No domingo passado foi mais uma vez assinalado o dia internacional da mulher, no meu entender cada vez menos como homenagem, consagrada em 1910 numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, às operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque que entraram em greve em 1857 para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas e a diminuição do fosso salarial entre homens e mulheres, mas sobretudo como um dia de alerta para as múltiplas discriminações e desigualdades de género que ainda se constatam no séc. XXI.
Atente-se que hoje, passados mais de 150 anos daquela reivindicação, muitas mulheres continuam a viver a mesma discriminação que aquelas operárias viviam: salários diferentes para trabalho igual. E a diferença não é tão significativa assim, enquanto hoje a disparidade salarial entre homens e mulheres, em Portugal, ronda os 20%, naquela altura, nas 16 horas de trabalho diárias, as mulheres recebiam menos de um terço do salário dos homens.
Continuamos, pois, a assistir neste dia a debates, sondagens, conferências, que assinalam os progressos nos direitos das mulheres, nas suas carreiras, nos seus estatutos pessoal, social e familiar e onde são relevados sobretudo a dignidade da mulher e a matéria de direitos humanos que a mulheres e homens diz respeito, pois tanto elas como eles devem contestar e rever preconceitos e limitações que às mulheres são intoleravelmente impostos.
Se em diversos domínio sociais este dia ainda faz todo o sentido como prevenção, alerta e sensibilização para múltiplos problemas e dramas como, entre muitos outros, a violência doméstica, que continua a ser causa de morte para muitas mulheres, a dificuldade de acederem às posições de top na hierarquização organizacional, as múltiplas discriminações invisíveis que obstaculizam a progressão nas carreiras, o facto de serem as primeiras vítimas da exclusão, da pobreza ou do desemprego, será que também no domínio desportivo fará algum sentido?
Não pararíamos de assinalar as discriminações e as desigualdades de tratamento que as raparigas e mulheres são alvo na utilização e acesso das instalações desportivas, nas remunerações inferiores de muitas treinadoras, na política de aplicação de recursos materiais nas equipas e selecções femininas, na ausência de mulheres nos órgãos sociais das instituições desportivas. Hoje faremos apenas alusão à discrepância intolerável que continua a existir nos montantes de prémios atribuídos aos sectores femininos e masculinos em determinadas provas desportivas.
Duas provas bem recentes ilustram a anormalidade que aqui quero deixar expressa: o XVI Grande Prémio de Marcha Atlética de Gaia, de 21 de Fevereiro passado, apoiado pela Empresa Municipal Gaianima (C. M. Gaia), no qual o valor atribuído aos escalões femininos correspondia, para alguns, a 50% do valor atribuído aos masculinos e só após um protesto da Associação Portuguesa Mulheres e Desporto o valor dos prémios para o escalão sénior feminino foi igualado ao valor dos masculinos, mantendo-se contudo as diferenças para os escalões sub-23 e júnior; e a 19ª Meia Maratona Internacional de Lisboa do dia 22 de Março próximo, cuja tabela de prémios monetários divulgada pela entidade organizadora, explicita valores iguais atribuídos apenas para os 3 primeiros lugares dos escalões masculinos e femininos que correspondem aos lugares do podium. Nas classificações seguintes até ao 10º lugar, com a excepção do 7º lugar, os valores para as classificadas femininas representam 80%, 66%, 75% e 50% do valor atribuído para a mesma classificação masculina.
Que adianta sublinhar que a igualdade entre mulheres e homens é um princípio constitucional, que é uma das tarefas fundamentais do Estado, responsabilidade inequívoca quer da Administração Central, quer da Administração Local?
Que adianta acrescentar que a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) determina, no seu artigo 2º os princípios da universalidade e da igualdade prevendo que «a actividade física e o desporto devem contribuir para a promoção de uma situação equilibrada e não discriminatória entre homens e mulheres»?
Que adianta relembrar que o III Plano Nacional para a Igualdade, publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2007, de 22 de Junho, vincula as entidades públicas e todas as pessoas que asseguram o serviço público ao cumprimento da igualdade entre os sexos, chegando mesmo a incluir nas suas medidas a questão dos prémios monetários nas competições desportivas?
Adianta muito…!! Quanto mais não seja constitui a base legitimadora para todas as vozes que não se cansam de apregoar aos quatro ventos as irracionalidades e as aberrações que invadem ainda muitas das mentes humanas e assim pugnar pela sua superação.