segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Clubes desportivos centenários (II)

A caminho de mais uma consulta médica, desta vez própria para mulheres de meia idade, recebi uma "dica" vinda deste blog (por falar em mulheres, se tiverem um tempinho e se quiserem leiam esta entrevista).
Vai daí, porque há vozes, pedidos, entre outras coisas, que não podemos deixar de considerar quando estimamos as pessoas amigas, hoje pouco escreverei acerca dos clubes desportivos centenários, apenas agradecerei os comentários do meu último texto e direi o seguinte:

i. A história do associativismo em Portugal, e particularmente do associativismo desportivo, está longe de estar escrita e finalizada. Por isso, fiquei grata pelas mensagens dos Profs. João Boaventura e Monge da Silva, pois através delas facultaram-me informação preciosa (ou, como me escreveu o primeiro, conhecimento que é ou deve ser universal) relativamente ao associativismo e aos clubes. Oxalá seja eu capaz de lhe dar o devido proveito e seguimento!

ii. É bom, muito bom, termos amigos e amigas e sobretudo daqueles/as que são para siempre. Tentarei, na medida do que me for possivel, retribuir siempre (ou pelos menos na maior parte das vezes...)! É igualmente congratulante termos bons/boas estudantes! Naturalmente, o contrário é uma grande tristeza e desânimo.

iii. Discordo em absoluto com o Luís Leite, quer quando invoca um dos grandes problemas do desporto português (a excessiva futebolização do país e a importância dada pela Administração Pública a esta modalidade profissional), quer quando escreve "Pobre Nação sem futuro!" . Pode ser que um dia destes nos vejamos, como aconteceu perto de Évora, e possamos falar disso.

iv. Gosto de ser Professora, apesar de já ter tido (e em parte continuar a ter) outras funções, profissões e missões! Por isso acredito nos jovens e ainda acredito em Portugal, apesar de também por cá, em muitas circunstâncias e lugares sermos comandados e rodeados por loucos. Mas para estes assuntos a imprensa portuguesa reserva pouco ou nenhum espaço.
v. "Fecharei para balanço durante o mês de março." A não ser que motivos supervenientes reclamem a minha pessoa/escrita, o que sinceramente dúvido, pois moro num País calmo ou sereno demais e à beira mar plantado.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Errar é humano, mas lançar a culpa aos outros é mais humano ainda.

A afirmação qu titula este texto parece pertencer a um grupo humorista argentino, Les Luthiers. Mas para o caso pouco importa. Porque em boa verdade é uma espécie de código genético de todos nós. No governo, na oposição, no trabalho, na família. Na igreja e fora dela. E uma das formas de desculpar e relativizar o erro é acusar os outros de terem errado ainda mais. E portanto não terem autoridade moral para apontar erros de que eles próprios padeceram. Porque teriam telhados de vidro. E nesta aritmética do erro e respectivas culpas se esvai o nosso labor crítico.
O exercício é estimulante e é um desporto a que muitos se entregam com a mesma fé com que os muçulmanos oram virados para Meca. Mas pouco acrescenta à boa resolução dos problemas. Porque mais importante do que evitar o erro, que no limite é algo impossível, é ser responsável, digno e honrado no que se faz. Umas vezes errando, em outras acertando. Competência não é sinónimo de seriedade. Há muita gente competente que não é séria. E muita gente séria que é incompetente. O que é mais importante? Porventura o sentimento de honra, de responsabilidade e de dignidade que devem sustentar uma conduta. E que são traços de carácter que valem para qualquer situação da vida, seja ela pública ou privada.
Quando se avalia o resultado de uma acção politica que não correu bem com o resultado de uma anterior que ainda correu pior, não se está a procurar o sucesso dessa acção mas a virar o resultado da mesma para quem critica. O importante passa a não ser a acção, mas os seus intérpretes. O objectivo não é melhorar resultados. É poder dizer: não podes, ou não deves, criticar porque fizeste pior. E o criticado passa a critico. E a vítima. Este exercício é muito comum no debate político/partidário. Até certo ponto compreensível. Mas é inócuo para o país. Para quem quer ver os problemas resolvidos é-lhe indiferente se uns erram muito e outros erram pouco. Porque o que pretende é que não errem. E se isso não ocorre que não justifiquem o erro próprio com o erro alheio.
Não é fácil governar um país. Sobretudo quando se é governo minoritário. Porque à partida se conta com a oposição da maioria do povo. Mesmo algo que num outro contexto não seria considerado um erro corre o risco num clima de confronto de ser classificado como tal. A própria disputa partidária até permite que o mesmo acto, seja erro se praticado por uns e virtude se realizado por outros.
No balanço que é feito da governação, por norma, não se publicitam erros. Tudo são méritos e objectivos cumpridos. O que diz muito da credibilidade dos comportamentos políticos. E do mérito da retórica politica quando pretende veicular uma espécie de razão moral sobre o comportamento cívico. Porque o exemplo que evidenciam é o oposto do que pretendem defender. Mas quem governa, para além de cometer erros, também, por vezes, se engana, avalia mal uma situação ou o efeito de uma medida. Ninguém, nem nenhum governo, está isento de que isso possa acontecer. É até natural que isso ocorra.
Questão diferente é quando se mente. Quando intencionalmente se conhecem os factos e sobre eles se não fala verdade. Ou se escondem. Quando se institui a mentira deliberada como regra de procedimento. Nestes casos a situação muda de figura. Quem não fala verdade sobre o exercício ou o compromisso das funções públicas que exerce não deve manter-se nessas funções. Muita da regeneração da vida pública passa por aqui. Escolher pessoas em que se pode confiar. Que erram. Que se enganam. Mas não mentem.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um novo assalto à capoeira da galinha dos ovos de ouro

A cadeia de valor das receitas comerciais dos direitos de transmissão assenta numa equação simples, na qual os titulares dos direitos pretendem vender em regime de exclusividade - isto é, em acesso condicionado por canal pago -, o máximo de jogos/competições ao maior número possível de operadores. A concorrência entre operadores em sinal fechado é um elemento essencial para se maximizar o valor comercial das receitas.

No entanto, os grandes acontecimentos desportivos, entre outros eventos nacionais e internacionais de relevante interesse público, encontram-se protegidos, de modo a serem transmitidos em sinal aberto. Essa foi, no passado, uma conquista importante do direito comunitário e da política europeia. Hoje em dia, no direito interno dos Estados-Membros sobre esta matéria, é definida uma lista de eventos desportivos qualificados de “interesse generalizado do público” para transmissão em sinal aberto, conforme ocorre, anualmente, no nosso país.

Porém, a amplitude dos eventos a contemplar em acesso não condicionado é pouco consensual. Está, assim, em jogo, a autonomia dos titulares dos direitos - clubes, ligas profissionais, federações, confederações, COI - os venderem nas melhores condições de mercado, ao preço mais elevado, e arrecadarem receitas essenciais à sua sustentabilidade, com a salvaguarda do direito à informação, o qual justifica restrições ao livre funcionamento deste mercado por forma a garantir o acesso alargado do publico à cobertura televisiva de acontecimentos de grande importância. Exemplo acabado desta tensão assiste-se actualmente entre clubes e governo na reforma legislativa espanhola. Contudo, do Luxemburgo continuam a soar ecos que importa escutar…

Ao abrigo da directiva relativa ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva a Bélgica e o Reino Unido apresentaram à Comissão a sua lista de acontecimentos considerados de grande importância para as respectivas sociedades, onde constam, entre outros, eventos desportivos como a Volta à França, os Jogos Olímpicos de Verão, o Memorial Ivo Van Damme, ou o Torneio de Ténis de Wimbledon. Estas listas continham ainda designadamente, em relação à Bélgica, “todos os jogos da fase final do Campeonato do Mundo de futebol” e, em relação ao Reino Unido, a totalidade dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo e do Campeonato da Europa de Futebol. Para um e para outro destes Estados Membros a Comissão considerou as listas compatíveis com o direito da União.

Como esperado, a FIFA e a UEFA viriam a impugnar estas decisões no Tribunal Geral da União Europeia (antigo Tribunal de Primeira Instância) contestando o facto da totalidade dos jogos poderem ser constituídos acontecimento de grande importância para o público destes Estados. No passado dia 17 o mundo do futebol foi derrotado em toda a linha. Para os dois processos do Reino Unido e para o processo belga o “Tribunal Geral declara que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que a qualificação pelo Reino Unido da totalidade dos jogos do Campeonato do Mundo e do EURO e pela Bélgica de todos os jogos do Campeonato do Mundo como um «acontecimento de grande importância» para a sua sociedade é conforme ao direito da União. Consequentemente, é negado provimento aos recursos da FIFA e da UEFA”.

Ainda que da decisão caiba recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia e a FIFA e a UEFA voltem a tentar suportar a sua posição de que apenas os jogos «prime» (jogos do Campeonato do Mundo que incluem a final, meia-final e os jogos da equipa ou equipas nacionais do país em causa) ou os jogos «gala» (incluem os jogos de abertura e final do Campeonato da Europa) devem constar das listas nacionais para emissão em regime não condicionado, e considerem estes grandes eventos como sucessões de jogos individuais e não acontecimentos únicos, a reacção firme da Comissão ao acórdão e o facto do Tribunal ter concluído que “embora a qualificação do Campeonato do Mundo e do EURO como acontecimentos de grande importância para a sociedade possa afectar o preço que a FIFA e a UEFA obterão pela concessão dos direitos de transmissão destas competições, a mesma não anula o valor comercial destes direitos, uma vez que não obriga estas duas organizações a cedê-los seja em que condições for” são elementos que indiciam que este jogo poderá estar a pender para um dos lados; provavelmente, o menos expectável.

Não se pode dizer que os juízes, neste caso específico, não tenham acolhido a ideia, tão defendida pela UEFA e pela FIFA, que o desporto é uma área específica organizada de forma diferente do mercado interno. Mas será que a cúpula do futebol esperava que a especificidade do desporto pudesse assim ser interpretada e pôr em causa a sua principal fonte de receitas?

Nestes dias em que o Tribunal tem abalado a galinha dos ovos de ouro, há porém, no país vizinho, quem sabiamente capitalize estas decisões para vingar os seus intentos…

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Clubes desportivos centenários

Há muito boa, e má, gente na nossa sociedade que gosta de escrever acerca do que não sabe, falar do que nunca viu ou viveu, julgar sem qualquer competência, evidência ou provas das factualidades, criticar sem conhecimento de causa e efeito, enfim...uns pobres de espírito mas pretensos ricos ou novos ricos do saber.
Uns têm de ganhar dinheiro, outros de fazer fretes e outros, ainda que sejam honestos intelectualmente, “não sabem da poda”, como dizem vulgarmente os sábios agricultores e jardineiros. Contudo, parecem, tal a (pseudo)firmeza da escrita, da fala, ou do julgamento, os deuses da verdade absoluta.


Porém, tal face como a face de Janus, há ainda, e continuará a haver (estou certa disso, pois não acredito nas “gerações rasca”), pessoas que escrevem, falam, julgam, criticam, ouvem e observam, com muita propriedade, dignidade e assertividade. Raros ou poucos são, infelizmente, os que o fazem no mundinho do desporto português.


Vem isto a talho de foice das realidades desportivas de importância capital para o desenvolvimento do desporto nacional, os clubes desportivos centenários. E claro está, terei de evocar dois dos clubes que melhor conheço e nos quais tive a honra de ser praticante desportiva treinadora e até dirigente, o Académico Futebol Clube e o Clube Fluvial Portuense , estes sim “os meus clubes”!
Celebrar e comemorar cem anos, como o último destes clubes já o fez (CFP,1876-2011) e como o AFC o está a fazer presentemente é, efectivamente, recordar, celebrar e eternizar muita vida!!


Será que quem assume responsabilidades neste país nas “infindas e variadas instâncias do poder” sabe a dimensão e o significado do trabalho destes e de muitos outros clubes nacionais? Saberão as repercussões que estes clubes e o desporto que lá se praticou e pratica tiveram, têm e terão na vida de um povo?


Ainda sou uma mulher de média idade, como um médico espanhol me apelidou há uns tempos, mas, apesar de optimista, já sou muito céptica relativamente a muita coisa da vida. Não tanto como a minha querida mãe, que aos seus 82 anos muitas vezes me diz: filha “não pode a cadela com tanto cachorro”, filha “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”, etc, etc...
E como esta mulher sábia me põe sempre a pensar, de facto, será que Portugal, este país falido, insolvente, não terá de mudar, ou melhor, só começará a mudar quando todos aqueles que há anos e anos usufruem e pactuam com as maiores folestrias e mordomias, políticas, administrativas, financeiras, desportivas, logísticas e por aí fora, prescindam ou lhes seja vedada essa realidade e canalizem um pouco dos poucos recursos que temos para o desporto? Digo, para o desporto! Para a vida em comunidade, para o associativismo, para a solidariedade, para o companheirismo, para o rendimento, para a superação, para o cumprimento de objectivos, para... e não pararia hoje, mas o tempo e o espaço, também neste blog, são bens escassos.


Finalizo, questionando e recomendando: será que alguém poderá se atrever a trabalhar num determinado sector social sem perceber a sua raiz, o seu contexto e o seu fundamento? Quem quiser, na verdade exercer funções no desporto, seja de jornalista, crítico, jurista, comentador, economista, sociólogo, psicólogo, professor, fisioterapeuta, médico, fisiologista, entre tantas e tantas outras, comece por estudar, pesquisar acerca do desporto, da sua história, dos seus valores, da sua importância e então, depois dedique-se à sua lavra e faça o seu melhor. Quem quiser um Portugal melhor para os seus filhos e vindouros, poupe, trabalhe e seja feliz com os parcos recursos que temos, mas com a maravilha do território e do povo que somos, também com e através do desporto.

Bem hajam, o CFP, o AFC e demais clubes desportivos, centenários ou não!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O pastel de nata e a aula de natação

Um pastel de nata ou um café em Viana do Castelo têm a mesma incidência do Iva que em Faro. E é igual para todo o Portugal Continental. Mas uma aula de natação ,um ida ginásio ou o uso de um pavilhão desportivo já não. Podem ter Iva ou não ter. Depende de quem fornece o serviço. Tem lógica? Deve ter. Mas apenas acessível a sobredotados.
Na matéria fiscal existe a lei. Aprovada na Assembleia da República e/ou pelo governo consoante a natureza do diploma. E depois publicada para conhecimento público no Diário da República. Mas depois existe a interpretação sobre a aplicação da lei. E a respectiva doutrina interpretativa. Normalmente através de ofícios circulados. A vontade e o entendimento do legislador e a vontade e o entendimento de quem interpreta e aplica a lei não são necessariamente coincidentes. Mas o que conta é quem aplica a lei.
Os serviços do IVA emitiram recentemente uma orientação (ofício circular nº 30124 de 14/2/2011) que vem esclarecer o modo de aplicar o IVA às actividades físicas e desportivas. Trocado por miúdos taxa de 23% qualquer que seja a natureza da actividade, com ou sem enquadramento técnico. Se havia dúvidas elas deixaram de existir.
Este entendimento contradiz o afirmado pelo homem do leme do nosso desporto na Assembleia da República - a aplicação ocorreria como em 2007 e 2008…- e é um regime mais gravoso que aquele que vigorava à data em que foi anunciada a redução à taxa mínima do Iva para todas as prestações de serviços desportivos. O que concluir de tudo isto?
a) não há convergência entre o que diz o responsável pelo desporto e que se pratica da parte das finanças.
b) cai por terra o argumento de que a reposição do Iva à taxa máxima seria uma resposta ao sector privado que anteriormente não fez repercutir a redução nos preços praticados. Os utentes do sector privado têm actualmente as mais gravosas taxas jamais praticadas mas atingem por igual modo o sector público autárquico;
c) o governo agrava a já difícil situação do sector público autárquico ao penalizar em 17% todas as transferências realizadas para o sector empresarial local para efeitos de compensações financeiras de prática de preços sociais .
d) continua a haver entidades que operando no mercado e oferecendo os mesmos serviços estão isentas de cobrar IVA.
e) num mesmo território é possível, sem ferir a lei, adquirir um serviço (serve o exemplo de uma aula de natação) e num caso pagar IVA e no outro estar isento.
f) as autarquias que optaram pela gestão indirecta de equipamentos através de empresas municipais se quiserem usar os equipamentos que lhes pertencem tem de pagar ao Estado 23% sobre o tarifado praticado.
g) ao cobrarem às autarquias Iva à taxa normal sobre indemnizações compensatórias para a prática de preços sociais no sector empresarial local é um convite à transformação do volume da transferência em subsídios à exploração, que não têm Iva, e que permite proveitos inferiores com repercussão em sede do IRC.
h) o governo penaliza mais quem faz desporto (23%) do que quem a ele assiste (6% para o ingresso em manifestações e espectáculos desportivos).
i) não seria mais sensato, mais justo, mais transparente e mais fácil que sobre o mesmo serviço, independentemente de quem o presta, fosse cobrada sempre a mesma taxa de IVA? E não seria útil ao combate à evasão, à fraude fiscal e um incentivo à prática das actividades físico -desportivas que o valor correspondesse à taxa mínima?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Discute-se muito,mas debate-se pouco

O desporto é uma forma de avaliação de rendimentos corporais em contexto de competição. E de acordo com uma codificação técnica que especializa cada modalidade desportiva. Sempre ao desporto foram atribuídas outras funções que não apenas as de um modo de confrontar rendimentos. Deve-se a Pierre de Coubertin e ao olimpismo moderno o maior esforço de enfatizar as valências formativas e sociais do desporto. E às diferentes réplicas que esse propósito acolheu com especial relevância para a produção teórica dos ex – países socialistas. O mundo mudou e o desporto acompanhou essa mudança. Invadiu novos territórios. Adoptou outras formas de organização e acolheu diferentes protagonistas. A sua valorização política cresceu. Mas o seu estudo centrou-se muito em questões específicas ligadas ao desempenho motor recorrendo basicamente ao núcleo das chamadas ciências exactas. O recursos às ciências sociais e humanas foi definhando e com elas uma crescente dificuldade em compreender o desporto. O que explica que às tantas o recurso epistemológico tenha sido preterido e o desporto se tornasse equivalente a qualquer coisa que mexesse.
Esta tendência permitiu que se fossem acrescentando novas funções e responsabilidades ao desporto sem curar de saber em que condição estava em lhes responder. Qualquer problema social passava a ter uma resposta “desportiva”: a educação, os valores, a ética, o racismo, a xenofobia, a igualdade de género, a toxicodependência, a solidariedade, a saúde, o envelhecimento, etc. Transformou-se o desporto num comboio para todos os destinos. O desporto sentia-se pequeno e diminuído com a sua missão originária. E vai de aceitar outras vocações. E tudo assente numa base de optimismo ingénuo: a prática desportiva seria acompanhada “ipso facto” pela apropriação unívoca e normativa do seu potencial cultural e social. Uma espécie de agente milagreiro!
Continuar a afirmar e a aceitar este absurdo só desvaloriza o desporto porque lhe atribui algo que ele só tem condições de garantir se salvaguardadas condições do seu exercício que lhes são, em parte significativa das situações, exteriores. Dói, consultar muitos dos documentos de orientação programática para o desporto nos países da União Europeia e ver repetida á exaustão os mesmos lugares comuns, a mesma visão profética do desporto, os conceitos indeterminados, que são tudo e nada ao mesmo tempo, a dimensão evangélica e piedosa de um desporto como factor de aproximação das pessoas e dos povos e depois constatar que o que se passa na realidade nada tem a ver com a perspectiva dos eurocratas. Só quem está longe dos locais de produção da prática desportiva ou não tem instrumentos de compreensão dos factos desportivos pode alimentar tais ilusões. De resto, não é novidade que entre muitos dos que abordam o desporto nem todos o conhecem, o praticaram ou habitualmente o frequentam. O desporto discute-se muito, mas debate-se pouco.
Existe um evidente paradoxo entre um desporto que cresceu e se desenvolveu e uma reflexão que é comparativamente mais pobre do que há duas décadas. Consulte-se as edições da administração pública desportiva e compara-se o que já se publicou e hoje se publica. E realize-se igual exercício no sector editorial privado. O que se explica, não tanto pela ausência de especialistas, que crescem a um ritmo só comparável ao de especialistas em questões egípcias e do médio oriente, mas pelo que produzem. O que se ganhou à escala planetária em matéria de desenvolvimento do desporto perdeu-se em capacidade de o interpretar
.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Nos 90 anos de Mário Moniz Pereira

Texto de Luís Leite que agradecemos


Não posso deixar passar a efeméride sem publicar aqui algumas ideias minhas, feitas de convívio e amizade de décadas, sobre aquele a quem um dia começaram a chamar “Senhor Atletismo”.
Mário Moniz Pereira é um caso ímpar de sucesso multifacetado:
No Desporto, com grande relevo internacional no Atletismo, mas influenciando também várias outras modalidades;
Na Música, como autor de inúmeras preciosidades do Fado;
Na Vida, como exemplo de Pessoa exemplar. Pai de Família exemplar. E o orgulho infinito de ser português.
Mário Moniz Pereira não será propriamente um caso de talento puro.
Mário Moniz Pereira é um caso de PAIXÃO, TEIMOSIA, ENTREGA, PERSISTÊNCIA, MÉTODO, RIGOR, HONESTIDADE e TRABALHO. Muito trabalho de investigação e experimental, que se foi transformando em conhecimento.
Ficou célebre a sua frase: “Amanhã há treino às 9.00 horas em ponto, sejam quais forem as condições atmosféricas, incluindo terramoto.”
Mário Moniz Pereira sempre disse A VERDADE publicamente e nunca teve medo.
O Professor foi e será sempre UM PROFESSOR, para todos.
Mário Moniz Pereira influenciou decisivamente o Atletismo, o seu Sporting e o Desporto português em geral mais do que qualquer outra pessoa, durante mais de 60 anos.
Não tenho qualquer dúvida.

Como ele diz, não tem 90 anos. Tem quatro vezes vinte mais dez.
Parabéns, Professor!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Política ou Políticas Desportivas: Um novo ciclo!

Mais um texto de José Pinto Correia, que a se agradece.
Está a abrir-se um novo ciclo político em Portugal. E no desporto tem de abrir-se necessariamente um espaço de ampla discussão em volta das políticas desportivas que conduzirão o futuro do nosso desporto para outros níveis de prática e de resultados competitivos.

Está assim chegado o momento para que se abram as portas à discussão sobre a nova política ou as novas políticas desportivas.

E desde logo se deve começar por reconhecer que a política implica escolhas e opções entre alternativas de organização da sociedade. E no caso do desporto, esta política deve permitir organizar sob formas e instrumentos alternativos o desporto – pois se trata de política desportiva.

Podem e devem surgir então quadros referenciais distintos e até antagónicos para essa formatação da política desportiva.

E desde logo, e à cabeça, surge o papel do Estado – que não apenas o do Governo pois que este é o gestor temporário desse mesmo Estado – na sistematização do desporto.

O Estado deve ter um papel essencial, porque insubstituível, no desporto ou não? Se sim, deve ter esse papel em todos os níveis, desde o desporto de base (escolar e/ou comunitário) até ao de competição (muitas vezes quase ou mesmo profissional)?

No desporto escolar a respectiva organização e financiamento deve ser confiada ao nível governativo local, de acordo com o princípio da subsidiariedade, ou ser centralmente definido por uma entidade governamental centralista (um Ministério ou equivalente)?

Como se organiza o Estado para promover o desporto a nível nacional? Deve existir um organismo governamental ou para-governamental encarregue de promover o desporto de base por todo o País ou deve deixar-se essa missão e recursos correspondentes entregues num ente governamental ministerial central (um Ministério da Educação, por exemplo, para o desporto escolar)?

Como organiza o País e o governo o financiamento do desporto de competição? Deve existir um organismo governamental ou para-governamental encarregado de promover e financiar o desporto de competição e os respectivos ciclos olímpicos?

Estas questões podem ter obviamente respostas diversas. Essas respostas definem estruturalmente o sistema desportivo nacional, no pressuposto de que ao Estado cabe um papel insubstituível na promoção e financiamento do desporto.

Claro que poderá existir uma alternativa ideológica, de cariz vincadamente liberal, que é estranha à matriz europeia do desporto, de dizer que o Estado deve sair do desporto, ser “Menos Estado”, e que a primazia deve ser dada à iniciativa privada e às denominadas instituições intermédias (nas quais se incluem nomeadamente os clubes). Só que nesta concepção fica por clarificar como seria concretizada a independência das organizações privadas ou não-lucrativas do desporto relativamente ao Estado, por um lado, e como se garantiriam níveis adequados de prática desportiva na base.
Mas no meio de hipóteses extremas de organização do desporto há inúmeras possibilidades de organização do desporto nacional que carecem de ampla discussão e podem ter caminhos e soluções organizativas e financeiras completamente díspares. Só que tudo isso pressupõe pensamento profundo, estratégia de desenvolvimento, opções organizacionais, entendimento dos papéis dos diversos patamares da orgânica estadual e dos agentes e actores do sistema desportivo.

Depois, ainda destas respostas terem sido dadas e encaminhadas soluções consequentes, e como acima se referiu, viriam as políticas desportivas – no entendimento actual das denominadas políticas públicas. E aí a sua indispensável concepção e operacionalização passaria pela preparação e a liderança activa dos próprios governantes, decorrentes de um seu correspondente nível de reflexão estratégica e do entendimento do papel social, económico e cultural do próprio desporto na vida nacional.

No final deste exercício poderiam vir a ser outras as contas para a prática e os resultados internacionais do nosso desporto. Que não os mesmos míseros vinte e tantos por cento de prática regular que nos envergonha no contexto europeu e que todos continuamos a referenciar há quase uma década.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Contra a corrente

Mais de 50% dos adultos e uma em cada sete crianças na União Europeia são obesas ou têm excesso de peso, revela o estudo “Health at a Glance – Europe 2010”, publicado pela Comissão Europeia e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). De acordo com os referidos estudo os índices de obesidade nos 27 países membros da União Europeia mais do que duplicaram nas últimas duas décadas e não há evidências de que o aumento da prevalência de excesso de peso/obesidade esteja a abrandar ou a diminuir.
Se compararmos, na mesma realidade geográfica, este indicador da obesidade com o indicador de prática desportiva verificamos que para igual período o índice de pratica desportiva aumentou. Pelo que se pode concluir que o aumento da prática desportiva, por si só, não foi suficiente para impedir o aumento da obesidade e que é preciso ir buscar a outros factores os motivos explicativos para tal ocorrência. Os resultados agora encontrados evidenciam que a agenda política europeia que coloca o aumento das práticas do desporto – como também pretendem os higienistas que se instalaram no universo desportivo – como combate à obesidade falha nos seus propósitos.
A obesidade é um fenómeno estranho à matriz fundadora do conceito e as práticas do desporto. Qualquer evidência empírica constata que há práticas e modalidades desportivas de baixo gasto energético e onde não há qualquer incompatibilidade de tipo motor com o praticante obeso. Mas por outro porque o desporto não foi criado para responder/resolver qualquer anormalidade, desconformidade ou distúrbio atribuível a factores ligados ao baixo dispêndio energético e à obesidade. A perspectiva biologista e as ciências da saúde para aí o querem empurrar mas os resultados demonstram o equívoco.
Os epidemiologistas e os apóstolos dos estilos de vida saudáveis com a inevitável pastoral do desporto/actividade física - em que um qualquer vulgar cidadão que caminha no passeio equipado com vestuário desportivo corre o risco de ser classificado como “praticante desportivo”por uma das igrejas /sinagogas do exercício que pululam por essa Europa fora- têm certamente uma explicação cientifica. Mas não têm como sustentar que a obesidade é um problema que cabe ao desporto resolver. O desporto precisa de gente saudável para ser praticado com menos riscos. O desporto não serve para tornar saudável quem o não é. O problema é de outra natureza.
Conhecem-se os problemas individuais que concorrem para a obesidade. E sabemos que quem tem dinheiro bem pode procurar um dos milhares de clínicos especialistas que lhes podem dar a solução de um corpo perfeito. Mas ultrapassadas estas questões formais fala-se pouco das relações entre a obesidade e a desigualdade social. Mas estudos realizados e abundantemente citados mostram que a obesidade tende a baixar nos países onde as diferenças de rendimento são menores. A esse propósito os trabalhos publicados por Richard Wilkinson e Kate Pickett( O espírito da igualdade -porque razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor ,Editorial Presença,) evidenciam as determinantes sociais da obesidade e quanto o desenvolvimento económico e a distribuição da riqueza são decisivas no modelação do padrão de saúde das comunidades.
A obesidade por conta e risco de cada um -conquanto cuidem do regime alimentar e dispendam energia- não passa de uma grande ilusão se não se alterarem as condições onde nascem, crescem e desenvolvem os comportamentos e hábitos classificados como de risco. E a sua superação só é possível num quadro de luta mais geral contra as desigualdades sociais.E deixem o desporto em paz.Não peçam, nem esperem do desporto aquilo que ele não tem condições de resolver.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O assalto à capoeira da galinha dos ovos de ouro

A venda colectiva e a exclusividade territorial no licenciamento dos direitos de transmissão de eventos desportivos têm vindo a ser - assim vários estudos o atestam - factores críticos para a valorização do futebol profissional enquanto produto comercial.

Com a liberalização do mercado da televisão no final da década de 80 e o desenvolvimento tecnológico de novas plataformas de media o negócio cresceu exponencialmente, tornando-se a principal fonte de receita dos clubes europeus, mas também um investimento rentável para as empresas de radiodifusão, as quais, até há bem pouco tempo, estavam dispostas a despenderem valores cada vez mais elevados na aquisição desses direitos (representam entre 30-65% da sua despesa total em direitos televisivos).

A evolução e maturação de um mercado com assinalável dimensão económica passou por um longo processo e foi, desde cedo, alvo do escrutínio atento das instituições da UE - particularmente do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e da Comissão, em inúmeros processos em matéria de concorrência e de mercado interno -, afinando progressivamente os mecanismos de regulação e o modelo de negócio, com o propósito de se alcançar a melhor solução na salvaguarda dos interesses dos consumidores, dos clubes, das ligas profissionais e dos patrocinadores, no respeito pelo Direito da UE.

Assim, a venda colectiva e a exclusividade territorial tendem a ser consideradas como as melhores práticas comerciais para valorizar os direitos televisivos, atrair patrocinadores, maximizar as receitas e garantir a sua redistribuição, tal como, pela primeira vez, a Comissão vem reconhecer e recomendar às autoridades desportivas na sua recente Comunicação “Desenvolver a Dimensão Europeia do Desporto” (v. pag. 9), onde apresenta ao Parlamento e ao Conselho as suas propostas para um programa político para o desporto na UE de acordo com o mandato que o artigo 165.º do TFUE lhe confere. A ela voltaremos, por certo, neste espaço.

Após uma ampla negociação e longa consulta ao mundo do desporto, aos Estados-Membros, a organizações relacionadas com o desporto (entre as quais representantes do sector audiovisual), peritos independentes, cidadãos europeus - estes através de um fórum online -, e análise de um estudo encomendado pelo Parlamento sobre o Tratado de Lisboa e a política desportiva da UE, tudo estava preparado e consensualizado, como é mister na política europeia, para a Comunicação sair e ser aclamada - como o foi em várias sedes -, até porque se tinha a exclusividade territorial como o reflexo da natureza nacional dos mercados desportivos e, em relação à venda colectiva, apenas Portugal se mantinha irredutível em seguir esse caminho (estima-se que o valor real dos direitos televisivos da Liga Sagres seja de € 150 milhões, sendo que com a actual venda individual dos direitos os clubes apenas obtêm receitas na ordem de 1/3 daquele valor). Portugal, é sabido, pouco pesa nas decisões comunitárias, muito menos pesará - dada a dimensão do seu mercado desportivo - neste aspecto em concreto.

No entanto, passados poucos dias, no dia 3 de Fevereiro, saíam do TJUE as conclusões da advogada-geral Juliane Kokott sobre dois casos, tendo por objecto uma acção cível e uma acção penal, relacionados com a utilização de cartões descodificadores estrangeiros importados com o propósito de visionar num estabelecimento de restauração do Reino Unido os jogos da Premier League, a um preço mais reduzido do que o proposto pelo organismo de difusão daquele país, violando, assim, os acordos de exclusividade territorial assinados entre o organizador da liga inglesa e os operadores, segundo os quais os operadores licenciados têm o direito exclusivo de emitir e explorar os jogos na sua zona de difusão.

Nestes contratos de licenciamento os organismos de radiodifusão estão obrigados a encriptar o sinal que enviam por satélite e transmitem aos seus assinantes no território que lhes foi atribuído, podendo os assinantes descodificar o sinal mediante um cartão descodificador, cuja distribuição é restringida para fora do território para o qual a licença foi concedida.

Ora, segundo a advogada-geral: “a livre prestação de serviços opõe-se a uma norma que, para proteger a propriedade intelectual, proíbe que se utilize num Estado-Membro dispositivos de acesso condicionado para televisão por satélite codificada comercializados noutro Estado-Membro com o consentimento do titular dos direitos sobre a emissão. (..). Tampouco uma disposição contratual segundo a qual os cartões de descodificadores apenas podem utilizar-se para um uso doméstico ou privado altera este resultado”.

Por certo este caso merecerá a devida análise jurídica. O que importa aqui considerar são as consequências desta posição que, caso seja acolhida - como na generalidade dos processos o é pelos juízes do TJUE no acórdão a deliberar -, poderá tornar os acordos de exclusividade territorial contrários ao direito da União, proibindo os organismos de radiodifusão de impedirem os consumidores - para já no Reino Unido - de usarem cartões descodificadores estrangeiros para verem os jogos das suas competições desportivas nacionais.

Tal compromete a maximização do valor dos direitos de transmissão através do actual regime de licenciamento numa base “país a país”, reduz as receitas do operador licenciado para difundir no território (neste caso específico estimam-se perdas para a inglesa BSkyB na ordem dos 70 milhões de libras), diminuindo os seus subscritores e, naturalmente, reduz o preço a oferecer nas próximas vendas de direitos de transmissão. Tudo isto com o impacto de se tratar da maior fonte de receitas dos clubes de futebol e na maior liga de futebol profissional do mundo, a qual, como seria expectável, reagiu de imediato.

Convém, por último, ter bem presente que, hoje em dia, o condicionamento excessivo no mercado de direitos televisivos pode estimular a procura de outras fontes de difusão de conteúdos em rápida expansão, mas menos reguladas, ou até ilegais, sem qualquer remuneração dos titulares dos direitos de transmissão. Convém a Comissão - que mais uma vez se viu ultrapassada pelo rumo dos acontecimentos - integrar rapidamente estas preocupações em torno da importância da salvaguarda dos direitos de propriedade intelectual vitais para várias fontes de financiamento do desporto, profissional e amador, no âmbito da Agenda Digital, conforme lhe foi sugerido em tempo oportuno. Caso contrário poderão ser abertas as portas à revolução na venda de direitos de transmissão. Aqui está um exemplo onde a acção comunitária poderá ser decisiva.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Portugal ou “Portubol"?

Texto de Luís Leite cujo envio se agradece.

Retrato actual:
Um país mergulhado numa crise estrutural e financeira sem solução, por causa da inépcia de sucessivos governos, com fortíssimas responsabilidades para os últimos do PS.
Neste país, o Futebol, uma modalidade desportiva profissional, é “IMPORTANTE”.
Tão importante que:
Para se organizar um Campeonato da Europa se construíram estádios a mais, sem quaisquer estudos de viabilidade económica, que continuam a arruinar Municípios e Clubes;
Foi produzida, aprovada e promulgada legislação para impor um novo regime jurídico às Federações, mas o Futebol não cumpriu nem cumpre e o responsável do Governo foi fechando os olhos, porque o Futebol é um caso à-parte; e o governante não tira por completo a Utilidade Pública Desportiva porque, ao contrário do que a Lei (feita por ele) prevê, não se pode fazer isso ao Futebol, às Selecções Nacionais e aos 3 grandes nas competições europeias; o Governo desautoriza-se a si próprio, a bem do Futebol, coisa MESMO importante;
As Sociedades Anónimas Desportivas estão falidas, mas o Estado arranja maneira de fingir que não vê e o “totonegócio” transforma-se, num abrir e fechar de olhos, em “jeitosonegócio”;
Ao contrário de todas as outras empresas, para as do Futebol, “falir”, mesmo estando falido, não é falir; vai-se aumentando o capital, em vagas sucessivas, à custa dos fervorosos e indefectíveis sócios;
Os clubes portugueses, falidos, têm os seus plantéis com 80% de estrangeiros, sendo mais de 70% sul-americanos e alguns dão-se ao luxo de jogar com 9 ou 10 sul-americanos; os jogadores portugueses praticamente já não têm lugar nas equipas portuguesas que, estranhamente, já pouco (ou nada) têm de portuguesas;
A alienação pela “futebolite” continua a ser favorecida pelo Estado, desviando-se assim a atenção da população para o que é MESMO importante: a bola;
Muitas autarquias endividaram-se e endividam-se muito acima das suas possibilidades para salvar, continuadamente, os clubes profissionais da terra, faltando o dinheiro para tudo o resto;
Os clubes estão falidos, mas as gentes do futebol prosperam…;
O Futebol é uma das rampas de lançamento e promoção político-social preferidas; porque oferece uma visibilidade ímpar; se é comentador de Futebol percebe de Desporto e percebe de tudo e tem lugar no Conselho Nacional do Desporto e em Conselhos de Administração de empresas públicas;
Em vez de se ilegalizarem as claques desordeiras, estas são toleradas pelos Governos, mobilizando-se forças policiais preventivas e de intervenção que não existem para proteger a sociedade civil ordeira.
Em que é que ficamos:
Portugal ou “Portubol”?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

“Gestores, não MBAs!” (da sala de aula à prática)

Já em tempos, neste blog, tinha feito referência a um dos livros que evoca um lema com o qual cada vez mais me identifico. Efetivamente, foi proficiente e muito clarividente Henry Mintzberg na sua recente obra intitulada “Gestores, não MBAs!”, ao afirmar que as salas de aula convencionais de MBA dão demasiada enfâse à ciência da gestão, ao mesmo tempo que ignoram a sua arte e desprezam o seu ofício, deixando uma imagem distorcida da sua prática.

Daí que animada por estes pensamentos e convicta da necessidade de alargar “horizontes e mundos” aos estudantes do mestrado (2.º ciclo) de Gestão Desportiva em curso da minha faculdade, decidi, fazer algo de inovador, no pressuposto de que seria uma boa estratégia formativa para o conjunto de jovens (idades entre os 21 e os 46 anos) que o integram.

Desta forma, em vez de fazermos a 2.ª sessão do módulo de Direito do Desporto nas salas de aula da nossa confortável escola, rumámos até à “capital do Império”, ou se quisermos para as suas imediações e lá trabalhámos durante dois dias.

Contando com a colaboração muito pedagógica da Empresa Municipal Oeiras Viva e da Federação Portuguesa de Atletismo, assim como com contributos valiosos de Colegas e Amigos com quem já laboramos há anos (reforço o agradecimentos sincero a estas entidades e demais intervenientes), os estudantes aprenderem mais nos mencionados dias do que provavelmente em todo o módulo da unidade curricular referida. Direi mais, ao terem sido abordadas várias temáticas relacionadas com o Direito do Desporto e consequentemente com a orgânica das entidades desportivas públicas e privadas, com as opções políticas que concretizam e planeiam, com as múltiplas relações e inter-relações que se estabelecem no sistema desportivo e naturalmente abordando a legitimação normativa e política deste tipo de organizações e seus respectivos agentes, o que fizemos naqueles dois dias permitiu uma melhor assimilação e integração de conhecimentos adquiridos noutras disciplinas e fez com que os estudantes se tenham consciencializado da transversalidade dos conhecimentos no domínio da Gestão Desportiva. Tudo isto numa simbiose harmoniosa entre a prática e a teoria.

Este é, sem dúvida, um caminho a seguir: minimizam-se custos e rentabilizam-se, entre outros, recursos humanos, financeiros e logísticos, com o propósito de melhor formar gestores e profissionais do desporto. E este é um desígnio que a todos nos deve mover, já que, quanto a mim, o fosso profundo que nos separa da realidade desportiva, por exemplo dos nossos vizinhos espanhóis e franceses (vejam a título meramente exemplificativo o que se passou nos últimos 30 anos no andebol português, comparativamente com estes países), é fruto da má política desportiva e da má gestão que reina entre nós nas últimas décadas. Ademais, é angustiante não se verem muitas luzes ao fundo do túnel, apesar de algumas instalações desportivas de eleição e de alguns feitos internacionais de relevo.

Resta-nos, como eu dizia há dias nas provas públicas de doutoramento do Fernando Tenreiro, profissional com obra feita ao longo de anos na Economia do Desporto em Portugal e do qual falarei em próximo texto, pensar nas palavras sábias de Friedrich Nietzsche (1844-1900) “O ser humano sofre tão terrivelmente na Terra que não teve outro remédio senão inventar o riso”. E assim, com um sorriso nos lábios, continuarmos a gerir as nossas vidas honestamente, tentando ser um pouco mais felizes amanhã, mesmo com os brutais cortes salariais (para não lhe chamar outros nomes) que nós os “pobres” tivemos. Se assim for o Desporto também colherá os seus frutos.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Estado, Governo e FPF: Ensaio de entendimento "in Profundis" Parte I

Mais um texto de José Pinto Correia que a Colectividade Desportiva agradece.

“A sociedade portuguesa projecta o que não é, para não ter de reconhecer o que é” (Joaquim Aguiar, “Fim das Ilusões, Ilusões do Fim: 1985-2005”)

Aquilo a que se tem vindo a assistir em Portugal nas relações entre o Governo e o Estado, de um lado, e a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), do outro, ininterruptamente desde há dois anos, na sequência da publicação da nova legislação sobre as federações desportivas, tem de ser entendido à luz da substância que determina a organização da vida institucional, económica, social e cultural da sociedade portuguesa.

Vejamos então um pouco mais aprofundadamente o entendimento que pode estar subjacente em toda esta luta incessante e por vezes quase inexplicável, movendo actores dos mais poderosos e diversos em vários níveis e instâncias, que tem vindo a ser travada em torno da nova orgânica estatutária da FPF.

Max Weber distinguia três formas de dominação e de configuração do poder político: a forma burocrático-racional, a forma carismática e a forma patrimonialista.

O patrimonialismo tradicionalmente “significa, antes do mais, que os postos governamentais se originam na administração da casa do rei. (…) O rei concede privilégios na base das obrigações que impõe (…) Os funcionários, por sua vez, consideram o seu trabalho de administração para o rei como um serviço pessoal baseado nos seus deveres de obediência e de respeito” (citado, em adaptação do original de Reinhard Bendix “Max Weber – An Intellectual Biography”, por Joaquim Aguiar).

No patrimonialismo existe um centro de poder habitado por elites centrais e uma rede de dependências ou de relações clientelares, os denominados centros patrimoniais, que dão a correspondente estruturação à configuração económica, social e regional. No patrimonialismo impera uma “estruturação política de relações clientelares, de dependências recíprocas, de redes de interesses e de fidelidades obtidas em função de contrapartidas, de garantias de protecção e de satisfação de expectativas distributivas”.

A sociedade portuguesa é ainda hoje uma sociedade de tipo maioritariamente patrimonialista, mais exactamente neopatrimonialista, na qual o outrora papel determinante do suserano foi substituído pelo moderno do Estado. Neste tipo de dominância sociopolítica não imperam as relações burocrático-racionais, nem as exigências do tratamento indiferenciado, e as estruturas de poder são frágeis e baseadas em lógicas “ad hoc” de favorecimentos particulares e de gestão administrativa pouco independente e profissionalizada. Os respectivos centros de poder e patrimoniais estabelecem uma configuração piramidal com as elites centrais a acumularem os factores e sinais básicos do poder e a estabelecerem o predomínio das relações de tipo clientelar e a formação de grupos corporativos. “A estruturação do neopatrimonialismo estabelece uma hierarquização em pirâmide, mas em cada nível de estruturação reproduz-se a mesma articulação entre elites centrais e periferias sociais, unidas por uma relação de dependência recíproca”.

Os tipos de políticas que as sociedades patrimonialistas desenvolvem tendem a ser paternalistas, distributivas, acumulativas (concentração do poder no centro) e extractivas (de colheita de impostos), onde o poder central do Estado exerce uma absoluta predominância, acumula parte substancial dos recursos da sociedade e fica com o dever de satisfazer parcela substancial das respectivas necessidades.

O Estado é o soberano todo-poderoso, detentor de um poder centralizado, organizador das relações de dependência dos circuitos distributivos e que determina as legitimidades e os mecanismos de satisfação das necessidades sociais. Predominam as orientações particulares (opostas às de generalidade do tipo da dominação racional-burocráticas) e tendem a solucionar-se as pretensões dos grupos mais próximos do poder ou de quem os agentes do poder estejam mais dependentes.

O Estado assume como se referiu um predomínio essencial na formação das estruturas sociais, económicas e culturais, e constitui-se num pólo inquestionável de referência para todas as agregações periféricas de actores. Toda a sociedade olha para o Estado, reverencia o seu poder inigualável, e as respectivas clientelas e corporações de interesses transmitem-lhes as suas expectativas e necessidades. Por isso não é de estranhar que “Na forma de dominação patrimonialista, o excesso de centralização de poderes, de recursos e de funções no Estado conduz a uma sobrecarga de pressões e de solicitações por parte dos grupos sociais organizados, passando-se da regulação horizontal para uma relação vertical onde ficará a perder quem não expressar com mais insistência os seus interesses”.

E fora do Estado central, nas organizações e centros patrimoniais dependentes do poder central máximo, tudo se organiza e legitima com as mesmas lógicas e colusões de interesses e particularismos – com o mesmo clientelismo e favoritismos personalizados, portanto.

Neste tipo de dominação patrimonialista “Estabelece-se uma relação de circularidade entre duas estruturas frágeis, a do poder e a dos centros patrimoniais, onde nenhuma delas se pode autonomizar da outra”. Nem as periferias patrimoniais podem afastar-se do poder central, nem este último tem interesses em que aquelas dele se afastem; e isto tanto em matéria de recursos como de doutrina/ideologia. Se o centro for passivo do ponto de vista da produção de quadros de referência ideológicos, também os centros patrimoniais dependentes o serão, tanto objectivamente como por táctica de sobrevivência das suas bases de relações de dependência recíproca.

Por isso mesmo, o potencial modernizador das estruturas patrimonialistas é muito fraco e as narrativas que estruturam e orientam o poder e os centros patrimoniais são incipientes, evoluem dificilmente, tendem a reproduzir-se longamente, e são genericamente insusceptíveis de se recriarem. Vulgarmente acontecerá, por consequência, inexistirem quadros estratégicos de orientação política e eles provavelmente nunca vão transparecer e emergir nos respectivos meandros de poder central e nos centros patrimoniais que daquele são necessariamente dependentes.

Não podem esperar-se grandes exercícios de discussão e de elaboração doutrinários ou ideológicos de mudança e renovação do tecido sociopolítico, porque por via de regra o potencial de modernização e mudança é muito deficiente. Por isso mesmo, “Em geral, este sistema de políticas e de racionalidades produz nas sociedades neopatrimonialistas estratégias de fraco potencial modernizador”.

No sistema patrimonialista as “estruturas institucionais são fracas (acumulam poder, mas a necessidade de gerir equilíbrios limita o uso desses poderes) e frágeis (o estatuto de cooptados de muitos dos seus elementos e o seu envolvimento nas relações de conflitualidade das elites centrais limitam o espaço de manobra autónomo)”. Existem, assim, tendências de conservadorismo e de inacção que vão perpetuando as estruturas básicas patrimonialistas e os seus principais actores. Nem as lideranças se renovam facilmente, pelo contrário tendem a manter-se longamente no poder dos centros patrimoniais dependentes do poder central (vide Estado), nem se apoiam em quadros de referência estratégica que possibilitem desenvolvimentos prospectivos e sensíveis.

(A Continuar)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Algo sobre o desporto autárquico

No passado dia 25 de Janeiro, foi publicado o Decreto-Lei nº 13/2011, que tem por objecto regular a transferência de verbas a efectuar pelas autarquias locais no exercício das competências para a atribuição de apoios financeiros pelas câmaras municipais às instituições constituídas por trabalhadores municipais para fins culturais, recreativos e desportivos, ou que tenham como objectivo a concessão de benefícios sociais aos trabalhadores municipais e aos seus familiares.
Interessa-nos, agora, a vertente desportiva.
No fundo estabelecem-se critérios.

Assim, em primeiro lugar, conforme o artigo 3º, nº 1, tais transferências destinam-se à concessão de apoio financeiro a instituições legalmente constituídas pelos trabalhadores do município, tendo por objecto o desenvolvimento de actividades culturais, recreativas e desportivas vocacionadas para aqueles trabalhadores e seus familiares que não se encontrem abrangidas por outras fontes de financiamento público.
As transferências podem destinar-se a instituições que se encontrem abrangidas por outras fontes de financiamento público, desde que o somatório dos financiamentos públicos, incluindo as transferências, fique abaixo do limite previsto no artigo 5.º (nº 2).

Segue o artigo 4º, nº 1, as transferências, para o futuro, só podem ser efectuadas para pessoas colectivas dotadas de personalidade jurídica e legalmente constituídas.
E, adianta o nº 3, só podem efectuar -se para instituições com a situação tributária e contributiva devidamente regularizada.

Há limites para as transferências.
Conforme o artigo 5º, nº 1, elas não podem exceder, por cada instituição, uma verba correspondente a 3,5 % do somatório das remunerações e pensões, respectivamente, dos trabalhadores e aposentados inscritos na instituição beneficiária da transferência.
O nº2 precisa que o limite previsto é apurado anualmente, considerando o montante ilíquido multiplicado por 12 meses.


Ou seja, as entidades beneficiárias têm que dotar-se de personalidade jurídica, não podem beneficiar de outros apoios púbicos – ou podem desde que não se ultrapasse um dado montante –, e o apoio tem agora um limite.

Tudo aparentemente bem.
Todavia, valerão os mesmos princípios e critérios para os apoios a entidades privadas com fins lucrativos?