suma, alguma confiança, mas não tanto e nem pensar em contactos mais directos com quem que me lança o desafio.

4. No dia seguinte, respondi ao advogado, agradecendo a comunicação, e pedindo que fosse contactado (três números de telefone), para tentar saber o que, em concreto, me era pedido.

5. O Museu foi inaugurado a 12 de Julho passado e não fui, naturalmente, convidado para a cerimónia.

6. Nunca mais o advogado, a outra pessoa, o Chefe de Gabinete, algum motorista ou auxiliar administrativo da Secretaria de Estado – com o devido respeito – me contactou, mesmo seguindo os trilhos complexos que foram percorridos.

Porquê? Foram as férias? Perderam os meus contactos? A Biblioteca fechou? Reponderaram o teor das críticas que sempre dirigi aos governantes (?) do desporto deste infeliz país?

Não sei a resposta.

7. Lembrei-me agora de algo, peço desculpa.

No dia 1 de Julho (o domingo seguinte àquela 4ª feira) publiquei uma opinião no Público. Aí dei conta da “espécie de cunha” que Mestre Picanço tinha levado a cabo quanto ao nome do porta-estandarte na cerimónia de abertura de Londres 2012.

Não deve ter tido relevância para o silêncio, desde logo porque, como afiançava a Secretaria de Estado, eles são movidos por um “espírito de ”porta e espírito abertos”

8.A “coisa” faz-me lembrar as hipóteses práticas dos exames de Direito. Eis o enunciado: A quer a colaboração de B, mas não a quer pedir directamente. Pede a C que o faça. C, por sua vez, comunica com B, mas através de D, para que B fale com E. B responde a D. No final, um silêncio. Quid juris?

9. Agradeço os incentivos que tenho recebido para que “não poupe palavras”.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Cautelas e caldos de galinha...


O Governo, ao longo de mais de um ano que leva de exercício de funções, não apresentou ainda, como prevê o programa de governo, qualquer projeto de requalificação do Complexo Desportivo do Jamor. Este tempo não foi aproveitado para juntar as entidades residentes/utilizadoras do Complexo, designadamente várias federações desportivas, e definir um quadro de soluções possíveis face aos problemas existentes. Este tempo foi aproveitado para tentar resolver dois problemas: o do futebol e o de João Lagos. E com um princípio claro desde o inicio: o governo pretende passar parcelas daquele património público para outras mãos. Única solução, de resto, que,naquele local, pode animar o mercado da construção, face à crise da iniciativa pública.
Não me vou pronunciar sobre a solução que ontem foi anunciada. Ou outras que já estiveram previstas e foram colocadas de lado. E ao histórico deste processo. E a questões de direito no âmbito da propriedade pública do Estado. E ao que está em cima da mesa. Razões de natureza profissional, passadas e presentes, a isso me aconselham. Mas adianto que não tenho qualquer reserva à alienação no todo em parte, garantida que seja a sua função pública, do Complexo Desportivo do Jamor. E não tenho também qualquer resistência de princípio à valorização dos projetos imobiliários e afins que decorrem em áreas anexas ao perímetro do Complexo. Pretendo apenas chamar a atenção para um outro lado do problema: o modo como a realidade Jamor é vivida, é sentida e o seu espaço administrado. E o cuidado que se deve colocar em todas as iniciativas que, pretendendo valorizar o espaço, podem ser entendidas como de limitativas ao sentido público da sua missão.
O Jamor não é apenas o maior um equipamento desportivo público. Não é só um elemento destacado do património publico material. É um elemento identitário a que os portugueses se habituaram a ver e a sentir como uma referência afetiva. E que tem com as populações que o circundam uma relação especial. E pese embora as vicissitudes porque passou e, em determinados momentos, o elevado estado de degradação que atingiu, nunca essa dimensão de pertença se perdeu.
Quando no passado, os responsáveis de então, decidiram vedar algumas das zonas de acesso livre ao Complexo do Jamor, do modo a limitar a sua já acentuada degradação e impedir a prostituição que ocorria num dos topos, a decisão gerou enorme polémica. Quando se procurou impedir que o parque de estacionamento norte se mantivesse em regime de non-stop como local de engate e praticas gay a céu aberto, os portões, então colocados, foram várias vezes destruídos. Quando se procedeu ao abate de algumas espécies arbóreas, velhas e doentes, com o objetivo de substitui-las por outras a medida gerou reclamações e polémicas com a população. E a construção de campo de golfe de 9 buracos que é um fator de valorização patrimonial e paisagístico de todo o Complexo foi motivo de atrasos e disputas em tribunal com imenso dinheiro gasto que seria desejavelmente evitável.
O Jamor foi sempre um espaço de residência /utilização de muitas federações desportivas. São de há décadas inquilinos daquele espaço. É impensável uma qualquer solução futura que não passe pela necessidade de auscultação e concertação com os seus interesses e necessidades. E o que e se diz para este tipo de entidades se pode dizer para a mais antiga escola de formação de quadros superiores de Educação Física e Desporto (FMH).
O Jamor é o maior espaço público disponível para a prática informal do desporto. São milhares os seus utilizadores e qualquer solução futura não pode deixar de levar em linha de conta esta missão de serviço público. Mas o Jamor é também, e ainda, local de habitação para algumas famílias, em antigas casa de função do Estado, muitas delas sem condições de habitabilidade adequadas e que carecem de resolução. E finalmente o Jamor é uma via de atravessamento rodoviário com milhares de viaturas diárias incompatível com a natureza e missão daquele espaço.
Se digo tudo isto não é porque tenha uma solução pronta a servir. Apenas para chamar a atenção para a complexidade de tudo quanto envolve o Complexo Desportivo do Jamor.E para necessidade de não andar a correr atras do fogo-fatuo.E como, o que ontem foi anunciado, ainda vai fazer correr muita tinta, pode ser, que, pelo menos,que tenha o mérito de alertar consciências e chamar a atenção para o Jamor.



terça-feira, 4 de setembro de 2012

As questões que se repetem (*)


A primeira vez que fui detido pela polícia tinha 14 anos. Por um motivo: jogar à bola na rua e fugir para que a polícia não confiscasse a bola. Em Santarém (no Choupal) havia um baldio inclinado onde tínhamos colocado umas pedras a servir de marca de balizas e onde improvisávamos umas futeboladas. Mas tínhamos de estar atentos à chegada do polícia. Porque era proibido jogar á bola na rua. E porque a polícia multava (coisa que nunca confirmei), mas sobretudo ficava com a bola (o que aconteceu muitas vezes). Uma bola, naquele tempo, era um bem escasso. Poucos tinham o privilégio de a possuir. E, daquela vez, a presença da polícia só foi detetada tardiamente e não nos restou outra solução se não fugir. Um polícia que vinha em sentido contrário percebeu o que se passava e deteve dois de nós. Fomos conduzidos à esquadra, a pé, e como a esquadra ficava no lado oposto da cidade, sofremos a suprema humilhação de a atravessarmos indo presos. Pouco tempo depois de chegarmos à esquadra o meu pai, entretanto avisado de que o filho tinha sido preso foi buscar-nos e nada de especial aconteceu.
No liceu de Santarém era proibido jogar à bola. Mas nos intervalos das aulas fazíamo-lo nas traseiras do liceu ou num improvisado polidesportivo existente. De vez em quando, o contínuo, que naquela altura ainda não se chamava de auxiliar de ação educativa, tirava-nos o número e apresentava queixa ao diretor de ciclo. Que me lembre nunca aconteceu nada de especial. E quando havia um feriado -assim se chamava quando o professor faltava- saíamos do liceu, o que também era proibido, e íamos jogar à bola para as traseiras do Convento (Santa Clara).Nesse tempo, na praia, também não se podia jogar à bola. Se aparecia o cabo do mar confiscava a bola.
Anos mais tarde, já profissional, vivi outro tipo de proibições. A I corrida do Tejo na Marginal foi realizada com um forte conflito com a GNR (major França de Sousa) e a II edição foi proibida pelo Governo Civil de Lisboa, na véspera da sua realização, com o argumento de quer era proibido correr na Marginal .O percurso da I meia maratona do 25 de abril (Trafaria/Belém) não foi autorizado porque também não era permitido correr sobre a Ponte 25 de Abril.
Os tempos são outros. E muitas das proibições deixaram de o ser. Vistas à distância algumas destas situações até parecem bizarras. Mas na nossa contemporaneidade há qualquer coisa de cultura do interdito que permanece.
Há cerca de uma semana uma aula de ginástica aeróbica, com cerca de uma centena de pessoas, e realizada ao ar livre no Porto de Recreio de Oeiras, foi interrompida porque a autoridade marítima invocou a ausência de licença para aquele efeito. E embora a entidade responsável pela gestão do espaço tenha dado total garantia de que tinha autorizado a referida ação, e que ela decorria no espaço que geria, a autoridade marítima invocou que a entidade gestora do espaço não tinha competências para autorizar o que quer que fosse no espaço , porque essa era uma competência dela (autoridade marítima).
Há dias, pessoa amiga, telefonou-me indignada porque um grupo de jovens, entre os quais se encontrava um dos filhos, montou uma rede de voleibol numa praia (Baleal) e divertia-se a jogar com os amigos quando foi mandado parar o jogo por uma patrulha da autoridade marítima. O argumento é que só podia o fazer em zona licenciada e devidamente autorizado. A praia naquele local estava deserta e nada daquela atividade prejudicava quem quer que fosse explicaram os jovens e os adultos que entretanto assistiram ao insólito da situação. Que não, diziam os polícias, porque a lei é clara.
Entre as minhas futeboladas de jovem e os jovens que no Baleal queriam divertir-se batendo umas bolas por cima de uma rede passaram cerca de 50 anos. Mas não passou o mesmo espírito miudinho, censório, policiesco, cujo comportamento não resiste ao mais elementar bom senso. E com não é possível legislar o bom senso o resultado é este. O que ajuda a explicar muitos dos nossos atrasos e das nossas dificuldades. Há um polícia e um censor escondidos em muitos de nós. É com o desporto como podia ser com qualquer outra atividade. E que não é culpa do governo, dos partidos políticos, da senhora Merkel ou da troika. É culpa das nossas mentalidades e dos valores que nos orientam na vida. Afinal, os mesmos problemas de sempre!

(*) Título retirado do livro de Paulo Tunhas e Alexandra Abranches,Uma breve história da filosofia.