terça-feira, 30 de setembro de 2008

Da nostalgia, do marasmo e da esperança...

Depois de uns dias fora de Portugal, por ora por motivos profissionais, regresso quase sempre muito saudosa ao "meu Porto". Desde bem jovem que sou inundada de nostalgia ao atravessar o rio Douro ou ao contemplar a vista área deste cantinho nortenho e raramente prescindo de ficar o máximo de minutos possíveis neste absorvimento. Apego às raízes, identidade bairrista, sentimento pacóvio, chamem-lhe o que quiser, pouco me importa, mas que é muito bom é. Gosto de sentir-me novamente em casa, e a minha casa, aquela que me aquece a alma, é sempre indiscutivelmente no Porto.

Contudo, este regresso já não é tão entusiasmante nem tão esperançoso como outrora. E desta vez senti, inclusive, com certa intensidade a angústia a entrar em mim de forma mais avassaladora. Por mais optimista que seja e que assim queira permanecer, por mais que ame este país, por mais que queira que ele progrida e se despegue da estagnação, do marasmo, da resignação, do impasse, sou invadida pela sensação de que a conjuntura socioeconómica e o atavismo conservador da mentalidade portuguesa não ajudam em nada.

Na ânsia de me colocar a par das novidades, falo com a família, os amigos, leio os jornais, ouço os noticiários e o que encontro de novo e sobretudo moralizador, promissor e arrebatador? NADA…
Neste País, parece que nada acontece, parece que o tempo pára para dar azo à rotina maçadora, ao fazer por fazer, ao surgir das datas agoniantes de pagar as contas antecedidas do dia dos míseros salários nacionais que as cubram, para muitos, pelo menos parcialmente.

Deparo-me novamente com a revolta dos professores e das respectivas associações sindicais, com o aumento das taxas de juro, com o aumento progressivo dos assaltos à mão armada e da insegurança em geral, e não pararia com desgraças se não me lembrasse da cultura e do desporto…

Ainda bem que por estes dias temos um Rodrigo Leão a representar Portugal no Ulsan Worl Music Festival, na Coreia do Sul, uma Paula Rego a inaugurar uma exposição retrospectiva em Lisboa, com obras criadas desde os anos 50 até à actualidade, um Manuel de Oliveira retratado no museu de Serralves até 2 de Novembro, e muitos outros a relevarem o que de melhor podem fazer os portugueses.
No desporto, com a recente participação olímpica e paralímpica também enchemos o ego e regozijos pessoais, independentemente de entender que o estado sócio-desportivo nacional está bem distante dos resultados internacionais alcançados naquelas competições. Mas este é assunto para outro dia.
Finalizo recordando o compromisso assumido em texto anterior, no qual me prontifiquei a dar notícia de acontecimentos desportivos relevantes para Outubro, que não os domésticos e sempre inefáveis e incontáveis jogos de futebol profissional que todos os dias nos assaltam a casa.
Desta vez ressalto o 9.º Congresso Nacional/1.º Congresso Internacional de Gestão de Desporto. Ainda que seja pouco compreensível que a escassos dias deste importante evento o seu programa ainda não esteja fechado e os seus temas sejam pouco arrojados e inovadores, estou em crer que quem rumar até à bonita e aprazível cidade de Vila Real não dará por perdido o seu tempo. Tempo a pedir, como pão para a boca, reflexão profunda e sobretudo gente que aponte a dianteira, a esperança, seja destemida, desbrave e derrube as obstinadas resistências à mudança incrustadas nas mentes e nas organizações ainda por vezes dominantes do antes do 25 de Abril.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

No pós-Pequim

No cenário pré-Pequim o desporto português vivia um momento único jamais alcançado no passado. Foi dito e está escrito desta e de outras formas por responsáveis políticos e desportivos. O cenário pós-Pequim teve (tem) duas fases: a que se viveu no rescaldo dos Jogos e a que vamos passar a viver. Na primeira o desporto português precisava de mudar se queria ter capacidade competitiva internacional. Em quinze dias a euforia dava lugar à depressão. E perdíamos o que supostamente tínhamos: qualidade. Como aconteceu no passado existiam soluções ”prontas a servir” consoante os gostos. Os “eufóricos” de ontem - que eram os “depressivos” de então -, conhecem-nas. E anunciaram-nas: era preciso mudar. Mudar o quê: tudo! Como? Através de mais poder e de mais recursos. Pode parecer uma síntese errada, porque demasiado simplista, mas espremido é o que dava. A fórmula não era inovadora. Mas ia dar ao mesmo: manutenção do poder e da continuidade das lógicas de governação política e associativa. Mas o frenesim inicial, com o tempo, como então prevíamos, foi passando. E tendemos, nesta segunda fase pós-Pequim, a regressar ao situacionismo anterior. Vale a pena, no entanto, no plano estritamente reflexivo, recuperar algo do que então foi dito. E perguntar: é preciso mais poder e mais recursos para quê ?
Nos últimos três anos Portugal viveu no plano da governação uma situação excepcional: uma maioria absoluta sólida, um presidente da república, para já, cooperante e uma oposição inexistente ou se quisermos ser simpáticos muito frágil, dividida entre si e descredibilizada. O movimento associativo é na sua representação superior cooperante e “camarada”. Mas quando o gelo derrete o nosso “iceberg desportivo”, o que vem à superfície é uma realidade que está longe de traduzir as excepcionais condições politicas criadas. Quem acompanha o desporto nacional sabe como as coisas continuam a funcionar. O que mudou então?
A actual maioria (que nos últimos 14 anos vai a caminho de governar 11) tem uma enorme experiência de governação desportiva. Já experimentou vários modelos e diferentes pessoas. Conhece como poucos a máquina administrativa do Estado. Tem gente experimentada e tarimbada nos “meandros” da política desportiva. Relaciona-se bem com os poderes mediáticos e com os poderes das diferentes “lojas”.Mas o que deixa? Em que é que o país desportivo está diferente que tenha resultado da acção governativa? Seguramente que está diferente no plano do ordenamento jurídico, mesmo tendo presente a dificuldade de cumprir calendários a si próprio impostos, no que não é pecado original. Mas as alterações ocorridas não são de molde a alterar significativamente o quadro dos indicadores mais críticos da realidade desportiva. Legislar não é necessariamente reformar. O governo mexeu e bem na forma de distribuição das receitas das apostas mutuas mas a prazo vai ser confrontado com os memos problemas do passado porque baixou o contributo das transferências do orçamento do Estado com origem em outras rubricas que não as receitas próprias consignadas e enfrenta já um quadro recessivo nas receitas dos jogos. Resolveu bem a isenção de tributação fiscal das bolsas aos atletas de alta competição e anunciou, mas ainda não publicou, um regime especial de segurança social para estes atletas. Anunciou uma rede de centros de alto rendimento para diferentes modalidades que carece, para uma melhor avaliação, de se conhecer qual é a política publica para o alto rendimento de modo a se não cair numa lógica de soluções avulsas e de difícil sustentabilidade futura e um pouco à medida das reivindicações das modalidades. Manteve o financiamento aos “projectos autárquicos”na lógica dos poderes locais mas desligado de qualquer prospectiva de âmbito nacional. Deixo para outros a avaliação da reforma (?) da administração pública desportiva. Foi tudo o que fez? Não. Mas como em muitos outros domínios, as politicas do desporto vivem carentes de dados e de análises objectivas sobre o impacto das medidas de politica desportiva pelo que muito de positivo que se possa ter feito carece de uma avaliação que ultrapasse o exercício de mera propaganda quanto aos seus méritos anunciados. Como é entre outros, o caso do desporto no 1º ciclo do ensino básico. O que se tem dito sobre esta realidade é uma perfeita imbecilidade. Ou seja,ainda não teve tempo de mexer em qualquer dos factores críticos que tanto incomodavam a governação:os indicadores da situação desportiva quando comparados com os países do espaço europeu.
E do lado “associativo” o que mudou? Que novos programas foram lançados? Que novas ideias surgiram? Que melhorias nos quadros organizativos e competitivos? Na formação dos quadros técnicos? Na resposta aos problemas do desporto juvenil e ao abandono desportivo precoce? Nas metodologias de organização e preparação desportiva? Que politicas para a renovação dos quadros dirigentes? Que responda quem saiba!
Resultado: com uma governação perra e pouco arrojada e com um movimento associativo expectante, situacionista e frágil de ideias e projectos para que servem mais poder e mais recursos?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Uma Santa Casa

Foi noticiado que a Comissão Europeia instou Portugal a alterar a sua tributação dos ganhos das lotarias. De acordo com a nota de imprensa da Comissão Europeia, as normas portuguesas prevêem a tributação dos ganhos de lotarias estrangeiras, estando os ganhos das organizadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Euromilhões e Liga dos Milhões) isentos de imposto sobre o rendimento.
Segundo o órgão comunitário “estas regras são incompatíveis com o Tratado CE e o Acordo EEE, dado restringirem a livre prestação de serviços”.
Considera ainda a Comissão que a situação de tratamento desigual não pode ser justificada como uma medida destinada a evitar as consequências prejudiciais do jogo.

Este processo traz de novo para a ribalta a questão da liberalização do mercado dos jogos de fortuna e azar versus monopólio do Estado, directo ou indirecto (como é o caso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).
É tema que tem ocupado o Tribunal de Justiça da Comunidades Europeias, que tem produzido decisões dir-se-ia, numa primeira aproximação, favoráveis à liberalização. Mas, é forçoso dizê-lo, tais decisões têm encontrado resistências por parte dos Estados e mesmo de tribunais nacionais, como foi o caso dos tribunais italianos. Não nos ocuparemos, aqui, dessa discussão jurídica e económica.

O que se nos afigura ser de sublinhar, a partir de um dos argumentos do Tribunal de Justiça da Comunidades Europeias, é que não se compreende com facilidade como sustentar uma solução de monopólio com base no argumento – existem outros que agora não se apreciam – do controlo dos malefícios do jogo, controlo esse assegurado de forma mais eficaz por via da concessão da exploração desses jogos a entidades do tipo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Tal argumento é totalmente destituído de força persuasiva quando é a própria Santa Casa a publicitar, de forma agressiva e permanente, o jogo perante o público, assumindo-se até, como principal patrocinador de provas desportivas. Basta olhar o Lisboa-Dakar.

E mais. Bem vistas as coisas, sendo o Euromilhões o “jogo nacional”, porque razão a Santa Casa gasta montantes astronómicos não nas suas tarefas essenciais, mas antes a cobrir os custos de tais provas desportivas?

Precisa o Euromilhões ainda de mais publicidade? Ou precisava o Lisboa- Dakar, e outras provas que mostram Portugal ao Mundo, de financiamento público encapotado?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Todos iguais (mas diferentes)

Em primeiro lugar, o meu (nosso) pedido de desculpa pelo facto de, julgo que pela primeira vez, a colectividade desportiva não apresentar um texto novo há oito dias.
Adianto, como justificação, uma conjugação de factores circunstanciais que rodeiam quatro dos seus mais activos associados.
Dito o que deve ser dito, aproveitamos o ensejo para reler as declarações do presidente da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, bem como de outros agentes desportivos, particularmente dos atletas, no balanço de Pequim 2008.

Elas dão conta de uma realidade já conhecida de há muito: desigualdade de apoios e de tratamento – relativamente aos atletas não portadores de deficiência –, não cumprimento ou atraso, por parte da Administração Pública, de obrigações legais e contratuais.
Nesta matéria nada há a dizer que não fosse a reprodução do que muito – e por várias vezes – já dissemos: o Estado não olha o praticante desportivo portador de deficiência como um atleta de alta competição, antes o vê como um portador de deficiência que pratica desporto.

O que nos surpreendeu, das leituras efectuadas, é que o presidente federativo venha a afirmar, sobre o aumento do montante das bolsas a atribuir aos atletas portadores de deficiência (actualmente um terço dos atletas olímpicos), o seguinte: “ Sabemos que não é possível uma situação de igualdade como os olímpicos, mas gostávamos que houvesse um processo de aproximação”.

Afirmação proferida, ainda por cima, num contexto em que o mesmo dirigente apresenta como “de nível de prestação muito alto, com atletas paralímpicos a aproximarem-se de marcas de olímpicos. É preciso investir ainda mais na preparação.”


Independentemente de questões de cidadania e de natureza jurídica, partir para negociações com o Governo, esperançado em melhorar condições, assente numa disparidade que se tem como justificada, não me parece que seja positivo para os objectivos dos atletas paralímpicos.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Pensar alto

Em grande parte, a alavanca de uma politica de promoção do desporto está “fora do desporto”: está na política escolar, na política de juventude, na política de saúde, na política autárquica, na política de emprego. O que está em causa não é passar a outros sectores o que é da responsabilidade das políticas públicas desportivas. É agir com uma perspectiva global à altura dos desafios actuais. Implica que se olhe para a política desportiva numa perspectiva simultaneamente global e transversal. A política desportiva não pode “respirar” sozinha ou viver sem o contributo de outras politicas sectoriais. Por mais bem elaboradas que fossem as “politicas desportivas”estas ficariam sempre prejudicadas se não articulassem perspectivas, incentivos e não ganhassem sinergias com uma lógica de sentido único. Mesmo políticas sectoriais carecem de lógicas globais. Não é possível mexer seriamente na educação física escolar e no desporto da escola se não se mexer na organização dos currículos escolares, dos tempos escolares e na formação de professores. O incentivo à prática associativa carece do aumento do tempo livre e da desburocratização fiscal e administrativa sobre o tecido associativo. O alto rendimento precisa de um redefinição de prioridades à luz das capacidades competitivas do país no plano externo e das diferentes “economias “ das modalidades. Continuar a pensar que o apoio financeiro do Estado se deve dispersar por modalidades sem qualquer capacidade competitiva externa e de custos elevados é delapidar recursos ao os não concentrar onde existem possibilidades de ganhos de competitividade. As políticas desportivas autárquicas carecem de ser reavaliadas à luz do aumento dos indicadores de prática desportiva. Não basta que a autarquia preste “atenção” ao desporto. Importa monitorizar e avaliar o que se faz na base de critérios de crescimento e não de politicas de “acontecimentos” que pouco valores acrescentam à sustentabilidade das práticas desportivas locais. A discussão sobre o financiamento público não pode centrar-se nos “ valores”mas nas prioridades de investimento e de despesa. A montante de todas medidas “desportivas” está ainda a mobilização do país em torno do desenvolvimento do desporto e da melhoria da qualidade da prática e do desempenho dos seus representantes. Não se trata de elevar o desporto a uma prioridade politica. Mas já se trata de elencar o contributo do desporto a outras prioridades politicas sejam no domínio da inclusão social, da educação, da saúde, do emprego ou da economia. Para tanto é necessário que o desporto tenha uma a imagem atractiva do valor, necessidades e benefícios que representa para o país e para os cidadãos. Se constitua como um “facto social conspícuo”. O que passa entre outras coisas por saber “como entrar” nas restantes politicas. E construir uma dimensão mediática que está para além do “fogo-fátuo” de aparecer a dizer umas banalidades.
A ambição política não passará de um voluntarismo generoso, mas inconsequente, se não abrir portas ás restantes politicas sectoriais. E se não se constituir como um processo mobilizador. A retórica encantatória do desporto como ponto de partida e de chegada das políticas públicas é curto. Serve para um “desportozinho”. Dificilmente permitirá superar os indicadores da situação desportiva e que tanto nos penalizam. A tarefa de novos desígnios para o desporto tem de ser responsavelmente partilhada pelo Estado e pelas organizações do sistema desportivo. É ainda a esperança que resta.

domingo, 7 de setembro de 2008

J.Paralímpicos: Os nossos mais válidos...

Deficiências

Deficiente” é aquele que não consegue modificar a sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

Louco” é quem não procura ser feliz com o que possui.

Cego” é aquele que não vé seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

Surdo” é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.

Mudo” é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

Paralítico” é quem não consegue andar na direcção daqueles que precisam de sua ajuda.

Diabético” é quem não consegue ser doce.

Anão” é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

Miseráveis” são todos que não conseguem falar com Deus.

Mário Quintana (1906-1994)


Já em diversos textos abordei o "desporto adaptado", as suas vicissitudes e as duplas ou múltiplas discriminações de que são alvo as pessoas ou, neste caso, os praticantes desportivos "mais válidos", fazendo uso da expressão utilizada por uma aluna italiana de Erasmus.
Acompanharei, como fiz com os Jogos Olímpicos, com ansiedade e muito entusiasmo, entre 6 e 17 de Setembro, a participação da delegação portuguesa em mais uma edição dos Jogos Paralímpicos e hoje, neste espaço, privilegio as palavras sábias e os depoimentos esclarecedores de alguns protagonistas dos nossos e das nossas melhores atletas. Por ora, palavras para quê com narrativas e imagens como as que se seguem?







sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Jogar ou não jogar. Eis a questão

Se acreditássemos que um político num Estado de direito democrático procura promover o interesse público e o bem estar geral, garantindo o cumprimento da lei e o normal funcionamento das instituições dotadas de poderes públicos, já há muito que o titular da pasta do desporto deveria ter feito uso das competências de fiscalização sobre o exercício de tais poderes na Federação Portuguesa de Futebol, nomeadamente se tivermos em atenção a propalada “democraticidade, representatividade e transparência” que anunciou para o novo regime jurídico das federações desportivas, sabiamente posto a marinar à espera de melhores dias.

Ocorre que a regulação é um mercado político, onde os actores procuram maximizar os seus interesses próprios e preferências pessoais. Neste tabuleiro, o político está longe de ser um árbitro, e é apenas mais um jogador. Bem certo, um jogador com poderes especiais.

É evidente que numa modalidade com a projecção do futebol é do interesse pessoal de qualquer político o normal funcionamento dos seus órgãos federativos e evitar o mais possível a necessidade de intervir, tornando-se um jogador discreto nestas áreas sensíveis.

No entanto, terem os sócios da FPF solicitado numa reunião informal ao presidente de um órgão executivo que reúna uma “lista de consenso, com um presidente de consenso com toda a transparência que depois seja sufragada em assembleia-geral” para fazer face ao eventual vazio nas eleições intercalares para um órgão independente e dotado de poderes jurisdicionais é algo de tal forma caricato, até para o nosso nacional porreirismo.

Os processos de decisão com base em hábitos, usos e costumes que favorecem estes e outros notáveis expedientes de recurso, atropelando os mais elementares princípios de separação de poderes e organização democrática das instituições, não são novidade em sectores fechados e geridos por instituições instáveis onde as trocas pessoais são essenciais para fazer face às anomalias geradas no funcionamento dos seus órgãos. Anomalias em grande parte resultantes da fulanização das relações que deveriam ser impessoais e institucionais, claro está.

O problema é que esta é uma espiral que reproduz e perpetua ineficiências ao criar um interminável novelo de comprometimentos pessoais que em nada abona a consolidação de instituições transparentes, independentes e eficientes na gestão dos poderes que o Estado lhes confere.

Resta saber se este episódio é o limiar onde o custo político de não ir a jogo é superior ao custo de jogar os instrumentos que a lei confere ao Estado para garantir o “cumprimento das regras legais de organização e funcionamento interno das federações desportivas”.

Entre o estado do desporto e o desporto do Estado, aceitam-se apostas!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Diário da República

O desporto nacional vive com uma pluralidade e diversidade de agentes e organizações. São os atletas, os treinadores, os técnicos, os árbitros ou juízes, os dirigentes; são ainda os clubes, as federações desportivas, a Confederação do Desporto de Portugal e o Comité Olímpico de Portugal.
Mas também temos o Governo, o IDP, as autarquias locais e outros entes públicos.
Ora, Pequim alertou-nos para a existência de um outro operador até agora, pelos vistos, a viver na clandestinidade, criando teias subtis no sistema desportivo.

Trata-se do Diário da República.
O jornal oficial – é mesmo um jornal (agora electrónico) com notícias e tudo –, revelou-se possuidor de vontade própria, é um ser pensante e, do ponto de vista das organizações desportivas privadas de cúpula, ou pelo menos dos seus principais responsáveis, é matreiro e perigoso, age sempre contra os seus interesses.

Primeiro, foi o presidente do Comité Olímpico de Portugal, em entrevista à RTP1, no passado dia 26 de Agosto.
Acerca da contagem das medalhas, e dos verdadeiros objectivos desportivos da missão portuguesa, lá foi afirmando que assinou uma “carta ao Governo” a indicar 3 ou 4 medalhas, mas não 5. E a representação de 13 ou 14 modalidades. Mas o Governo, depois, no Diário da República, é que aumentou esse nível de exigência. Ora aí está ele, o abominável Diário da República. Falso. Traiçoeiro.

Ontem, foi a vez do presidente da Confederação do Desporto de Portugal confirmar a existência desse ser, na sua coluna no jornal A Bola.
Afirma a dado passo: “Medalhas, medalhas, medalhas foi a tónica das últimas semanas, uma tónica a que Portugal não podia ficar indiferente sobretudo depois do COP ser obrigado a incluir no contrato-programa, com a administração pública desportiva, a conquista de quatro medalhas em Pequim e, provavelmente, porque para estes, isto de medalhas é fácil, quando da publicação em Diário da República, o número foi aumentado para cinco!”
Cá está ele uma vez mais. Sempre tortuoso, não se limitando a reproduzir e a publicitar um contrato assinado pelas partes. Apanha as partes desprevenidas, de costas, e altera o escrito e assinado.

Bem vistas as coisas, agora que é indesmentível a presença autónoma do Diário da República no universo dos agente desportivos só resta optar por uma das seguintes soluções: ou elimina-se tal jornal – difícil em face da sua previsão na Constituição da República Portuguesa –, ou altera-se o diploma relativo à composição do Conselho Nacional do Desporto, de molde a prever a sua presença, de pleno direito.

Não será difícil para o Governo seguir esta última opção, pois o referido diploma já convive com a presença do inexistente Comité Paralímpico de Portugal e o Conselho Nacional do Desporto vai também coexistindo com a presença de um presidente de uma federação desportiva que perdeu a “razão de ser” que o legitimava (existência de uma competição desportiva profissional).

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Tudo isto é fado!

Existe uma opinião pública equilibrada e sensata (no sentido de não ser incerta e aleatória a contextos circunstanciais) sobre o modo como Portugal deve estar presente numa iniciativa como os Jogos Olímpicos? Existe uma noção realista sobre o que vale o desporto nacional em matéria de competitividade externa? Claramente que não. E esse facto tem de ser encontrado nos elementos que, nos tempos actuais, ajudam á construção e modelação de uma “opinião”.
Com a crise do sistema representativo e dos seus principais instrumentos (sufrágio, partidos, parlamentos), a democracia vive sem debate público. Está refém de um complexo dispositivo mediático que condiciona por completo as regras do funcionamento social. Entre essas regras está o peso da opinião. A pública tende a ser cada vez mais a “publicada”.
A mercantilização da informação, o aumento do recurso ao directo, a confusão entre informação, opinião e entretenimento, o modo como são constituídas as agendas, a qualidade da formação dos jornalistas, a dependência das “fontes oficiais”,o “in circle”dos comentadores, influencia e condiciona a construção da “opinião” que os cidadãos vão criando a respeito da (s) realidade(s).
O desporto e os jogos olímpicos não são excepção. Agravado pela circunstância de termos uma”cultura e opinião desportivas” débeis e marcadamente futebolizadas. Recordem-se as afirmações produzidas no programa Dia Seguinte sobre o número de anos da participação olímpica do atleta Arnaldo Abrantes.
Quando Nelson Évora ganhou a medalha de ouro em Pequim, não foram vistos ajuntamentos ou desfiles no Marques de Pombal ou na Avenida dos Aliados. Nem se viram mais bandeirinhas de Portugal nas janelas. Por que a relação das pessoas é diferente perante esta vitória desportiva do que o é perante uma vitória futebolística do clube da sua simpatia ou da respectiva selecção? Em parte sim. Mas a outra parte é que são acontecimentos que não seriam o que são, sem o contributo das televisões que, no futebol, já estão em directo daqueles locais mesmo quando ainda não anda por lá ninguém. O sentimento de adesão pré-existe mas o efeito mobilizador é das televisões. Não vamos ao ponto de afirmar que sem elas os acontecimentos não ocorreriam. Mas o modo como decorrem e a adesão que suscitam a elas o devem. São elas que chamam as pessoas. E são elas que tornam visível o acontecimento para além dos protagonistas. O que tem tudo isto a ver com os Jogos olímpicos? É que, para os não especialistas, que são a maioria, o conhecimento que se tem dos factos e a opinião que constroem sobre os mesmos resulta do que durante quinze dias se diz e se escreve. E quem o diz e quem o escreve? Pessoas que na área do desporto passam uma vida inteira a falarem de futebol num registo perfeitamente banal e ligeiro; e outros que especialistas de tudo têm a tendência natural de emitir opiniões sobre assuntos de agenda e quadrienalmente opinam sobre os jogos olímpicos. As nossas fragilidades passam também por aqui. As políticas desportivas, públicas e associativas, recebem fraco contributo crítico da opinião publicada. A debilidade das políticas e do pensamento político resultam, em parte, de um fraco grau de exigência em termos de opinião publicada o que cria uma verdadeira quadratura do círculo de condicionamentos negativos: às politicas desportivas, à opinião publicada e às opiniões públicas.
Não pretendemos com estas palavras diabolizar a comunicação social e a ela tudo responsabilizar. Não podemos também ignorar excelentes trabalhos que foram produzidos a propósito da participação nacional nos jogos olímpicos. Apenas procuramos interpretar um sistema global com peso na “consciência crítica “ da realidade.
O mesmo problema se coloca ao nível das lideranças (ou da sua ausência) aspecto que os recentes jogos olímpicos vieram colocar de um forma, para alguns surpreendente mas, para outros, confirmando uma tendência profunda no sistema desportivo português. Lideranças de topo e intermédias que colocadas à prova perante circunstâncias adversas sossobram às primeiras investidas do vendaval mediático. Revelam que não aprenderam com erros anteriores. E que o problema da participação olímpica não pode dizer respeito apenas à preparação desportiva dos atletas.
Mas não vale apena alimentar ilusões.O frenesim crítico agora registado não é novo. A incomodidade nacional com o ocorrido é passageira. A governação “turbo”do tipo desta vez é que vai ser! é episódica. Tudo isto é cíclico. Vem e vai como a espuma das ondas. E os paralimpicos, os jogos do nosso encantamento, estão a chegar. E com eles a habitual “epopeia das medalhas”e dos “bons exemplos”. Nada disto é novo. Tudo isto é fado!