domingo, 30 de dezembro de 2012

Que Direito para o desporto federado em 2013?


Texto publicado no Público de 30 de Dezembro de 2012.


1. A propósito do debate em torno da criação do Tribunal Arbitral do Desporto – infelizmente mais de juristas e menos do desporto –, tem vindo ao de cima, pela voz do Governo, a questão da diferença ideológica entre a sua proposta e a do Partido Socialista. De um lado, o Governo respeitador da autonomia do movimento associativo; de outro, o Partido Socialista favorável a uma espécie de “governamentalização”.
É manifestamente uma falsa questão. Com efeito, nada há de mais intervencionista do que criar, por via legislativa um tribunal arbitral necessário.
A divergência entre os protagonistas deste debate (?) não é de política legislativa, de visão diferenciada para o desporto nacional. É, acima de tudo, directa, mas também em nome de outras pessoas, uma querela pessoal.
E, neste infeliz país, são as questões pessoais que determinam muito do que se produz ou chumba em termos de legislação. No desporto e fora dele.
2. A questão “ideológica” existe mesmo, mas localiza-se em momento bem a montante da criação de um Tribunal Arbitral do Desporto que, em ambas as iniciativas, projecta o exercício de poderes públicos por parte das federações desportivas.
A “questão ideológica” encontra-se na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e no regime jurídico das federações desportivas, quando se entende que essas entidades máximas da regulação das diversas modalidades desportivas são uma extensão de regulação pública e não são, pura e simplesmente, associações privadas.
E, aqui chegados, sem prejuízo dos diplomas em vigor, provindos do Partido Socialista, se mostrarem como os mais intervencionistas de todo o tempo democrático, a verdade é que, nas mesmas águas navega (e navegará) o Governo.
3. Do Governo já vieram sinais suficientes relativamente à reformulação do regime jurídico das federações desportivas. Contudo, vai adiando dar esse passo. Porventura o ano de 2013 conhecerá, por fim, essa reforma.
Mas, num claro exemplo de falta de uma política consistente – legislando à vista -, quando parte para a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, autolimita-se, afirmando, uma vez mais, a publicização da actividade desportiva federada.
Ora, na lógica autonómica sustentada pelo Governo – os outros anteriores também o foram afirmando quando lhes foi conveniente – o que se devia estar a debater –, ainda antes do Tribunal Arbitral do Desporto, era o modelo de relacionamento entre o Estado e as federações desportivas. E, se não o discute, é porque o mesmo vai manter a mesma “ideologia”.
4. Não brinquemos, a dois ou três.
5. E a brincar parece andar o Secretário de Estado Mestre Picanço quando no início da audição par(a)lamentar, como que justificando o “nascimento” do Tribunal Arbitral, fala em suspeitas sobre a justiça desportiva e na não publicidade das decisões dos órgãos federativos que a aplicam.
Só pode estra a brincar. Quando há uma regra legal, desde 1 de Janeiro de 2009 – há quatro anos -, que as obriga a tal, e ele e os serviços públicos, nada dizem a tal respeito, no sentido de repor a legalidade.
6. 2013 será, pois, tudo o indica, mais um ano perdido para este infeliz país.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O previsto e o realizado




Os tempos atuais caracterizam-se por uma abundância de informação, associada à sua globalização, num quadro de mudança permanente, imprevisível e turbulenta. Para lidar com a enorme quantidade de informação com que somos constantemente bombardeados, “recorremos a modelos mentais, selecionando e simplificando a informação em padrões causais reconhecíveis. São estes modelos que depois utilizamos para enquadrar a nova informação que recebemos e para determinar as suas reações. É assim que as nossas escolhas e ações dependem daquilo que aprendemos, pelo que quanto mais adequados à realidade estiverem os nossos modelos mentais, mais eficazes serão as nossas ações.” E, por isso, estuda-se hoje, um pouco por todo o mundo, os fatores inibidores da ação das organizações desportivas. Tenta-se compreender o desvio entre o previsto e o realizado. E o papel de elementos subjetivos associados ao comportamento e dinâmicas de atores políticos, sociais, desportivos e económicos.
O nosso modelo tradicional de funcionamento de uma organização desportiva olha para o desporto como um sistema aberto, mas em que se podem observar e respeitar as relações diretas entre causas e efeitos, para o qual o êxito será encontrado no equilíbrio estável, com harmonia interna e uma adaptação perfeita ao meio. È um modelo que corresponde a um desporto unipolar, mas que tem dificuldades de se adaptar a um modelo de inspiração multipolar. É aqui que se situa, precisamente o risco de a construção teórica falhar.
Muitos dos atuais modelos de planeamento estratégico assentam, em visões e valores que o desporto já não partilha. E muito do que é hoje o desporto e as suas organizações dificilmente se enquadram no desporto que estudámos há duas ou três décadas. O risco que enfrentamos é o de nas nossas organizações optarmos por um modelo de planeamento estratégico que está ultrapassado pela natureza das mutabilidades ocorridas no âmbito das práticas do desporto.
A pluralidade do desporto (como se pratica, como se organiza, e como se financia), a sua multipolaridade tornam impensável uma lógica de modelo único. Pensar estrategicamente um clube desportivo é bem diferente de pensar uma federação desportiva ou um comité olímpico. Pensar estrategicamente as políticas públicas não é o mesmo que pensar as políticas associativas. O próprio processo de desenvolvimento desportivo é, pela sua própria natureza, como temos escrito, um processo cumulativo. É um processo de longo prazo, multifatorial, multideterminado, multidimensional aberto à interação de fatores causais e contingenciais alguns de natureza imprevisível e de efeitos não controláveis.
As características estruturais das políticas desportivas pedem um contexto organizacional onde haja vitalização do tecido associativo, mobilização das entidades e agentes desportivos, concertação e convergência estratégica entre as políticas públicas, privadas e associativas. O papel regulador do Estado enquanto gestor de externalidades ao sistema desportivo, e enquanto fornecedor de bens públicos, atuando ao nível das infraestruturas e da envolvente associativa, deve concorrer dessa forma para o incremento e sustentação do sistema desportivo.
Razão pela qual de pouco valem planos bem estruturados que, passado muito pouco tempo, se encontram desatualizados e não são executados. E as razões para que isso ocorra não são o facto de os planos terem sido executados de forma deficiente ou os gestores não os apoiaram devidamente. O problema é mais profundo. É que os gestores não conseguem dominar todas as variáveis do processo. E nem sempre se percebe, em tempo útil, que mudanças no planeamento estratégico carecem também de alterações no modelo organizacional.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Liderar

Nos últimos sete anos assisti a quase todas as conferências mundiais sobre liderança. Escutei os maiores gurus mundiais. Ouvi gente paga a peso de ouro para fazer este tipo de conferências. Estive com pessoas que só conhecia dos livros. Alguns prémios Nobel. Admirei o brilho intelectual e capacidade oratória de muitos. Mas regressava sempre com a ideia de que o sucesso deles era configurável aos casos que tiveram de enfrentar. Que mudando a situação/organização nada garantia que o sucesso estivesse presente. No fundo, confirmando o que a vida ensina: que muitos líderes com sucesso numa organização falham em outras. E dessas experiências falhadas não se fala.
Os seminários e as conferências por esse mundo fora estão cheias de caso de sucesso. A literatura dá exemplos de como alcançar o êxito. Mas está na generalidade ausente sobre o modo de enfrentar e lidar com o insucesso e o fracasso. Existe uma espécie de pudor e de medo de enfrentar uma realidade das organizações que é o de falharem os objetivos. Ainda que, num meio competitivo como é aquele em que operam as organizações, desportivas ou outras, a probabilidade de insucesso ser bem maior que a do êxito. É óbvio que nada nos move quanto à descrição de experiências de sucesso. E não nos passa pela cabeça que essas experiências não contenham matérias que constituem motivos de aprendizagem. Mas, e o fracasso? Quem fala dele? Não existe? Não é motivo de aprendizagem?
Uma tendência muito em voga nos últimos anos tem sido o de convidar treinadores desportivos com  sucesso nas suas carreiras profissionais para fazerem palestras aos quadros das empresas sobre processos de mobilização motivacional baseadas no modelo de intervenção no treino e preparação desportivas. Olho sempre para este tipo de importações com muitas reservas. Porque uma equipa desportiva não é uma empresa. Mas também por outras razões.
Em primeiro lugar, porque os conhecimentos acerca das variáveis de contexto não são transferíveis. O que dá certo numa organização, não é sucesso garantido numa outra. Depois porque não há uma melhor maneira de liderar: tudo depende da situação. Em terceiro lugar, porque não é possível replicar numa sala ou num auditório as práticas de liderança. Em quarto, porque a liderança tendo muito de conhecimento e de saber, tem sobretudo bastante de experiência e de talento. E finalmente porque os insucessos dessas pessoas, que os têm, raramente são expostos e analisados.
Ma minha vida profissional as melhores aprendizagens de liderança foram em exercício de funções. Em que assumia a condição de liderado. Profissionais de desporto como Alfredo Melo de Carvalho, Teotónio Lima ou Noronha Feio foram marcantes no modo como lideravam os projetos em que participei. E todos com estilos diferentes, modos distintos de comportamento e até dimensões ideológicas diversas. Mas todos com uma enorme capacidade de organização e mobilização de recursos. E com projetos em que tiveram sucesso e outros em que fracassaram.
Num tempo em que a liderança (…e de algum modo a gestão) virou negócio, é bom que se tenha presente qua o líder é como um grande cozinheiro para cuja qualidade as palavras não são suficientes e nenhuma teoria explica. (Andrew Sullivan). E que pode escrever o melhor livro do mundo com as receitas, os ingredientes, as quantidades dos produtos, os tempos de preparação que, seguramente, qualquer tentativa de o imitar ficará muito aquém daquilo que ele consegue.
Num tempo em que há quem venda a ideia que há uma melhor maneira para liderar é sensato interrogarmo-nos sobre a bondade dessa afirmação. E convivermos com uma outra, porventura mais singela: a de que aprendizagem se faz com o sucesso e com o erro. E que não é possível banir este último da vida das organizações. As sociedades não se constroem sem riscos e um deles é a possibilidade de falhar e a impossibilidade de suprimir os erros. Liderar é também saber conviver com eles.

 

domingo, 16 de dezembro de 2012

Os tribunais e o desporto


Texto publicado no Público de 16 de Dezembro de 2012.

1. Agora que o debate sobre a criação do Tribunal Arbitral do Desporto ganha espaço (notícias amigas, via youtube, avançam que a audiência de Mestre Picanço na Assembleia da República e o “debate” com o seu homólogo Laurentino Dias, não foi parlamentar, mas sim para lamentar), não será menosprezível dar conta do labor recente dos tribunais do Estado, em domínios bem importantes.
2. Há á a registar três recentes decisões.
A primeira, que teve algum eco na comunicação social, respeita ao caso que opõe a Federação Portuguesa de Futebol e o Boavista.
Após a primeira instância dos tribunais administrativos ter afirmado que a “decisão” do Conselho de Justiça da FPF, que puniu severamente esse clube, é nula, o recurso interposto pela FPF, para o Tribunal Central Administrativo do Sul, não surtiu os efeitos pretendidos. Este tribunal nem conheceu do recurso, aplicando orientação do Supremo Tribunal Administrativo. Desse modo, parece que se fecharam as portas à FPF para continuar a sustentar, nos tribunais, a legalidade da decisão daquele seu órgão. Sendo assim, o “ caso Boavista” como que nunca foi decidido em Conselho de Justiça, seguindo-se, pois, a necessidade desse juízo. Mas há contas a fazer e só quem está bem por dentro do processo estará em condições de as fazer (o que não é o nosso caso). Terá ocorrido alguma prescrição, não sendo possível uma nova decisão do Conselho de Justiça? Se assim for, o Boavista virá a ser reintegrado na competição de onde foi afastado? Veremos, com atenção, os próximos episódios.
2. O Tribunal da Relação de Lisboa, por seu lado, ocupou-se do “Caso Ruben Michael”, situação que opõe dois clubes madeirenses quanto a um contrato de transferência, direitos federativos e direitos económicos. Confirmando a decisão do Tribunal do Funchal, favorável ao União da Madeira, o tribunal adianta que a transferência de um atleta de uma entidade desportiva para outra, envolvendo direitos de inscrição desportiva ou direitos federativos, direitos económicos e o vínculo laboral inerente à prestação da actividade do atleta, é uma realidade contratual de conhecimento comum, configurando-se como um contrato atípico delineado pelas partes no exercício da sua liberdade contratual.
3. Para o final, porventura, o mais relevante – por que aplicável a todas as federações desportivas -, embora, à primeira vista, possa não parecer em face do resultado concreto do processo.
Referimo-nos a recente decisão do Tribunal Constitucional em que se encontrava em causa norma regulamentar da Federação Portuguesa de Futebol, relativa à transferência de jogadores amadores a partir dos 14 anos, impondo o pagamento de uma taxa de formação pelo clube ou SAD para o qual se transfere o jogador, ao clube ou SAD no qual aquele esteve anteriormente inscrito, segundo tabela a publicar anualmente pela Federação Portuguesa de Futebol, caso os clubes dela não prescindam por escrito. A FPF, porém, veio, a 6 de Junho de 2012, dar conhecimento da aprovação de novo Regulamento para a inscrição de jogadores, no qual foi eliminada a disposição normativa de cuja constitucionalidade o Tribunal iria aquilatar. No seguimento de jurisprudência constante, o tribunal, perante este novo facto – a revogação da norma em crise - entendeu verificada a inutilidade superveniente e, em consequência, não conheceu do mérito do pedido formulado.
4. Ora, não obstante este desfecho – e não é de subestimar a revogação da norma no seio da FPF -, permanecem válidos, a nosso ver, os argumentos do pedido formulado pelo Procurador-Geral da República que, algo me diz, receberiam acolhimento no Tribunal Constitucional.
5. Ora aí está matéria para a qual o actual membro do Governo responsável (?) pelo desporto deveria endereçar a sua atenção, no quadro geral das normas regulamentares de todas as federações sobre transferências de atletas amadores. Mas isso era pedir de mais.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A propensão para a auto-subversão - I *


O trabalho encomendado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos à Universidade Católica Portuguesa sobre a avaliação de duas leis quadro do país representa uma oportunidade importante para reflectir sobre a produção de politicas públicas em Portugal e a concepção que os agentes políticos têm sobre este processo, expressa nas suas práticas e discursos. 

 Salvo casos de excepção, como sejam alguns domínios do ambiente ou do ordenamento do território – e mesmo aí fruto de imposições do direito da UE – não existe no país uma tradição de avaliação do impacto da regulação, seja previamente á tomada de opções politicas, durante o processo de formulação da decisão, ou após a sua implementação, ao contrário do que ocorre em Estados onde tal requisito constitui elemento essencial para a produção ou alteração de uma politica. 

 Ora, quando a isto se junta uma carência de dados sólidos sobre o objecto de regulação, como claramente acontece no âmbito do desporto, cria-se um ambiente favorável às patologias associadas à ausência de fundamentação de políticas baseada em factos, para além das consequências que isso acarreta em depredação de recursos públicos. 

O Estado subverte o seu papel desde logo porque sem informação relevante, tratada e analisada, é impossível justificar a potencial mais valia da intervenção pública, ou avaliar o retorno do investimento, a produção de escala, os benefícios e o valor criado para os destinatários das suas politicas (perdoem-me os puristas da língua pátria mas não temos um conceito que se aproxime do anglicismo “value for money”) chamem-se eles atletas de alto rendimento, praticantes, clubes ou federações. 

O processo de produção de políticas facilmente se confunde e reduz ao processo legislativo – como se se esgotasse e resumisse na produção de normas – e a mecânica legislativa transforma-se, passo a passo, num expediente para mostrar acção, preocupação e trabalho. Os meios confundem-se com os fins, os outputs com outcomes, e assim - pela métrica da produção de leis, normas e regulamentos –, sem mais, se avalia e justifica toda uma política.

O discurso político, mesmo em sede parlamentar, cavalga sobre este tropismo capcioso e recruta cada vez mais acólitos, que também por vezes campeiam neste blogue, ao ponto ridículo de anunciar a refundação do Estado Social em meia dúzia de meses. 

Retomando algo que já aqui se abordou, os actos normativos estão longe de ser o alfa e o ómega de qualquer política, estas avaliam-se pelos resultados e não pelas intenções. Medem-se pelo valor criado a partir do que se investe e não apenas pelo montante das verbas que se despendem ou pelos recursos que se afectam. Medem-se pelo número e fidelização de praticantes e pela qualidade e continuidade dos resultados alcançados nos diversos níveis de competição, dentro e fora de portas, e não apenas pelas eventuais oportunidades que se geram para que isso aconteça ou pela circunstância efémera de episódios mediáticos que se queiram promover sobre o rótulo de “interesse público”. 

Perante tal cenário de desinformação que conduziu a um panorama regulador congestionado e agrilhoante, pouco apelativo à inovação e à iniciativa empreendedora, continuar a saturar o espaço público com este quadro de valores apenas contribui para gerir os egos de um núcleo circunscrito de interesses, promover arbitrariedades justificadas pela urgência do processo de ajustamento, e dispersar a mobilização do tecido desportivo em torno de um debate critico sobre os problemas e desafios que efectivamente atravessa, precisamente num momento determinante na vida desportiva do país, onde se operam mudanças em diversas federações e organismos de topo.

Por isso, iniciativas como aquela protagonizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, representam uma pedrada no charco para se assumir uma outra perspectiva.

No âmbito das políticas públicas para o desporto existem também oportunidades, por explorar, para uma redefinição de olhares... Delas abordaremos em próximo escrito.


* O titulo deste texto reproduz o titulo de uma das obras de um notável autor cujo pensamento politico nos influenciou e se homenageia. Albert Hirschman faleceu na passada Segunda-Feira.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Razão e critério




Mais do que ter razão é importante ter critério. E quando se trata da gestão de recursos públicos a existência de critério tem de ser anterior à decisão. Porque é isso que permite fazer o escrutínio público sobre o modo como se gerem os recursos públicos.
Parece que o governo de Santana Lopes através do seu ministro para o desporto assumiu um determinado compromisso com um piloto de automóveis. Compromisso esse que o governo seguinte se sentiu na obrigação de cumprir. Só nessa altura soube que havia um compromisso em trânsito de um governo para outro. E se isso foi afirmado e nunca desmentido admito que seja verdade. Mas nunca tinha ouvido falar do assunto. E depois foi o que se conhece: o modo atribulado como, na altura, um dirigente da administração pública desportiva fez a transferência financeira para uma entidade externa. E sem curar de saber da oportunidade politica e da legalidade do procedimento, matéria que outros já se pronunciaram, a pergunta que fica é esta: qual foi o critério? Havendo uma dezena de pilotos em competições internacionais qual foi o critério do patrocínio público para um e o não patrocínio aos outros? O que tinha de distinto o patrocinado que merecesse a escolha do governo em detrimento dos restantes? Não estou afirmar que não tinha. Estou a perguntar.
Recentemente o governo entendeu contratar dois antigos praticantes de atletismo para apoio junto da escolas a algumas iniciativas do governo. E a pergunta que tem de ser feita é a mesma: porquê estes dois e não outros? Não havia outros antigos desportistas de diferentes modalidades que preenchessem os requisitos de contratação? E quais eram esses requisitos? É aceitável, é admissível que contratações de natureza pública dependam de critérios casuísticos da parte de membros do governo? Ou estamos enganados e os contratados obedecem a requisitos constantes de critérios públicos que os colocaram à partida em igualdade de oportunidades com os restantes?
Este governo e anteriores usam e abusam da atribuição de condecorações de mérito, com esta ou outra designação, a diferentes personalidades. Qual é o critério? Basta enumerar os respetivos currículos para fundamentar uma decisão? Que garantias existem que a atribuição não resulte de apadrinhamentos políticos ou de distinções espúrias à margem de qualquer interesse e avaliação de interesse e mérito públicos?
A definição de critérios e a sua respetiva publicitação é uma exigência de transparência na gestão publica .Porque ela não é propriedade exclusiva de quem governa. A soberania reside no povo e quem governa em seu nome tem a obrigação de justificar e fundamentar as decisões que toma e à luz de que critério. E esse é um modo de se poder avaliar o rigor da sua aplicação. Os critérios de mérito pessoal e profissional são aqueles que socialmente se reconhecem e aceitam. Os critérios políticos, marcados pelas simpatias e/ou influência, desacreditam a gestão pública.
Este governo legislou de modo a esbater os critérios políticos para a designação de chefias de topo e intermédias da administração pública. E determinou um conjunto de procedimentos com esse objetivo. Mas continua, em muitas outras áreas, a não aplicar iguais princípios de publicitação de critérios que permitam reconhecer o mérito e a isenção e a afastar o ónus de apadrinhamento político.
O silêncio (e a prática…) do governo nesta matéria espero que não signifique que considera que os critérios não devem obedecer a regras de transparência e ao princípio da legalidade, mas ao princípio da oportunidade, em que para umas coisas há critérios e para outras há apenas a vontade do governo. Se assim for, então, mais cedo ou mais tarde, vai receber a fatura de volta. Mas já então com elevados juros de mora políticos.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Amanhã há jogo!


Texto publicado no Público de 9 de Dezembro de 2012.


1. Tinha pensado escrever algo sobre o Boavista, ou sobre o futuro tribunal arbitral do desporto. Todavia, como diz a voz comum, já não se pode confiar na meteorologia. A chuva em Lisboa galgou o relvado de Alvalade e inundou o cenário regulamentar dos jogos da Liga Portuguesa.
2. Primeiro dado. Por motivos de força maior, o jogo da Liga Europa, a disputar pelo Sporting, marcado para a quinta-feira, e a iniciar-se às 20h e 5 minutos, foi adiado por 24 horas. Tudo de acordo com a regulamentação específica da UEFA.
3. Outro dado. Pelo Comunicado Oficial nº 153, de 13 de Novembro, a Liga marcou o jogo Sporting Benfica para o dia 10 de Dezembro, com início às 20h e 15 minutos.
4. Terceiro dado. O Sporting, perante esta situação, em que “perde 24 horas de descanso”, logo na 5ª feira, através do seu director de comunicação, afirmou com algum grau de inevitabilidade, que não haveria jogo amanhã, havendo que respeitar um prazo de 72 horas entre o final do jogo europeu e o início do derby lisboeta. As razões, contudo, foram-se alterando ao longo das horas e dos dias, o que sugere – apenas isso – alguma perturbação ou insegurança na fundamentação da afirmação. Primeiro, era porque estava nos regulamentos (quais?), depois porque assim impunham os regulamentos internacionais (quais?) e mais tarde por que existia, no regulamento de competições, um caso omisso para os jogos europeus que tivessem lugar à sexta-feira (aqui, concordando com aquilo que, ainda na noite de 5ª feira, fomos adiantando a pedido da comunicação social).
5. As normas a aplicar são apenas as da Liga portuguesa, por se encontrar em causa um jogo por ela organizado. No espaço regulamentar dedicado aos jogos, assume agora relevância o artigo 23º sobre o calendário dos jogos.
6.1. Quando estejam em causa clubes que participem em competições europeias, com jogos à quinta-feira, há que obedecer, na marcação dos jogos nacionais, a algumas condições expressamente estabelecidas nesse artigo.
A primeira hipótese consta da alínea d) do nº 7: quando um clube, participante nas competições da UEFA, tenha de disputar um jogo dessa competição à quinta-feira em território estrangeiro tem direito a um intervalo de descanso de 72 horas, calculado entre o final daquele jogo internacional e o início do jogo seguinte na competição nacional.
Esta norma não se aplica ao caso em análise.
6.2. Segue-se a alínea e) desse nº 7: quando um clube, participante nas competições da UEFA, tenha de disputar um jogo dessa competição à quinta-feira em território nacional tem direito a que o jogo seguinte na competição nacional não se realize na sexta-feira e sábado seguintes à realização daquele jogo internacional.
Também aqui, pelo menos directamente, a norma, no caso concreto, não logra aplicação, uma vez que o jogo europeu do Sporting se realizou na sexta-feira.
Parece que estamos, por isso, perante um caso omisso determinado por causa de força maior.
7. Como resolver?
Entendemos que as razões que se acham subjacentes à solução para que necessitamos resposta se encontram na norma que concede um verdadeiro direito potestativo ao clube quando joga em casa num jogo europeu. Por isso aplicamos, por analogia, o disposto na alínea e): o Sporting tem direito a não jogar no sábado e no domingo para a Liga.
A situação poder-se-ia alterar, aí sim, se o Sporting-Benfica estivesse agendado para domingo.
8. Não tendo esse direito, ao Sporting restavam duas opções.
Não comparecer ao jogo e averbar uma falta de comparência, sancionada, para além de multa, com a subtracção de 2 a 5 pontos, ou tentar accionar o nº 3 do referido artigo 27º, levando a Comissão Executiva da Liga a alterar a data e hora de realização do jogo, devendo, para o efeito, ouvir previamente o Benfica e qualquer outro clube que possa ser afectado pela decisão.










quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Desporto e Municípios

Eis um bom motivo para quem não está no Porto visitar esta maravilhosa cidade. Para quem está no Porto será uma boa forma de acabar a semana de trabalho e partilhar o fim da tarde com quem gosta de desporto.
Nesta obra coletiva, entre muitos outros contributos, poderá ler:

"O corpo deve ocupar uma posição de centralidade no âmago da política autárquica. As cidades, vilas e aldeias são cenários e estruturas de trato ou destrato dos corpos. Estas preocupações valem em todo o tempo, mas são reforçadas pela crise económico-financeira, que aí está e veio para ficar e durar. Ela atinge de modo grave as vítimas do costume e afeta outras que tradicionalmente ficavam de fora"
Jorge Olímpio Bento

"A criação de condições que permitam às populações comportamentos fisicamente ativos e um estilo de vida, onde esteja incorporada uma forte componente de atividade física e desportiva, deve constituir o mote central das políticas desportivas locais. As restantes dimensões da prática desportiva serão subsidiárias deste objetivo. O que obriga a definir equilíbrios entre o modelo associativo tradicional e as novas formas de organização e procura desportiva onde se inclui uma forte componente de auto-organização desportiva."
 José Manuel Constantino

"Independentemente da justeza ou não dos financiamentos centraisou mesmo da sua ausência, as autarquias são, indiscutivelmente, alavancas do desenvolvimento do desporto no país, apostando na formação, construindo infraestruturas, apoiando o associativismo desportivo e garantindo a todos o acesso ao desporto."
Hermínio Loureiro

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Estado e o conceito estratégico



Em contextos de fraca qualidade politica e de fragilidade doutrinária a construção da decisão política fica muitas vezes dependente da dimensão técnica. E essa dimensão técnica é determinada pela formação disciplinar dos que estão mais perto dos decisores políticos Depois explica-se esta ou aquela decisão porque supostamente é a melhor. Mas em que o mérito é determinado, ainda que não assumidamente, por critérios técnicos e não por critérios políticos. É certo que a decisão política não pode deixar de estar tecnicamente fundamentada. Mas esse facto não reduz a decisão política a uma mera réplica da decisão técnica.
Os modelos de desenvolvimento do desporto configuram opções e alternativas. Não existe um modelo único no sentido de excluir outras possibilidades. Se o país está preocupado com o nível de resultados de topo pode prescindir das políticas de promoção desportiva. A “pirâmide desportiva” em que a elite surge da massa dos praticantes só é ainda um modelo defensável na perspetiva do acesso do maior número de cidadãos à prática desportiva. Mas, em termos de política desportiva dirigida para o alto rendimento, deixou de ser a condição imperativa que se admitia antes da evolução registada nos processos de deteção, seleção e preparação dos atletas É uma opção. Mas as questões dilemáticas na escolha dos modelos sendo importante não é decisiva. O importante é definir o modo de influenciar os fatores críticos para o sucesso desportivo independentemente do modelo escolhido.
A passagem de um modelo unidimensional (desporto de rendimento) para um modelo pluridimensional (formação, competição, rendimento, recreação, lazer) com a passagem de um foco unipolar (o clube) para um regime multipolar (escola, clube, setor privado, etc.) alterou os termos em que tradicionalmente se pensava o desenvolvimento desportivo. Porque deixou de haver um centro único e tudo passou a funcionar em rede e de forma sistémica Não deixa de ser curioso que seja um governo assumidamente liberal que alimenta a ideia de um Plano para o Desporto como comando e motor orientador do desenvolvimento desportivo nacional, a que deverá reportar toda a estratégia nacional subordinada à ação volitiva do Estado. E nem a crise das finanças públicas, e com ela a de um Estado incapaz de sustentar as suas políticas sociais e distributivas, pondo em risco a própria estabilidade da sua dimensão social, parece impedir a ilusão de um modelo que quer fazer do Estado o centro da racionalização estratégica das políticas desportivas.
O ponto nevrálgico de uma nova política para o desporto, e que reclamaria novas atitudes e uma nova mentalidade por parte de todos os intervenientes – Estado e agentes desportivos – era a transição de uma linha política de desenvolvimento dirigido, em que o Estado é a unidade central e centralizadora, para uma outra de desenvolvimento assistido, em que o Estado deixa às organizações desportivas grande parte das suas competências e iniciativas, mantendo contudo, além da iniciativa legislativa, a cooperação técnica e financeira onde as energias próprias do sistema desportivo não fossem suficientes à prossecução das suas metas. Uma consequência paradoxal do sistema desportivo nacional tem sido, apesar de negado, o reforço e o controlo burocrático dos governos sobre o movimento desportivo, aumentando o grau de dependência deste e criando uma estrutura instável e pulverizada em decisões que dificultam tanto a conceção e discussão de propostas como a tomada de decisão. E nem a crise do Estado parece arrefecer essa vontade. O futuro desportivo do país precisa efetivamente de referências e de objetivos e de um conceito estratégico claro.E essa deve ser função do Estado. Mas tem de ter uma doutrina que o suporte e um consenso com os parceiros desportivos. O resto é louvável, mas cria o risco de insucesso.

 *imagem retirada de publicação Porto 24.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.


Texto publicado no Público de 2 de Dezembro de 2012.


1. Estás convidado para jantar, Caro Mestre Picanço, mas espero nunca mais o ver num jantar destes.
2. Devo confessar ao leitor que se há coisa que me dá uma satisfação adicional é o confronto entre dois “companheiros de luta”, entenda-se sempre, na expressão desse meu sentimento, de uma “luta” que não tenho por certa, no hastear de bandeira que julgo ser a errada.
Um destes dias, após o repasto, Mestre Picanço, convidado de Vicente Moura e este, ainda presidente do Comité Olímpico de Portugal, decidiram trocar, antecipadamente, os seus presentes de Natal, rompendo, pelo menos aparentemente – já tenho alguns anos destas coisas – com a “forte relação” que tinham há anos. Relembre-se que Mestre Picanço é membro da Academia Olímpica, conviveu com Vicente Moura a vários títulos e há quem afirme que, pelo menos em parte, deve o seu lugar de governante (?) ao apoio que expressou o presidente do COP.
Relembre-se ainda que Mestre Picanço foi membro da 1ª Comissão Instaladora do Tribunal Arbitral do Desporto do COP, desistiu – após a primeira reunião – de ser membro da Comissão para Justiça Desportiva, que iniciou um processo para um Tribunal arbitral do Desporto, fora do COP (ter-se-á enganado ao que ia). Em breve, Vicente Moura era um suporte e inspirador de Mestre Picanço e este, por seu turno, sempre foi um bom obediente.
3. Pum!
Mestre Picanço terá realizado um discurso de resposta a Vicente Moura por recentes declarações deste em termos do estado da nossa política desportiva: "Até porque, muito recentemente e para grande surpresa do Governo, depois de um ano e meio de intenso esforço, articulação e empenhamento, para criar a melhor relação possível com o COP, ter sido afirmado pelo senhor presidente que este Governo navegava à vista, que não tinha qualquer direcção e que se tinham perdido as ilusões quanto a este Governo"


Indignação total de Vicente Moura: "Foram completamente inoportunas, isto é um jantar, uma festa, eu fiz a despedida do trabalho que fiz ao longo de 15 anos, que me orgulho, e o discurso do senhor secretário de Estado é completamente desinserido. Aproveitou para fazer uma súmula das acções do Governo, algumas positivas, mas outras inconsequentes. Agora vê-se bem que navega mesmo à vista".
Acusando Mestre Picanço de ter proferido "um discurso propagandístico", disse ainda Vicente Moura: ”Eu fico a pensar que disse que conheci muitos ministros e muitos secretários de Estado, uns que gostei bastante e outros apenas gostei, eu tenho de dizer que deste eu apenas desgosto”. Espectacular e olímpica tipologia de sabores.
4. Desta maravilhosa zanga de “comadres” parece resultar, todavia, uma certa concordância.
Mestre Picanço aproveita a última oportunidade para poder dizer aquilo que agora (pode mudar amanhã, pelas 15 horas) pensa de Vicente Moura, em registo final de mandato. Vais-te embora, não é? Então ainda bem e leva isto contigo.
Por seu lado, Vivente Moura também não deixou de apontar a Mestre Picanço o caminho da saída: ”É um bom jurista e acho que devia voltar à sua profissão, deixando o Desporto às pessoas que o amam, que o conhecem e que são capazes de encarar com 'fair-play' as críticas e contrariedades da vida”.
5. Boa! Porque não vão os dois embora e de braço dado?


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Compromisso

Um amigo já com grande experiência de vida e muita sabedoria costuma dizer-me com alguma frequência que já tem idade suficiente para ser verdadeiramente intolerante com determinadas coisas. Lembrei-me deste seu dito ao ver um anúncio de um Seminário que ocorrerá na próxima quinta-feira.

Na verdade, sempre pensei que com o avançar da idade eu acumularia tolerância para situações que eventualmente me irritassem. Nada mais falso.
 
Após mais de 15 anos a refletir e a atuar no domínio das mulheres no desporto, ou melhor, a identificar e a combater as discriminações a que estão sujeitas, assim como acerca das parcas oportunidades que lhes são concedidas, já sou pouca tolerante para as ações que espelham ser apenas mais do mesmo e que pouca progressão cunham à luta que se deve travar neste âmbito.
Dito por outras palavras, admito que há uns bons anos a esta parte a reflexão e discussão desta problemática eram o primeiro passo para a sua consciencialização crítica e consequentemente para ulterior intervenção dos diversos responsáveis políticos, associativos e empresariais. Sendo bem verdade que deste exercício esteve sempre afastado o poder público e os sucessivos governos, assim como as principais organizações da cúpula e do mercado desportivo, o mesmo já não se pode dizer da Associação Portuguesa Mulheres e Desporto, basta consultar as conclusões dos seus seminários, dos seus congressos e da diversa obra publicada.
   
Consequentemente, um Seminário promovido pela tutela do desporto nacional – Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude – e apoiado por três entidades de grande relevo nacional, quais sejam, o Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P., o Comité Olímpico de Portugal e a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, teria de ser um acontecimento estratégico e de claros sinais de profundas mudanças no estado empobrecedor da participação das raparigas e mulheres em todos os níveis e esferas de intervenção desportiva. Teria de ser diferenciador das múltiplas ações de diagnóstico, de reflexão e de discussão realizadas até ao momento, teria de ter subjacente uma estratégia e um objetivo que denunciasse um querer transformador da realidade em causa. Nada disto se torna evidente através dos objetivos e do cardápio anunciado. Não desmerecendo a competência e o conhecimento dos/as intervenientes, em nada se distinguirá de idênticos realizados anteriormente.  Pelo contrário, sem intervenções de palestrantes estrangeiros/as, com painéis que concedem pouco mais de 10 minutos a cada um/a dos/as participantes e com a abordagem de temas recorrentes será uma ação que certamente ficará aquém de anteriores e cujas consequências não farão história.

Oxalá esteja equivocada e sejam clarividentes os propósitos do governo com esta iniciativa, intitulada “Um Compromisso com a Igualdade no Desporto”, mesmo ao arrepio do seu programa que nem uma linha dedicou a objetivos estratégicos e a medidas no tocante às mulheres e ao desporto. Oxalá mobilize para esta causa esforços idênticos aos dedicados, por exemplo, para a criação do Tribunal Arbitral do Desporto ou ao Plano Nacional de Ética no Desporto. Afinal, a dignificação da participação das raparigas e mulheres portuguesas na atividade desportiva não é mais do que uma questão ética, de justiça e de salvaguarda de direitos humanos. Haja um efetivo compromisso!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Separar o trigo do joio




O Conselho de Ministros aprovou uma alteração à composição do Conselho Nacional Desporto com a agregação de novos membros, nomeadamente representantes de entidades do setor empresarial. A alteração, em abstrato, não suscita qualquer reserva quanto à sua pertinência. No sistema desportivo existe um conjunto de operadores privados organizados sobre a forma empresarial que prestam serviços e produzem bens para o sistema desportivo. Alguns cuja ação empresarial se circunscreve ao território nacional, outros que operam também em mercados externos. É positivo para a economia, para o País e para o desporto. É natural que esse setor esteja representado num órgão de aconselhamento do governo em matéria de política desportiva.
No desconhecimento do critério de escolha/designação dos representantes do setor importa, no entanto, acrescentar algo mais. Existe também uma espécie de operadores privados, sobretudo ligados á organização de eventos, que de “privados” têm pouco e que vivem sobretudo na orbita da dependência dos favores e dos dinheiros públicos traficando influências e apoios políticos diversos. As eleições nacionais e locais são de resto um excelente observatório para estudar o modo como se alinham e distribuem os apoios aos candidatos numa lógica aberta de troca de favores. Por razões que a razão ignora são este tipo de empreendedores que o poder político normalmente escolhe para valorizar o empresariado desportivo.
Importa separar o trigo do joio. E fazê-lo com a coragem de denunciar uma narrativa governamental, que não é de hoje- e que infelizmente é acompanhada por entidades que deveriam pautar a sua ação por um outro distanciamento- que faz a promoção do empreendedorismo empresarial no desporto, com o recurso a exemplos de quem faz o que faz parasitando os dinheiros públicos, mesmo em casos em que o panorama fiscal dos visados justificaria outras cautelas. E este alerta vale também para cenários em que se admite a concessão de significativas parcelas de património público, sem qualquer procedimento concursal, a empresários da área do desporto.
Um sistema desportivo forte e desenvolvido é também um sistema com uma economia do desporto onde exista um setor empresarial dinâmico e ativo. Onde as políticas publicas estimulem o seu crescimento e incentivem a iniciativa, a criatividade e o empreendedorismo. E naturalmente onde ocorram eventos e outras iniciativas desportivas. E em todas elas não se defende que os poderes públicos desertem, virem as costas ou ignorem o serviço que é prestado à comunidade. Mas os poderes públicos têm a obrigação de ser isentos, rigorosos e transparentes nos apoios que prestam e não o fazerem em clara desigualdade de oportunidades concorrenciais ou favorecendo quem vive sistematicamente de mão estendida ao Estado.
A captura das elites, mediáticas e políticas, para genufletirem a certos interesses instalados prejudica em primeiro lugar o País. Mas prejudica também um sector empresarial privado que arrisca, que investe e que, muitas vezes, a única coisa que pede ao Estado é que não atrapalhe, que não burocratize e que facilite a vida das empresas. Não é isso contudo o que tem acontecido. E mudam os governos mas mantém-se um certo mimetismo procedimental, acrítico e obediente, que no fundo revela uma enorme falta de respeito por quem, vivendo com riscos próprios e não beneficiando das prebendas públicas, sofre a concorrência desleal de quem sistematicamente se abriga na órbita e com a proteção do poder.
Numa economia de mercado o que se espera do Estado é a exaltação e proteção da livre concorrência. Não é a cobertura aos empresários do regime.

domingo, 25 de novembro de 2012

Uma nova Liga?



Texto publicado no Público a 25 de Novembro de 2012.

1. Há semanas em que, não obstante a vivacidade do desporto, sempre implica algum esforço a busca de um tema para este espaço de opinião. Não é o caso.
2. O Governo aprovou novas normas relativas às sociedades desportivas e ao seu regime fiscal específico. A FIFA começa a ponderar o fim dos fundos de investimento em “jogadores”. A Assembleia da República aprecia as duas iniciativas legislativas sobre a criação de um Tribunal Arbitral do Desporto, disponibilizando na sua página contributos provenientes de diversas entidades. O Governo recebe estudo sobre a nossa “capacidade olímpica” e o futuro das modalidades desportivas federadas. O presidente do Comité Olímpico de Portugal afirma, após dezenas de anos de pertença à elite dirigente do “regime desportivo”, que o deporto em Portugal está obsoleto e teme pelo futuro. O que, nele, não é novidade. O receio pelo futuro prende-se, naturalmente, com o facto de não continuar a ser presidente dessa instituição. A «coisa» mexe, o que para os políticos, numa sociedade de espectáculo e de brevidade, é bem positivo.
3. Mas vamos um pouco, não muito, atrás.
Foi noticiado que o Conselho Nacional do Desporto enviou ao seu presidente, Mestre Picanço, uma proposta de portaria visando definir os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas. Já aqui demos conta que Laurentino Dias e Mestre Picanço «devem» esta portaria há quase quatro anos.
Mas tanto tempo só poderia dar bom resultado.
4. Movendo-se, em geral, nas soluções do passado – o que justifica o atraso pois a cópia é demorosa –, esta proposta apresenta, todavia, algumas novidades. Centremo-nos numa que, valha a verdade, só faz com que se perca tempo.
A fim de garantir o cumprimento de normas essenciais, o artigo 8º do texto obriga à criação – é mesmo assim – pela liga profissional de uma Comissão de Auditoria, onde em cinco elementos, um é designado pelo sindicato ou por estrutura representativa dos praticantes e dos treinadores.
Isto é, um acto de natureza regulamentar impõe a uma pessoa colectiva de direito privado – embora exercendo poderes públicos – um determinado órgão. Assim, desde logo, não há liberdade de associação e artigo 46º da lei fundamental do País que possa resistir.
5. Por outro lado, esta “criação obrigatória” de órgão na Liga Profissional, nem se deu ao trabalho de ler a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e o regime jurídico das federações desportivas.
De acordo com o artigo 22º, nºs 3 e 4, do primeiro diploma, as ligas são integradas obrigatoriamente pelos clubes e sociedades desportivas que disputem as competições profissionais, podendo ainda, nos termos da lei e dos respectivos estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos. Por seu turno, o artigo 27º, do segundo diploma, reafirmando a obrigatoriedade, precisa – bem ou mal, agora não interessa -, que a liga profissional pode, ainda, nos termos definidos nos seus estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos.
Ou seja, também por esta via, se pode aquilatar do absurdo da proposta. Não haverá juristas no Conselho Nacional do Desporto? Não haverá apoio jurídico ao Conselho Nacional do Desporto? Assim, coitados dos Laurentinos Dias e dos Mestres Picanço. Só podem não cumprir prazos.
6. Mestre Picanço, sem dúvida. Sempre atento à realidade em que se move, patrocinou e participou num evento, em espaço público, organizado por uma sociedade advogados, para debater as iniciativas legislativas sobre o Tribunal Arbitral do Desporto. Esperemos que dedique igual tratamento a todas as sociedades de advogados que entendam promover “debate aberto e uma reflexão crítica” e a todos aqueles que, não sendo sociedades de advogados anseiam um espaço público para falar sobre o desporto nacional. Neste último caso, nem precisa de estar presente.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

O lado oculto dos números




No estado de necessidade a que o país chegou existe uma preocupação, que é compreensível, com tudo o que envolve despesa com impacto na vertente pública. E como corolário desta constatação uma espécie de culto dos números em que se olha para o país como se de uma empresa se tratasse. De um lado a despesa e do outro os proveitos. O resultado, positivo ou negativo, definirá as políticas e o rumo a seguir. Neste exercício o risco de ficarmos pela evidência superficial dos factos é enorme. Acresce que os momentos de crise não são os mais disponíveis para a reflexão e a interpretação dos problemas. Transformar coisas complexas em equações simplistas é, por isso, um perigo que nos persegue.
Ciclicamente somos abalados pelos nossos resultados olímpicos. Consciências adormecidas durante quatro anos acordam e descobrem que não somos tão competitivos quanto devíamos. E toca de apresentar soluções. E para que as soluções sejam credibilizadas nada melhor que alinhar números, despesas, rankings e comparar resultados. E se a tudo isso se juntar o selo de uma qualquer entidade externa, mesmo pouco habituada a lidar com o desporto, mas que manobra números, cria-se a ideia de que o sucesso, afinal, está ali ao dobrar da esquina. É só querermos. O que trocado por miúdos quer dizer ir aos Jogos Olímpicos e regressar de lá com umas medalhas. Se assim é, então que assim se faça. Só que o problema não fica pelo simplismo do seu enunciado.
Desde logo porque o conceito de competitividade externa em matéria desportiva se não circunscreve à participação olímpica. Se assim fosse o ranking internacional da nossa modalidade mais cotada internacionalmente, o futebol, não podia ser o que é. Por outro lado, a maioria das modalidades desportivas não fazem parte do programa olímpico. E as que fazem participam em outros quadros competitivos internacionais. Medir o nosso grau de competitividade externa requer necessariamente uma extensão do cenário avaliativo para além da participação olímpica. Mas o assunto não fica por aqui. Qualquer pessoa minimamente informada e esclarecida sabe que o conceito de competitividade é multifatorial e a vertente financeira é apenas uma das suas variáveis. E uma variável que não pode ser medida exclusivamente por aquilo que é despendido na chamada preparação olímpica.
Nos sistemas desportivos estabilizados a relação sistémica entre os diferentes subsistemas explica o sucesso desportivo do alto rendimento e a respetiva competitividade externa. Em sistemas onde os diferentes subsistemas estão dispersos e sem relações de complementaridade é sempre possível o êxito temporário através de soluções mais ou menos imediatas: naturalização de atletas por razões de interesse desportivo; afrouxamento nos processos de despistagem da dopagem; processos intensivos de preparação desportiva; deslocação/emigração de atletas para outros sistemas de preparação; contratação de especialistas externos; etc. Ou até o êxito em alguns segmentos competitivos por razões culturais, de historia desportiva local ou até contingenciais sem que esses resultados sejam o reflexo de qualquer sistema desportivo minimamente sustentado. Isto para dizer que se pode procurar produzir resultados desportivos de elevado nível através de várias soluções. Para todas é preciso dinheiro, podemo-lo dizer simplificando a argumentação, mas para nenhuma delas basta o dinheiro.
É um equívoco a ideia de que tudo se resolve arrumando de forma diferente a despesa, concentrando porventura mais meios financeiros em modalidades desportivas que potencialmente apresentem indicadores de maior grau de competitividade externa. Porque a simples definição de prioridades competitivas e alocação de meios financeiros não é um imperativo de sucesso. O resultado desportivo é o reflexo do talento dos atletas com as condições sociais e desportivas disponibilizadas para o poder exprimir ao mais elevado nível competitivo. E essas condições estão para além da vertente financeira embora, muitas delas, por ela sejam condicionadas. Os números,que nestas ocasiões se alinhavam,  ajudam a fazer perguntas. Mas não constituem respostas. Porque existe um lado oculto dos números. Seria, por isso, prudente não ficar refém de uma perspectiva contabilística e entender que o sucesso desportivo requer o aperfeiçoamento de outros factores críticos abundantemente descritos na literatura da especialidade.
Uma nota final: não é o governo que decreta qual é estratégia para aumentar a competitividade desportiva internacional. Não é para o desporto, como não é para a cultura, para a investigação, sequer para a economia. No desporto são as organizações desportivas; na cultura os agentes e produtores culturais;na investigação as agências do setor; na economia os  empresários. Mas os governos devem articular as suas políticas públicas no sentido de convergirem com as necessidades e expectativas desses parceiros. Outra coisa não faz sentido. O que requer capacidade de diálogo e de construção de soluções. Nestes casos não basta ouvir. É mesmo preciso entender o que se ouve.

 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Sporting (e os outros) e a arbitragem

Artigo publicado no Público a 18 de Novembro de 2012.

1. Na sequência do jogo recentemente disputado entre o Sporting e o Sporting de Braga assumiu relevo reunião (encontro) entre o presidente do Sporting e o presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, que ocorreu antes dessa partida.

Não vi o jogo mas mesmo que o tivesse visionado a minha opinião não mudaria neste texto.

2. Como é do conhecimento público, foram tecidas duras críticas à actuação do árbitro por parte da equipa de Braga, incluindo o próprio presidente do município. O “encontro” não deixou de ser referido como tendo dado “resultado”. Seguiram-se afirmações, comunicados, leituras “lógicas”, etc.

3. Nada me move – quiçá, bem pelo contrário – contra os intervenientes desse encontro, mas deve ser referido que tal situação, em face das circunstâncias envolventes, não foi a mais correcta, revelando mesmo alguma imprudência.

4. Devo dizer que não sendo ingénuo, acredito que o bom e o mau existem no global do futebol, como no da sociedade. O malévolo não está em exclusivo nos agentes de arbitragem. Longe disso.

Por outro lado, não olvido que vivemos num mundo prenhe de telemóveis e outras máquinas que possibilitam audiências ou encontros bem mais privados e longe do conhecimento público, como sucedeu agora neste caso.

5. O que propugno é, pois, bem simples: respeitar escrupulosamente os regulamentos de arbitragem existentes – o da Liga e o da FPF – que admitem a intervenção de clubes que se sentem prejudicados pelas actuações da arbitragem.

Dispõe, a esse propósito o artigo 12º, em sede de designação dos árbitros: “6. A Secção Profissional pode retirar temporariamente das designações os árbitros ou árbitros assistentes que hajam incorrido nas seguintes situações, comprovadas pela Secção Profissional oficiosamente ou mediante denúncia apresentada pelos Clubes intervenientes no jogo em causa: a) Haver cometido graves erros técnicos, devidamente comprovados, podendo haver recurso a meios audiovisuais quando se trate de questões com implicação de natureza disciplinar; b) Haver cometido sucessivos erros técnicos e/ou disciplinares, mesmo que não constantes do relatório do observador; c) Apresentar deficiente condição física, devidamente verificada através do relatório do observador ou de testes realizados para o efeito, a nível nacional ou internacional; d) Ter posto em causa, por qualquer forma, sobretudo através de declarações públicas, a estabilidade, isenção e dignidade da arbitragem globalmente considerada, bem como dos seus órgãos hierarquicamente superiores; e) Violar culposamente as obrigações constantes das alíneas k) e l) do n.º 2 do art. 10º;f) Sempre que, por violação grave dos seus deveres, tenha sido objecto de denúncia disciplinar pela Secção Profissional.

Por outro lado, não podem ser retirados das designações os árbitros e árbitros assistentes que tenham sido objecto de denúncia disciplinar apresentada pelos Clubes, salvo se a Secção Profissional do Conselho de Disciplina ordenar a sua suspensão preventiva (nº7). Por seu turno, estabelece o artigo 13º (reclamação): os Clubes que se sintam lesados nos seus jogos por decisões da equipa de arbitragem podem, no prazo de cinco dias após a realização do jogo, reclamar para a Secção de Classificações que decidirá após parecer da Comissão de Análise e Recurso.

E, nas mesmas águas, navega o Regulamento de Arbitragem da FPF (artigos 82º, 88º e 89º).

6. Nada mais, nada menos. Nem audiências, nem telemóvel.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Desporto e Segurança - Um caso de "law in Portugal"


Em termos conceptuais o apoio público à prática desportiva justifica-se pelo facto de os benefícios daí decorrentes não se esgotarem no individuo/praticante e estenderem-se à comunidade em diversos domínios de cariz social, cultural, educativo e económico. 

No que concerne ao desporto federado compete à sua hierarquia associativa organizar e desenvolver os quadros competitivos, dotando o Estado os recursos e os poderes necessários para tal actividade, a qual funciona num regime distante de um mercado convencional, atendendo a um conjunto de especificidades. 

Partindo, por parcimónia de espaço e tempo para mais desenvolvimentos, destas duas premissas, um dos recursos que o Estado assegura no apoio ao normal desenvolvimento das competições tem sido, há longos anos, o policiamento dos espectáculos e manifestações desportivas, atendendo às competências que a lei fundamental lhe atribui em matéria de segurança pública e de prevenção da violência no desporto.

Para o efeito dispõe de uma percentagem das verbas provenientes das receitas dos jogos sociais, que a lei afecta anualmente à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI), para posterior transferência para as forças de segurança. Ou seja, o dinheiro não provem do bolso dos contribuintes, via Orçamento de Estado - como por vezes, e já neste espaço, se refere -, mas dos apostadores nos jogos sociais.

Ora, o novo quadro regulador sobre esta matéria traz, em relação ao regime anterior, importantes alterações, as quais, é sabido, têm suscitado controvérsia pela eventual redução do âmbito da comparticipação do Estado nos encargos com o policiamento de espectáculos desportivos, a qual se prioriza nas selecções nacionais e “provas de campeonatos nacionais de escalões etários inferiores ao do escalão sénior e dos campeonatos distritais”, sendo que “nos espectáculos referentes a competições de escalões juvenis e inferiores, quando realizadas em recinto, em regra, não deve ter lugar o policiamento”. 

Isto é, o Estado apenas comparticipa regularmente as competições no escalão entre juvenis e seniores, ficando ao critério do promotor do espectáculo (clube) requerer o policiamento nos restantes escalões, salvo nos casos legalmente obrigatórios, sendo este “inteiramente responsável pela ordem e segurança no interior do respetivo recinto…”. 

Importa também ter em atenção que estas alterações surgem com a época desportiva a decorrer e têm um impacto assinalável nos orçamentos dos clubes: 


Depois, cumprindo as novas disposições, são obrigatoriamente destacados, no mínimo, três agentes, sendo normalmente um deles graduado. 

A isto acresce o facto das autoridade policiais, a quem incumbe garantir o cumprimento da Lei (!?), considerarem competições desportivas de natureza profissional diversas competições organizadas por associações distritais e regionais - quiçá adiantando-se à regulamentação do art.º 59.º da lei deste país onde se tipificam os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas - , cobrando aos clubes o policiamento de acordo com os valores, naturalmente mais elevados, definidos na tabela  remuneratória para essas competições. 

Por fim, as referidas tabelas cobram um período mínimo de policiamento de quatro horas, sendo raras as competições com essa duração, aqui incluindo o policiamento prévio e posterior à sua realização. Para atestá-lo o leitor poderá deslocar-se, por exemplo, a um pavilhão e verificar o tempo que as forças de segurança aí permanecem para um jogo de voleibol, andebol, futsal ou basquetebol… 

Perante este cenário, num contexto de elevados condicionalismos financeiros, não se fez esperar a contestação, organizada ou pontual, de vários agentes desportivos, nomeadamente árbitros e dirigentes, ou de encarregados de educação. Tendo sido suspensas competições.

Nas competições de natureza profissional, clubes há que dispensaram o policiamento em estádios com lotação de dezenas de milhar de espectadores… 

Confrontado com tudo isto, de acordo com informação disponível comunicada aos clubes, “por parte do gabinete de Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, foram transmitidas instruções às forças de segurança no sentido de que (…) sejam aceites sem qualquer encargo para os promotores, em conformidade com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 216/2012, de 9 de Outubro, as requisições para o policiamento dos jogos referentes aos escalões de formação, devendo o pagamento dos serviços ser suportado pela Secretaria Geral do MAI…”. "Este regime transitório de adaptação (…) não tem lapso temporal definido (…)”

Ou seja, assim, tão simples, em mais um feliz exemplo que alguém em tempos definiu como “law in Portugal”, volta-se à casa de partida, retomam-se as competições, e voltam a ter policiamento nos escalões onde o diploma considerava, que, em regra, não deviam ter lugar… 

Aqui chegados não se questiona se o legislador mediu o impacto desta regulação e acautelou o normal funcionamento das competições, nomeadamente nos escalões de formação iniciais, e as responsabilidades, anteriormente mencionadas, que a Constituição confere ao Estado em matéria de segurança e prevenção da violência associada ao desporto. Disso se ocupará o Tribunal Constitucional, a fazer fé no ponto 4 da deliberação da Direcção da Associação de Futebol de Lisboa

Não se questiona também se tal medição do impacto aferiu o aumento exponencial nos encargos de policiamento e o reflexo que isso tem, no contexto actual, não só na gestão de clubes de pequena e média dimensão mas, complementarmente, noutros poderes públicos aos quais estes inevitavelmente recorrem nestas circunstâncias, em particular os Municípios e as Freguesias. 

A pergunta que aqui fica é apenas esta: Desconhecendo-se um aumento substancial nos quadros competitivos federados face à época desportiva anterior, e sendo os encargos de comparticipação do Estado provenientes da distribuição dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o que justifica a decisão de limitar o policiamento, e por essa via a comparticipação pública, quando a verba destinada ao policiamento de espectáculos desportivos tem vindo a aumentar nos últimos anos, conforme atesta a tabela de distribuição de receitas dos jogos sociais a páginas 168 do Relatório e Contas de 2011 da Santa Casa e se mantém em 2013 a mesma repartição para este fim face a 2012

Pelo que aqui se alinhou suspeita-se a resposta. Oxalá não fique sem confirmação oficial… 

Por certo, sendo a parceria entre as entidades federativas e as estruturas das forças armadas e de segurança uma realidade bem vincada ao longo de décadas, não só pelo trabalho no terreno, mas também na representatividade em cargos dirigentes em várias federações e órgãos de topo do nosso sistema desportivo, estas questões estarão em cima da mesa no seminário “Desporto e Forças Armadas”, numa ocasião, feliz e oportuna, para se debater o tema e esclarecer os interessados.