A colocação da questão nos termos que são publicamente conhecidos, Porto ou Lisboa, passa ao lado do essencial. Dá por adquirido o que não está discutido: qual é o valor, do ponto de vista do interesse público, que tem um evento com aquelas características que justifique a afectação de significativos recursos públicos e a concorrência ente cidades/regiões para o acolherem? O acalorado debate político tem pertinência do ponto de vista do interesse do país? Tenho muitas dúvidas. Gostava que demonstrassem o que perde o país em a corrida dos aviões ir voar para outros céus. Ou se é difícil com o mesmo dinheiro público optar por uma outra iniciativa com maior retorno para o país. Coisa que, para quem tudo faz para a acolher, deve ser fácil de explicar.
Bem sei que colocar a questão nestes termos fará reunir o coro dos habituais pirómanos e festivaleiros políticos e de quem lucra com a eventomania. E que este tipo de acontecimentos - a que se pode juntar a titulo exemplificativo as corridas de pópós na Boavista no Porto, o Rock in rio em Lisboa, o Dakar.os festivais de rock no Verão e um sem número de eventos musicais, culturais, desportivos, etc, que de norte a sul do país sobrevivem à custa do dinheiro público - animam o comércio local ,a hotelaria e “dão nome “ e visibilidade à terra. Também sei que, alguns , são eventos que atraem multidões e televisões. E que têm muitos entusiastas. Tudo bem. Que paguem o seu entusiasmo. Mas não peçam que quem não gosta ou frequenta essas iniciativas seja solidário com a despesa. A menos que o custo tenha óbvias vantagens para a comunidade no seu todo.
Os efeitos deste tipo de eventos são efémeros. Esgotam-se em poucos dias. E os benefícios económicos para o país decorrentes da sua realização não são óbvios. O país não vive com folga financeira para se dar ao luxo de pagar festas que servem de divertimento a muitos e de lucro a uns poucos. Operações desta natureza, ligadas a interesses comerciais privados de muito difícil escrutínio, exigiriam uma extrema cautela na colocação de dinheiro público. Por isso, discutir se o dinheiro público dever ser gasto mais em Lisboa ou no Porto é interessante. Mas sê-lo-ia ainda mais se, antecipadamente, se discutisse, se vale a pena gastá-lo.
O centralismo político existe. A concentração de grandes investimentos públicos em eixo geográficos de maior proximidade com a capital é óbvia. Mas a luta contra o centralismo (ou a defesa da regionalização por exemplo…) não pode ser feita sem uma discussão sobre a redistribuição de poderes em ordem ao seu uso e aplicação. Se a descentralização (ou desconcentração, ou a regionalização …) se traduzir, apenas, numa multiplicação de pequenos poderes que imitam os hábitos e práticas dos poderes centrais é desastre à vista. Seria mais do mesmo.
Os tiques centralistas não se combatem com causa menores e pífias como a corrida dos aviões. Combatem-se com políticas alternativas que ajudem a desenvolver as regiões, criando empresas, trabalho e riqueza e ajudando a melhorar a qualidade de vida das comunidades e das populações. Gastar mal o que é público, infelizmente, não é pecado apenas do poder central. E ter muitos mais a imitá-lo é um risco a evitar. Que me desculpem os que pensam de modo diverso. Mas a boa noticia seria que os aviões iriam para outros céus. E que, nos de cá, a brincadeira não nos custava um cêntimo. No Porto, em Lisboa, em Évora ou no Funchal.